Em Pristina estão cansados de esperar. Mais de dois anos depois continuam num beco sem saída. A bola não rola, espera pacientemente uma decisão. Depois de tantos nãos, esperar é mesmo tudo aquilo que têm. O Kosovo quer ser independente. Os kosovares querem jogar futebol. Com a sua bandeira ao peito. A FIFA e a UEFA dizem que não é a hora mas a bola está farta de esperar...
Em Fevereiro de 2008 o Kosovo declarou unilateralmente a independência da Sérvia.
Foi, talvez, o derradeiro capitulo de um conflicto nos Balcãs com 17 anos de história. A Sérvia, destroçada por dentro depois de tantas guerras e sanções, fez um ultimo esforço diplomático e rejeitou aceitar a existência dessa República do Kosovo. Por uma vez o Mundo teve paciência e decidiu ouvir Belgrado antes de tomar uma decisão. De tanto ouvir as palavras ficaram presas no ar e a rápida decisão prometida pela ONU eternizou-se. E eterniza-se ainda hoje para desespero dos quase dois milhões de kosovares. O país não conseguiu a unanimidade necessária para ser considerado oficialmente um país - que conceito mais repelente esse de depender da vontade alheia para ser alguém - e procurou desfraldar a recém imaginada bandeira por outra via. O futebol, como sempre, era o caminho mais rápido. E eficaz.
Um mês depois da declaração unilateral representantes kosovares apresentaram-se na Suiça para convencer os executivos da FIFA e da UEFA a deixá-los entrar nas suas "célebres" familias. Futebolisticamente o Kosovo pertence à última divisão europeia, a mesma por onde andam as Ilhas Faroe, Malta, Lieschtenstein ou São Marino, por exemplo. Só um clube kosovar, o FC Pristina, passou pela primeira divisão sérvia. A maioria dos jogadores que podiam fazer parte de uma hipótetica equipa nacional kosovar estão divididos entre Albânia, Finlândia ou Suiça. E nenhum deles mostrou um exacerbado patriotismo que os fizesse sequer considerar a possibilidade de abdicar das regalias que têm hoje para cantar o novo hino nacional. A sua estrela mais cintilante, Lorik Cana, jogador da Lazio joga actualmente pela Albânia e não parece ter pressa para mudar. Ele, como muitos, vive também na sua encruzilhada particular.
Blatter e Platini foram peremptórios. Enquanto o Kosovo não for reconhecido pela ONU os kosovares têm de pensar noutras opções para jogar futebol. Oficialmente eles são uma não-nação, seja lá o que isso for. Irritar os russos e espanhóis é um preço que os dirigentes desportivos não estão dispostos a pagar. Os kosovares não têm culpa, afinal às restantes repúblicanas balcânicas houve até uma pressa ensurdecedora para dizer que sim antes do tempo. Eles pagam a factura de tempos pretéritos e sensibilidades agudas.
Mas a federação kosovar não desistiu. Os contactos com a Albânia, o país que mais apoiou o recém-constituido estado kosovar, levaram à realização do primeiro jogo amigável - que não oficial - para a selecção do Kosovo. Claro que os albaneses ganharam (3-1) mas isso importava muito pouco. Mas, mesmo assim, o Kosovo continuou a ser visto por tudo e todos como um desses estados malditos condenados a jogar entre si vezes sem conta. Estados como o Chipre do Norte, Monaco, as comunidades autonómicas espanholas, Sapmi, Greenland, Crimeia, Padania, Ocitânia, Gibraltar ou as ilhas de Man e Guernsey.
No último ano e meio os kosovares têm tentado organizar amigáveis com a maioria das federações mas a complexa situação politica tem sido, até a esse nivel, um sério impedimento. O apoio da Arábia Saudita (o Kosovo, como a Albânia, é um país iminentemente muçulmano) e da comunidade emigrante na Suiça deram a possibilidade ao seleccionador Albert Bunjaku de começar a fazer rodar alguns dos jogadores que decidiram assumir a sua condição de kosovares desde o principio. Jogadores como o guardião do Novara, Samir Ujkani, o lateral do Tottenham Ajet Sehu ou o médio do Hannover 96, Valdet Rama, jovens promessas que há dois anos teriam sido repescadas pelas selecções dos países onde cresceram (e o caso albanês continua a ser o mais evidente) e que agora começam a desenhar o futuro do futebol kosovar.
Parece impossível que o Kosovo possa estar na linha de partida para a qualificação para o Europeu de 2016 em França. Os timings das principais instituições não facilitam e a burocracia a essas estâncias é ainda mais gritante. Mas o sonho do futebol kosovar está bem vivo. Uma nação que espera por um milagre para não cair no esquecimento a que o futebol internacional muitas vezes devota os países de onde não saem os Messis do futuro.