Podeum torneio da magnitude da Champions League tornar-se numa prova aparentemente previsível? Um medo que assalta muitos adeptos do melhor futebol europeu em vésperas do arranque da mais importante competição de clubes do mundo. Ninguém questiona que a edição de 2011/12 será, um ano mais, um duelo do FC Barcelona contra o mundo. Mas essa hegemonia blaugrana coloca em risco a própria natureza competitiva de um torneio que, desde 1990, conhece um novo vencedor a cada ano que passa. Será o ultra-elogiado Barcelona capaz de lograr este ano o que esteve perto de conseguir em 2010?
Exceptuando talvez o grupo composto por um trio de vencedores da Europe League (FC Porto, Zenith, Shaktar) e o duelo de um quarteto de legitimos aspirantes às rondas finais (Bayern Munchen, Napoli, Villareal e Manchester City), poucas surpresas se esperam de uma fase de grupos tranquila, sem grandes duelos à vista. A previsibilidade da Champions League é, cada ano que passa, uma evidência preocupante.
Os critérios da UEFAtornaram-se obsoletos na medida em que condicionam de forma clara e profundamente negativa o valor desportivo do torneio em prol da sua imensa vertente financeira. Os rankings de clubes, as regras de clubes dos mesmos países em grupos do mesmo dia de jogos (terças e quartas) e a constante omnipresença de, pelo menos, uma vintena de equipas, transformaram a fase de grupos da prova num longo e monótono monólogo desportivo com final previsível e profundamente aborrecido. Porque o futebol organizado pela UEFA começa a ser, sobretudo, uma feira de vaidades onde o jogo jogado perde sentido.
Surpresas haverá sempre mas provavelmente mais por demérito dos favoritos no papel do que pela qualidade dos rivais. Das pequenas formações que aterraram na liga dos milhões pouco haverá que esperar de Viktoria, APOEL, Brugge, BATE, Otelul e Trazbonspor.Talvez os suiços do Basel FC (cuidado com esse pequeno génio chamado Shaquiri) ou os croatas do Dynamo Zagreb possam oferecer uma versão original, longe dos velhos clichésque antecipam vitórias certas, goleadas hipotéticas, pontos confirmados antes sequer do apito inicial. Serão a enorme excepção à regra de um torneio que, ano após ano, é cada vez mais dos "mesmos", os que nas ligas nacionais fazem o dinheiro suficiente para trepar um escalão acima na prova continental. Potencias futebolísticas - que não económicas - como são FC Porto, Olympique Lyon, Shaktar Donetsk, Zenith, Villareal, Napoli, Lille, Dortmund, Valencia ou Arsenalsão a alternativa ao domínio evidente de quem sabe que esta fase é um mero trâmite que há que encarar com respeito mas sem grande temor. Ou alguém imagina, de uma maneira ou de outra, uns Oitavos de Final sem os clubes deManchester, o anfitrião Bayern Munchen,o dueto milanês ou os hiper-favoritos Barcelona e Real Madrid?
Cada vez mais a fase de grupos da Champions League serve como uma dura confirmação de que entre o trigo e o joio a diferença é grande e mede-se por muito mais do que pontos. Se o sorteio destinou alguns duelos interessantes entre a classe média europeia (Benfica-Basel, Lyon-Ajax, Valencia-Leverkusen, Marseille-Dortmund, Lille-CSKA, Zenit-Shaktar) isso foi apenas porque o sorteio, tudo menos limpo, ou pelo menos, transparente e digno dessa mensagem de fair-play, garantiu a eterna repetição de duelos vistos e revistos, ano após ano. Man United-Benfica, Real Madrid-O. Lyon, Barcelona-AC Milan são apenas exemplos de um jogo com os dados viciados à partida.
Talvez por isso fazer hoje previsões sobre o que irá suceder até Dezembro é um jogo fútil. Haverá grandes momentos, resultados surpreendentes e no final algum que outro convidado surpresa ganhará o direito de passar da pista de dança geral à sala VIP. Mas isso não engrandece uma prova que parte com um reduzido leque de vencedores à partida que, quase nunca, falha.
Imaginar uma final em Munique, no próximo mês de Maio, sem um Barcelona ou Real Madrid,hoje por hoje os mais completos planteis do planeta futebolistico, é quase uma utopia que só um destino caprichoso pode ignorar. Talvez o outro finalista saia de duas cidades, Milão e Manchester, onde sobrevivem os últimos sobreviventes desse domínio ibérico. De um Manchester United especialista em renascer a um Citydesejoso de mostrar serviço - na Premier League já ninguém tem dúvidas que este projecto é sério - a um Inter que se quer reencontrar com o fantasma de Mourinho sem os golos de Fórlan (a prova viva de que em multinacionais ainda há gente muito incompetente em cargos de máxima importância) acabando num AC Milan que tem os nomes mas não tem o esqueleto.
São seis equipas, duas delas nem sequer estarão nas meias-finais e sabendo que a final é em Munique (e os bávaros gostam de receber bem) e que Abramovich quer (muito) quebrar a sua malapata, há que juntar Bayern e Chelsea a um lote de oito. Sem espaço para os Shaktar, Zenit, FC Porto, Lyon, Benfica, Napoli, Arsenal, Dortmund...Sem espaço real?
Talvez um que outro, capricho do sorteio que se siga que não pode colocar ingleses contra ingleses, italianos contra italianos ou espanhóis contra espanhóis, nem vencedores de grupos contra vencedores de grupos (outra vez esse sorteio limpo), mas que começará seguramente a filtrar os bons dos melhores, os maus dos menos maus. Um sorteio onde a elite europeia confia que estejam os de sempre, os que geram dinheiro com as televisões, os que enchem estádios, os que mais contribuem ao enriquecimento financeiro do jogo...mesmo que desportivamente os jogos sejam tão mornos como uma tarde de domingo à beira rio vendo a corrente descer.
No meio deste jogo é difícil imaginar uma final em Maio sem o superlativo FC Barcelona. Os homens de Guardiola querem à muito emular o feito do AC Milan de Sacchi,a última equipa a vencer a prova em dois anos consecutivos (numa altura em que bastavam nove jogos para ser campeão). E têm todas as condições para lográ-lo, incluindo o ámen da instituição que rege o torneio europeu e que já demonstrou estar, como tantos outros, rendido ao génio superlativo desta equipa de sonho. Mas como não há melhor negócio do que o negócio que se revela imprevisível ao olho do grande público, há quem sinta que essa dobradinha pode ser impossível neste mundo em que mais do que o futebol é o dinheiro que vale. O dinheiro que chega, mais depressa, de um novo vencedor do que propriamente à enésima consagração dos melhores entre os melhores. Há muito tempo que a Champions League deixou de ser a liga dos campeões para ser a liga dos milionários. De há alguns anos para cá é óbvio que para lá dos milionários a prova é também a liga dos milhões que o futebol gera, não do futebol que entusiasma milhões. Os adeptos do Viktoria Plizen, do Dynamo Zagreb ou doOtelul não se importam. A gestão salomónica de Michel Platinipermitir-lhes-á verem em primeira mão a Messi, Ronaldo e Rooney em suas casas. Para esses milhões a Champions League ainda é isso. Para os outros é só mais um jogo de onze contra onze em que no final quem ganha é sempre a UEFA.