O quinto titulo em sete temporadas confirma o FC Barcelona como o grande dominador do futebol espanhol contemporâneo. Mas o terceiro triunfo do Pep Team tem um simbolismo especial. Por ser a primeira vez que um técnico ganha três titulos consecutivos no clube blaugrana desde a sua nomeação. Mas, sobretudo, porque esta equipa está só a um titulo de emular o feito histórico de um tal Johan Cruyff. A história tratará de definir tudo o resto...
Foi Julio César quem lançou ao mundo o seu “vini, vidi, vici” e a frase encaixaria perfeitamente no espirito de Josep Guardiola.
Mas o técnico catalão não conheceu a glória já na meia idade, ele é um precoce em tudo e os seus triunfos como treinador relembram mais o descaro de Alexandre ao calculismo de César. Na noite em que um empate bastava (e com dois jogos ainda por disputar), Guardiola parecia tão nervoso na linha de fundo como o jovem macedónio na linha da frente de Gaugamela. A sua terceira grande vitória sobre o exército persa foi talvez a mais brilhante manobra militar da antiguidade clássica. A terceira liga de Josep Guardiola não foi certamente a mais espectacular das que venceu de forma consecutiva. Mas foi a mais pletórica. E indiscutida.
Se Pellegrini obrigou os culés a sofrer até ao último dia (Juande Ramos capitulou antes, ferido de morte pelos 2-6), este ano o Real Madrid pagou o preço de jogar em toda a linha e atirou as armas ao chão antes da noite cair. As duas derrotas em casa – precisamente aquilo que ninguém imaginava de uma equipa orientada por José Mourinho – deram esse colchão pontual que permitiu a festa a meio da semana em Canaletas e a consagração histórica de um projecto de continuidade com um toque de classe própria e individual. Esta versão 3.0 do Pep Team é menos espectacular que a original e mais eficaz que a segunda parte desta trilogia exitosa. Guardiola abdicou da figura do ponta-de-lança (móvel com Etoo, estático com Ibrahimovic) e deu liberdade a Messi para emular o papel de Hidgekuti na Hungria dos anos 50, basculando por todo o campo, deixando um imenso vácuo na marcação defensiva e soltando o jogo dos interiores Iniesta e Xavi. Esse detalhe técnico, por si só, foi fundamental para fazer a diferença. No duelo directo contra o Real Madrid e nos jogos com os pequenos onde, efectivamente, se ganhou La Liga.
Se o Barcelona é tricampeão nacional deve-o sobretudo a esses jogos.
Porque o Madrid, salvo a copiosa derrota no Camp Nou, não fraquejou e bateu de forma clara todas as equipas entre o 3º e 8º posto. Mas o seu estilo de jogo, apostando na velocidade, no contra-golpe e nas transições rápidas, esbarrou sempre com os conjuntos modestos que não concediam os mesmos espaços dos conjuntos do topo da tabela. Contra Almeria, Levante, Zaragoza, Gijon, Osasuna, Deportivo e Mallorca perderam-se pontos imperdiveis. Pontos que o Barcelona não deixou cair, salvo pontualissimas excepções, porque encontrou no posicionamento de Messi uma forma de criar ainda mais desiquilibrios nessas defesas recuadas e profundamente sólidas. Os números espantosos do argentino resultam, em parte, dessa liberdade dada por Pep que beneficiou ainda o jogo de Iniesta e Xavi, sacrificando de certa forma o apetite goleador de Villa e Pedro, encostados às linhas laterais, cobaias para a defesa marcar com os olhos. Messi foi o eixo central do jogo blaugrana e soube sempre responder, ora com golos ora com assistências, mas a sua mutação táctica retirou também certa espectacularidade ao jogo da equipa culé. O ritmo frenético e dinamico de associação de 2009, com Messi e Henry no apoio directo a Etoo, com essas tabelas intermináveis, perdeu gás com o jogo de Ibrahimovic, como pivot central do carroussell ofensivo. Sem referência no ataque a bola circular mais perto da linha central do campo e menos junto à área. Mas os espaços aumentaram e com um conjunto de jogadores técnicos, velozes e audazes, o ratio de eficácia subiu claramente. Este Barça foi, sobretudo, uma equipa de poucos erros. Melhorou os seus registos defensivos, com Valdés num ano brilhante e Pique consolidado como um dos grandes centrais do futebol moderno, aguentando as ausências longas de Puyol e Abidal com estoicidade. E melhorou ainda os registos goleadores apesar da bola ter rolado mais na comodidade de Busquets, Xavi e Iniesta do que entre o trio da frente, mais solicito fisicamente e menos envolvido no jogo de criação. Pep regressou ao conceito básico de transição de Johan Cruyff e recuperou a velocidade nas transições como arma nuclear. Valdés e Pique a lançar os ataques, Pedro e Villa em constante sprint na borda do fora de jogo e Messi, qual Romário, um diabo à solta em campo. Recuperando alguns dos conceitos do Dream Team permitiu também ao Pep Team aproximar-se em titulos do histórico conjunto. Cruyff foi o pioneiro e isso será sempre impossível de reeditar, mas a classe de jogo dos homens de Guardiola há muito que é superior. Sem esquecer que, dos quatro triunfos consecutivos, apenas um foi claro. Os restantes três foram obras desse acaso que ás vezes sopra sempre para o mesmo lado. Não me perguntem porquê.
Num ano em que o duopólio se tornou ainda mais gritante, o futebol espanhol voltou a encomendar-se ao Barcelona para vender o producto made in Spain. Mas começa a haver um certo desencanto com a mutação de Guardiola. As atitudes dos jogadores, o elevado volume de passes em terra de ninguém, mais cauteloso e, ao mesmo tempo, cinico, e o próprio discurso da entidade criam, semana após semana, anti-corpos impensáveis à volta do merecido triunfo blaugrana. Mais do que emular o feito do seu mentor, Guardiola prepara-se talvez para o que será o seu ultimo ano em Can Barça com o desafio de recuperar parte da magia perdida sem abdicar dos altissimos niveis de qualidade e eficácia que o seu terceiro projecto lhe permite conseguir. Nascido para fazer história, Pep Guardiola e o seu FC Barcelona já são mitos por direito próprio.