Na última semana de Agosto de 2012 o Tottenham Hotspurs perdeu o seu melhor jogador. Sem tempo para gastar o dinheiro embolsado num substituto à altura, a equipa penou durante grande parte da Premier League, resolvendo jogos pela mínima e entregando-se de corpo e alma ao galês Bale. O quinto lugar não trazia nada de novo a um dos planteis mais caros da Premier. Um ano depois Villas-Boas fez o oposto. Gastou primeiro o dinheiro que sabia que ia receber pelo galês em Agosto. O resultado é ainda pior. Os Spurs são uma nau à deriva.
Foram cerca de 115 milhões de euros.
Um dos maiores investimentos de toda a temporada. Por um clube que está há mais de meio século sem vencer o título de campeão no futebol inglês. A expectativa estava em alta. Bale, o supersónico galês teria de partir, já todos o tinham como assumido. E iria para fora das ilhas, para não repetir o erro dos gunners com van Persie, que não só desmoralizou profundamente o Arsenal como ajudou a dar o título ao seu histórico rival, o Manchester United. Tudo parecia estar bem. Os reforços de 2012 estavam assimilados e a dezena de jogadores que aterrava em White Hart Lane prometia mundos e fundos para devolver o Tottenham à elite. A Champions League era o primeiro passo. Onde Redknapp já tinha estado, é preciso não esquecer, e onde não conseguiu voltar porque o título europeu do Chelsea surpreendeu tudo e todos no momento errado para o seu rival londrino. Agora a sensação era outra. Com um treinador jovem e ambicioso, um plantel mais equilibrado e algum dos melhores jovens jogadores do Mundo, quem podia parar o Tottenham?
Ás portas do segundo teçro da temporada, as expectativas não poderiam ter sido mais defraudadas. O dinheiro foi gasto mas os resultados não estão à vista. A qualidade de jogo da equipa não variou positivamente em relação ao ano passado e a liderança de Villas-Boas é mais discutida do que nunca. O homem que ganhou tudo o que podia ganhar com o FC Porto está debaixo de mira. Pela segunda vez em Inglaterra corre o risco de não sobreviver ao Natal.
AVB apareceu no mapa do nada, como um segundo "Special One".
A grande temporada realizada com o FC Porto deu-lhe uma aura de invencibilidade que o transformou rapidamente no "flavour of the month" do futebol europeu. Abramovich, que não só já o conhecia como já tinha apostado numa ficha similar, anos antes, achou que o português poderia fazer aquilo que Mourinho não conseguiu, trazer um futebol da escola danubiana para o Stanford Bridge. Esqueceu-se de que um treinador sem carisma e sem poder, num balneário de estrelas, é um treinador a prazo. Abramovich prometeu-lhe apoio na renovação da geração de Mourinho mas na hora H mudou de ideias e preferiu sacrificar o homem a crucificar o plantel. Os jogadores responderam com dois títulos europeus consecutivos - Champions e Europa League - com dois treinadores interinos. E Villas-Boas perdeu a oportunidade mais brilhante da sua vida.
Lutador, o técnico portuense não desistiu. Esperou por uma segunda oportunidade que lhe caiu do céu de novo desde Londres. Um dos melhores planteis do futebol britânico e mais tempo e poder para trabalhar. O que poderia correr mal?
Na primeira temporada o Tottenham reforçou-se bem mas a perda de Modric nunca foi, verdadeiramente, colmatada. E foi San Bale o homem que permitiu que o clube aguentasse o ano no top 5, o objectivo mínimo para a directiva de Daniel Levy. Sem golo, sem um médio criativo de primeiro nível e com uma defesa titubeante, muitos pensavam que Villas-Boas tinha-se superado.
A expectativa sobre o que podia fazer começando do zero e com dinheiro era muita. E AVB gastou. Muito. Tudo.
Dos 100 milhões conseguidos por Bale e mais alguns trocos por vendas surpreendentes, o técnico investiu cada cêntimo. Concentrou os seus esforços em jogadores do meio-campo para a frente, deixando outra vez a nú as fragilidades da sua linha defensiva. Que são evidentes. O trabalho de Paulinho, o talento de Lamela, a classe de Eriksen, o faro de golo de Soldado, a promessa belga Chadli ou o gaulês Etienne Capoue chegaram debaixo de muita promessa, ofuscando os já promissores Sandro, Holtby ou Dembelé, todos eles já disponíveis. Durante um mês foi o "rookie" Townsend quem salvou a equipa de resultados comprometedores. As peças não encaixavam no puzzle. E continuam sem encaixar. Depois de várias vitórias pela minima (três delas por um penalty) e de uma derrota surpreendente contra o West Ham, começaram a soar os alarmes. A goleada histórica sofrida contra o Manchester City apenas confirmou as sensações de um projecto que não arranca. E de um líder perdido.
No último mês e meio Villas-Boas pareceu um homem dominado pela situação. O caso da utilização de Lloris, o discurso agressivo contra Lukaku e o Everton (rivais directos na tabela), a falta de resposta para os problemas tácticos do seu intermitente 4-3-3 (ora 4-5-1, ora 4-2-3-1) e a incapacidade de dar um murro na mesa, têm desmascarado a imagem que Villas-Boas conseguiu manter em Inglaterra, de técnico frio e de sucesso rápido. O ano dourado na sua cadeira de sonho parece cada vez mais distante. O técnico português corre o risco de ter sido o responsável pelo maior gasto da história de um clube inglês não apoiado por um bilionário árabe ou russo sem que esse gasto se repercuta em campo. É a primeira vez na sua carreira que está mais de um ano com a mesma equipa. E o relógio já corre contra si.
Testemunhar a história em primeira-mão é algo que raramente se pode fazer. E talvez, e isto é o mais estranho, é algo que poucos se dão realmente conta. Quem gosta do futebol português gostaria de ter vivido as gestas dos Violinos, a reviravolta contra a Coreia do Norte, o duelo de Eusébio e Di Stefano, o calcanhar do Madjer ou os dribles loucos do Chalana. Eu não tive essa sorte. Mas posso ver a Cristiano Ronaldo fazer o que fez ontem, em Solna. E tenho a certeza que momentos como estes, daqui a alguns anos, terão o mesmo valor que os que eu perdi.
O Futebol é uma arte, uma paixão, uma ciência. É tudo, menos um desporto.
E está em perpétuo movimento. Há pessoas que vivem constantemente no passado e outras que teimam a desvalorizar tudo o que é anterior à sua geração, não se dando conta que os que vêm a seguir podem dizer-lhe o mesmo. Conheço pessoas que fecharam-se no mundo de Eusébio, Cruyff e Best e de aí não saem. Outros que falam dos heróis da sua juventude como os grandes e custa-lhes pensar que os deuses actuais estão ao mesmo nível. E aquele que olham para os jogadores de agora como figuras nunca vistas, como se o futebol tivesse sido inventado ontem. Como as cores que há no arco-íris, as opiniões dividem-se uma e outra vez. E ninguém se irá nunca por de acordo.
A história do futebol, essa, não para. E só quem a viveu em primeira mão pode perceber, realmente, a sua importância.
Tenho um respeito tremendo pelos que viram Di Stefano, Pelé, Eusébio e Charlton jogar no seu tempo. Não são condicionados, como eu, por gravações vídeo selectivas. Não são sugestionados, como eu, por páginas e páginas de elogios e gestas. Eles estavam lá e sabem o impacto real que esses deus da bola causaram. Já nem falo dos homens das gerações anteriores porque sobram poucos os que viram a Mathews, Puskas, Meazza, Sindelaar ou Peyroteo. Essa linha de pensamento é válida para tudo. Quem cresceu com Cruyff ou Beckenbauer, Zico ou Platini, Maradona ou van Basten. Pessoas que sentiram a história na carne. Pessoas que sabem realmente, em primeira-mão, como era o antes e o depois.
Por muito que a minha paixão pela história do futebol me tenha feito perder dias e horas a testemunhar os feitos do passado, só posso falar na primeira pessoa a partir da década de noventa. Zidane, Figo, Nedved, Schevchenko, Ronaldo, Guardiola, Romário, Laudrup, Cantona, Ronaldinho, Henry, Rivaldo, Owen, Deco são nomes reais para mim, não lendas de outro tempo. Como são Messi e Ronaldo. Partilho com poucas pessoas o facto de ter presenciado o primeiro jogo profissional do argentino. Nunca o esquecerei. Para mim é como se tivesse tido essa sorte com Di Stefano, Cruyff ou Maradona. Imagino o que essas pessoas possam ter sentido, não nesse momento mas depois. Mas também vi jogar a Cristiano Ronaldo desde que era júnior do Sporting e essa sensação também ficará comigo para sempre. Os dois são e serão sempre parte da minha vida e da minha paixão pelo jogo. Seguiu cada um o seu caminho mas teimam em encontrar-se nesse panteão sagrado que a história do futebol. Eles são os que permitem entender, verdadeiramente, o que se sente quando se presencia História a fazer-se no momento. E ontem, na Suécia, eu senti estar a ver História.
Quando Cristiano chegou à selecção esta vivia a sua melhor etapa.
A chamada "Geração de Ouro" podia estar a acabar mas os que sobreviveram à razia emocional da aventura asiática tinham amadurecido. Figo, Fernando Couto, Rui Costa, Pauleta, Nuno Gomes, Rui Jorge eram peças importantes mas já não estavam sós. O trabalho desenvolvido por Mourinho no FC Porto tinha oferecido a Scolari um leque de jogadores na sua melhor etapa profissional (Deco, Costinha, Maniche, Carvalho, Paulo Ferreira, Nuno Valente, Postiga) e a formação do Sporting abria o caminho para uma nova vaga.
Ronaldo era o seu estandarte e deixou a sua marca. As suas lágrimas, que lembravam as de Eusébio em 66, eram um baptismo de fogo emocional tremendo. Talvez suspeitasse que no futuro ele estaria mais só e mais pressionado para resolver sozinho o que aquela equipa de elite falhou colectivamente. Depois de 2006 assim foi. Portugal passou a ser Ronaldo. A principio a relação começou mal. Nem ele estava preparado para a missão nem o país disposto a encomendar-se a um mal-amado, que não tinha o apoio emocional dos adeptos de Benfica e Porto, depois de ter tido símbolos muito fortes que apoiar na década anterior. Em 2008 e em 2010 Portugal foi uma sombra do que podia ter sido. A culpa, para muitos, era de Ronaldo. Só podia ser.
Afinal, o génio de Manchester era incapaz de fazer com as Quinas o que fazia com os Red Devils: decidir jogos só.
Mas o tempo passou, as limitações das gerações seguintes à de ouro ficou evidente e a pouco e pouco os adeptos começaram a entender que um homem só não faz uma equipa. E depois dos golos decisivos no Euro 2012 houve uma espécie de reencontro emocional, alimentado também por uma poderosa máquina mediática apoiada na maior base de negócio do futebol em Portugal. Ronaldo reencarnou no símbolo nacional de força forçada mas ganhou a pulso o papel. Com gestas como a de ontem.
Na Irlanda do Norte, num dia frio e onde todos falharam, fez-se ouvir como capitão. E no duplo duelo contra os suecos, deu um passo em frente. E fez história. Pela primeira vez a sua brilhante série ao nível de clubes permaneceu na selecção. A braçadeira de capitão podia estar a cair-lhe do braço, mas a ideia de liderar um grupo de homens estava já implementada na mente. Como capitão, Ronaldo comportou-se de forma memorável, finalmente à altura do peso emocional de Figo. Como herói, no relvado, foi igual a si próprio. Um jogador capaz de decidir só, agora sim, uma eliminatória equilibrada em todos os sentidos. Pela primeira vez desde 2004, desde essas lágrimas, Ronaldo percebeu o seu papel dentro do colectivo e encontrou forma de soltar-se desse peso emocional. Graças a isso, à sua paz interior - o fim dos gestos, dos comentários fora de tom, das obsessões com Messi e com prémios - Portugal ganhou um símbolo que vai a caminho de transformar-se no maior da história do país e num dos maiores da história do próprio jogo.
A caminho do Brasil, com limitações mais do que evidentes, Portugal estará longe de estar entre os favoritos. Para os que realizam apostas desportivas online, a tentação de eleger a equipa das Quinas como candidata é pequena. É a nossa realidade, apenas é preciso assumi-la e desfrutar do momento. Haverá jogadores que terão no Brasil a sua última oportunidade. Outros que começam a encontrar o seu espaço. Os sub-21 de Rui Jorge dão sensações positivas a cada jogo, e Ronaldo insiste em estar presente. Ele é, finalmente, o Vasco da Gama que a náu lusa necessitava. Ninguém lhe poderá exigir que vença uma competição que parece destinada a ser disputada pelas grandes potências continentais da Europa (Espanha, Alemanha, Itália, equipas colectivas sem grandes individualidades) e América (Brasil e Neymar, Argentina e Messi). O torneio de Junho terá vida própria. Até lá ficamos com a sensação de que jogos como estes, contra os suecos, acontecem uma vez em cada geração. Marcam um antes e um depois. São parte da história. Parte da história que nos foi possível viver e que contaremos no futuro com uma ponta especial de orgulho. Orgulho de ter visto um predestinado pegar num país e atira-lo para o outro lado do oceano!
Esta semana arranca nas lojas @Fnac Portugal a Tour @NOITES EUROPEIAS.
Serão cinco apresentações no Grande Porto e Grande Lisboa do livro @NOITES EUROPEIAS, coordenadas pelos seus autores, João Nuno Coelho e quem vos escreve, com a companhia de figuras ilustres do futebol português. Estarão presentes, entre outros, os campeões europeus José Augusto (SL Benfica), António Frasco (FC Porto) e Manuel Pedro Gomes (Sporting CP), os jornalistas Nuno Madureira e Álvaro Costa, o historiador Francisco Pinheiro e o antropólogo Daniel Seabra, para falar sobre a mística das competições europeias de clubes.
A Tour arranca hoje, 10 de Novembro, e prolonga-se até ao próximo dia 5 de Dezembro com o patrocinio das lojas FNAC.
Fnac Mar Shopping, Matosinhos - 10 de Novembro (17h00)
Apresentação a cargo de João Nuno Coelho (co-autor) com a presença de Francisco Pinheiro (Historiador e Autor) e Daniel Seabra (Antropólogo)
Fnac Vasco da Gama, Lisboa - 13 de Novembro (18h00)
Apresentação a cargo de Miguel Lourenço Pereira com a presença de João Nuno Coelho, José Augusto (bicampeão europeu com o Sport Lisboa e Benfica), Manuel Pedro Gomes (vencedor da Taça das Taças com o Sporting CP) e Nuno Madureira (director-adjunto MaisFutebol)
Fnac GaiaShopping, Vila Nova de Gaia - 15 de Novembro (22h30)
Apresentação a cargo de Álvaro Costa (jornalista) com a presença dos autores Miguel Lourenço Pereira e João Nuno Coelho e de António Frasco (campeão europeu com o FC Porto).
E com a lista de convidados a confirmar na próxima semana
Fnac Alfragide, Alfragide - 22 de Novembro (20h00)
Fnac Fórum Almada, Almada - 5 de Dezembro (20h00)
Não percam a oportunidade de debater a história do futebol europeu com alguns dos seus protagonistas principais. Apareçam!
O futebol é um desporto de mitos. De falsas lendas. De ilusões. Da sensação de sabedoria eterna. Nos escritórios do estádio do Dragão, ecoam seguramente algumas dessas ideias sempre que aparece Paulo Fonseca em grande plano. O treinador do FC Porto herdou uma equipa ordenada, organizada e ganhadora. Transformou-a num puzzle do qual nem ele sabe a solução. O seu plano vive em pleno caos.
Há uma velha lenda nos meandros do futebol português que diz qualquer coisa como que Pinto da Costa nunca se engana.
É lenda. A realidade é bastante diferente. Especialmente no que diz respeito à eleição de treinadores. Durante trinta anos há tempo suficiente para se falhar e acertar em partes iguais. A ditadura do tempo, podíamos dizer. Se o FC Porto é gerido da cúpula presidencial, a verdadeira cadeira de sonho, então é fácil entender que os treinadores são, para o clube, funcionários como outros quaisqueres. Com maior exposição mediática claro. É evidente que sempre que essa máxima ficou por cumprir e no banco das Antas e do Dragão se sentaram grandes treinadores, o papel da figura papal e presidencial ficou relegada para um discreto segundo plano. Foi assim com Artur Jorge, o herdeiro eleito por José Maria Pedroto. Foi assim com José Mourinho, o self-made man do futebol mundial. E com André Villas-Boas, o filho pródigo. Tudo escolhas certeiras de Pinto da Costa, tudo protagonistas inesperados na sua gesta.
Mas o presidente azul e branco gosta de que o protagonismo fique reservado para outros e prefere treinadores de low profile. O seu longevo mandato, ad aeternum, assim o confirma. Perfil compartido por figuras que vão de Jesualdo Ferreira a Fernando Santos, de Vitor Pereira a Carlos Alberto Silva, de Tomislav Ivic a Bobby Robson. Cada vez que apostou noutro modelo de treinador - Del Neri, Octávio Machado, Co Adriaanse - teve problemas sérios. Homens de pouco reclamar e muito cumprir. Homens que pedem poucos recursos e aceitam o que lhes dão. Essa é a verdadeira vara de medir dentro da SAD azul-e-branca quando se elege treinador.
Não existe - nem existiu nunca - a vontade de trazer os melhores. Nem um modelo concreto de treinadores dentro de uma escola táctica (apesar do 4-3-3 ser quase santo e senha desde meados dos anos noventa). Ou técnicos focados num mercado em concreto, no desenvolvimento de jovens, etc... Não. No FC Porto os treinadores entram pela porta pequena e saem pela grande, com títulos que em muito devem à estrutura. Saem sem fazer barulho, agradecendo a oportunidade como se de um favor se tratasse. E o ciclo continua a renovar-se. Até que alguma coisa corre mal.
Essa coisa pode perfeitamente chamar-se Paulo Fonseca.
Também se podia chamar Quinito. Os dois têm muitos em comum. A começar por um escasso historial como treinadores profissionais. Por terem sido elogiados pela imprensa com as suas gestas nos clubes mais modestos que treinavam. E porque Pinto da Costa olhou para ambos e julgou ver neles o próximo Artur Jorge/André Villas-Boas. Moldado pela sua sombra, claro. O resultado de Quinito está à vista. Um poeta do futebol com uma carreira sem muito que contar. Paulo Fonseca ainda tem tempo de emendar a mão. É até perfeitamente possível que, como tantos antecessores seus, quando deixe o FC Porto o faça com títulos debaixo do braço. O que seguramente nunca fará é com a sensação de que chegará a algo melhor. Porque como tantos outros, isso será impossível. A estrutura é irrepetível noutros cenários, espaços onde a fragilidade dos treinadores ficam a nu. Como sucedeu com António Oliveira, com Fernando Santos, Jesualdo Ferreira e poderá eventualmente passar com Vitor Pereira. A lista é grande.
Paulo Fonseca é a definição perfeita do caos.
Em cinco meses destroçou uma herança de três anos, que começou a ser forjada na raiva pós-túnel, no ano em que a direcção do clube apostou todas as fichas num rookie chamado André Villas-Boas ao mesmo tempo que reforçou da melhor forma possível um plantel já de si repleto de excelentes jogadores com João Moutinho. Foi o principio de um triénio memorável que inclui três títulos consecutivos de liga, uma só derrota na competição nacional, um título europeu e um modelo de jogo sólido. Um 4-3-3 com uma organização defensiva perfeita, transições ágeis e um leque de jogadores top. Tudo isso agora é parte de uma memória distante. Paulo Fonseca é o responsável dessa metamorfose kafkiana. Hoje o FC Porto não sabe se é homem ou se é mosca. Já não há réstias do 4-3-3, perdido entre um 4-2-3-1 que desaproveita um dos melhores médios recuperadores do mundo e um 4-1-3-1-1 sem qualquer sensação de equilíbrio. A defesa, outrora a grande arma do projecto AVB/VP é uma anedota com jogadores que nos últimos dois anos chamaram a atenção dos grandes da Europa perdidos num sistema que os deixa deslocados faces a qualquer rival. E claro, não há jogadores top porque a política comercial da SAD decidiu abdicar de duas jóias da coroa sem garantir a habitual transição, consequência de uma oferta irrecusável de mais um novo rico e de um deficit tremenda causado por uma péssima gestão a médio prazo. Mesmo assim a Paulo Fonseca entregou-se uma equipa à qual não se retirou nenhum jogador de última hora, com opções para quase todos os sectores de campo. E no entanto o caos reina. Um treinador apático (com um prazer sádico por lançar jogadores a cinco minutos do fim), uma descompensação nas suas eleições na pré-época (os extremos Iturbe e Kelvin foram deixados de lado) e um onze tipo que roça a mediania e onde cabem Licá e Josué, que a priori pareciam apenas opções de recurso. Com esse cenário desolador o FC Porto tem sido vulgarizado na Europa e perdeu o seu encanto no campeonato nacional. Lidera mais por defeito do que por virtude (o campeonato do seu rival directo tem sido tão mau, tal como a sua performance europeia), dando sinais de uma insegurança desconhecida até este ano. E em nenhum momento o timoneiro parece dar sinais de inverter o rumo. Pelo contrário, o seu discurso transborda uma arrogância inaudita para quem, até agora, representa tudo aquilo que está errado com um clube habituado a vencer sem demasiado esforço.
Paulo Fonseca acabará o ano como treinador do FC Porto.
É uma aposta arriscada da SAD e esta irá até ao fim com o treinador. Mesmo a mais do que provável eliminação precoce na Europa não será suficiente para substituir o treinador, da mesma forma que não foi com Vitor Pereira, um treinador que teve de lidar então com um balneário em revolta, que não recebia a tempo e horas e com vários jogadores que viviam a sensação de promessas por cumprir. Sendo Jorge Jesus o treinador hara-kiri habitual, o Sporting um projecto em desenvolvimento e o Braga uma sombra do que ambicionou ser, Paulo Fonseca pode ser campeão português em Maio. Seria, provavelmente, um dos piores treinadores em ostentar o título. Algo possível apenas num clube como o FC Porto. Mas ao contrário de Artur Jorge, Mourinho e Villas-Boas, verdadeiros génios dos bancos, nunca será um produto exportável para brilhar lá fora. É, como o plantel do FC Porto, para consumo interno. Está de acordo com a mentalidade e falta de ambição da linha que procura suceder a Pinto da Costa dentro do clube, mais preocupada com os negócios que com o prestigio internacional, mais interessada na compra e venda do que na glória europeia. Para essa linha, Paulo Fonseca é um treinador suficiente. Para os que aspiram a algo mais, os que pensam que a conjugação de uma secretaria-técnica de topo com um treinador de talento e com anos para trabalhar poderia ser fascinante, é apenas mais um reflexo do caos emocional em que vive o Dragão.