Poucas siglas no futebol são tão facilmente reconhecíveis como o mítico trio de letras que fez de Jean Pierre Papin um dos jogadores mais amados do futebol europeu a final dos anos 80. O eterno goleador de Boulogne-sur-Mer não só desafiou a razão ao vencer um Ballon D´Or como transformou-se num ícone para um futebol gaulês rodeado de pontos de interrogação. O seu faro para o golo marcou profundamente a sua carreira mas foi o seu estilo simples e honesto que lhe permitiu distanciar-se dos enfant terribles que França teimava em produzir com insuspeita assiduidade.
Em 1986 a revista Onze realiza uma reportagem sobre um flamante dianteiro que surgia surpreendentemente na lista de Michel Hidalgo para o Mundial do México. O jogador aparecia vestido como um camponês, com boina e casaco à altura do majestoso cajado, e um ar que lhe permitia confundir-se com qualquer outro filho da província do hexágono. Longe do glamour de hoje ou do ar rebelde da maioria dos seus contemporâneos, essa imagem de JPP eternizou-o ao longo da carreira. O mais humilde dos guerreiros gauleses tornou-se também num dos mais bem sucedidos futebolistas da sua geração.
Papin viajou ao México junto a Platini, Giresse, Genghini, Tigana e companhia. E marcou, como só ele sabia, o golo da vitória frente ao Canadá e um dos tentos que confirmaram o terceiro posto da França no torneio. Seria o seu primeiro Mundial. E o último também. Com o ocaso azteca a selecção gaulesa entrou numa espiral destructiva que a afastou de dois Mundiais consecutivos. O futebol internacional perdeu assim um dos seus grandes nomes nas grandes noites. A Papin restou-lhe o seu icónico papel na história dos clubes que melhor representou, os belgas do Brugge e os gauleses do Olympique Marseille. No final desse Mundial o jogador que o futebol francês tinha olhado com suspeita depois de dois anos brilhantes ao serviço do modesto Valenciennes, voltou a casa. O ano na Bélgica, com a camisola do Brugge, tinha convencido tudo e todos. 20 golos em 31 jogos foram suficientes para que Hidalgo o visse como um potencial dianteiro para uma selecção com um fortíssimo meio-campo mas sem alma de golo nos últimos metros. Apesar de ter apontado apenas dois golos no torneio a sua performance foi suficiente para convencer o polémico Bernard Tapie que ele era o homem certo para o seu ambicioso projecto em Marselha. Começou uma história de amor que durou meia década.
Durante esses seis anos a conexão entre JPP e o público marselhês tornou-se na base da sua popularidade.
Os números eram incapazes de mentir e a veia goleadora de Papin, ponta-de-lança da velha escola, raposa de área, consagrou-o como um dos melhores dianteiros do Velho Continente. Em 215 jogos pelos azuis apontou 135 golos, contribuiu para a conquista de um Tetracampeonato entre 1888 e 1992 e ajudou o onze gaulês a chegar à sua primeira final europeia.
Papin viveu a era mais dourada mas também conflictiva da história do clube. Inicialmente o objectivo de Tapie era aproveitar para a sua equipa a parceria que tão bons resultados parecia dar ao serviço dos Bleus de Michel Platini. Ao lado de Eric Cantona o goleador sentia-se cómodo e com o apoio directo de Chris Wadle e Abedi Pelé, a máquina goleadora marselhesa era verdadeiramente inalcançável. Mas os problemas de Tapie com Cantona - emprestado dois anos consecutivos a Bordeaux e Montpellier - e as suspeitas de doping e jogos comprados (como se provou na polémica OM-VA) ensombraram a magnifica carreira do dianteiro que venceu por cinco anos consecutivos o prémio de Melhor Goleador da Ligue 1. Se em Marselha a sua parceria com Cantona se desfez, ao serviço dos Bleus foi o jogo combinado de ambos que permitiu a Michel Platini lograr um apuramento histórico para o Euro 92 (depois de falhadas as classificações para o Mundial de Itália e o Euro da Alemanha) com oito vitórias em oito jogos e Pappin como máximo marcador da ronda de apuramento. Mas na Suécia, apesar dos seus dois golos (os únicos dos Bleus) a França desiludiu num grupo que parecia feito à sua medida. Depois do empate com Inglaterra e Suécia, a derrota com a surpreendente Dinamarca condenou os gauleses a uma eliminação precoce que só ia anunciar a depressão maior de ser eliminada em casa, pela Bulgária, na corrida ao Mundial dos Estados Unidos. Por essa altura JPP já era um ícone global, o primeiro francês desde Platini a lograr convencer os jornalistas da France Football a atribuírem-lhe o prémio Ballon D´Or.
Resultado de uma época memorável, o triunfo foi polémico porque ficou claro que a divisão de votos entre os jogadores do Estrela Vermelha - Dejan Savicevic e Darko Pancev - facilitou a vitória de um homem que mostrou o seu lado mais cinzento nessa mítica final de Bari. Depois de várias tentativas - incluida a da meia-final do ano prévio com a mão de Vata a eliminar os gauleses - o Marseille de Tapie finalmente logrou o apuramento para a final. Cantona estava castigado pelo clube, Papin foi deixado só na frente de ataque e o jogo entre os excitantes jugoslavos e os habitualmente ofensivos franceses transformou-se na mais aborrecida final da história. Os penaltis decidiram o titulo e a sorte (e o carácter) deu o triunfo aos encarnados.
Foi o canto do cisne para JPP que disputaria mais uma época triunfal em Marselha antes de rumar a Milão onde outro megalómano empreendedor, Berlusconi, já tinha pensado nele para o futuro do seu AC Milan, orfão do génio de Ruud Gullit e preso pelas lesões de Marco van Basten. O presidente pagou 10 milhões, o recorde à época, pelo Ballon D´Or mas o investimento nunca esteve à altura das expectativas.
Em Milão Papin deixou de ser o protagonista a que estava habituado. Começou a viver entre o relvado e o banco com perigosa assiduidade já que o seu técnico, Fabio Capello, entendia que era um jogador que não ajudava o colectivo nos aspectos defensivos da mesma forma que Massaro ou Simone. Papin terminou o ano com 13 golos (a sua pior média em oito anos) tantos como van Basten que passou mais de metade da época (lesão que acabaria com a sua carreira definitivamente). O opúsculo chegou na final de Munique. O "seu" Olympique Marseille seria o rival do AC Milan e para cúmulo da sua desgraça os franceses venceram - com um golo de Boli, de cabeça - e JPP não saiu do banco. Mais tarde o titulo foi retirado aos franceses mais isso não apagou a dor do dianteiro que ficou ainda mais um ano ao serviço dos italianos (cada vez mais como figura secundária com apenas três golos) antes de partir para Munique onde marcou três golos em dois anos ao serviço do Bayern (marcados pelas lesões) e Bordeaux, um clube que marcou o seu regresso a França que se eternizaria nos oito anos seguintes por clubes de segundo nível como Guingamp, Saint-Perroise ou Cap-Ferrat.
Ofuscado pelo sucesso tremendo da geração que o seguiu, a de Zidane e companhia, a JPP custou-lhe dizer adeus aos relvados e mais ainda arrancar na sua nova etapa como treinador. O herói loiro de Marselha conseguiu promover o Strasbourg à Ligue 1 em 2006 mas uma revolta no balneário afastou-o do comando do projecto do clube do Sarre no ano seguinte. Curtas passagens por Lens e Chateroux não deixaram saudade e a história teve de contentar-se com a imagem, de braços no ar, cabelo ao vento, de um homem que apontou 225 golos em 420 jogos, um dos registos mais implacáveis da história de um futebol gaulês que nunca mais conheceu um avançado com tanto apetite pela baliza alheia.