O tornozelo a sangrar de Cristiano Ronaldo tornou-se na triste imagem da semana europeia. Traços de um jogo que se metamorfoseou nas últimas duas décadas para acabar com a repetição de imagens como esta mas que, no caminho, se transformou em mais um choque de egos, entidades e maneiras de ver o jogo. Os artistas reclamam mais protecção, os puristas defendem a essência milenar do jogo e Platini falou em proteger, talvez exclusivamente, a Messi. Os protegidos do futebol são, cada vez mais, os alvos a abater.
Ronaldo é um tipo polémico por essência.
Tem esse condão de cair mal a quase toda a gente menos à sua mãe e à namorada de turno.
Acontece. Como ele muitos antes. Como ele muitos depois. Maradona não andou longe, quem aguentava Hugo Sanchez e Romário, que dizer de Oliver Kahn ou Steffen Effenberg e como se lembram hoje as pessoas de figuras como Eric Cantona ou Bernd Schuster?
Para Cristiano Ronaldo isso não seria problema, certamente, não fosse por esse tornozelo sangrento. Um tornozelo cosido no balneário do Dynamo Zagreb com três pontos e que o impedirá de jogar, como mínimo, a próxima semana. Um tornozelo, claro, que sofreu as consequências de um jogo duro e permissivo do meio campo da equipa croata (que fez uma excelente exibição, deixando um superior Real Madrid à beira de um ataque de nervos). E que se tornou a imagem perfeita para esta luta dos protegidos do futebol.
Desde há vários anos para cá que se formou uma corrente pública que defende que os principais artistas do jogo - os que fintam, os que decidem, os mais bem pagos, ou seja, os que vendem - sejam considerados espécie à parte. As televisões, em primeiro lugar, sabem que se um jogador como Ronaldo, como Rooney, como Messi ou como Ribery se lesionam, as audiências baixam. As marcas que os apoiam também sofrem quando o seu producto estrela andante está sentado com o pé, o braço, o tornozelo ou o joelho entre algodões. Da preocupação financeira passou-se à persuasão da opinião pública, habituada a que os grandes sofressem na pele o peso da sua grandeza. A Maradona partiram-lhe a perna sem dó nem piedade. Eusébio, Pelé, Di Stefano, Cruyff, van Basten, Muller, Best, Rummenige, Ronaldo, Platini ou Laudrup sofreram algumas das mais brutais marcações de que há memória. Batistuta mal pode andar como consequência do estado dos seus joelhos depois de tantas lesões. E o público (e os jogadores, e os dirigentes) achavam a situação normal. Nunca ninguém ponderou essa protecção extra que talvez tivesse tido influência em momentos chave na história do jogo.
Essa politica de protegidos tem uma inspiração financeira, não cabe dúvida. Mas está respaldada por uma sociedade desportiva diferente há que subsistiu até aos anos 90. Hoje o espectador de estádio é um espectador de sofá e quer ver o melhor sempre. Não tem paciência para os códigos deontológicos de um jogo que começou como um conflicto quase tribal e que se desenvolveu durante o século XX como um desporto duro, mas leal. Hoje a dureza é contestada à mínima e a lealdade questionada em todos os momentos.
A FIFA e a UEFA, atentas à direcção para onde sopra o vento, fizeram eco desta nova dinâmica social e ainda este ano Michel Platini teve a audácia de reclamar aos árbitros protecção especial para Leo Messi. Pensaria só no argentino, reconhecidamente o seu jogador preferido. Pensaria em vários artistas usando o jogador do Barcelona como cabeça de cartaz? As palavras podem ser interpretadas de muitos sentidos mas o que é certo é que para a UEFA e para a FIFA há protegidos e protegidos.
Para muitos é uma questão de compleição física. Jogadores fisicamente mais bem preparados são ignorados pelo árbitro. Para outros é uma questão de carácter de quem sofre a falta e que antes dos lances já tem um historial de polémica com este ou com outro árbitro. A verdade é que o que sucedeu ontem em Zagreb não é novidade nem deixará de o ser. Principalmente porque é evidente que há jogadores (e clubes) cujos problemas institucionais com o organismo máximo do futebol europeu passam factura em momentos escalofriantes como se viveram ontem. O grito de Ronaldo quando sofreu a brutal entrada de Leko ouviu-se nos quatro cantos do Velho Continente. E no entanto o árbitro norueguês Oddvar Moen (que esteve correcto em quase tudo o resto, incluída a expulsão de Marcelo) olhou para o lado mesmo quando o sangue empapava a fita branca que rodeava uma meia vermelha, talvez prenúncio do que se viveria. Como é possível que um jogador a sangrar - prova mais clara, impossível - não suscite o minimo interesse da figura que coordena um jogo de alto nível só é explicável por esse conceito de "protegidos" de diferentes categorias que manejam organizações como a UEFA.
Ronaldo já sofreu na pele, há duas épocas, contra o Olympique Marseille, a dureza dos rivais e a impunidade outorgada pela UEFA. A mesma que apoia expulsões a jogadores que chutam bolas depois do apito, a árbitros que se queixam de situações e até mesmo a jogadores que nem tocam no rival antes mesmo de que qualquer choque se produza. Essa dualidade de critérios pode ser debatida até ao ponto em que um tornozelo a sangrar entra em cena. Ninguém duvidou quando Maradona rebolava pelo Camp Nou depois da brutal entrada de Goikotxea. Ninguém olhou para o lado quando Zidane agrediu Materazzi na final de um Mundial. E ninguém vê um jogador entrar de forma mais dura sobre Messi, Xavi ou Iniesta sem sofrer uma duríssima admoestação. No entanto jogadores como Wayne Rooney, Frank Ribery, Zlatan Ibrahimovic, Hulk, Bastian Schweinsteiger (trucidado por um Marchena expulso (só) à sétima falta consecutiva no duelo de ontem) e o próprio Ronaldo, apesar de artistas da bola, não entram nesse leque eleito pela UEFA e consagrado pelas arbitragens nas provas europeias dos últimos anos. Mais ainda, as palavras do extremo português, de longe o jogador menos querido pela UEFA de Platini, podem valer-lhe a ele uma suspensão. Enquanto isso Leko, que já foi um bom médio e que agora se arrasta, penosamente, pelo campo, poderá jogar contra o Lyon sem reservas ou recriminações.
Quando o futebol se joga na rua não há protegidos. Quando o futebol se joga nos escalões de formação também não. Durante quase um século anónimos gladiadores e estrelas globais sofreram o mesmo trato (que o diga Ronaldo Nazário ou Diego Maradona, por exemplo) e poucas vozes se levantavam em contra. O poder do dinheiro mudou o rosto do jogo de muitas formas e esta politica de protegidos é só mais um espelho desse apetite voraz de espectáculo de elites onde há intocáveis milionários e jogadores de segunda e terceira. Mas essa mutação até podia fazer sentido, no contexto actual, se fosse extensiva a todos os jogadores de elite. E não apenas a uns poucos. A impunidade da acção de Leko sobre Ronaldo além de grave é reincidente e, sobretudo, um convite a que para lá dos gritos, insultos e provocações, o jogador do Real Madrid (como Rooney, como Ribery, como Sneijder...) se torne num alvo claro de jogadores que encontram no golpe a única forma de quebrar o talento. Ronaldo tornou-se no anti-futebol para a esmagadora maioria dos adeptos e das instituições, de árbitros a dirigentes. No lado oposto do espelho Messi continua a ter carta branca, ditada pelo próprio presidente da UEFA e confirmada por três anos de arbitragens europeias de penoso nível, para escapar aos mais duros do jogo. Uma dualidade que só faz sentido num mundo bipolar e profundamente inclinado como o que vive hoje o futebol europeu, um futebol que oscila entre carniceiros da velha escola e génios com escolta policial.
Caro MLP,
A protecção de Platini e da UEFA ao Barcelona e a Messi já assumiu foros de escândalo, de vergonha. De facto ninguém pode tocar nos meninos e principalmente no pequeno argentino. Deve, diz-se, ser pela inscrição da UNICEF que os culés tem naquela camisola feia.
Aquilo que se passou em Zagreb tem a conivência deste umbiguista francês que nos detesta. Ele não grama o melhor treinador do mundo que é português e que não tem medo de dizer as verdades. Agora irá castigar CR7 porque ele disse mais uma. E assim irá continuar. E quanto mais falarem, mais porrada e castigos levam.
Nenhum jornalista, num qualquer lugar, tem a coragem de o confrontar, de lhe perguntar sobre estas coisas, porque eles e toda a corja que pulula à volta, o ' cúlambe '.
Um nojo e que revolta causa. Pelo menos a mim, que quero que os nossos triunfem sempre, especialmente Mou e CR7.
Cada vez mais odeio franceses e culés. E o Messi, que tem tanto de bom jogador como de caguinchas, de 'menina'. Afinal estão todos bem uns para os outros.
Saudações Desportivas
Marcelo Silva
Porta 10A
De xapac a 19 de Setembro de 2011 às 14:12
Já algum tempo que esta proteção vergonhosa a certos meninos queridos em detrimento de outros vem acontecendo. Ontem, no pouco tempo que esteve em campo, mais uma entrada assassina sobre o Ronaldo, punida apenas com um cartão amarelo. A FIFA e a UEFA controlam tudo e em nada ficam a dever a qualquer outra organização mafiosa no mundo.
Parabéns pelo post.
Parabéns pelo blog.
Marcelo,
A politica de favoritismo da UEFA nem sequer é uma novidade, outros tempos houve em que foram o próprio Real Madrid, a Juventus, o Man Utd ou o Bayern Munchen os clubes com tratamento vip. Isso também ajuda a explicar os problemas do Barcelona com a instituição na era Nuñez e a metamorfose lograda desde que Laporta chegou ao palco presidencial do Camp Nou.
Este artigo não existe porque Ronaldo é português, se fosse Rooney, Aguero ou Pazzini diria o mesmo. Existe porque é preciso ter consciência de que o futebol há muito que deixou de ser um jogo só de 90 minutos.
um abraço
De Marcelo Silva a 22 de Setembro de 2011 às 14:33
Caro MLP,
De todo é uma novidade. Tem fases e já outros foram imensamente beneficiados e protegidos ao longo dos tempos.
Só que existem uns muito mais beneficiados que outros. E se vierem desses países...
Não quero especial protecção para nenhum português, nem regimes de excepção, nem redomas para não se tocar no Ronaldo ou seja para quem for. Agora que o rapaz ' leva pau ' com fartura, lá isso leva...
E quanto ao tempo extra que o futebol tem para lá dos 90m jogados em campo, dava conversa para 326 posts seguidos e 23.238 comentários
Saudações desportivas
Marcelo Silva
blog Porta 10A
Marcelo,
Totalmente de acordo!
um abraço
De Anónimo do outro dia a 19 de Setembro de 2011 às 17:32
Sou leitor regular do blog, mas sem querer ser minimamente ofensivo, parece-me que tudo isso é bullshit. Uma teoria da conspiração contra o CR7 e Mourinho. E a mostra disso é justamente a sua opinião, conjuntamente com a opinião sr Marcelo Silva, em que, para muitos portugueses, tudo o que é português tem de ser especialmente protegido. Se não forem, é porque são odiados por quem rege o sistema.
Li um texto seu (penso eu) há uns tempos em que dizia que o que os portugueses mais gostam no futebol é extra-futebol. De facto concordo. A justificação está em todos os que insistem dizer que o melhor jogador é CR7 porque se deve apoiar o produto nacional. Os mesmos que
De Anónimo a 19 de Setembro de 2011 às 17:36
(continuação) se lembraram de festejar a conquista dos heróis da Geração da Esperança ou da Força, mas só a partir das meias finais...
De pindrikaz a 22 de Setembro de 2011 às 10:13
é o patriotismo bacoco a vir ao de cima...nao ha equipa (e duvido que homens) na historia do futebol (e desporto em geral) que tenha epoca(s) de ouro sem 'ajudas externas'...basta relembrar ao Zé Setubal a eliminatoria da sua primeira champions em Old Trafford, a de ha dois anos com o Inter (nao foram beneficiados, querem ver??!!!) frente aos culés, entre outras...Tal como o Porto, de quem se diz (e provado por escutas, penso eu de que...) ter ganho com 'frutas e viagens', o que é certo e transparece, é que sao ou foram duas equipas que mesmo sem os favores arbitrais, estavam ou estao um ou mais patamares acima de todos os outros! Agressoes?? Mourinho so tem um Pepe que deveria ter seguido carreira no rugby (e mesmo aí...ou ate mesmo wrestling!!) Choram, choram, mas nao dizem nada...
SL e desportivas
Pindrikaz,
Acho que já respondi ao seu comentário no do Anónimo, não vale a pena repetir-me ;-)
um abraço
De Anónimo a 22 de Setembro de 2011 às 17:09
Certo, mas o comentario era dirigido ao Marcelo Silva, que pelos vistos confunde certos conceitos... abraço
Anónimo,
Bullshit? Aqui não há disso.
Este artigo foi escrito com enfoque no Cristiano Ronaldo porque surge como consequência de uma entrada num jogo da Champions League ao número 7 do Real Madrid. É um raciocínio válido a qualquer jogador de futebol (e há vários citados no artigo). Pessoalmente acho que é o complexo de inferioridade que abunda em Portugal que faz o raciocínio inverso de aversão em lugar de empatia.
Para mim um português nem é mais nem é menos que um espanhol, argentino, alemão ou neo-zelandês. Nem vale mais, nem tem de ter trato preferencial nem sequer sou daqueles que gosta que ganhe a equipa X, Y ou Z só porque lá tem um português. A mim o que me incomoda neste tipo de situações é o trato de favor claro que existe por parte de uma organização que deve ser equitativa e que não o é, nada mais!
um abraço
Caro Anónimo do outro dia,
Sou Português e com imenso orgulho. Quero, espero, desejo que os Portugueses, em todas as áreas, sejam os melhores do mundo. Que triunfem e que demonstrem que, apesar do tamanho do seu pequeno país, estão ao nível dos melhores.
CR7 está e é, para mim, o melhor do mundo.
Mou também.
Apesar dos defeitos que cada um tem.
Não existe qulaquer teoria da conspiração.
Apenas factos.
E para tal basta ver os últimos dois jogos do RM.
Só não vê isto quem não quer.
Não tem que haver protecção especial para os portugueses. Tem que haver justiça.
E nem vale a pena falar em protecção especial para o pequeno Messi e para a equipa culé...
E só não vê isto quem não ver...
Sim, podemos falar do bom futebol que praticam. Mas numa famosa meia-final o Chelsea também o praticou e foi absoluta e descaradamente roubado. Mas, sem exigir especial protecção, gostava de ver isenção e justiça.
Parece que não vamos ter disso. Pelo menos enquanto Platini estiver neste poleiro.
Mas acho piada aqueles que assobiam CR7 como assobiariam Mou se ou quando o RM vier a Portugal...
Como de fossemos um país que se desse ao luxo de ter assim ' tantos ' melhores do mundo, ou génios, ou crâneos...
E se não forem os portugueses a puxarem por si próprios, quem será?
Os espanhóis? Os umbiguistas e racistas dos franceses? Os alemães?
O Tuga é uma espécie do ' camandro '.
Cambada de invejosos, de mal-dizentes, de bota-abaixistas, de cúlambistas.
É por isto que jamais seremos uma grande nação, muito menos um grande povo!
É por isso que, para se ser bom, se vai para fora! Onde se é mais facilmente reconhecido.
Aqui confunde-se sorte com trabalho.
Arrogância com competência.
Atitude com vaidade.
E por aí fora.
Mas viva Messi e a Espanha!
Viva o Barcelona e tudo o resto, desde que não seja CR7 o vaidoso e Mou o arrogante.
E para terminar lhe digo Caro Anónimo do Outro dia, eu estou sempre por Portugal, desde o 1º jogo e não apenas porque chegamos a qualquer meia-final.
Saudações desportivas
Marcelo Silva
De Anónimo a 21 de Setembro de 2011 às 13:36
Caro Marcelo,
Sucintamente, começa logo por misturar conceitos incompatíveis como justiça e orgulho, que nunca é bom prenuncio... Depois diga-me só uma coisa, acha justo Portugal estar num 5º lugar no ranking Fifa- à frente de países que ficaram mais bem classificados no Mundial e/ou que têm muito mais pontos que Portugal na qualificação para o euro? Mas tenho a certeza que isso nos enche a todos de orgulho.
PS: Na minha opinião, é por sofrermos de um complexo de inferioridade que nunca seremos um grande país.
Caro Anónimo,
Escrevi: ' Não tem que haver protecção especial para os portugueses. Tem que haver justiça. '
Depois de referir orgulho, pelo que me parece não haver confusão de conceitos.
E reforçando, tenho orgulho em ser português, no CR7 e no Mourinho mas acho, especialmente a estes dois e nos dias que correm, que não lhes é feita justiça...
Muito ou pouco justo, o facto de ficarmos no 5º lugar do ranking tem que ver com pontos conquistados, logo jogando à brava ou nem por isso, com países melhor classificados ou não... são pontos. Logo, determinam a classificação. Logo, são justos.
Eu, cá por mim, não tenho nenhum complexo de inferioridade. Não digo antes pelo contrário, mas tenho pena que a maioria dos portugueses seja assim, como eu descrevo. Mais do que acharem que são inferiores aos outros, são invejosos e raramente sabem dar valor a si próprios como aos seus compatriotas.
Às vezes fazem-no a título póstumo...
Mas terminando aqui a prosa também lhe digo que ' não me importo de ser como alguns, não quero é ser como todos ' - António Ferro
Saudações desportivas
Marcelo Silva
Porta 10A
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