Há algo curioso nos regressos de velhas glórias. Uma sensação do passado perdido que se encapsula num momento que não é real. Thierry Henry decidiu entrar nessa perigosa viagem. Durante dois meses (como minimo) voltará a ser o gunner que todos aprenderam a admirar. Aquele que foi, talvez, um dos mais espantosos jogadores da década passada quer voltar a encantar Londres com a sua magia. Mas à sua volta estará sempre a inultrapassável sombra da sua grandeza...
Há um mês, na inauguração da sua estátua à frente do novo Emirates Stadium, Henry chorou.
Sentiu-se profundamente a ligação entre o jogador francês e o clube que o acolheu e transformou numa estrela mundial. Henry e Arsenal são sinónimos do mais belo futebol que se disputou nos terrenos europeus na última década e meia. O francês, perdido nas reservas da Juventus, ajudou a transformar o clube londrino numa potência continental. Com Arsene Wenger encontrou o seu estilo e fez-se referência máxima do futebol champagne dos gunners que sem ele já tinham quebrado o dominio do Manchester United. Com ele lograram algo mais. A eternidade.
Henry liderou a equipa londrina na chamada época dos Invencibles. Levou o clube à sua única final da Champions League e no final do jogo, com a transferência para o Barcelona apalavrada, adiou por um ano a mudança de ares por sentir que devia algo aos adeptos. Uma relação assim não se constroi com o tempo, nasce de forma expontânea. E entre Thierry Henry e o Arsenal a felicidade superou sempre a tristeza.
Depois de 10 anos no clube o gaulês mudou-se para Barcelona, um velho sonho, e depois de três anos complexos decidiu migrar aos Estados Unidos, país por que sempre professou uma sentida devoção. Agora, na pausa da MLS como já o fez David Beckham, decidiu voltar. A casa. A Londres. Ao seu Arsenal.
E no entanto é sempre perigoso voltar onde já se foi feliz.
Poucos jogadores causaram tanto impacto numa equipa como Henry quando chegou a Londres. Tornou-se no herdeiro de facto de Ian Wright (depois da experiência de Anelka) e no parceiro perfeito para as diabruras de Dennis Bergkamp. O técnico francês Arsene Wenger, que o lançou às feras no seu baby Monaco, colocou-o como falso dianteiro, descaido no flanco esquerdo, e causou uma verdadeira revolução no estilo de jogo dos gunners. Com Ljunberg, Pires, Bergkamp e Vieira o francês formou um quinteto perfeito que marcou um antes e um depois na evolução táctica do futebol inglês. Como outro francês, Cantona, anos antes, quebrou com o hermetismo táctico da Premier e ajudou o Arsenal a ganhar o pulso de hegemonia ao Manchester United. Foi sol de pouca dura mas enquanto brilhou foi resplandecente.
No final da sua etapa em Londres o fisico já começava a dar sinais de cansaço mas como provou no Mundial de 2006, a sua inteligência de jogo tinha há muito superado as suas habilidades fisicas e agora o mitico 14 era um jogador mais completo do que nunca. Foi quando decidiu partir, de mutuo acordo com o seu mentor (resignado como sempre e já preparado para dar a batuta da equipa a Cesc Fabregas) para um projecto que sempre o apaixonou, o Barcelona. Os adeptos do Arsenal podiam ter lamentado a sua partida mas visto o que conseguiu em Can Barça o certo é que podem guardar a sensação de terem tido o melhor Henry de sempre.
Agora, cinco anos depois, Henry está longe de ser um jogador de top. O fisico abandonou-o totalmente, a mente já pensa mais na luxuosa reforma a que tem direito e daquela chispa que fez dele um num milhão ficaram as lembranças. Os adeptos do Arsenal certamente sentirão algo no estômago quando o voltarem a ver a entrar em campo com o canhão no coração mas talvez, secretamente, as suas esperanças de ver algo mágicamente henryano se transformem numa doce decepção. Tal como Beckham provou no regresso do seu auto-imposto exilio, as velhas glórias quando regressam aos palcos europeus parecem pertencer a outra era, a peças de museu sagradas, brinquedos de antiquário misturados com modernices contemporâneas.
Talvez tudo isso passe pela cabeça de Henry. Talvez não. Como se pode discutir um grande amor? Mas o passado ensinou-nos que estes regressos á gruta perdida do tempo perfeito e pretérito muitas vezes transformam-se numa memória que só queremos esquecer. Para a esmagadora maioria dos adeptos e amantes de futebol, Henry pertence a outra era a outro mundo, este clone seu poderá tentar emular os seus dias de glória, os dias em que foi o maior atleta europeu do Mundo. Mas secretamente sabemos que o original continua lá, no passado, a rasgar o mundo com um sorriso...