Terça-feira, 25 de Março de 2014

Em 1976 o Real Madrid foi campeão de Liga perdendo os dois jogos com o Barcelona. A equipa blaugrana, alimentada por um inconstante Cruyff, foi demasiado irregular para capitalizar a sua superioridade em campo. Quase quarenta anos depois a situação pode repetir-se. O Barcelona foi superior ao rival histórico, operando uma das mais memoráveis reviravoltas da história dos Clássicos. A incapacidade preocupante do Real Madrid de Ancelotti em ganhar a rivais directos deixa de ser um problema com um calendário mais acessível que os rivais. Ironias do destino.

Desaparecido à um bom punhado de Clássicos, Lionel Messi montou o seu show pessoal num dos estádios onde é habitual ser mais eficaz.

A exibição galáctica do argentino é uma grande noticia. O "Diez" do Barcelona parece recuperado dos problemas físicos que o mantiveram fora dos relvados nos últimos meses. Sem estar ao seu melhor, Leo foi decisivo. Não tanto pelos golos - dois deles em grandes penalidades marcadas de forma perfeita - mas pelo dinamismo que deu ao ataque blaugrana. Uma brilhante assistência para o golo inaugural. A troca de bola dentro da área com Neymar que permitiu o empate. O passe espantoso para o brasileiro, segundos antes deste chocar contra um Sérgio Ramos anedótico. Tudo isso ajuda a entender bem a sua importância no modelo de jogo do gigante catalão. Sem Messi durante várias semanas, a equipa de Martino ainda assim consegue estar a um ponto do topo da tabela classificativa. Um exercício de colectivismo mais do que interessante. Mais do que esquecido. Messi foi o rei e senhor do Bernabeu com um jogo autoritário e incisivo. Mas salvo Neymar - a anos-luz do seu melhor e titular, no lugar de Pedro, provavelmente mais por questões politicas que desportivas - a exibição colectiva do sector medular e de ataque dos blaugrana foi exemplar. Sobretudo a de Andrés Iniesta.

O manchego foi fundamental na forma como o jogo do Barcelona rompeu as linhas montadas por Ancelloti. Engoliu literalmente o "verde" Carvajal uma e outra vez. Apontou um primeiro golo tremendo e sacou do nada um penalty perfeitamente evitável, especialmente para alguém tão habituado a mil batalhas como Alonso. Durante os restantes minutos o homem que deu aos espanhóis a alegria das suas vidas venceu o seu duelo particular com o jogador mais em forma dos merengues em 2014, o croata Modric. Foi uma luta de titãs. Mais do que um duelo Messi-Ronaldo (desta vez, não chegou a haver realmente duelo) o jogo decidiu-se com a superior influência de Iniesta. O modelo de jogador guardiolano a manter de pé as variantes de Martino e o génio individual de Messi.

 

O Real Madrid conseguiu algo espantoso. Por duas vezes deu a volta a um marcador adverso. E conseguiu perder o jogo.

O que no reinado de Mourinho era impensável, com Ancelotti torna-se habitual. O italiano não ganha ao Barcelona há dez anos. Esta época perdeu ou empatou todos os jogos importantes da liga. Duas derrotas com os catalães, uma derrota e um empate com o vizinho do Manzanares e um empate em San Mamés. Zero vitórias no top four é algo verdadeiramente preocupante. E, ainda assim, os madrilenos dependem de si para ser campeões. A regularidade nos restantes duelos tem servido para a equipa da capital tapar as suas deficiências nos jogos a sério. Ronaldo, depois do mais do que merecido Ballon D´Or (se colocamos a Ribery fora de equação), baixou o seu nível de participação colectiva. Continua a marcar porque não sabe fazer outra coisa. Mas o seu jogo associativo tem decrescido e a equipa ressente-se. Bale, autor de algumas excelentes exibições, foi uma nulidade e notou-se a falta de Jesé, um jogador que podia ter sido fundamental para aproveitar as eternas deficiências defensivas dos blaugrana. Que o Real tenha marcado três golos (podiam ter sido mais) só é possível porque o Barcelona continua a ser uma equipa incapaz de solucionar os seus problemas defensivos. É a grande interrogação para os grandes duelos europeus que se avizinham contra equipas mais organizadas que o Real Madrid.

A péssima exibição de Carvajal (responsável por dois golos) e Marcelo foi coroada com a enésima infantilidade de Sérgio Ramos, que não só cometeu penalty sobre Neymar - independentemente da intensidade do toque e do teatro inevitável do brasileiro - como fê-lo sabendo que a expulsão era a única opção. No final o central (e Ronaldo) queixaram-se amargamente da arbitragem. Não tiveram razão. Se houve algum penalty mal assinalado esse foi o de Ronaldo, uma falta claramente fora da área (isso sim, a Alves faltou o cartão) e que permitiu ao Real colocar-se de novo em vantagem. Undiano Mallenco, errou em várias faltas e na distribuição dos cartões mas nos momentos decisivos não mexeu no resultado. Pelo menos não como Ramos, e o seu erro, e Benzema, a grande sensação da noite.

Se Messi decidiu o jogo, Iniesta pautou o ritmo do encontro, a Benzema ficou o papel de dar emoção à contenda. Apontou dois golos - o segundo a lembrar os dias de glória de Ronaldo Nazário - e foi o dínamo ofensivo mais eficaz do Real Madrid. Quando o retirou, Ancelotti perdeu o jogo. Era questão de minutos. Com Di Maria - o MVP da primeira parte - tinha sido o melhor blanco em campo. Sem ele e com Ronaldo perdido no meio do ataque como falso nove, a equipa perdeu o rumo. O italiano continua a demonstrar lacunas que marcaram toda a sua carreira nos grandes jogos. É um treinador que ganha, começando pelo inevitável caso de orientar equipas que têm essa obrigação. Mas a quantidade de jogos a seu favor que acabaram perdidos dava para escrever um livro. A do passado domingo é apenas mais uma para a lista onde estão o Juventus vs Manchester United de 1999, o Deportivo vs AC Milan de 2004 ou a final de Istambul do ano seguinte. 

 

O Barcelona, numa versão mais pragmática da temporada passada, deu um golpe de autoridade em casa do rival. Colocou-se a um ponto da liderança mas tem pela frente um calendário complicado que inclui um duelo na última ronda com o actual e inesperado líder, o Atletico de Madrid. Será uma reedição dos duelos dos quartos-de-final da Champions League. As duas equipas já se cruzaram três vezes este ano. Nenhuma venceu. Do outro lado da trincheira o Real Madrid assistirá a esse leque de confrontos confiando-se de que a sua maior eficácia com as equipas a quem quintuplica em orçamento seja suficiente para vencer um campeonato que podia ter no bolso mas que não soube ganhar. Ainda.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 12:05 | link do post | comentar | ver comentários (8)

Sábado, 22 de Março de 2014

A temporada arranca para o seu final. A margem de erro é cada vez menor. As facas vão-se afiando. Em Barcelona todos esperam um passo em falso. A memória, inebriada pelo sucesso, é curta. O trabalho de Gerardo Martino tem estado à altura das expectativas. O técnico argentino tem sabido conjugar a herança de uma das melhores equipas da história com a sua visão particular. Encostado à parede pelos seus, o Tata merece o elogio que alguns se resistem a dar. Talvez esperem pelos resultados para ditar a sua sentença.

Pep Guardiola é uma sombra imensa.

Candidato natural a essa lista impossível de fazer com algum sentido de "melhor treinador da história", Pep é tudo em Barcelona. É o Jesus Cristo da religião blaugrana, o homem do antes e o semi-deus do depois. A sua saída provocou um caos emocional na mente do adepto habituado a um período de euforia constante. Poucas equipas na história do futebol conseguiram o que o Pep Team logrou. Muito para lá dos triunfos (e foram tantos), ficou o padrão de jogo. Ficou o engenho de um rookie em conjugar uma ideia ancestral, desenvolvida nas margens do Danúbio e nos canais de Amesterdão, com uma geração de estrelas. Dois anos antes de Guardiola chegar ao banco do Camp Nou o Barcelona tinha sido campeão europeu pela primeira vez em catorze anos. Mas tão depressa subiram aos céus como baixaram aos infernos. O génio de Guardiola esteve em entender que a esmagadora maioria dos jogadores dessa equipa estavam a ser castigados pelos erros de poucos. E que havia um pequeno extremo com alma de assassino de área à espera que alguém lhe tirasse a venda dos olhos. Pep fez do difícil fácil. Voltou ao básico, simplificou parâmetros, redescobriu sensações únicas. Fez do pressing de Sacchi a sua bíblia e modernizou o jogo de extremos condenado pelo asfixiamento táctico do corredor central. Apostou em anónimos, confiou em estrelas, entregou a batuta aos seus sucessores ideológicos em campo e sentou-se a apreciar a sua obra de arte. Não haverá outro como ele. A sua saída, precipitada tanto pelo seu desgaste das guerras psicológicas com Mourinho para as quais não tinha paciência e vontade como pelos problemas internos num clube autodestrutivo, abriu um vazio. Vilanova levou a equipa ao titulo mas também abriu as primeiras brechas. Apesar de ter sido sempre parceiro de aventuras com Guardiola, a sua visão táctica era bastante diferente do modelo mais arrojado de Pep.

Com Vilanova o Barcelona afunilou o seu jogo numa reprise do 4-2-2-2 brasileiro de 82, em que Pedro ou Alexis se juntavam a Messi na frente, escudados por Cesc e Iniesta, com Xavi cada vez mais distante da área e próximo de Busquets. A explosão de energia de Jordi Alba pela esquerda, em tudo parecida à de Dani Alves nos inícios do Pep Team, deram profundidade à equipa mas a formação perdeu importância e só uma serie de resultados pela mínima salvaram o Barcelona de um arranque tremido. Isso e o insaciável apetite goleador de Messi, recordista absoluto de golos num ano natural. Quando Vilanova teve de voltar a Nova Iorque, para vencer a sua particular guerra contra o cancro, o desnorte táctico ficou evidente. Os jogadores - que os mais críticos a Guardiola diziam saber gerir o jogo sós - perderam motivação e orientação. A vantagem conquistada na liga frente a um Madrid em guerra civil foi suficiente para assegurar o titulo mas as derrotas na Copa del Rey e na Champions League deixavam em evidência as decisões de Vilanova. O Barcelona tinha de se reinventar sem abdicar da sua herança histórica. Uma tarefa dificil para qualquer um. Uma tarefa da qual se ocupou um homem desconhecido no futebol europeu.

 

Na Argentina há poucos treinadores tão respeitados como Martino.

Candidato inevitável a suceder a Alejandro Sabella como seleccionador, é um homem que não gera paixões mas que também tem poucos críticos. O seu trabalho com a selecção do Paraguai foi aplaudido com uma boa dose de reconhecimento de uma dose curiosa de génio e audácia. Campeão do país das pampas com o Newell´s, Martino era a escolha mais improvável para suceder a Villanova. Talvez porque a pré-época já ia avançada. Talvez porque a família Messi - sobretudo Jorge, o polémico pai do jogador - pertence ao seu núcleo de amizades desde há largos anos. A verdade é que Martino foi escolhido para o lugar mais cobiçado do mundo do futebol trazendo consigo do outro lado do charco uma versão alternativa do que em Barcelona consideram o santo e senha do futebol. Treinador que reconhece a importância fundamental do futebol de toque e posse, o Tata é também um pragmático. Um treinador que sabe que há muitos caminhos para encontrar o golo e que nenhuma fórmula é má suficiente para não ser tentada se a situação o exige. Uma dose de pragmatismo depois de cinco anos de euforia emocional era algo para o qual os adeptos e jornalistas da imprensa catalã não estavam preparados. Sem abdicar da filosofia Barça, os onzes compostos por Martino eram mais humanos, lógicos e racionais. Sem medo de manter um pulso com as estrelas do balneário, Martino conseguiu gerir um plantel com um claro overbooking ofensivo. Tem sabido integrar Neymar às exigências do jogo europeu sem pressas. Recuperou o melhor Alexis Sanchez depois de dois anos cinzentos desde a sua chegada desde Itália. Com Fabregas - protagonista do modelo de Vilanova, um dos seus principais valedores - mantém uma relação de respeito e desconfiança de um jogador incapaz de dar um passo em frente e assumir o protagonismo que todos esperavam dele. Sobretudo, Martino sobreviveu a uma politica desportiva nefasta que o deixou sem centrais antes da época começar. E conseguiu manter a cabeça à tona da água quando Messi, um dos mais brutais jogadores da história, se lesionou durante largas semanas e deixou a equipa órfã do seu génio. Seis meses depois de aterrar na Europa, a Martino tinha-lhe passado de tudo. E tinha saído vivo de todos os confrontos. Mas a falta de compromisso ideológico com a ideia do "tiki-taka" e a sua visão tipicamente sul-americana do que significa vencer não fez os amigos que ás vezes contam em clubes como o Barcelona.

A vitória frente ao Real Madrid, o apuramento para a final da Copa del Rey e para os quartos-de-final da Champions League parecem insuficientes. Pela primeira vez em cinco anos, a equipa segue em terceiro lugar na liga. Amanhã defronta o Real Madrid no Bernabeu. Pode sair da capital a um ponto da liderança. Ou a sete e com o titulo cada vez mais distante. Ironicamente, Martino está a uma meia dúzia de jogos de vencer todos os troféus no seu ano de estreia com os blaugrana a perder quase tudo. Num clube que gosta de defender o valor das ideias, os títulos continuam a pesar demasiado. E poucos acreditam que, apesar do trabalho desenvolvido, o Tata Martino dure para lá de Junho.

 

Em ano de eleições, previsivelmente, Martino tem o destino traçado. Ele próprio parece cansado das intrigas e da histeria que se abateram sobre uma cidade e um clube órfãos de uma abordagem mais carnal e ao mesmo tempo etérea do banco do Barcelona. Apesar de somar alguns jogos distantes da memória luxuosa do Pep Team, o Barcelona de Martino é uma equipa mais incisiva, ofensiva e imaginativa que a de Vilanova. Mas como o título de campeão está cada vez mais distante e o técnico não saiu de La Masia, as vozes mais criticas já se fazem ouvir. O Barcelona terá de aprender a viver para lá da sombra do génio de Guardiola e da sua herança. Dificilmente encontrará outro homem que seja capaz de gerir tão bem com esse peso. Quando Martino voltar ao seu país natal, sentirão a sua falta. Será tarde demais!



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 12:00 | link do post | comentar | ver comentários (6)

Segunda-feira, 17 de Março de 2014

A vitória do Sporting sobre o FC Porto levantou, pela enésima vez, a polémica sobre o circulo de poder nos meandros do futebol portugués. É um fenómeno cíclico e fácilmente explicavel. Quando tudo falha, é o pretexto perfeito para justificar uma derrota. De vez em quando tem razao. Mas como a fabula de Pedro e o Lobo, nesses momentos a credibilidade de quem se queixa está pelas ruas da amargura.

 

Entramos num fórum, numa página web, num blog.

Tanto faz a cor clubística. Podem ser verdes, vermelhos e azuis. O discurso é sempre o mesmo. Todos se queixam, todos apontam o dedo. O rival domina sempre o mundo da arbitragens, as instituições desportivas. Se todos se queixam do vizinho do mesmo é difícil que alguém tenha razão. No futebol português, raramente alguém a tem. A arbitragem é a desculpa número 1 para as derrotas em Portugal. Também é a desculpa número 100. Tudo o resto parece aleatório, inócuo. Golos falhados escandalosamente? Nao conta. Erros defensivos individuais? Irrelevante. Más decisões tácticas dos treinadores? Supérfluo. Péssimo planeamento de temporada pelos directores? Impossível.

Se um arbitro comete um erro, não é preciso procurar mais. Nao é um mal exclusivamente português. Todos os países são parecidos mas não todos são iguais. Em Itália os escândalos de arbitragem provocaram a despromoção de históricos em varias ocasiões. Mas os programas desportivos também debatem durante horas as decisões tácticas dos treinadores. Em Espanha podem estar cinco horas a debater sobre a intensidade de uma entrada com um painel pré-desenhado para defender as suas respectivas cores clubísticas. Ninguém espera imparcialidade. Esse é o show. Mas também se celebra o talento e se valorizam as ideias de jogo. Em Portugal não. Raramente o adepto português debate questões de gestão financeira do seu clube. Ou modelos tácticos utilizados pelo seu treinador. A preocupação com a formação é “para inglês ver”. Mas cometam um erro arbitral contra a sua equipa e durante uma época esse adepto tem argumentos suficientes para dar um sem numero de palestras. A partir desse pressuposto é fácil entender que esta situação nunca vai mudar. Para isso tinha de mudar a base, aqueles que fazem do futebol o que ele é. Os dirigentes, a imprensa e os protagonistas limitam-se a entrar no jogo, a alimenta-lo e a extrapola-lo. Os adeptos gostam desse circo. Não podem viver sem ele. São incoerentes a esmagadora maioria das vezes. Mas não se importam. O espectáculo tem de continuar.

 

As queixas recorrentes do Sporting durante esta temporada não são inocentes.

Os leões (como todos os clubes da liga, especialmente fora do grupo dos "grandes") foram prejudicados em alguns jogos de forma clara. Também foram beneficiados. Mas isso não importa. Fazem-se tabelas sobre quem foi mais, sobre consequencias inesperadas provocadas por a e b. Cria-se um campeonato pontual alternativo, como se um só lance, só por si, provocasse que o resto do jogo se transforma em algo imutável. Memoria selectiva chama-se. O Sporting sabe bem o que é estar no poder. E está farto da longa ausência nesse submundo. Quem pensa que os erros arbitrais são todos premeditados engana-se. Quem pensa que os erros arbitrais são todos inocentes, também. É difícil apitar. Muito difícil. Mas é mais difícil acreditar que um sector que move milhões (em alguns países move mais que o sector financeiro e económico) é imune a corrupção. Ela esta por todo o lado. Nos partidos, nas administrações publicas. Nas empresas e nos bancos. Como é que não estaria no futebol que é, precisamente ,uma constante esponja do mundo?

Há, houve e sempre haverá corrupção no futebol. No português também. O Sporting fez parte desse circuito. No seu período de hegemonia. Só que isso foi há muito tempo atrás. Sempre que um clube prolonga a sua hegemonia por mais do que uma geração é expectável crer que a sua influencia no submundo é proporcional ao seu talento em campo. Passou com o Sporting durante décadas. E com o Benfica naturalmente. A balança mudou a finais dos anos 70. Pedroto primeiro e Pinto da Costa depois perceberam que não bastava com ser melhor em campo. Era preciso ganhar importância institucional. Durante quinze anos batalharam para encontrar o seu espaço. O Sporting pagou o preço e foi afastado progressivamente, abrindo caminho a um duopolio Porto-Benfica a todos os níveis. Os títulos eram apenas a consequencia. A hegemonia absoluta dos Dragões começou com o descalabro financeiro (e emocional) do Benfica nas eras Damásio, Vale e Azevedo e Vilarinho.

O aparecimento de um contrapoder a norte, a Liga de Clubes, presidida por Pinto da Costa e Valentim Loureiro, confirmou essa mudança de guarda. Durante mais de uma década a bússola do poder apontou a norte. Até que o Benfica aprendeu a lição, passou a utilizar os mesmos métodos do rival e encontrou forma de utilizar a sua influencia social para recuperar parte do seu poder. As conversas expostas pelo Apito Dourado mostram, claramente, que não há diferenças entre a forma de actuar de Pinto da Costa e Luis Filipe Vieira. Cada um que saque as suas conclusões. O Sporting, que durante um breve período de tempo procurou ocupar o espaço deixado vazio pelo Benfica, entrou também no seu particular inferno financeiro. Se algum poder tinha recuperado, perdeu-o. O objectivo de Bruno de Carvalho é recupera-lo. Para isso vai procurar emular as políticas populistas (com os seus) e desafiantes (com os outros) de Pinto da Costa e Vieira. Se o modelo funcionou duas vezes, porque não uma terceira. O “choradinho” dos últimos meses obedece a essa estratégia, lógica para os que acreditam na Realpolitik.

O presidente dos Leões conhece o caso Cardinal. Sabe que a sua equipa está a fazer uma época maravilhosa dadas as circunstancias e o descalabro financeiro do clube. Sabe também que o titulo é algo que ainda não está (realmente) ao seu alcance. Mas lutar por ele e fazer barulho sobre um afastamento institucional dessa luta dá-lhe pontos. Em Alvalade, contra o FC Porto, ficou evidente. A estratégia é velha e já foi utilizada por todos. Que o FC Porto se queixe é só reflexo da fraca memoria dos adeptos. Um clube que, durante 30 anos, tem 2/3 dos campeonatos (nos últimos dez perdeu apenas 2), dificilmente pode fazer alguém acreditar que está contra o sistema. Há muito que o FC Porto é (também) esse sistema. Mas Pinto da Costa ganhou o coração dos portistas rebelando-se contra a autoridade (real) asfixiante do poder centralizador do país. Foi a época do “Lisboa a Arder”, dos “roubos de Igreja”, do “guarda Abel” e da “penhora das Antas”. Foi a sua forma de ocupar o seu espaço nos centros de poder e aumentar a influencia de um clube historicamente castigado pela sua localização a Norte. Manter o discurso agora é apenas o reflexo da falta de ideias de gestão da SAD do FC Porto, incapaz de preparar um plano de futuro. Já passou em 2000 e só a aparição de Mourinho deu um balão de oxigénio (e abriu as portas a um novo modelo de negocio) que durou uma década. Mas esse modelo esta, mais tarde ou mais cedo, caduco. A falta de ideias a nível de gestão desportiva é o pior que pode passar. Todos os períodos de hegemonia acabam. Passa em todas as ligas, durante longos períodos. O dos azuis-e-brancos chegara mais tarde ou mais cedo. O Sporting quer estar atento para entrar nesse espaço. É o sonho do novo presidente dos leões, o seu cavalo de batalha. O seu discurso vitimista só acabara quando chegar ao topo. Passou o mesmo nos anos prévios aos títulos do Benfica em 2004 e 2010. Subitamente, o sistema que estava podre, nesses dois anos, para os encarnados, funcionou perfeitamente. Para os dragões a questão é pior. O sistema está podre desde sempre, mesmo quando ganham. Curioso paradoxo. Em Itália houve um ano em que foi imposto ao clubes um novo modelo de gestão arbitral por sorteio puro nas vésperas dos jogos. O modesto Hellas Verona foi campeão num duelo contra equipas modestas como o Torino e a Sampdoria. A Juventus, Inter, AC Milan, Fiorentina ou Roma nem vê-los. Resultado? No final da época voltou-se ao modelo antigo e tudo ficou na mesma.

 

Esse é o destino do futebol português. As queixas dos dirigentes, os apupos dos adeptos e um ciclo rotativo de figuras no poder que vão condicionar sempre a competição a um pequeno circulo. A hegemonia do FC Porto acabara ao mesmo tempo que esse poder da mesma forma que sucedeu com o Sporting, nos anos 70, e com o Benfica, na década de 90. Quando assim for, alguém quererá começar uma nova dinastia. Terá de o fazer em campo. Mas haverá um jogo de xadrez paralelo que os adeptos não vão ver. Um jogo que não lhes importa moralmente. Estão dispostos a tudo para vencer. As queixas dos adeptos do Sporting seriam caladas com um titulo. É o preço da moral dos adeptos. É o suplicio de Tântalo do futebol em Portugal.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 18:18 | link do post | comentar | ver comentários (7)

Quinta-feira, 6 de Março de 2014

A Juventus tem um dos melhores meio-campos do Mundo. É lider absoluta da Serie A. Não conseguiu passar da fase de grupos da Champions. O Napoli investiu no mercado como poucos. Tem o terceiro lugar ameaçado pela Fiorentina. Não conseguiu passar da fase de grupos da Champions. O AC Milan titubeou contra o Atlético de Madrid, o arranque brilhante da Roma fez-se pó e o Inter é uma incógnita. A Serie A continua a viver o seu particular karma.

Quando era pequeno apaixonei-me pela Premier League.

Adorava aqueles estádios clássicos, aqueles equipamentos berrantes (sim, foi essa época), os jogadores e aquele ambiente fantástico. Durante temporadas gravei todos os resumos de todos os jogos que passavam no saudoso Domingo Desportivo ou via satélite. Era a minha competição. Mas ao mesmo tempo sabia que não era a melhor. Que a nata do futebol mundial estava noutro lado. Em Itália. Apanhei os primeiros anos de ouro da Serie A, os de van Basten, Maradona, Zico, Laudrup, Mathaus, Klinsmann, Voeller, Elkjaer Larssen, Baggio ou Vialli. Nessa transição do final da década de oitenta aprendi a admirar respeitosamente o que a liga italiana era capaz de fazer. Não me tocava o coração como o futebol inglês mas à medida que ia crescendo, assumia que o Parma, a Lazio, a Fiore ou a Roma provavelmente eram melhores equipas que o Aston Villa, Newcastle, Blakckburn Rovers ou Tottenham. Para não falar dos gigantes europeus da altura. Durante quase vinte anos o Calcio foi a quintessência do futebol europeu. Espanha tinha o glamour do Clássico (e pouco mais). Inglaterra o velho espírito histórico do futebol em casa e uma liga renovada e atractiva depois dos anos negros do hooliganismo. França, Holanda e Alemanha eram produtos periféricos para um adolescente português que sabia mais do Campomaiorense do que do Karslruher. Mas Itália era outra coisa. O santa Graal.

Depois a borbulha estalou. O Dinheiro, sim, com D grande, deixou de jorrar por todos os lados. Os magnates abriram falência e levaram com eles o futebol, as estrelas, as bancadas cheias, os títulos de clubes. Levaram a magia artificial de vinte anos de prazer absoluto. Os casos de doping, corrupção desportiva e violência apenas deram o golpe de misericórdia a uma Serie A que já não era a mesma. Passaram mais de dez anos desde esses anos de ouro. E pouca coisa mudou.

 

Há poucos campeonatos europeus tão decididos como o italiano.

Falta ainda um terço de competição e ninguém é capaz de apostar contra a Juventus. Os que pensamos (eu também) que este era o ano da Roma tivemos de nos render à evidência. Os homens de Rudi Garcia jogam o melhor futebol do país, conseguiram um arranque histórico mas foram incapazes de aguentar o ritmo de um plantel com o dobro das opções e que conta com um dos melhores meio-campos do Mundo. Uma equipa que pode juntar o génio de Andrea Pirlo, a energia de Paul Pogba e a omnipresença de Arturo Vidal pode aspirar a tudo. Com esses três em campo todos os outros tornam-se quase irrelevantes, seja a brilhante linha defensiva liderada por Chiellini e Buffon ou o ataque onde Tevez e Llorente aprenderam, finalmente, a jogar juntos. A chegada do espectacular Osvaldo apenas contribuiu para aumentar o desequilíbrio na balança. Em contrapartida a Roma depende, ainda, muito de Totti. Um veteraníssimo que não desiste de lutar mas que tem as suas naturais limitações. Será uma época brilhante, a todos os títulos, para um projecto pequeno mas ambicioso. Mas pouco mais. Já o Napoli, depois de tanto dinheiro gasto, tem de ser ver com a sombra de uma bem organizada Fiorentina (Montella, a par de Garcia, é outra vez o treinador do ano) para ocupar esse último posto Champions. Há meia dúzia de anos os transalpinos tinham quatro equipas na grande prova de clubes europeus. Agora têm apenas três. Os resultados não mentem. A Juventus, num grupo claramente acessível, deixou-se ficar pelo caminho, ultrapassada pelo Galatasaray. O Napoli teve a desdita de cruzar-se com o Dortmund e o Arsenal no seu melhor momento do ano. São os grandes favoritos a vencer a Europa League, que se vai disputar em Turim. Mas sabe a pouco.

De todas as equipas italianas, só o suspeito AC Milan sobreviveu. Mas a duras penas, num grupo fraco e contra um rival como o Atlético de Madrid os rossoneri foram outra vez uma sombra do clube histórico que persegue o Real Madrid na luta pela liderança histórica do palmarés da Champions. Os grandes de Milão estão a pagar o preço da crise financeira como nenhum outro polo desportivo do país. Mas também não são os únicos. Projectos estáveis como o da Udinese, pequenos históricos como os clubes de Génova, o Parma, a Lazio ou o Cagliari sofrem para manter-se competitivos. Actualmente há mais espaço para a formação porque há menos dinheiro para gastar e isso pode ser um dos poucos pontos positivos desta crise. Mas é insuficiente. As bancadas continuam vazias, os jogos permanecem pouco atractivos para os espectadores que agora preferem seguir a Bundesliga ou a Ligue 1 em detrimento da Serie A. Da liderança à periferia em dez anos.

 

A hegemonia de uma Juventus cada vez mais forte contribuiu ainda mais para esta crise desportiva. Sem uma grande competição internacional para organizar nos próximos dez anos, não há um estimulo nacional para dar um murro na mesa. A renovação das lideranças nos históricos de Milão anunciam anos negros para os dois clubes e enquanto os melhores jogadores continuarem a preparar para mudar-se para ligas historicamente inferiores à italiana, a situação seguirá como está. O drama do Calcio parece não ter fim!

 


Categorias: ,

publicado por Miguel Lourenço Pereira às 17:19 | link do post | comentar | ver comentários (4)

.O Autor

Miguel Lourenço Pereira

Novembro 2014
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1

2
3
4
5
6
7
8

9
10
11
12
13
14
15

16
17
18
19
20
21
22

23
24
25
26
27
28
29

30


Ultimas Actualizações

Toni Kroos, el Maestro In...

Portugal, começar de novo...

O circo português

Porta de entrada a outro ...

Os génios malditos alemãe...

Últimos Comentários
Thank you for some other informative web site. Whe...
Só espero que os Merengues consigam levar a melhor...
O Universo do Desporto é um projeto com quase cinc...
ManostaxxGerador Automatico de ideias para topicos...
ManostaxxSaiba onde estão os seus filhos, esposo/a...
Posts mais comentados
69 comentários
64 comentários
47 comentários
arquivos

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

.Em Destaque


UEFA Champions League

UEFA Europe League

Liga Sagres

Premier League

La Liga

Serie A

Bundesliga

Ligue 1
.Do Autor
Cinema
.Blogs Futebol
4-4-2
4-3-3
Brigada Azul
Busca Talentos
Catenaccio
Descubre Promesas
Desporto e Lazer Online
El Enganche
El Fichaje Estrella
Finta e Remate
Futebol Artte
Futebolar
Futebolês
Futebol Finance
Futebol PT
Futebol Total
Jogo de Área
Jogo Directo
Las Claves de Johan Cruyff
Lateral Esquerdo
Livre Indirecto
Ojeador Internacional
Olheiros.net
Olheiros Ao Serviço
O Mais Credível
Perlas del Futbol
Planeta de Futebol
Portistas de Bancada
Porto em Formação
Primeiro Toque
Reflexão Portista
Relvado
Treinador de Futebol
Ze do Boné
Zero Zero

Outros Blogs...

A Flauta Mágica
A Cidade Surpreendente
Avesso dos Ponteiros
Despertar da Mente
E Deus Criou a Mulher
Renovar o Porto
My SenSeS
.Futebol Nacional

ORGANISMOS
Federeção Portuguesa Futebol
APAF
ANTF
Sindicato Jogadores

CLUBES
Futebol Clube do Porto
Sporting CP
SL Benfica
SC Braga
Nacional Madeira
Maritimo SC
Vitória SC
Leixões
Vitoria Setúbal
Paços de Ferreira
União de Leiria
Olhanense
Académica Coimbra
Belenenses
Naval 1 de Maio
Rio Ave
.Imprensa

IMPRENSA PORTUGUESA DESPORTIVA
O Jogo
A Bola
Record
Infordesporto
Mais Futebol

IMPRENSA PORTUGUESA GENERALISTA
Publico
Jornal de Noticias
Diario de Noticias

TV PORTUGUESA
RTP
SIC
TVI
Sport TV
Golo TV

RADIOS PORTUGUESAS
TSF
Rádio Renascença
Antena 1


INGLATERRA
Times
Evening Standard
World Soccer
BBC
Sky News
ITV
Manchester United Live Stream

FRANÇA
France Football
Onze
L´Equipe
Le Monde
Liberation

ITALIA
Gazzeta dello Sport
Corriere dello Sport

ESPANHA
Marca
As
Mundo Deportivo
Sport
El Mundo
El Pais
La Vanguardia
Don Balon

ALEMANHA
Kicker

BRASIL
Globo
Gazeta Esportiva
Categorias

a gloriosa era dos managers

a historia dos mundiais

adeptos

africa

alemanha

america do sul

analise

argentina

artistas

balon d´or

barcelona

bayern munchen

biografias

bota de ouro

braga

brasileirão

bundesliga

calcio

can

champions league

colaboraçoes

copa america

corrupção

curiosidades

defesas

dinamarca

economia

em jogo

entrevistas

equipamentos

eredevise

espanha

euro 2008

euro 2012

euro sub21

euro2016

europe league

europeus

extremos

fc porto

fifa

fifa award

finanças

formação

futebol internacional

futebol magazine

futebol nacional

futebol portugues

goleadores

guarda-redes

historia

historicos

jovens promessas

la liga

liga belga

liga escocesa

liga espanhola

liga europa

liga sagres

liga ucraniana

liga vitalis

ligas europeias

ligue 1

livros

manchester united

medios

mercado

mundiais

mundial 2010

mundial 2014

mundial 2018/2022

mundial de clubes

mundial sub-20

noites europeias

nostalgia

obituário

onze do ano

opinião

polemica

politica

portugal

premier league

premios

real madrid

santuários

seleção

selecções

serie a

sl benfica

sociedade

south africa stop

sporting

taça confederações

taça portugal

taça uefa

tactica

treinadores

treino

ucrania

uefa

todas as tags

subscrever feeds