O nunca visto. Madrid surge como o eixo central do futebol espanhol. E não é pelos sucessos do seu clube mais emblemático. Pela primeira vez na história a província autónoma de Madrid conta com quatro equipas na primeira divisão do futebol espanhol. Tantas como a Andaluzia mas com uma diferença importante, a diferença abismal de tamanho de cada comunidade. Madrid multiplica-se por 4 num ano em que se espera muita emoção em todas as frentes.
Durante dois períodos históricos a comunidade de Madrid conseguiu o feito de juntar três equipas na Liga espanhola.
Um feito para um centro urbano num país onde, historicamente, o futebol era um fenomeno de forte pendor regional e onde as grandes cidades ocupavam menos espaço do que se pode imaginar. Quer nos anos 90 com Real Madrid, Atletico de Madrid e Rayo Vallecano, quer nas últimas edições da prova com o Getafe, uma cidade dormitório mesmo a sul da capital, Madrid fazia-se representar ao mais alto nível. Nem Barcelona (com FC Barcelona e Espanyol), nem Valencia (com Levante e Valencia FC) nem Sevilla (com Bétis e Sevilla FC) alguma vez chegaram ao mesmo patamar que a capital espanhol. Mas agora a diferença é ainda mais abismal. Madrid conta com quatro equipas na primeira divisão e juntamente com as outras três grandes cidades do país vizinho compõe metade das equipas em prova (10 de 20). O futebol espanhol abandona progressivamente o seu pendor regional (Galiza, Canárias, Soria e as duas Castillas não estão representadas na elite futebolistica) e centraliza-se.
O fenómeno da capital é ainda mais evidente porque é complicado viver à sombra de um clube como o Real Madrid.
Os merengues são, claramente, o clube que mais dinheiro e adeptos mobiliza na liga espanhola e a sua macrocefalia regional podia provocar um efeito eucalipto nos clubes que o rodeiam. Mas não. Enquanto o clube merengue se torna cada vez mais rico e mais mediático (apesar dos títulos escassearem há vários anos) os restantes clubes da Comunidade sobrevivem da melhor forma possível. Entre as duas ligas profissionais são cinco (a estes quatro há que juntar o Alcorcon, outro subúrbio a sul) o que não deixa de ser significativo para uma província regional que só ocupa um 1,8% do espaço geográfico espanhol, a 12º comunidade autonómica (apenas à frente das ilhas, Cantabria, Soria e o Pais Basco).
A Liga que arranca no próximo mês terá um fortíssimo sotaque da capital e será também um teste de força à progressão desportiva de uma comunidade historicamente dominada por Real e Atletico.
O clube do Manzanares tem sabido sobreviver ao peso emocional que representa o clube merengue e os títulos europeus mais recentes dão conta de que o projecto tem base para sonhar com voos mais altos. O problema do Atlético, como sucede habitualmente com os segundos clubes da cidade, está nesse complexo de inferioridade emocional que acaba por impedir de dar um passo mais concreto face ao seu rival local. Há mais de dez anos que os colchoneros não vencem os merengues e a instabilidade directiva e os problemas financeiros, herdados da gestão de Gil y Gil, empalidece em comparação com a bonança financeira do rival. O Atlético de Madrid tem por objectivo manter-se na luta pelos postos europeus, onde tem sido um habitué nos últimos anos, mas até nessa luta pode encontrar um rival regional inesperado.
O Getafe é o fenómeno futebolístico mais curioso da capital. Há quinze anos era uma equipa das ligas distritais sem historial. Clube de um subúrbio recente, os Azulones funcionaram durante anos como uma sucursal do Real Madrid e ainda hoje o seu presidente, Angel Torres, é um reconhecido sócio dos merengues. Jogadores e técnicos do clube de Concha Espina vão passando pelo Coliseum Alfonso Perez (avançado merengue da década de 90) transformando um modesto clube de subúrbio numa força a ter em conta. Apesar de ser um dos estádios com menor assistência da prova, as equipas que o Getafe tem vindo a apresentar surpreendem pela qualidade de jogo e espírito de luta. A histórica presença na final da Copa del Rey em 2008, as boas campanhas europeias e a rotação de alguns dos jogadores espanhóis mais promissores dos últimos anos reforçam um projecto que na época passada esteve bem perto de precipício e que agora, sustentada com os milhões de um fundo do Dubai, tem um tremendo potencial de crescimento. Uma realidade bem diferente à que vive o sempre problemático Rayo Vallecano.
A terceira equipa de Madrid, com sede na zona sul e obreira da capital, vive uma época de interrogações financeiras e bonança desportiva. Depois de quase uma década os "rayos" regressaram à elite por onde andaram regularmente nos anos 90 e tudo isso com uma equipa que levou todo o ano sem receber um único salário em dia. A venda do clube parecia adivinhar melhores dias mas a nova direcção tem sido incapaz de resolver os problemas da mítica equipa de Vallecas (que equipa como o River Plate porque não tinha dinheiro sequer para equipamentos e aceitou um presente de emigrantes espanhóis a viver em Buenos Aires com as cores dos "milionários"). O Rayo terá um ano muito complicado pela frente e a solvência financeira passa por manter a categoria, algo sempre complicado numa liga bastante nivelada por baixo, com uma dezena de equipas a lutar, desde o primeiro dia, pela permanência.
Ao contrário de cidades como Londres (com cinco equipas este ano na Premier League), Lisboa ou Buenos Aires, a capital espanhola nunca foi uma cidade de mais de dois clubes. Uma realidade nova que espelha o crescimento económico da Comunidade em contraste com a difícil situação do país. O peso histórico do Real, a herança popular do Altético, o fenómeno suburbano de Getafe e o espírito de sobrevivência do Rayo apresentam quatro visões que explicam bem a complexidade de uma urbe que renasce rapidamente de uma longa letargia. Madrid vale bem um jogo de futebol!