Pode resumir-se a história futebolistica de uma nação em dez jogos? A resposta mais natural e honesta é não mas Jonathan Wilson encontrou o antidoto à descrença e soube resumir no seu brilhante Anatomy of England como o futebol britânico evoluiu (ou talvez não) durante 80 anos e dez jogos com os três leões ao peito. Leitura imperdível do grande pensador moderno do beautiful game...
Começamos numa tarde soleada em Madrid e acabamos no drama de uma noite chuvosa londrina.
Duas derrotas, dois jogos marcantes, que ajudam a definir bem o circulo em que vive o futebol britânico. Para muitos o berço do mais belo jogo inventado há muito que vive num loop constante de altos e baixos mas sem linhas rectas e caminho a seguir. Anatomy of England - A History in 10 Matches segue essa filosofia à medida que nos mostra como os ingleses que inventaram o jogo foram também os primeiros que deixaram de o pensar e que desde então vivem, sobretudo, da fama lograda com tamanha paternidade.
A primeira derrota internacional frente a uma modestissima Espanha e a eliminação na fase de qualificação para o Euro 2008 resume esses 80 anos de vais e vens onde co-existiram momentos de pura brilhantez com decepções inombráveis, habitualmente mais dos segundos do que dos primeiros. Não é coincidência que Wilson, certeiro em toda a estrutura da obra, queira ter arrancado e terminado com duas derrotas, dois jogos que os ingleses nunca pensaram que poderiam perder e que, por isso mesmo, espelha bem a debilidade moral de uma nação que vive eternamente da nostalgia de dias perdidos. Como os saudosos do Império, também os homens do futebol inglês continuam a ver-se como o centro do mundo futebolistico quando, realmente, há quase um século que o deixaram de ser.
O karma do futebol inglês vem da sua própria genese.
A crença na eterna superioridade, a defesa do ideário moral dos dias de um desporto victoriano ainda não se soltaram definitivamente da psique de um país onde a garra e o querer são mais bem vistos que o saber como ganhar. Os ingleses continuam a preocupar-se em demasia com a imagem que dão, de galhardia, da carga da brigada ligeira, do que propriamente em estudar formas de ir mais além. Curiosamente - ou talvez - não, como explora bem Wilson no equador da sua obra, a única vez que a Inglaterra deixou de ser Inglaterra, venceu um Campeonato do Mundo.
Os "wingless wonders" foram a única inovação táctica real - o primórdio desse 4-4-2 losango - que permitiram aos ingleses sentirem-se genuinamente superiores aos demais durante um curto espaço de tempo. E como Wilson explica, até essa sensação se cristalizou no mandato eterno e perdido no tempo de um Alf Ramsey que soube inovar mas que depois, curiosamente, se mostrou tão inflexível como aqueles mesmos que criticava, o que propiciou o fim da era dourada do futebol internacional inglês, entre 1968 e 1972.
Anatomy of England é mais do que um livro sobre a evolução do jogo. É um espelho profundo da sociedade inglesa, a mesma que adorou a pés juntos o talento de Paul Gascoine - figura chave em três dos jogos citados - e que olhou sempre com desdém para um Keevin Keegan que foi, até Michael Owen, o último inglês a ser coroado como o melhor do velho continente. O país que assobiou os seus durante o polémico reinado de Howard Wilkinson mas que perdoou tudo - ao contrário do que a FA podia imaginar - ao irrequieto Terry Venables, o único homem que remou contra a corrente em três décadas.
A obra que arranca com a derrota em Madrid e termina com a eliminação diante da Croácia recupera as brilhantes vitórias em Itália (1949), frente à Argentina (1966), França (1982) e Holanda (1996). Mas também não esquece a humilhação húngara de 1953, a vitória histórica da RF Alemanha em 1972 e mais tarde em 1990 e o desastre completo que foi o mano a mano com a Noruega na fase de qualificação para o Mundial de 1994.
Ao longo de 432 páginas a escrita contagiante de Jonathan Wilson permite não só uma análise certeira a cada um dos dez jogos - que imaginamos a decorrer diante dos nossos olhos - como também entender os antecedes e as consequências de cada duelo o que realmente transforma cada jogo num resumo perfeito de cada época. Seguindo a estela dos seus livros anteriores (The Inverted Pyramid e Behind the Curtin) estamos diante de um dos livros mais importantes da última década.