A fome insaciável de Leo Messi ajudou a desequilibrar o mais equilibrado dos duelos até agora vividos entre o Barcelona de Guardiola e o Real Madrid de Mourinho. Os merengues foram melhor a equipa no conjunto dos 180 minutos mas viram o individualismo do argentino resolver o que o colectivo blaugrana nunca esteve perto de conseguir. No final repetiram-se as cenas da época passada e voltou a ver-se, de parte a parte, que nada mudou com o Verão.
A grande diferença entre Ronaldinho e Messi é a fome. A fome de vitórias.
O brasileiro foi sem dúvida o melhor jogador da última década, tanto a nível das habilidades individuais como no entendimento do jogo colectivo, muitos furos por cima de qualquer outro. Mas desde o principio da carreira que lhe faltou a fome de vencer a todo o custo. Por isso hoje o genial número 10 deslumbra no Flamengo enquanto que Messi, que dele tanto aprendeu, decide jogos de máxima tensão como os de ontem com um sorriso nos lábios. A metamorfose táctica do argentino mudou o modelo de jogo do Barcelona mas só foi possível porque Messi pertence a um tipo de jogadores que não olha a meios para obter fins, e para ele o fim último é a vitória, sempre. Nunca existe uma bola perdida, nunca um lance dividido termina até a bola estar longe, nunca a baliza encolhe no momento errado e, sobretudo, nunca a cor da camisola adversário lhe muda o estado de espírito. Em Madrid foi um golo, em Barcelona dois (e lá vai o recorde de Raúl em Supertaças ao ar) e ainda uma assistência maravilhosa para Andrés Iniesta que o define, igualmente, como um jogador profundamente colectivo.
Depois dos seus falhanços sucessivos com a Argentina não cabe a menor dúvida de que Messi é, como foi Pelé no Santos, o exemplo perfeito do jogador enquadrado num sistema colectivo que o potencia e por ele é potenciado ao máximo. Messi cresceu com a filosofia blaugrana e entende-a como ninguém e por isso saca dela o máximo rendimento no seu estilo de jogo. Por outro lado o clube encontrou forma de o entender também como nunca a nenhum outro jogador (nem Cruyff, nem Romário, nem Rivaldo, nem Ronaldinho lograram o mesmo efeito) e aproveita-se do argentino para ir onde nunca ninguém foi. Messi sem o Barcelona não seria o mesmo Messi, nem de longe nem de perto, e o Camp Nou sabe que quando o argentino perder a chama ou partir haverá um vazio de poder impossível de remediar. O seu génio individual decidiu um jogo de máximo equilíbrio colectivo onde primou, sobretudo, o desastrado jogo ofensivo do Real Madrid que teve várias oportunidades para lograr um triunfo histórico. Do primeiro ao último segundo os merengues foram melhores mas José Mourinho terá de rever os seus processos ofensivos porque é preocupante que uma equipa crie tantas oportunidades para marcar tão poucos golos. Os de ontem, de Ronaldo e Benzema, nasceram de lances confusos na área, nunca um bom indicativo. Mais um golo e o Real Madrid teria vencido, merecidamente, o troféu. Mas a eficácia blaugrana, a eficácia de uma equipa que sabe guardar a bola e que só remate quando tem a certeza de que pode realmente marcar, foi determinante e porque o futebol são golos, o torneio ficou em Can Barça.
Se Messi foi genial e decisivo, o jogo colectivo do Barça deixou muito a desejar.
Guardiola queixa-se - no que começa a tornar-se uma recorrente na prosápia de um treinador que ontem somou mais um recorde - de que teve pouco tempo para preparar-se (menos cinco dias que o rival) e que não esperava vencer. É habitual nele o discurso defensivo mas mesmo com menos uma semana de preparação esperava-se muito mais da sua equipa. Depois de alinhar uma equipa alternativa no Bernabeu o técnico de Santpedor preferiu a formação de gala, a que venceu a Champions League em Maio deste ano. Mas a palidez colectiva foi uma constante especialmente face a um Real Madrid a jogar em pressão alta de forma constante durante os 90 minutos. Nem Xavi soube pautar o ritmo, nem Villa e Pedro souberam aproveitar o desajuste da linha de fora de jogo (má exibição de Coentrão no seu primeiro jogo a lateral), e acabou por ser a defesa (Alves, Mascherano e Abidal) a que melhor se mostrou sobre o terreno de jogo.
A pressão asfixiante dos merengues surgiu logo no primeiro toque de bola e ao minuto 2 o Real Madrid já tinha tido duas oportunidades de golo. Foi a tónica. O desperdício ofensivo de uma equipa que contou com um Di Maria eternamente egoísta, um Ozil inexistente, um Benzema demasiado ocupado a adornar o seu jogo e, sobretudo, um Cristiano Ronaldo decepcionante. Se a Messi a cor da camisola do rival não incomoda (principalmente a branca do Real), a Cristiano parece suceder o contrário. É verdade que marcou o seu primeiro golo no Camp Nou mas o seu jogo foi miserável, com sucessivas perdas de bola na linha lateral, escasso jogo colectivo e, sobretudo, uma profunda incapacidade de livrar-se, ora de Alves, ora de Mascherano, que souberam sempre neutralizar o perigo que podia significar o português. No único lance que logrou escapar à marcação contrária, CR7 teve o momento individual do jogo mas Valdés - imenso - soube parar a custo um remate envenenado que podia ter alterado o curso do jogo. Ronaldo foi o espelho da inoperância ofensiva merengue mas o colectivo madridista funcionou bem melhor que o contrário com Xabi Alonso e Sérgio Ramos numa forma impressionante, situação que melhorou com a troca de Khedira por Marcelo, com Coentrão a subir no terreno de jogo como foi ensaiado durante a pré-temporada. O golo de Benzema, empatando a poucos minutos do fim, devolvia justiça ao resultado e deixava antever um prolongamento onde o físico do Madrid ameaça impor-se ao do contrário. Até que surgiu Messi para impedir o sofrimento do Camp Nou. Como sempre!
No final do jogo reviveram-se os momentos de tensão dos jogos da época passada. Depois da correcção do jogo de Madrid ficou claro que ambos os clubes mantêm-se nas suas trincheiras. A entrada brutal de Marcelo a Cesc Fabregas - inadmissível mas profundamente exagerada pelo banco de suplentes do Barcelona, que se encontrava junto ao lance, e que precipitou uma invasão de campo do staff da equipa da casa, como tem vindo a ser recorrente - levou a um burburinho que acabou com Villa a agredir Ozil (ambos foram expulsos), Pinto a agredir Higuain, Mourinho a enfiar o dedo no olho de Tito Villanova, adjunto de Guardiola, que lhe responde com um soco nas costas, Marcelo e Messi a encararem-se cara a cara e muita, muita confusão. Foi mais uma vez o espelho da falta de serenidade que os confrontos Barça-Madrid têm tido nos últimos anos. Se já durante o jogo tinha ficado claro que os jogadores do Madrid voltariam a jogar no limite, ficou também evidente que os atletas blaugranas continuam a sua campanha particular de exagero teatral a cada lance contrário. Duas posições tão distantes que, inevitavelmente, acabam como acabam. O Madrid continua com a sua besta negra por cima e o Barcelona vê o rival cada vez mais próximo. O ano que só agora arranca promete ser, uma vez mais, electrizante.