Desde a vitória em 2001 da AS Roma que o titulo da Serie A não desce a linha do horizonte que cruza a cidade de Milão. Uma ditadura futebolistica que não é novidade num país onde os três grandes clubes somam um total de 63 titulos, mas que espelha bem as assimetrias em que vive mergulhado o Calcio, com o futuro marcado num imenso ponto de interrogação.
Milão está habituada a celebrar em Maio.
Tornou-se já uma rotina que a cidade se vista de gala e saia à rua num qualquer fim-de-semana do mês primaveril e solte toda a euforia contida nos meses prévios. Desde 2006 que assim tem sido. A única novidade deste ano foi a mudança nas vestimentas. Já não são os neruazurros, que vinham de um ano de celebrações sem fim, quem sai à rua de cachecol na mão. É a hora da desforra dos rossoneri, um clube que apesar da grandeza institucional e económica conquistou apenas o terceiro campeonato numa década. A vitória do AC Milan surpreende pouco aqueles que seguem o futebol italiano. Não há clube com uma carteira tão recheada, com um plantel com tantas opções e com um empenho tão grande em ser o senhor de Itália. Espelho do seu presidente, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi, este AC Milan estava fadado desde o principio a triunfar. O que estranha é que tenha tardado tanto em lograr o feito. Afinal o Calcio, a mais competitiva prova de clubes dos anos 80 e 90, já há muito que não é o que era.
Depois do Tetracampeonato do Inter, do annus horriblis do Moggigate e da curta ditadura da Juventus, o titulo regressa a um clube habituado a ganhar, custe o que custar. E volta a afastar-se da periferia futebolistica italiana. E isso que a classe média do país da bota começa a dar um ar da sua graça. As excelentes campanhas de Napoli, Udinese e Palermo são a prova viva de que há vida para lá do eixo Milão-Turim. Mas ainda não é suficiente para repetir o feito dos clubes romanos, que durante dois anos deixaram o Norte transalpino em cheque.
A vitória do AC Milan na liga acontece num ano em que Massimiliano Allegri começou por confiar na recuperação de Ronaldinho e acabou por encomendar-se ao talento de Cassano.
Durante a temporada houve duas equipas totalmente distintas, dois modelos de jogo, dois rostos que se contradizem na sua própria essência. Só num torneio cada vez menos competitivo poderia um clube mudar tanto da noite para o dia e, mesmo assim, triunfar de forma tão categórica. Explica-se o triunfo também nos deméritos dos rivais. Na falta de regularidade de napolitanos e friules, bem como dos conjuntos romanos. E, acima de tudo, no processo de desconstrução do Inter que hipotecou o titulo durante o mandato de Rafa Benitez e que não soube dar a esperada luta sob o comando de Leonardo. Com a Juventus em coma – ainda – e o Inter em constante ressaca, pouco teve que fazer Allegri para passear-se pela “madonnina” com ar de triunfador. Mas foi-o realmente?
O técnico repescado ao modesto Cagliari por Berlusconi arrancou a temporada com um optimista 4-3-3 onde Robinho, Ronaldinho, Pato e Ibrahimovic repartiam e alternavam o peso do ataque face a um meio-campo descompensado e pouco criativo. As lesões de Pirlo e Ambrosini, a confirmada decadência de Ronaldinho e o reduzido impacto de Pato e Robinho deixaram a nu as debilidades tácticos dos rossonero. Valia a segurança defensiva, a ineficácia dos rivais e algumas decisões polémicas que paliavam os tropeções do conjunto milanês. O mercado de Inverno trouxe a estabilidade necessária e permitiu uma verdadeira lavagem de cara do onze. As entradas de van Bommel e Boateng transformaram o 4-3-3 um 4-2-3-1 mais sólido e eficaz e reduziram enormemente a carga ao quarteto defensivo. A chegada de Cassano, desterrado de Génova por uma Sampdoria agora à beira do abismo, e os golos do sempre omnipresente Inzaghi (até à sua lesão) permitiram o sprint final que sobreviveu às birras de Ibrahimovic (oitava titulo consecutivo, feito histórico, em três ligas e com cinco clubes diferentes), os problemas fisicos de Gattuso e Nesta e as tentativas desesperadas dos rivais mais directos.
Um titulo sem chama nem história que no entanto devolve a supremacia do Calcio a um clube que tem estado ao seu nivel nos palcos europeus mas que em Itália, por um motivo ou outro, acaba por defraudar constantemente os seus tiffosi. Depois de sete anos de espera o scudetto volta à camisola rossonera mas muitos suspeitam que na próxima temporada este AC Milan terá grandes dificuldades em reter a coroa. A tirania de Milão e do Norte de Itália continua mas aqueles que esperam uma mudança de rumo têm boas razões para estar optimistas. A caça ao campeão promete ser apaixonante.