Desde 2001 que a Bretanha não celebra um titulo mas o futebol bretão vive um dos seus mais brilhantes momentos. Três equipas na próxima edição da Ligue 1 - mais do que qualquer outra região histórica - e um antigo campeão a fazer de tudo para conquistar o titulo da Ligue 2, os bretões começam a ganhar preponderância mediática numa competição que até agora tem vivido da constante luta Norte-Sul. Os ventos do Atlântico puxam o futebol gaulês para a sua zona mais recôndita.
Há poucas regiões em França com um sentimento autonómico tão forte.
A Bretanha não foi a última conquista do estado central parisino mas foi uma das mais dificeis e ainda hoje os bretões gostam de relembrar que entre eles e os franceses modernos há uma distância que nunca desaparecerá verdadeiramente. Talvez quem se passeie pela costa recortada e escarpada, pelas cidades austeras e frias e sinta o vento do Atlântico com mais força do que em qualquer outra zona do país, entenda essa paixão que os bretões têm pela sua terra. Desportivamente a zona da Bretanha tem um historial mais ligado ao fenómeno do rugby francês do que, propriamente, ao futebol. No entanto o desporto-rei tem a sua quota parte de adeptos na região e esses sabem que vivem uma época muito especial para o seu futebol regional. O seu grande porta-estandarte, Nantes, cidade que partilham com a zona do Loire mas que historicamente foi a capital do reino bretão, agoniza na Ligue 2, dez anos depois de ter sido o último clube da região a sagrar-se campeão. Foi antes da ditadura do Sul (Lyon, Bordeaux e Marseille) e da resposta do Norte com a notável campanha do Lille OSC. Hoje o Nantes perdeu aquele sentimento de superioridade moral que o acompanhava sempre que desfilava pela região. Mas o clube atlântico encontrou sucessor à sua altura.
Nenhuma região gaulesa concentra tantos clubes num espaço tão reduzido como a Bretanha. A este o clube da capital, o Rennes, é o projecto desportivo mais bem sucedido na era pós-Nantes. Nunca logrou o titulo mas nos últimos anos tem marcado presenças sucessivas no topo da cabela disputando os lugares europeus sem nenhum complexo de inferioridade para os rivais do resto do país. A ocidente, quase a roçar o limite do hexágono, a pequena cidade de Brest, histórico porto gaulês que foi o simbolo militar da resistência da região contra o poder parisino e, mais tarde, nas guerras travadas por Richelieu e Luis XIV. Um pouco mais a sul, quase na desembucadora do magnifico Loire, surge o porto de Lorient. Um dos mais exitosos fenómenos desportivos gauleses dos últimos anos, o Lorient chegou à Ligue 1 para ver e vencer e rapidamente se estabeleceu como uma das grandes revelações do torneio.
O que une os três projectos bretões é bem mais daquilo que os separa.
Apesar do recente sucesso desportivo de Rennes e Lorient, ambos clubes são geridos de forma austera e disciplinada. O exemplo do Nantes, e da sua péssima gestão financeira, lançou o alerta e hoje não há quem pense que qualquer um dos três clubes possa seguir o mesmo caminho. Comprar barato, apostar na formação local, recrutar alguns dos mais jovens jogadores que despontam em Clairefontaine e, sobretudo, vender bem e na hora certa, tem sido a chave para a estabilidade de três clubes que representam o melhor da gestão organizada que tomou controlo nos últimos anos do futebol francês.
O sucesso do Lorient, um caso exemplar, deveu-se em grande parte à descoberta de Kevin Gameiro. O jovem avançado, de origem portuguesa, foi pescado ao Strasbourg quando o clube alsaciano caiu no poço da Ligue 2. A partir daí os seus golos valeram vitórias, pontos e muito dinheiro aos cofres do Lorient. Mas não foi caso único. Antes dele passaram pelo clube internacionais como Gignac, Cissé, Gourcouff ou Keita, hoje todos eles figuras incontestáveis do futebol internacional. Actualmente o clube conta com um leque de jovens promessas recrutadas a clubes vizinhos como Quercia, Paquet-Monnet, Koné e Coutadeur e as perspectivas para a próxima temporada são altamente positivas. Ninguém exclui que o conjunto de Christian Gourcouff, pai da estrela do Lyon, possa aspirar a algo mais do que o 11º posto conseguido na passada temporada.
O caso do Brest é ainda mais paradigmático porque o conjunto nortenho apenas disputou doze temporadas na Ligue 1 desde a sua fundação e todos esperavam que a equipa fosse a primeira despromovida na época que findou. Com um excelente trabalho táctico e um conjunto recrutado por meia dúzia de tostões, Alex Dupont conseguiu o impossível e logrou o 16º posto, dois acima da linha de água. Numa equipa sem figuras e estrelas para vender, a gestão financeira é levada ao extremo e o aproveitamento dos jogadores da casa um santo e senha que tem dado os seus frutos. Já o Rennes joga noutra liga. Frederik Antonetti sabe que os seus adeptos querem sempre algo mais e depois do 6º lugar na passada época há uma legitima ambição para atacar os lugares reservados à Champions League. Mas tudo é feito com cabeça. Com uma das melhores Academias do Mundo (de onde sairam Mvilla, Sow, Briand e companhia) o clube gasta pouco e bem em contratações e vende caro e melhor no mercado de transferências. Sem nunca ter ganho um titulo (ao contrário do Nantes que soma oito troféus da Ligue 1) ninguém duvida que o ano que vem pode correr bem melhor do que se possa esperar para o conjunto bretão.
Se o Midi tem sido habitualmente o eixo central do futebol gaulês, a verdade é que actualmente a costa sul tem vindo a perder a sua influência para o Norte industrial, para o Maciço Central e para a zona alsaciana. Todas estas regiões contam com três equipas na Ligue 1 mas nenhum desses fenómenos é tão surpreendente como o que acontece hoje em dia na Bretanha. Sem o poder financeiro das restantes regiões que lideram o top de representatividade, os bretões sobrevivem seguindo as mais elementares leis da gestão desportivo. Com o sonho local de recuperar a presença do Nantes entre os maiores clubes de França, o futebol na Bretanha começa a tornar-se um caso sério de sucesso no futebol francês.