Seria difícil que a UEFA tivesse escolhido um estádio tão apropriado para um duelo entre Manchester United e Barcelona. Se os clubes tivessem de eleger um recinto, seguramente que teria sido este. Contém mais do que retalhos importantes da história do beautiful game. Foi também o gérmen dos grandes sucessos da história de ambos clubes e surge agora renovado para o corolário de duas eras inesquecíveis para blaugranas e red devils.
Longe vão os dias do cavalo Willy e do público irrequieto que mal deixava espaço para os jogadores respirarem.
O segundo maior estádio da Europa (só superado pelo Camp Nou), conta com 90 mil lugares e lembranças de dias pretéritos inesquecíveis. Já não conta com o imenso espaço entre relvado e bancadas, muito anti-inglês. Nem com as históricas Twin Towers, bandeiras ao vento. Mas mesmo assim é um cenário impressionante, profundamente modernista e de proporções épicas. O imenso arco que rodeia o terreno de jogo funciona como trademark de um recinto reinaugurado em 2007 depois de quatro anos de obras, problemas de financiamento e dúvidas existenciais para um povo extremamente agarrado às suas tradições.
O velho Wembley recebeu alguns dos jogos mais impactantes da história do futebol. Desde a polémica final do Mundial de 1966 à vitória histórica da Hungria sobre a Inglaterra, a primeira em solo britânico, passando por várias finais europeias (a consagração do AC Milan de Rivera, do Manchester de Charlton, do Ajax de Cruyff, do Liverpool de Keegan e do Barcelona de Cruyff, agora no banco) que definiram eras do jogo. Isto claro sem esquecer as históricas finais da FA Cup, durante décadas o evento mais glamoroso do futebol internacional. Mais do que esses momentos singulares, Wembley era o mito de uma era passada. "Estádio do Império", como começou a ser conhecido, era o último reduto da mentalidade imperialista britânica, da grandeza da velha Londres que tanto se rendia para o futebol como para outros desportos e, mais simbolicamente ainda, para concertos e espectáculos que dariam a volta ao mundo na era da televisão. Foi o primeiro estádio de futebol transformado em pavilhão multi-usos quando as instalações ainda nem sequer permitiam sonhar com essa realidade na velha Europa.
Mas acima de tudo Wembley é parte da história da Champions League e das vidas de Manchester United e Barcelona.
Os ingleses jogam em casa e não é apenas um eufemismo patriótico. No velho estádio londrino viveram alguns dos seus momentos mais emblemáticos que ajudaram a definir as duas eras históricas do clube. Nos anos 60, quando Matt Busby se predispôs a recriar o seu projecto malogrado no acidente de Munique, o estádio tornou-se um simbolo do renascimento dos Bubsy Babes. Foi perante 120 mil pessoas que a equipa capitaneada por Charlton, com Kidd, Best, Stepney, Foulkes e Stiles, venceu por 4-1 o Benfica de Eusébio. Um jogo trepidante que podia ter acabado com a vitória encarnada, não fosse o falhanço de Eusébio nos minutos finais. Depois do 1-1 do tempo regulamentar, chegou a goleada histórica que deu a primeira Taça dos Campeões a um clube inglês. Seria o último troféu ganho pelo clube em muito tempo. Em 1990, já com Alex Ferguson no banco de Old Trafford há cinco temporadas, a expectativa dos adeptos era muita. Uma derrota e talvez hoje o escocês não fosse um mito vivo. Mas a equipa liderada por Robson ganhou por 1-0 o replay a final da FA Cup contra o Crystal Palace, depois do primeiro jogo ter terminado num agónico 3-3. Depois chegou a era de glória, a Taça das Taças no ano seguinte (contra o Barcelona de Cruyff, precisamente) e mais três FA Cups (4-0 contra o Chelsea em 1994, 1-0 contra o Liverpool em 1996 e 2-0 frente ao Newcastle em 1999). O estádio do império tinha-se tornado no talismã do inefável escocês.
A história de amor do Barcelona com o recinto é mais sucinta mas não menos especial. O clube blaugrana nunca tinha jogado no estádio londrino quando chegou em Maio de 1992 para defrontar a Sampdoria italiana. Era o culminar do Dream Team de Cruyff, que vinha de se sagrar bicampeão espanhol dias antes, depois da inesperada derrota do Real Madrid em Tenerife. A equipa actuou com o laranja catalão (e holandês) e deu-se bem. Sofreu a bom sofrer e só um livre directo de Ronald Koeman a sete minutos do fim decidiu a contenda. Acabava uma malapata de 40 anos dos blaugranas em finais europeias e começava o ciclo de titulos que seguira a ampliar-se em finais disputadas em grandes capitais europeias, Paris e Roma.
Para ambas as equipas voltar a Londres é, portanto, voltar onde tudo começou. O estádio pode ser novo (Ferguson sabe o que é ganhar aqui graças aos Charity Shields conquistados em 2007, 2008 e 2010) mas a magia é a mesma de sempre. Londres inspirará fundo e viverá mais uma noite histórica de futebol. As duas equipas mais em forma da última década olham-se olhos nos olhos e sentem o peso dos seus antepassados a empurrá-los para a frente. Passe o que passe, pelo menos uma das equipas continuará a sentir o mítico Wembley como a sua segunda casa.