O futebol português permanece igual a ele próprio. Perdido numa espiral circular que ameaça repetir-se até ao fim dos tempos. Não há motivos para pensar que alguma vez será diferente. O circo montado à volta da renovação da selecção acabou com a cabeça de Paulo Bento numa bandeja e um cheiro a podre que chega dos bastidores. Onde sempre esteve a origem do mal.
A participação de Portugal no Mundial 2014 foi um desastre. Não há outra forma de o dizer que seja mais directa e verdadeira. Também o tinha sido a fase de qualificação tal como o apuramento para o Euro 2012. Muitos, muitos erros somados e somados que foram varridos para debaixo do tapete. Com a imprensa controlada, as vozes criticas silenciadas, questionar o evidente tornava-se tão paradoxal como necessário. Um grito no meio do silêncio. Ninguém o deu. Os resultados no Brasil estavam escritos nas estrelas e não nas fichas médicas. Mas foram esses, os culpados. Eles e apenas só a julgar pela renovação institucional, pomposa – como tudo o que mete a FPF – e incipiente que se seguiu após ao relatório que demorou o tempo necessário para que todos pudessem ir de férias, tranquilos, com os seus. Nessa metamorfose kafkiana, a selecção saía aparentemente reforçada debaixo da liderança de um seleccionador a quem os resultados não causavam mácula, um líder com mais poder e influencia que nunca a quem a Alemanha nunca goleou, os Estados Unidos nunca vulgarizaram e o Gana nunca assustou. Depois veio o caos, em forma de guerreiros albaneses, veio o circo, em forma de reuniões para fumar charuto, e a decisão de despedir o novo líder depois do primeiro round. A congruência sempre foi uma característica muito do adn português. Bento sai com três meses de atraso e atrás de si deixa nada de que se possa orgulhar. O staff médico, renovado a gosto de quem realmente manda, está ilibado de culpas, pelo menos por ano e meio. E Portugal, num momento crucial da vida da sua selecção nacional, continua entregue aos de sempre.
Paulo Bento era um dos grandes problemas da selecção. Mas nunca foi o problema.
A sua inépcia táctica, evidente, a sua dificuldade em distinguir o melhor do amigo, clara. Com Bento ao comando vários jogadores bateram com a porta, outros seguramente desejávamos que o tivessem feito. As suas convocatórias eram tão previsíveis como uma telenovela brasileira e os protagonistas os mesmos, como o cardápio da Globo. Mas da novela das sete, não do prime time. Enquanto houve um Ronaldo física e mentalmente em condições (vide Euro 2012, vide play-off com a Suécia) todos os outros problemas técnicos, tácticos e liderança foram sendo escondidos dentro de um baú de coisas proibidas. Mas sem o CR7 – porque o CR7 só está quando quer, não quando se necessita, que para isso é capitão – não há mais créditos que gastar. Bento sai porque é um mau treinador, um fraco seleccionador e um péssimo gestor. Mas nada disso difere do que era quando foi eleito no cargo, quando sobreviveu a uma penosa fase de qualificação para o Brasil ou quando foi reconfirmado e viu reforçado o seu estatuto interno. Só alguém muito deslocado da realidade poderia estar por detrás de algo assim. Felizmente para Portugal, há muitos personagens de esse nível e curiosamente estão todos em cargos de poder.
Bento perdeu com a Albânia depois de ter feito o que muitos pediam – começar a integrar novas caras – de ter feito aquilo que lhe obrigam a fazer – dar carta branca ao capitão – e com uma lista de convocados que pertence à carteira de um só homem, o seu. Quem vier a seguir, se seguir a mesma directriz, encontrará o mesmo fim. Sabendo que quem o vai eleger – e quem quer ser eleito? – pertence ao mesmo grupo de pessoas que tomou a decisão em Agosto de deixar tudo na mesma, a esperança é nula. Portugal tem melhores futebolistas do que nos querem fazer crer. Não há uma Geração Dourada. Já não a há desde o fiasco da Coreia e do Japão. Desde o fiasco do Euro 2004. Desde então que tem havido outros jogadores, outras referências. Para o amanhã também os há, especialmente havendo a clara consciência de que o apuramento para o Europeu é quase uma formalidade. Sem Bento haverá espaço para recuperar Tiago, Danny, Manuel Fernandes ou Ricardo Carvalho, transformados em párias. Sem Bento haverá coragem para abdicar de Veloso, Meireles, Ricardo Costa, Bruno Alves ou Hugo Almeida? Sem Bento haverá quem decida que o amanhã é mais importante que o hoje e que está na hora de Bruma, de João Mário, de Adrien, de Marcos Lopes (Espanha, que tem muito mais por onde escolher, não quis perder Munir como nos estamos a preparar para perder Ronny), Anthony Lopes e companhia e procurar um esquema de jogo que beneficie a 10 e não a 1 individualidade? Ou vamos ter de esperar algumas debacles mais para entender que nem grandes jogadores sós fazem uma grande equipa nem um só jogador faz milagres.
Portugal teria um futuro brilhante nos palcos internacionais. Brilhante. Só precisava de ter dirigentes de nível e treinadores sem ataduras, que pusessem em prática o que parece ser o b-á-b-á da profissão, aproveitando alguns dos melhores jogadores da Europa, presentes e futuros, nas suas posições. Portugal não é, nunca foi nem nunca será França, Espanha, Itália, Inglaterra ou Alemanha com os seus mais de 50 milhões de habitantes e mercados potentes. Mas não há nada que não tivéssemos já feito que pudesse voltar a ser repetido. Falta apenas trocar as peças mais importantes, as que não se vêem e esperar que ao homem do leme que venha a seguir não lhe escolham por ser vizinho do amigo do terceiro direito. E que não lhe entreguem em mãos uma rota que está destinada a encalhar num baixio com terra à vista lá ao longe.