Uma tradição que remonta aos dias de Matt Busby e que hoje, mais do que nunca, faz todo o sentido. O Manchester United voltou a demonstrar que é um clube diferente dos demais rivais na Premier League sob a batuta do sempre astuto sir Alex Ferguson. Uma terceira fornada de "Fergie Babes" está a caminho e deixa no ar a ideia que a próxima década do futebol inglês continuará a ser disputado sob o signo do diabo.
Depois da categórica vitória por 3-0 frente ao Tottenham Hotspurs sir Alex Ferguson foi confrontado no flash interview com um dado inquestionável.
O onze que tinha acabado de derrotar, sem grandes problemas, um dos candidatos aos postos Champions, era o segundo mais novo a disputar um jogo de liga desde que o escocês aterrou em Old Trafford. Há 25 anos atrás.
Ferguson sorriu, fez-se de surpreendido e aproveitou habilmente a dica para louvar os seus novos "filhos" futebolisticos. E com razão continuou a sorrir porque em Manchester a sensação generalizada é que o escocês, sem gastar o mesmo dinheiro que os seus rivais directos (dentro e fora das ilhas britânicas) está a montar uma equipa temivel para dominar o futebol inglês dos próximos dez anos. Soa familiar? Pois claro que sim.
Em 1991 quando o Man Utd de Beckham, Scholes, Giggs, Butt ou irmãos Neville se sagrou campeão de Juniores, a equipa de Ferguson vinha de ganhar uma Taça das Taças com alguns dos mais emblemáticos jogadores dos anos 80 ainda ao serviço. Em apenas três anos Fergie revolucionou a equipa, a quem adicionou a qualidade de Kanchelskis, Pallister, Schmeichel e Cantona, e lançou a primeira fornada dos Fergie Babes que ainda hoje é representada por Ryan Giggs, depois das saídas de Scholes e Neville, o último dos resistentes. Essa geração marcou um antes e um depois da história do futebol inglês mas a princpios da década seguinte começava a perder gás face a um Arsenal extremamente competitivo (e nada juvenil) e um Chelsea que começava a sentir o peso dos petrodólares de Abramovich. Foi então quando Ferguson sacou novas cartas da manga, apostando em jovens ingleses como Carrick, Hargreaves e Rooney e internacionais como Cristiano Ronaldo, Nemandja Vidic, Anderson e Patrice Evra. O esqueleto da equipa que ganharia anos depois a sua segunda Champions e que compõe hoje, ainda na sua maioria, o clube dos veteranos da nova guarda. Os novos filhos do diabo.
No excelente jogo frente a um Tottenham notoriamente orfão da genialidade habitual de Luka Modric, o treinador escocês não teve problemas em apostar numa equipa com uma média de idades a roçar os 23 anos, bem diferente daquela que disputou em Wembley a final da Champions League frente ao Barcelona. Não significa, naturalmente, que o Man Utd 2011/12 seja sempre uma equipa repleta de juventude mas o plantel montado por Ferguson é, seguramente, um dos mais jovens da liga, mais ainda que o Arsenal de Wenger, um técnico habituado a recolher todos os louvores quanto ao que a formação diz respeito mas que, salvo casos pontuais, apresenta sempre um plantel com médias etárias bastante equilibradas, na casa dos 24-26 anos.
Sem van der Sar e os seus 40 anos Ferguson conta com o promissor David de Gea e os seus 21 anos. Depois de ter sofrido na Community Shield e no primeiro jogo de liga, o espanhol demonstrou muita segurança no seu jogo inaugural em Old Trafford e deixou boas sensações. À sua frente jogaram Phil Jones, contratado por 15 milhões ao Blackburn, de 19 anos apenas - um central com uma margem de progressão imensa - e Chris Smalling, jogador que chegou na época passado proveniente do Fulham londrino e que, aos 22 anos, é já uma certeza. Com 23 anos, o lateral direito Jonhhy Evans (adaptado já que é central de origem) cumpriu como sempre e na esquerda o mais veterano em campo, o francês Evra (e os seus 30 anos, apenas superado por Ferdinand, com 31, no plantel da zona defensiva), voltou a ser igual a si mesmo. No banco ainda estavam os irmãos da Silva (20 anos) e de fora o central Vidic (29 anos), talvez um dos mais eficazes do futebol europeu.
Mas se a defesa do United já em 2010/11 parecia rejuvenescida, a grande metamorfose vive-se no miolo onde, sem Scholes e Hargreaves, o peso etário das novas incorporações se fazem sentir. Ao brasileiro Anderson (23) e ao português Nani (25) juntaram-se o teenager Tom Cleverley, a grande revelação da pré-época, e os seus 20 anos e o recém-contratado Ashley Young com 26 anos. Sem esquecer ainda que por ali passeiam Darren Gibson (24), Darren Fletcher (27), Valencia (26), Paul Pogba (18) e Ravel Morrison (19). A veterania não deixa de ser um posto para Ferguson e por isso haverá sempre minutos de jogo para Giggs (38), Carrick (30) e Park Ji Sung (30). No ataque a situação repete-se, com o titularissimo Wayne Rooney, outrora a grande promessa adolescente inglesa, a servir quase de veterano com apenas 26 anos, face aos 23 de Javier Hernandez, os 21 de Danny Wellbeck, os 22 de Kiko Macheda e os 24 de Diouf. Com pouco espaço de manobra (e talvez com o bilhete de saída carimbado) o veterano Dimitar Berbatov (30) e o eternamente castigado pelas lesões Michael Owen (32) são vitimas de uma revolução que outrora eles também protagonizaram.
Nesse onze a estrela mais cintilante acabou por ser Wellbeck, lançado há três temporadas mas, entretanto, emprestado ao Sunderland onde brilhou ao lado de Gyan numa das linhas ofensivas mais estimulantes da última edição da Premier. Mas também o recém-chegado Young (um velho sonho de Fergie) e o recém-promovido Cleverley. Sem querer gastar fortunas em jogadores como Sneijder, Etoo ou Modric, as pérolas do mercado, o escocês quer relançar a batuta de jogo em Anderson e dar outras opções ao jogo de ataque de Rooney com a velocidade de Nani, Valencia, Young ou Wellbeck. Como cereja no topo do bolo basta apontar a qualidade de jogo, inesquestionável, e habitual fome de titulos que tem feito do conjunto inglês - a par do Barcelona - a mais sucedida formação da última década.
No habitual esquema da Premier League, acente num 4-3-3 que se desdobra facilmente num 4-2-3-1 haverá muitos minutos para a força, rapidez e determinação da nova guarda, especialmente com o historial clinico de veteranos como Rio Ferdinand, Michael Carrick, Ryan Giggs ou Michael Owen. Nos jogos europeus, onde Ferguson prefere um 4-5-1 mais cauto, será mais provavel ver os veteranos em acção, mais curtidos em mil batalhas. Mas o certo é que o nivel do plantel que Ferguson montou nos últimos dois anos, a era pós-Cristiano Ronaldo, promete um novo desafio ao Manager que não sabe parar. E garante aos Red Devils uma continuidade que, nos últimos 30 anos, nem Liverpool, nem Arsenal, nem Chelsea souberam ter. Talvez por isso em Inglaterra vencer continue a ser uma questão dos diabos!