Sábado, 26 de Julho de 2014

O Em Jogo vai de férias até ao próximo dia 20 de Agosto.

 

Entretanto podem continuar a visitar o Futebol Magazine, quem mantém a sua programação habitual.

 

Para leitura de Verão, na praia, a recomendação obrigatória do Noites Europeias e dos Sonhos Dourados via Amor á Camisola.

 

Bom Verão a todos!

 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 14:58 | link do post | comentar

Segunda-feira, 14 de Julho de 2014

Prometeu muito, deixou pouco. O Mundial 2014 chega ao fim. Com ele a mais espectacular fase de grupos de que há memoria. E uma ronda a eliminar que foi descrendo de qualidade até alcançar uma final decepcionante. Foi um torneio de oito e oitentas, de guarda-redes fadados a momentos de glória e de estrelas globais abaixo do que prometiam. Um torneio que não deixa uma grande equipa, um grande jogador mas sim uma grande certeza. A queda da Espanha não significou o fim do tiki-taka e a sua Némesis defensiva vai encontrar sempre forma de continuar a morder-lhe os calcanhares.

 

No dia em que os oitavos-de-final arrancaram, com o drama entre Brasil e Chile, os adeptos de futebol estavam no céu. Tinham vivido quinze dias de uma intensidade única. Golos – muitos, de muitas formas e feitios – grandes exibições colectivas e individuais (sobretudo dos guarda-redes) e surpresas. Parecia que o torneio ia igualar as desigualdades sociais do Mundo e que os europeus seriam a chacota. O Brasil avançava a passo tremido para fazer história e o futebol perfumado das caraíbas encandeava mais que o jogo dos europeus. Um mundo ideal quase previa uma final Colômbia vs Costa Rica. Foi um sonho bonito. Mas curto. Quinze dias depois a sensação não podia ser mais distinta.

O torneio abandonou o seu ritmo de samba e entrou num longo e angustioso solo de Bossa Nova, lento e previsível. Os favoritos foram eliminando os rivais sem problemas de maior. As surpresas desapareceram e com elas a magia do momento. Os europeus que sobreviveram à purga inicial (principalmente uma purga de equipas mal preparadas) impuseram-se sobre os rivais sem dificuldades de maior. Pela primeira vez na história dos Mundiais fora da Europa a competição esteve a uma grande penalidade de ter os dois finalistas do “Velho Continente”. Lá se foi a justiça social. Os guarda-redes foram perdendo protagonismo (salvo se entraram para defender penalties) e os nomes do costume foram aparecendo. Mas a anos-luz do que sabem e podem fazer. Não houve uma grande série de exibições mágicas de um jogador nem um futebolista que se impusesse como figura icónica do torneio. O futebol moderno dá cada vez menos liberdade aos Ronaldo, Zidanes ou Romários – para não ir mais atrás no tempo – reclamar o seu lugar na história. A péssima qualidade das arbitragens só encontrou par no péssimo estado táctico e emocional do Brasil. Foi o descalabro numa semana de um espectáculo inesquecível. Depois de uma fase de grupos digna do México 86 ou Espanha 82 a competição a eliminar caiu ao nivel emocional de um Itália 90 ou Coreia do Sul-Japão 2002. E claro, dentro de tantos falsos mitos que fracassaram, um imperou sobre os demais. Sobrava a Alemanha.

 

O futebol germânico teve o merecido premio a oito anos de trabalho.

A aventura que Klinsmann começou mudou o curso quando Low se encontrou com Espanha. Em duas provas seguidas a Mannschaft caiu aos pés do tiki-taka. Foi suficiente para introduzir no seu próprio ADN o código de sobrevivência do futuro. Espanha pode ter sido a selecção mais decepcionante do torneio – continua a ter, quase posição por posição, um dos três melhores do Mundo – mas a sua herança manteve-se viva nos alemães. Uma equipa que teve altos e baixos evidentes no torneio, que sofreu – como os espanhóis – nos jogos contra equipas tacticamente organizadas na defesa, e que não tem um interprete singular mas um rosto coral de maravilhosos músicos capazes de tocar em harmonia absoluta. A Alemanha foi a melhor selecção colectiva do torneio sem ter sido, no entanto, uma selecção para a história. Pode perfeitamente este ter sido o ponto de inicio para uma nova era de hegemonia mundial, que o próximo Europeu confirmará ou não. Há muita juventude e opções de futuro para pensar nisso. Mas este pode ser também o titulo que coroa um trabalho que vem de longe e que merecia este reconhecimento. Os alemães deram um toque vertical ao tiki-taka espanhol (no fundo o mesmo que o modelo tinha na sua primeira encarnação e que Guardiola, um treinador mais vertical do que se pensa, exige no Bayern) e souberam ser eficazes nos momentos certos. Foram protagonistas do jogo mais marcante da competição (o melhor, esse, foi o Itália vs Inglaterra, duas equipas eliminadas o que diz muito da magia da primeira quinzena de torneio) e só esses sete golos ficarão seguramente para a história impressos com mais força que o titulo mundial. Foi a gesta do torneio, mas nem foi brilhante, nem foi a única.

O Mundial foi, sobretudo, um torneio previsível quando os astros se alinharam. Beneficiando de um cruzamento acessível desde a fase de grupos, a Argentina ultrapassou o seu Rubicão e chegou à final com pouco futebol e aplicando a antítese do tiki-taka que deixaria Mourinho orgulhoso. Marcaram poucos golos (nenhum finalista marcou menos na história na fase a eliminar, apenas dois golos em 430 minutos), defenderam bem e tiveram em Mascherano a sua figura. Messi esteve mal acompanhado no ataque e demasiado longe da área para criar perigo real. Lutou com as armas que tinha, manifestamente insuficientes. Na fase a eliminar não marcou nem decidiu nenhum dos jogos a favor da sua equipa e depois de uma boa primeira ronda eclipsou-se progressivamente. Na final passou de uma excelente hora de jogo a uma fantasmagórica exibição no prolongamento, vómito incluído. Não foi o seu Mundial a pesar de ter chegado à final. Olhando para o futebol argentino actual é possível que seja a única da sua carreira. No entanto, continuar a insistir que um jogador do seu calibre precisa de um titulo Mundial para ser grande é não conhecer a história do jogo. Messi é o jogador que define o futebol pós-2008 pelo seu jogo, não pelos títulos que conquistou.

 

Messi foi uma figura decrescente como todas à medida que o torneio avançava. Robben, Muller e James Rodriguez foram os mais constantes no brilho que deram a uma competição onde Neymar, Benzema e Suarez começaram por prometer muito mas, por motivos vários, deixaram de produzir à medida que passavam os dias. No fim da competição foram os Mascherano, Lahm ou Kroos que se fizeram indispensáveis. Os guarda-redes também passaram da magia da primeira ronda à sobriedade dos momentos difíceis.  O torneio foi perdendo a magia à medida que o Brasil deixava a nu todas as deficiências e equipas como a Costa Rica, Colômbia, Bélgica ou França diziam adeus. A Holanda manteve-se em competição mais pelo génio táctico de van Gaal e a excelente forma de Robben do que pelo mérito do seu colectivo. Os europeus, que começaram tão mal – Itália, Inglaterra, Portugal, Croácia e, sobretudo, Espanha – impuseram a sua vontade e pela primeira vez venceram um torneio fora do seu continente. Foi também a terceira vitória consecutiva da Europa deixando claro que se a alma do futebol está na América, a qualidade de jogo está na Europa. Será difícil mudar a tendência enquanto a desorganização nos gigantes continentais americanos, africanos e asiáticos continuar a imperar. No final impôs-se a justiça do campeão, premiou-se o esforço de uma Argentina escassa em talento e do trabalho táctico de um génio como van Gaal no pódio. As lembranças dos primeiros días foram engolidas no tempo, de tal forma que parecem a um Mundial diferente do que acabou. No entanto, um palco mágico como o Brasil seguramente tornará as coisas difíceis para os russos em 2018. Será difícil organizar um torneio com tanto simbolismo num país gigante mas desfasado do Mundo onde não há esse perfume de um futebol que já não existe a cada passadeira numa avenida rodeada de memorias e ilusões.  Porque afinal, mais do que um torneio entre países, o Mundial é precisamente isso, um pretexto, de quatro em quatro anos, para celebrar a essência deste beautiful game.

 

PS:  A polémica levantada pela eleiç4ao de Messi como jogador do torneio espelha bem a diferença do que é o Mundial de futebol, em campo, e o torneio organizado pela FIFA, nos bastidores. A competição deixou claro que a FIFA cometeu erros graves – equipas de arbitragem, política de venda de bilhetes, horários de jogos para beneficiar as televisões europeias, o circo à volta da suspensão de Suarez – à medida que o futebol em campo ia sobrevivendo.  Messi não precisa de um premio destes para se reafirmar pelo que é, um dos melhores jogadores de sempre. Mas este não foi o seu Mundial. Não foi um Mundial decepcionante, como em 2010, mas também não foi o torneio que fez seus. Face à ausencia de uma super-figura (desde Ronaldo que não há ninguém com esse simbolismo) o premio fazia muito mais sentido em James Rodriguez, Arjen Robben, Thomas Muller, Philip Lahm ou Javier Mascherano, cada qual representante perfeito de momentos e estilos próprios. Que o argentino não esteja no onze tipo do torneio de quase nenhum jornalista, técnico ou comentador que tenho lido nos últimos dias não surpreendem em absoluto. Como diz, por uma vez bem, Diego Maradona, o mediatismo da entrega do premio a Messi – prémios que nunca foram entregues desta forma circense – eclipsa cada vez mais a meritocracia que rodeia a essência do jogo. Provavelmente tanto ele como Cristiano Ronaldo, esse sim protagonista de um Mundial penoso, estejam no top 3 do próximo Ballon D´Or. O futebol, se é que alguma vez esteve, não tem nada a ver com estes prémios. Mas é preciso vender jornais e encher redes sociais. É o futuro (triste) do jogo.


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publicado por Miguel Lourenço Pereira às 21:37 | link do post | comentar | ver comentários (4)

Quarta-feira, 9 de Julho de 2014

Podem passar os anos. As gerações. Haverá momentos únicos, históricos. Viveremos torneios exibidos em novos suportes digitais. O mundo acabará mas os Mundiais continuarão a disputar-se noutra galáxia. O que nunca irá ser esquecido foi o vivido ontem em Belo Horizonte. Naquele que foi, muito provavelmente, o jogo mais importante da história do futebol desde o Inglaterra vs Hungria, entendemos definitivamente que o passado nunca volta.

 

Billy Wright e Tom Finney olhavam desconfiados para um jogador gorducho, cabelo impecavelmente penteado, meias altas. Não parecia um jogador de futebol profissional. Tinha mais aspecto de dono de bar de má reputação. Para esses dois símbolos do Rule Britannia o futebol consistia numa série de leis não escritas. No topo da lista estava a eterna invencibilidade dos ingleses. Os Pross já tinham perdido internacionais, mas sempre longe de casa. No tapete sagrado de Wembley eram invencíveis. Até àquela tarde. O jogador gorducho provou em campo que o futebol não era uma questão de credo, de raça, de coração. Era um jogo altamente sofisticado, cheio de burocráticos detalhes tácticos mas onde o génio individual tinha sempre de casar com o talento colectivo para forjar o triunfo final. Puskas mostrou aos ingleses que o futebol que eles tinham reinventado e dominado de forma insultante tinha chegado ao fim. Demonstrou-o diante dos seus olhos para não haver mais duvidas. A verdade é que há décadas que os ingleses não eram os melhores do Mundo, per se. Nos anos 30 a escola danubiana e a Itália tinham ocupado o seu lugar e do outro lado do Atlântico o futebol rioplatense tinha demonstrado estar, como mínimo, à altura dos insulares. Mas esses duas décadas tinham passado sempre debaixo de um fantasma de genuína admiração pelos ingleses. Viviam da glória passada, do seu jogo fascinante, das suas velhas lendas, como se bastasse vestir a camisola com os três leões, cantar o God Save the Queen e ganhar por direito divino. Os seis golos dos húngaros em Wembley acabaram com oitenta anos de hegemonia emocional inglesa. O império tinha chegado ao fim.

 

Foi isso que aconteceu em Belo Horizonte.

O mesmo fiel retrato dessa tarde de Londres em que o futebol se despediu entre lágrimas das suas origens e seguiu o seu caminho. Cinco anos depois da hecatombe inglesa, apareceu um novo império. Chegou com o mesmo fascínio original provocado pelos ingleses. O Brasil era tudo aquilo que a Inglaterra já não era mais tinha feito o mundo acreditar que sim. Tinha talento, organização, engenho, velocidade e jogadores capazes de roubar corações para a eternidade. O triunfo no Mundial de 1958 tinha sucedido ao drama do Maracanazo e à brutalização do futebol (já) canarinho em 1954. Nesse torneio, disputado na SUécia, começou a saga memorável dos brasileiros. Quatro anos depois o segundo titulo. Em 1970, debaixo do sol asfixiante do Azteca, o tricampeonato Mundial e a certeza de que não havia ninguém no Mundo que pudesse estar à altura da sua sombra. O Brasil tornou-se na nova Inglaterra. Era a segunda selecção de todos, a equipa que chegava sempre como favorita, mesmo em más horas. A que tinha um jogo inconfundível, aquela cujos adeptos podiam presumir de ser únicos e inimitáveis. A “amarelinha” tornou-se tão grande como os “leões”. O God Save the Queen foi substituído pelos batuques, passos de samba e gritos de ordem tropicais. A dinâmica emocional manteve-se. O Brasil perdeu, mais do que ganhou. Perdeu a jogar bem, perdeu a jogar mal. Chegou ao zénite do seu génio colectivo em Espanha, em 1982, baixou às profundezas oito anos depois com um modelo de jogo atrasado no tempo e desfasado no espaço do ADN brasileiro. Recuperou títulos e prestigio mas, como sucedia com a Inglaterra dos anos 30 e 40, já estava longe da sua insultante hegemonia. Foi-se tornando menos Brasil e o resto do Mundo fingiu que não o sabia e continuou a olhar e a assobiar para o lado por respeito a uma velha glória que sabe que os focos já apontam noutra direcção. Mas todas as velhas glórias mais tarde ou mais cedo se confrontam com a realidade. Em casa, diante dos seus, o golpe é sempre muito mais duro. Os ingleses só entenderam que o mundo tinha realmente mudado quando os húngaros destroçaram o seu lote de estrelas intocáveis em pleno Wembley. A humilhação em 1950 contra espanhóis e americanos passou ao lado da critica dos adeptos porque foi distante. O mesmo foi sucedendo com os dramas vividos pelas sucessivas encarnações de um decrépito Brasil. Até ontem.

No Mineirão os brasileiros procuraram sacar das mesmas armas dos ingleses. Houve o hino, o equipamento icónico e o fervor do público que ainda acreditava que existia uma vontade divina que tratava os futebolistas brasileiros como uma raça à parte. Do outro lado um rival que já vinha, como os húngaros, dando sinais nos anos anteriores que o seu caminho era outro. Mas um rival que, ainda assim, sabia que defrontava o Brasil no Brasil. O respeito impunha-se. Tudo isso acabou com o primeiro toque da bola na relva. O Brasil foi atropelado com uma facilidade insultante. Reflexo perfeito daquela tarde em Wembley. Thomas Muller e Toni Kroos reencarnaram em Ferenc Puskas e Nandor Hidgekuti. O Brasil limitou-se a pedir a ajuda dos ausentes, fantasmas antigos e novos criados na psique nacional como canalizador de desculpas. Os golos foram sucedendo-se a um ritmo de jogo de amigos. O estado de estupefacção era mais evidente do desnorte do que o avolumar do marcador. Os brasileiros não acreditavam que mesmo sem futebol, sem jogadores e sem colectivos o facto de ser o Brasil não os deixava isentos de uma noite assim. Os homens que se julgam Deuses olham sempre com descrença para o fatalismo que os espera. A Alemanha foi ela mesma, sem mudar uma vírgula, e bastou-lhe para ganhar. Não quis fazer sangue. O resultado pode enunciar o contrario mas os golos surgiram de forma tão natural que o difícil era não marcá-los. Tivesse a Alemanha jogado ao mesmo ritmo os noventa minutos e o marcador teria colocado o Brasil ao nível futebolístico do Guam. Era ontem o nível onde estava.

 

O fim do império britânico foi confirmado em Londres naquela tarde. Os ingleses ainda assim demoraram a dar-se conta. Meses depois foram a Budapeste perder por sete golos. Nos três Mundiais seguintes perpetuaram a sua fama de decadentes figuras de cera com resultados decepcionantes atrás de resultados decepcionantes. O titulo conquistado em 1966, a hegemonia dos clubes insulares na segunda metade dos anos setenta e o sucesso da Premier League serviram de consolo emocional. O resto do Mundo continua a olhar para a Inglaterra com uma reverência emocional que já não se confunde com respeito desportivo. O processo futuro  do Brasil tem tudo para seguir o mesmo caminho. Os problemas do futebol brasileiro são tão antigos como o tempo. Quando acabou a mágica geração dos anos cinquenta e sessenta, apareceram de novo os treinadores brutalizadores do esférico , os desastrados “cartolas” da CBF e no coração dos clubes. A Globo fez do futebol o aperitivo das novelas. A decadência em campo começou no próprio jardim de casa. Há mais de vinte anos, desde o São Paulo de Telé Santana, que não há uma equipa brasileira de clubes digna desse nome a nível de projecção global. Os jogadores foram sendo vendidos cada vez mais cedo, cada vez mais fora de tempo e o espírito da “ginga” e do “malandro” foi substituída pelo engrossar de legiões de operários made in Europa. A tudo isso a resposta da CBF foi a eleição de treinadores desinspirados ,de Carlos Alberto Parreira a Scolari sem esquecer os Zagallo, Menezes ou Dungas. Sem lideres fora e dentro de campo o futebol brasileiro tornou-se cada vez mais o fiel reflexo dos decadentes ingleses. O jogo de Belo Horizonte abriu definitivamente os olhos aos brasileiros e aos descrentes do Mundo.

O jogo bonito há décadas que não existe, ontem o que caiu ao chão foi a constante sensação de que, do nada, o Brasil pode voltar a ser o velho Brasil pelo simples desejo de sê-lo. Esses dias acabaram para sempre. O novo império está por entregar e será seguramente partilhado pelos herdeiros ideológicos do tiki-taka espanhol , alemão ou quem os queira seguir. O que é certo é que esta história chegou ao fim. E daqui a muitos anos os nossos filhos vão pedir-nos, â hora de ir para a cama, que lhes contemos essa fábula mágica do dia em que a Alemanha acabou com essa Camelot que um dia se chamou Brasil.


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publicado por Miguel Lourenço Pereira às 18:18 | link do post | comentar | ver comentários (4)

Segunda-feira, 7 de Julho de 2014

Houve grandes jogadores antes de Alfredo di Stefano. E houve grandes jogadores depois. Mas o argentino que se converteu em espanhol marcou o equador da história do jogo. Tudo mudou com ele, tudo mudou graças a ele. O futebol de hoje deve muito a um jogador que não cabia na mitica linha de ataque conhecida como La Maquina mas que marcou o padrão futuro de todos os grandes jogadores desde a sua chegada a Madrid. Alfredo di Stefano pode não ter tido o marketing e o poder mediático de vários astros. Mas pode perfeitamente ter sido o jogador mais importante da história do futebol.

 

Os recordes de Di Stefano são ridiculamente insultantes. Nunca ninguém marcou (e ganhou) em cinco finais consecutivas da Taça dos Campeões Europeus. É o homem que deu importância a uma competição que era um enigma quando foi criada. As Noites Europeias cresceram à sua sombra. O mesmo se pode dizer do Real Madrid. Clube importante mas ao mesmo nível do seu vizinho Atlético e dos rivais de Bilbau e Barcelona, o Madrid tornou-se Real com a presença do génio argentino. Depois de uma vitória pouco limpa num duelo na secretaria com o Barcelona, os “merengues” desfrutaram de quase uma década de momentos fantásticos de La Saeta.

Com ele ganharam tudo o que havia para ganhar vezes sem conta. E isso que DI Stefano chegou em Madrid, em teoria, no ocaso de uma carreira que teimava em arrancar. Apesar de admirar o astro paraguaio do Independiente, Arsénio De Erico, o jovem Alfredo queria realmente triunfar na linha de ataque de outro gigante de Buenos Aires, o River Plate. Mas apesar de ser já um grande jogador, o seu talento inato era insuficiente para romper a mítica linha conhecida como La Maquina. Durante anos o génio de Lostau, Pedernera e Labruna barraram-lhe a titularidade. Desesperado, experimentou jogar noutras paragens, do modesto Huracan ao Millionarios de Bogota, tomando parte na liga rebelde colombiana que agitou o futebol mundial nos anos cinquenta. Foi aí que o Real Madrid o conheceu, num amigável em Chamartin em que o jogador encandilou a Santiago Bernabeu.

O Barcelona já tinha feito a primeira jogada e enviado um emissário a negociar com o River Plate – clube ao qual oficialmente ainda pertencia – mas com a intervenç4ao habilidosa do General Moscardo, ministro dos desportos do governo franquista, Di Stefano acabou em Madrid. Durante oito anos foi o Madrid. Ao clube a quem tanto deu voltou como treinador. Pelo caminho tinha ficado uma saida pouco gratificante, um ultimo capitulo em Barcelona mas com a camisola do Espanyol e um trabalho como treinador notável no Valência. Foi ele que abriu caminho para a segunda reencarnação do Real Madrid, a “Quinta del Buitre”.

 

Di Stefano foi talvez o jogador mais importante de sempre.

Mas não o foi só por aquilo que ganhou. Cinco Taças dos Campeões Europeus, marcando em todas as finais (perderia a de 1963 contra o Benfica de um Eusébio que só queria a sua camisola), varias títulos nacionais, a primeira Taça Intercontinental. Tudo podia ser suficiente para o elevar aos altares do futebol. Nem sequer o facto de nunca ter disputado um Mundial (a Argentina não entrou em prova entre 1950 e 1958, altura em que já tinha a nacionalidade espanhola, com quem falhou esse torneio, eliminados na qualificação, e o seguinte, por lesão) merma a sua reputação. Di Stefano fez história por ser o paradigma por excelência do jogador moderno.

Em Buenos Aires foi superado pelos últimos grandes interpretes românticos do futebol rioplatense. Na mesma altura brilhavam na Europa génios como Mazzola, Mathews, Walter, Peyroteo, Kubala ou Puskas. Mas todos eles eram fieis reflexos do jogador da época. Poucos cuidavam o físico, tinham capacidade física para aguentar um jogo de noventa minutos em perpétuo movimento. A maioria jogava sempre na mesma zona de influencia e esquecia-se de que o jogo seguia quando a bola passava a linha do seu meio-campo. Eram mitos, todos eles por direito próprio, e actuavam como tinham aprendido e como era prática. Mas Alfredo foi mais longe. Desafiou as convenções e estabeleceu as bases do jogador do futuro.

Não tinha posição fixa em campo. Partia, no velho WM, da posição de nove, para ocupar todo o campo. Era habitual vê-lo a começar jogadas no seu meio-campo e acaba-las mais tarde. Jogava como avançado, extremo, lateral e médio organizador. Tinha um pulmão que nunca se cansava, fruto do seu exigente treino e elevado profissionalismo. Era um goleador feroz, um assistente privilegiado e um conhecedor profundo da dinâmica táctica de um jogo em evolução. Era um líder em campo e um autêntico ditador no balneário. Foi o primeiro jogador a ter poder suficiente para eleger e descartar colegas. Foi o responsável pela promoção de Gento e pelo afastamento de Didi. Com Puskas estabeleceu uma longa amizade e parceria apenas depois do húngaro – mais velho e fora de forma – ter entendido que teria de trabalhar para ele em campo. Num torneio da liga espanhola, com os dois jogadores empatados a golos na última jornada e a lutar pelo Pichichi, Puskas assistiu duas vezes o argentino que levou o premio e a glória, ainda estando em melhor posição para marcar. Foi o primeiro futebolista a entender que valia o seu peso em ouro e que era por ele que os adeptos acudiam em massa ao Chamartin. Graças ao seu peso mediático o Real Madrid transformou-se de um clube sem expressão europeia num mito do futebol mundial. Sem ele, provavelmente, os merengues seriam uma figura secundária ainda hoje.

 

Di Stefano pode não ter tido a brilhantes técnica de Pelé, a sagacidade intelectual de Cruyff ou o carácter indómito de Maradona, mas foi o precursor de todos eles como estrela global. Foi o primeiro mito vivo do jogo a ser conhecido universalmente, o primeiro herói de multidões consagrado pela televisão. O aparecimento da “Caixa mágica” coincidiu com o seu ocaso mas também com as suas vitórias com os Blancos. Tivesse sido filmado mais vezes e talvez hoje ninguém discutisse o facto de ser o melhor de todos os tempos. Mas as câmaras preferiram prolongar a magia de um jovem brasileiro chamado Pelé e Di Stefano passou para a história como o último herói de uma era em vez de ser, merecidamente, reconhecido como o primeiro de um novo mundo. Equador da história, foi o fiel reflexo de dois mundos em múltiplos sentidos. Nunca nenhum futebolista foi, alguma vez, mais completo ou fundamental em definir o futuro do jogo como ele. Os heróis de hoje, ainda que brilhantes, empalidecem em comparação com a sua lenda. Os que o antecederam, empequenecem debaixo da sombra de um jogador total. Essa é a grande verdade da vida de um homem que foi mais do que um futebolista. Alfredo di Stefano foi, na realidade, o Futebol.


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publicado por Miguel Lourenço Pereira às 18:20 | link do post | comentar | ver comentários (13)

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