No meio do deserto de ideias em que vive o futebol português a hipotética ideia de ressuscitar as equipas B num formato distinto ao seu modelo original é uma lufada de ar fresco. Insuficiente, dentro de um contexto muito mais lato, mas um passo correcto para uma realidade indismentível e que exige uma resposta imediata por parte de clubes e organizações directivas. No entanto a forma como se arranca o ideário deixa no ar algumas dúvidas pertinentes sobre um outro - e tão grave problema - do futebol luso como é o eventual fim de muitos projectos desportivos que até hoje sobrevivem por um fio.
Em 1999, quando a Federação Portuguesa de Futebol, através de uma equipa de trabalho que incluia Jesualdo Ferreira, apresentou a ideia das equipas B (um modelo já praticado em Espanha há décadas), capaz de emular a politica de equipas de reservas que existiram durante muitos anos no futebol português e que subsistem, ainda hoje, no futebol britânico, os aplausos foram generalizados.
Mas o projecto foi um fracasso imediato. A forma como se estruturou o projecto tornou-o imediatamente num nado morto. O impedimento das equipas serem promovidos a uma Liga de Honra a 18 equipas condenava no fundo os jovens futebolistas de FC Porto, SL Benfica, Sporting CP ou Maritimo a actuar eternamente contra jogadores amadores da 2º Divisão B. Perante esse cenário frustante tornou-se evidente que o projecto das equipas B era mais um encargo que uma solução. Os clubes acabaram por entender que era mais prático recuperar a velha fórmula do empréstimo, tão em voga desde finais dos anos 80, do que perder rendimento com um projecto sem futuro. Doze anos depois só a equipa do Maritimo sobreviveu, provavelmente devida à sua particular condição insular, e com um sucesso digno de menção honrosa.
Resgatar então o ideário das equipas B pode parecer um erro à primeira vista. Mas o contexto é outro. E a necessidade evidente.
Em 1999 o futebol português ainda não tinha entrado na sua era de ouro. A selecção A estava prestes a apurar-se para o Euro 2000, apenas a sua quinta grande competição em 80 anos. Os clubes portugueses não marcavam presença numa final europeia há uma década e os grandes nomes lusos contavam-se pelos dedos das mãos. A vitalidade de clubes de médio nivel era evidente na figura do Boavista, Guimarães, Maritimo e Braga de então e a liga lusa, apesar da invasão brasileira, ainda era maioritariamente composta por jogadores da casa. Doze anos depois, o dilúvio, como diria Luis XV, é evidente.
Entre a ilusão de uma década imaculada da selecção A, de três titulos europeus (e dois finalistas vencidos) e da consagração mundial de Figo, Mourinho e Ronaldo esconderam-se os problemas graves e estruturais do futebol nacional. Do descontrolo das contas dos clubes, do desaparecimento das equipas médias, da redução de equipas do futebol profissional, dos excedentes de jogadores estrangeiros e, sobretudo, do abandono da formação, aquilo que, precisamente, ajudou a transformar Portugal numa nação periférica num país capaz de olhar nos olhos das grandes potências desportivas. O final da herança do projecto Queiroz, apoiado pelos clubes nas suas próprias estruturas internas e, sobretudo, alimentado pelos clubes médios, abriu um fosso tremendo que começa agora a ser evidente. Entre as decisões mais importantes para reverter o rumo a formação ocupa um papel fulcral num país sem rendimentos para competir com o poderio financeiro doutras ligas. As equipas B são uma das soluções possíveis. Não a única, não a mais importante mas, seguramente, uma das mais certeiras, especialmente com a confirmação da UEFA da utilização definitiva da regra 6+5.
Segundo o projecto que será levado à próxima reunião da Liga de Clubes, o projecto federativo propõe o ressuscitar das equipas B apoiado por seis clubes. Ao Maritimo juntam-se Braga, Guimarães e os três grandes. As equipas só poderiam inscrever por cada jogo a três jogadores com mais de 23 anos (para recuperar atletas fora de forma da equipa principal, como sucede nas ligas de reservas inglesas) e tinham de ter inscritos 22 jogadores de formação do próprio clube que nunca poderiam alinhar pela equipa principal num periodo minimo de 72 horas.
A grande questão das equipas B foi a sua colocação errada num contexto amador como é a 2º Divisão B. Por isso foi fundamental a ideia de abrir definitivamente as portas da Liga Orangina com o inevitável impedimento de promoção à Liga Sagres, como sucede em Espanha ou Alemanha, por exemplo (o Barcelona B, na época passada, não só alimentou os campeões da Europa com jogadores como Thiago ou Fontás como terminou em lugares de play-off a liga regular). No entanto a forma como se introduzem as equipas obriga às habituais soluções de compromisso das entidades lusas. Em lugar de estruturar a competição a Liga toma o caminho mais fácil e aumenta para 22 equipas a competição, insinuando que pode contribuir também para mudar o número de promovidos e despromovidos entre as ligas profissionais de dois para três conjuntos bem como a despromoção progressiva de mais uma equipa para a 2º Divisão B nos próximos seis anos até voltar a nivelar os seus números de participantes a um minimo de 18.
Na prática esta medida revela condições importantes. Hoje clubes como Sporting, Benfica ou FC Porto têm listas de dezenas de jogadores emprestados por vários clubes lusos e estrangeiros. Esta medida permitirá a Domingos, Jesus e Pereira a possibilidade de trabalhar lado a lado com esses Miguel Rosa, André Almeida, Nuno Reis, Cedric, Atsu ou Diogo Viana que significam, de certa forma, o futuro dos grandes de Portugal. Uma medida que também permitirá aos clubes grandes aligeirar a ficha de gastos no plantel principal já que dispõem de uma equipa alternativa que pode alimentar o plantel principal. Para os jovens de 18 anos saídos dos juniores (ou alguns titulares menos usados) competir com Belenenses, Leixões, Santa Clara ou Oliveirense não será muito diferente do desafio de defrontar os Feirense, Olhanense ou Gil Vicente que irão encontrar na Liga Sagres. Enquanto competem com rivais de maior nivel estão às ordens da equipa principal em lugar de passar um longo interregno, longe de casa, muitas vezes passando desapercebidos dos directivos e técnicos. Assim acabaram os Paulo Machado, Helder Barbosa, Vieirinha, Fábio Paim, Danilo Pereira e companhia do passado.
Se essa medida é importante para reforçar o papel dos jovens de formação nos seus clubes base (recordamos o gritante exemplo do FC Porto que não conta com um só jogador da sua formação na equipa principal o que implicou a penalizou da UEFA de inscrever apenas 21 jogadores na Champions League) a verdade é que também tem o seu reverso da medalha.
Desde há vários anos para cá que a politica de contratações dos clubes lusos se tornou numa máquina de importação fora do controlo. Os grandes (mais o FC Porto e menos o Sporting com o Benfica a inverter, agora, a tendência) lideraram o processo mas os pequenos e médios rapidamente os imitaram e de certa forma abandonaram também a sua formação. Se Figo, Baía e Rui Costa sairam dos grandes, Pedro Barbosa, Sá Pinto, Nuno Gomes ou Costinha sairam de clubes médios e pequenos. Esse fenómeno tornou-se um oásis no Bessa, Restelo, D. Afonso Henriques, AXA, Bonfim, Municipal de Coimbra...desde há muitos anos. Os clubes passaram a limitar-se a importar de forma impulsiva e a depender dos empréstimos dos jovens (e erros de casting) dos grandes para fechar os planteis. Isso significava menos gastos e uma dependência politica que Porto e Benfica souberam aproveitar bem criando verdadeiras relações de dependência com várias instituições.
Sem dinheiro, sem jogadores da casa, muitos desses clubes irão passar graves problemas quando os grandes deixarem de emprestar jogadores, desviando-os para a sua equipa B. Terão de encontrar rapidamente soluções para não cair no erro do Boavista ou Belenenses, clubes que andaram anos na corda bamba até que a corda finalmente se rompeu.
Um problema que terá consequências em projectos que acabarão como os Salgueiros, Alverca ou Estrela da Amadora do passado mas que será inverso na Liga Orangina. Com rivais das equipas B as equipas da segunda liga terão mais atenção, mais espaço mediático e estarão mais expostos aos clubes de primeira que queiram observar as jovens promessas em acção. Um aumento do interesse pelas equipas da prova pode equilibrar, e muito, o equilibrio da balança desportiva de várias instituições até hoje relegadas para segundo plano.
No fim de isto tudo está o futebol nacional como tal. A presença de equipas B dinamiza uma liga profissional abandonada, fomenta a formação, especialmente entre os grandes e sobretudo dá espaço e minutos para jogadores jovens começarem a ganhar o seu espaço. Se essa foi a bandeira do futebol luso até 2002 - e a base do seu sucesso - esse terá de ser o ponto de partida desta nova etapa. Se Nelson Oliveira, Miguel Rosa, André Almeida, Mika, Nuno Reis, Cedric, Sanu, Atsu, Viana e companhia começarem a ter minutos nas pernas, chamadas às equipas principais e reconhecimento público pode ser que a renovação geracional que se adivinha tão dificil se transforme num processo menos turbulento.
Claro que a ideia no papel funciona sempre melhor do que na prática, especialmente se falamos num futebol como o português, cheio de ratoeiras, armadilhas e corrupção activa e passiva. O projecto tem todas as pernas para andar (o sucesso do Barça ou do Villareal B em Espanha e das equipas de reserva na Alemanha, Inglaterra e Holanda assim o diz) e pode ser uma alavanca económica e social para reinventar o futebol luso. Mas é apenas uma solução de base que necessita muito trabalho estrutural por trás e muita vontade para funcionar. As equipas B são parte de uma ponte para um futuro melhor mas a margem é longa e vai ser necessário muito mais cimento, pedra e alcatrão para chegar ao outro lado do rio...