É mais do que uma doce ironia que a equipa por todos aplaudida como a referência do futebol europeu tenha aberto caminho para a glória europeia graças a tudo menos ao seu jogo de toque. A vergonhosa exibição arbitral no Santiago Bernabeu não definiu apenas a primeira-mão. Não condicionou totalmente a segunda mão. É mais do que isso. A UEFA mandou claramente a sua mensagem. Este Barça é, verdadeiramente, intocável!
José Mourinho lembrou Stanford Bridge. E com razão. Mal imaginava ele (ou talvez não) o que lhe esperava.
O mundo do futebol, entregue á calculada - até nisto - explosão de raiva de Pep Guardiola, passou ao lado a polémica decisão arbitral. Pedro Proença foi deixado de lado pela condição de compatriota do polémico setubalense (o que não impediu que um espanhol estivesse, e muito bem, no outro jogo onde actuaram três compatriotas) e para o seu lugar chegou um dos árbitros mais polémicos e criticados da Bundesliga. Um árbitro que, publicamente, professou a sua admiração pelo Barcelona (uma perigosa novidade que pode criar tendência) e por Messi. Um árbitro com uma péssima avaliação no seu próprio campeonato eleito para o jogo mais escaldante do ano. O critério UEFA voltou a ficar evidente.
A arbitragem de Wolfgang Stark não definiu o jogo. Confirmou essa tendência assustadora que tem o clube catalão de controlar o futebol europeu do campo aos escritórios. Se no relvado o Barcelona é imenso, imenso, fora dele é-o também. E mais quiçá!
Stark inventou uma expulsão certeira. Não só porque sem Pepe o Real Madrid ficou com dez durante uma fatidica meia-hora. Como também condicionou, automaticamente, o jogo da segunda volta. A falta do português sobre Alves existe, é clara e passivel de admonestação. Mas uma expulsão directa e cirúrgica não tem outra explicação possível que não o condicionamento total do clube merengue. Juntando a isso, se mais cabe, Stark decidiu igualmente expulsar Mourinho, voltando a condicionar a segunda ronda e a reacção merengue. Isso num jogo onde os jogadores blaugranas, uma vez mais, puseram e dispuseram passando totalmente ao lado dos comprometedores cartões. Messi, Busquets, Pedro, Villa, Alves, Mascherano, todos eles merecedores de admonestação, algum inclusive de expulsão por acumulação, e todos eles sãos e salvos. Missão cumprida.
Não foi uma novidade e em muitos sectores já se adivinhava algo do género.
A ascensão de Guardiola e do seu proclamado Pep Team - uma maravilha da arquitectura futebolistica, repito - começou naquela polémica eliminatória frente ao Chelsea de Guus Hiddink. Um Chelsea ultra-defensiva que soube antecipar o que fariam Inter e Real Madrid nos anos seguintes. E que só caiu depois de um golo nos instantes finais, um verdadeiro tiro no escuro de Iniesta, e depois de várias expulsões e penaltys perdoados com profunda amizade aos jogadores do Barcelona. Uma arbitragem histórica nos anais do futebol europeu que marcou tendência futura ao mesmo tempo que abria a lata de recordes dos culés.
No ano seguinte, uma vez mais, o Barcelona voltou a sentir o apoio da UEFA quando era mais necessário. Nessa altura a expulsão de Thiago Motta depois do enésimo teatro de Sergio Busquets, um notável médio, um péssimo jogador, podia ter feito ao Inter o que a arbitragem de Ovebro fizera ao Chelsea. Mas a vantagem do Inter era real e providencial e nem um golo, outra vez, nos suspiros finais, impediu os italianos de quebrar um enguiço histórico. Mas ficou o aviso, a tendência não ia mudar. Em 2011 o Arsenal sentiu-o na pele quando Robbie van Persie sofreu o vermelho mais ridículo da história da competição quando ambas as equipas lutavam taco a taco por um lugar nos quartos de final. E depois de massacrar brilhantemente o Shaktar Donetsk a noite de Madrid que relembrará as aziagas arbitragens de Leaf e Ellis, os árbitros ingleses que a UEFA designou em 1961 para terminar com o reinado de Di Stefano e companhia nos palcos europeus. Entre essa noite e esta, 50 anos depois, muito passou. Mas o resultado acaba por ser o mesmo. Contra 10, e uma equipa moralmente desmotivada, o Barcelona matou o jogo com dois golos excelentes de Leo Messi, até então desaparecido da ribalta. E matou a eliminatória de forma contundente. Particularmente porque o próximo jogo está assegurado de antemão, afinal é preciso fazer as coisas bem. Irónico é que os admiradores confessos desta equipa que a catalogam com uma facilidade insultante como a melhor de todos os tempos se encolham quando lembrados que a mesma formação que desenvolve o tiqui-taca com equipas mais humildes ou, digamos, tacticamente menos preparadas, seja incapaz de marcar nos jogos importantes enquanto a sombra não entra em acção. Foi assim em 2009, foi assim em 2010 e voltou a ser assim em 2011. Sempre com rivais distintos, sempre com o mesmo padrão de comportamento. Coincidências assim, puramente, não existem.
O Barcelona continua a ser uma grande equipa, com a bola nos pés a melhor do Mundo e uma das mais entusiasmantes de sempre. Mas cada vitória ganha desta forma lança uma profunda sombra sobre o seu real valor. Nenhuma meia-final da máxima prova europeia acabou sem polémica e os blaugrana acabam por ser, tristemente, os protagonistas. A expulsão de Pinto, ao intervalo, mostra o estado de espírito dos seus jogadores. A atitude dos colegas no terreno de jogo, a quem tudo é permitido, com uma reverência quase tocante, não deixa margem para dúvidas. O cinismo do Pep Team é proporcional ao talento dos seus artistas. E quando a balança está desnivelada, dentro e fora de campo, o futebol deixa de ser uma competição e passa a ser muito pouco. A história tratará de o comprovar, como sempre faz...