Não é a primeira vez. Nem sequer é surpreendente. Mas os rumores que indicam a forte possibilidade da Football Association inglesa abandonar a FIFA são reais. E voltam a colocar no ponto de mira a máxima instituição do futebol mundial.
Lord Triesman abriu a guerra e está determinado a acabar com ela.
O lider da candidatura inglesa ao Mundial 2018 voltou à carga com novas acusações de corrupção nas mais altas esferas da FIFA. Há um ano foi forçado a demitir por dizer o mesmo. Mas então os ingleses ainda sonhavam com contrariar as fracas expectativas que havia à volta da sua candidatura. Até ao último momento pensaram que a FIFA ia, por uma vez, jogar limpo. O resultado é sobejamento conhecido e aqueles que tentaram calar figuras polémicas como Triesman começaram a olhar para as suas declarações com outros olhos. Hoje, está à vista de todos, FA e FIFA vivem de relações cortadas. E uma ruptura é bem possível. Com consequências imprevisiveis.
A Federação Inglesa pode ser, legitimamente, acusada de despeito. Se tivessem vencido a candidatura ao Mundial talvez as ferozes criticas sobre a corrupção à volta de Blatter se tivessem esfumado entre o champagne e charutos de vitória. Pode ser. Mas também é certo que os ingleses há muito que são a mais irritante sombra do senhor FIFA. As criticas arrancaram, precisamente, quando os ingleses perderam a oportunidade de organizar o Mundial de 2006 no que seria uma data simbólica, 40 anos depois da única vez que albergaram o torneio. Então a proposta inglesa era a mais sólida mas Blatter preferiu a Alemanha. Depois, para garantir os votos do resto do Mundo, anunciou a rotação de continentes, o que adiou para 2018 o sonho inglês. Depois da alta valoração da candidatura o próprio Blatter ajudou nos bastidores a minar a candidatura britânica. E alguns dos seus homens de maior confiança, como Jack Warner e Ricardo Teixeira, tornaram-se nos alvos da ira de Triesman e companhia.
A 1 de Junho o máximo organismo do universo futebol reelege presidente.
Sob o fantasma da corrupção, um fantasma do qual a FIFA nunca se conseguiu livrar desde que João Havelange chegou à cadeira presidencial. Blatter, um dos seus homens de confiança, é também um oportunista, cinico e com um passado repleto de sombras. O seu apoio a Mundiais em África, Médio Oriente e Rússia têm pouco a ver com o seu papel como presidente da FIFA e mais como o seu misterioso lado de homem de negócios. A falência da ISL, que geria o patrimonia multimédia da FIFA, e os contratos milionários com Adidas e Visa (numa guerra suja com a empresa Mastercard) levantaram mais do que suspeitas sobre a legalidade de ambos negócios. Blatter, naturalmente, não trabalha só. Os membros das comissões mais próximas da presidência são também reconhecidos nombre no mundo da corrupção desportiva, verdadeiros caciques como Teixeira, Grondona, Warner, Villar, Leoz, Makudi, entre outros. E todos eles tiveram papeis chave na definição da FIFA actual. Mas o suiço está nervoso e tem motivos para isso. Publicou no jornal italiano Gazetta dello Sport uma carta pública em que defende, palavra por palavra, que sem ele o futebol morrerá. Ou eu, ou o dilúvio. A espada contra a parede.
Não é provável que a candidatura de Bin Hamman, outro dos imperadores da corrupção desportiva, esta no mundo asiático onde a sua influência nefasta é sobejamente conhecida e descrita em várias obras, saia ganhadora. Mas já serviu para antecipar o que a FIFA viverá nos próximos anos. Criticas internas, mais polémicas, verdades embaraçosas e um duelo continental em 2015, quando Platini, previsivelmente, defronte Teixeira ou Bin Hamman, representantes dos votos latinos e asiáticos. No meio de tudo isto a Football Association olha para o panorama e percebe a sua impotência. A sua influência foi diminuindo com o tempo e hoje, literalmente, a FA vive numa ilha, isolada da UEFA, da FIFA e das restantes instituições. Os ingleses sentem-se postos de parte, a pagar o preço do sucesso de um modelo que a FIFA e a UEFA nunca olharam com bons olhos: a Premier League.
Talvez por isso comece a ganhar força nos corredores da sede da FA uma cisão a emular o que levou a Inglaterra a afastar-se da FIFA nos anos 20, na altura por culpa do profissionalismo que começava a ser uma realidade indisfarçavel nas ilhas. Os ingleses mostram um certo hastio com a FIFA – e não só com a figura de Blatter – e encaram a atribuição do Mundial à Rússia, depois de todos os pedidos pessoais dos votantes aos membros da candidatura, como uma ostensiva provocação. E não deixam de ter razão. A sua presença na FIFA não trouxe nada de positivo a um país que sempre se regiu com as suas próprias regras e que não conseguiu, sequer, capitalizar em Mundiais o pouco que o liga à máxima organização futebolistica.
Imaginar a FIFA sem a FA não é uma utopia e seria um golpe de credibilidade sério para uma instituição que vive constantemente sobre o fio da navalha. Poderia ser uma primeira e importante brecha na maquilhagem que Blatter continuamente retoca e que no fundo é a perfeita fachada para uma organização onde o futebol, como jogo e fenómeno social, conta cada vez menos. Se em tantas coisas os ingleses revelaram-se pioneiros nisto do jogo que ainda clamam como seu, talvez nenhuma outra tenha tanta repercursão como desafiar a FIFA, olhos nos olhos, e colocar em causa aquilo que todos os outros reconhecem mas são incapazes de contrariar.