Na imensa distância do lar o futebol joga um papel tão importante na inclusão social como qualquer outro ritual urbano moderno. Tim Parks, jornalista inglês radicado em Itália, sentiu-o desde o primeiro momento e durante 20 anos manteve-se profundamente apaixonado por um clube que não lhe dizia absolutamente nada. Dessa história de amor nasce um livro de viagens, de reflexões e de amor sobre um clube que funciona perfeitamente como o espelho do amor por um jogo inimitável.
Quando Tim Parks chegou a Verona o clube local não era mais do que um de um mar de entidades que lhe eram totalmente desconhecidas. Vinte anos depois tornou-se numa paixão absoluta, num leit motiv perfeito para deambular pela essência do adepto de futebol.
A Season With Verona é um dos livros mais apaixonantes alguma vez escritos sobre o mundo do futebol porque se centra nessa figura ambigua, apaixonada e intensa que é o adepto. Ao contrário de Fever Pitch, longa e romântica história de amor ao clube de infância, nesta obra temos um emigrante que descobre na cidade de acolhida um clube com quem cria um laço que reflecte a sua relação com a sua nova comunidade. A ponto de se tornar no motivo perfeito para o seu livro.
Park decide escrever um diário pessoal e único sobre uma temporada completa do Hellas Verona. Em cada capitulo descreve um (ás vezes dois) jogos que assiste piamente, semana atrás de semana. Viaja do extremo sul do país até à zona mais a norte, dos Alpes ao estreito de Messina e sempre com o pensamento gialloblu no coração. Nas suas peregrinações faz-se acompanhar dos adeptos mais ferrenhos, a celebre Brigatta - uma das mais icónicas claques italianas - mas também dos jogadores e staff directivo, outros jornalistas italianos e até mesmo de velhos companheiros de luta. De autocarro, avião ou comboio sem esquecer as caminhadas a pé à volta do Bentegodi, santuário local do Hellas, respira-se futebol em cada letra tipografada com a retundância de um remate que cheira a golo. O livro começa no inicio de uma época cheia de interrogações e termina com o drama de um play-off que determinará o futuro da equipa. Um projecto desportivo que não deixa de ser icónico tendo em conta que o Verona é um dos muitos pequenos-grandes italianos que povoam a rica Serie A, com um historial polémico às costas e com um titulo, logrado em 1985, no único ano em que o Calcio esteve, verdadeiramente, limpo.
A obra do autor britânico permite explorar não só o universo futebolistico do clube (as tácticas, as incorporações, os veteranos no plantel) mas sobretudo o espelho social de uma cidade conhecida pelo seu pensamento conservador de extrema-direita e que usa o calcio para fazer-se ouvir um pouco por todo o Mundo. O sucesso do Hellas é, para os veranoeses, algo de que orgulhar-se.
Nada escandaliza em A Season With Verona porque tudo é profundamente genuino. Os sucessivos insultos aos clubes do sul, a luta entre claques, as cargas policiais e as suspeitas de jogos comprados, a droga, a prostituição e o submundo de clubes comprados e vendidos longe do coração das bancadas, sempre despertar na Curva.
Os habituais seguidores destas lides recordam-se bem dessa equipa de Elkjaer Larsen de 1985, um fantasma omnipresente nas alcunhas de muitos dos adeptos que vão fazendo parte desta história, mas esta obra é profundamente moderna porque anuncia já, de certa forma, o ocaso da Serie A antes que este fosse verdadeiramente oficial e, sobretudo, o fim de projectos de sucesso onde o papel do adepto se sobrepõe ao do proprietário. Se a obra segue o estado de ânimo de um adepto que reflecte o sentimento comum também é verdade que nos deixa pistas sobre a gestão profissional dos clubes, a relação (ou ausência dela) entre os jogadores e os fãs e sobretudo o papel de uma direcção que transformou ma entidade desportiva num negócio, espelho fiel de 99% dos clubes profissionais dos nossos tempos.
Deambular por Itália ao sabor do grito das Brigatta não só motiva Tim Parks a explorar a sua escrita mais ousada como dá ao leitor um fidelissimo retrato do que é o sentimento futebolistico do povo italiano, de norte a sul, de carro ou a pé, num domingo pela tarde ou num triste sábado à noite. Imaginamos o cimento das bancadas, as letras dos cartazes, as cores garridas nas camisolas, os adeptos a gritar a uma só voz...a essência do adepto sente-se, profundamente, a cada virar de página.