Depois de todos terem já assumido que o Mundial 2022 foi comprado pelos potentados do Golfo, a pandilha de Joseph Blatter, Michel Platini e companhia querem agora dar a volta ao prometido e transformar o primeiro mundial no Médio Oriente num torneio disputado no Inverno, rompendo com 90 anos de história. Uma decisão desastrosa que, a cumprir-se, é a estocada definitiva a tudo aquilo que o futebol representa às mãos da mesma elite corporativo que minou a sociedade ocidental noutros sectores, sempre por um preço.
Eu sei que os meus amigos sul-americanos sempre se queixam - e com a sua dose de razão - que para eles o Mundial é um evento invernal.
Interrompe o seu calendário desportivo, despoja as suas equipas de jogadores enquanto os torneios prosseguem o seu ritmo. Para eles, ao contrário do espectador europeu, asiático e norte-americano, o Mundial não é sinónimo de sol, bom tempo, praia, dias largos e perfume de Verão. Da mesma forma que o nosso Carnaval é frio e chuvoso, os seus Mundiais são o prelúdio do duro Inverno. Será assim em 2014 para todos, um torneio no Inverno do hemisfério sul.
No entanto, a tradição ainda é (ou devia ser) o que era e os Campeonatos do Mundo são torneios do mês de Junho, do final da época europeia, do Verão do hemisfério norte, onde tudo se começou a idealizar e a cozer. Foi assim durante noventa largos anos e com a presença massiva dos internacionais dos restantes continentes nas ligas europeias, mais sentido faz ainda. Aliás, são os sul-americanos que começam a debater a possibilidade de se unirem ao calendário europeu e não o oposto. Agora o que a FIFA - e a sua tropa, que inclui a UEFA de Platini, delfim de Blatter desde os anos 90 - nos quer vender é a obrigatoriedade de disputar um Mundial no Inverno no hemisfério norte. Ao contrário da proposta que ganhou (comprou?) a votação, a de um torneio realizado em Junho de 2022 nesse grande país que é o Qatar.
Uma jogada corporativa para estilhaçar ainda mais a natureza do beautiful game.
A equação é fácil.
O Mundial é vendido ao melhor postor sob um pressuposto inviável. Já o era na altura da votação e os que deram o seu voto favorável - como Platini - pareceram não ter problemas. De repente lembram-se que a temperatura em Junho no Médio Oriente é imprópria para passear o cão, já para não falar em desportos de alta competição. Falam-se em estádios que se auto-refrigeram, campos fechados, etc, mostrando uma vez mais o total desrespeito que o adepto que se desloca é habitualmente tratado por estas organizações que têm como máxima "For the good of the game".
Até que alguém sugere, e porque não no Inverno? E todos começam a dizer que sim, que é melhor, que faz sentido, que não há problema nenhum, é só ajustar esta data aqui, esta ali, e zás. O dinheiro mantém-se nos seus bolsos, o calor desaparece e todos contentes. Todos?
A FIFA - que já tem preparado um calendário catastrófico para o Mundial 2014, com deslocações gigantescas por todo o Brasil que vão destroçar as ambições dos mais apaixonados dos adeptos - diz que só precisa de cinco semanas para reajustar os calendários europeus. Mente. Como sempre.
O Mundial é um torneio que dura, exactamente, um mês (quatro semanas).
As selecções concentram-se quinze dias antes da prova (duas semanas) para prepararem-se para a competição, adaptar-se às condições climatéricas, etc. Quando o torneio acaba, devido ao seu grau de exigência, os jogadores necessitam de descanso, como mínimo uma semana e meia, antes de se voltarem a incorporar. Os vencedores também têm direito a celebrar, a que há que juntar a esse prazo mais meia semana, como mínimo. No total estamos a falar de oito semanas. Dois meses. Dois meses em que o Mundo para para a FIFA cobrar o seu envelope dourado. Quando isso sucede, em Junho, a época acabou. Os jogadores saem do torneio para férias, os não-convocados já estão a desfrutar do seu período de descanso e tudo faz sentido. Agora imagem que no dia 30 de Outubro a época, que começou dois meses antes, para. E que só recomeça a 1 de Janeiro. Durante esses dois meses disputam-se habitualmente 4 rondas europeias, 10 jornadas das principais ligas, eliminatórias de taças, o Mundial de Clubes. E tudo isso seria adiado por causa de um favor?
A maioria dos presentes no Mundial celebra o Natal. Estarão dispostos a passar esse período encerrados num hotel num país muçulmano? E os adeptos, poderiam viajar nesse período do ano durante quinze dias para um país que é tudo menos amigo dos estrangeiros que não cheguem em jets privados ou carros desportivos? A temporada acabaria com uma final da Champions League a meados de Julho? O desgaste físico dos jogadores de elite - que podia provocar uma lesão grave, capaz de destruir uma carreira - permitir-lhes-á estarem presentes nos momentos decisivos da temporada?
Ao adepto estão a destruir-lhe o jogo. Pequenos mas importantes detalhes como este apenas o confirma. O Mundial no Inverno significa mais do que um ano perdido para o futebol no continente europeu (e que afecta os restantes continentes pela massiva presença de jogadores africanos, americanos e asiáticos nas ligas europeias). Condicionará as épocas anteriores e posteriores, a carreira dos jogadores, as ilusões dos adeptos. Tudo por um punhado de dólares. A tradição ainda vale muito. O que cada vez vale menos é a moral de quem organiza o jogo.
Há jogadores que superam a sua condição de gladiadores dos relvados para dar outra cara. Futebolistas que ultrapassam a sua própria camisa-de-forças e falam da mesma forma que jogam, com classe, frieza e muito talento. Xabi Alonso é um dos poucos jogadores da actualidade nesse patamar. Numa era de despropósitos, carros de alta gama, brincos, tatuagens, jogadores incapazes de dizer onde estão e para onde vão, o donostiarra é um farol de integridade da mesma forma que em campo tem sido um futebolista imprescindível na última década.
Agora que em San Sebastian se sonha com a Champions League convém recordar que a última vez que a equipa basca sonhou tão alto, havia um jogador no meio-campo a pautar o ritmo do jogo com uma frieza pouco habitual num adolescente. Xabi Alonso era, então, como hoje, uma bússula imprescindível. Com ele - e um punhado de outros grandes jogadores subvalorizados pelo mercado - os "donostiarras" chegaram a colocar em cheque os próprios Galácticos de Del Bosque que tiveram de fazer um esforço quase sobre-humano para não perder aquela liga.
Foi o aviso da chegada de um jogador radicalmente diferente ao protótipo espanhol.
Alonso era um médio de corte clássico. Gostava de ter a bola nos pés mas a sua especialidade estava na forma perfeitamente precisa com que a fazia mover de um lado ao outro do relvado com passes curtos e largos, lançamentos longos e diagonais precisas. Com a bola nos seus pés, o carrossel da Real Sociedade movia-se com maior claridade e precisão que a legião de estrelas do Real Madrid. Inevitavelmente, Rafa Benitez, treinador do Valência, tomou nota. Quando aterrou em Liverpool tinha uma prioridade. Trazer consigo o filho do internacional dos anos 80, Marcos Alonso, antigo jogador dos bascos e do Barcelona. A sua chegada foi fundamental para ultrapassar os problemas de construção da era Houllier. Alonso permitiu a Gerrard mover-se com liberdade, conectando mais vezes com uma frente de ataque em constante movimento. Na caminhada para a épica final de Atenas, o médio espanhol consagrou-se como um dos mais importantes centro-campistas do futebol internacional. Um dos golos - recarga de um penalty - foi seu, um mero detalhe para um ano memorável que não se voltou a repetir. Xabi continuou a jogar como os deuses mas o Liverpool deixou de vencer e quando Benitez começou a pensar que o problema podia estar no seu maestro, o jogador entendeu o toque e partiu para Madrid, um clube a quem faltava um líder como o pão para a boca. Encontrou-o.
Alonso tem sido o santo e senha do jogo do Real Madrid dos últimos quatro anos.
Apesar dos golos e das genialidades de Cristiano Ronaldo. Apesar da classe (intermitente) de Ozil, das correrias de Di Maria, do músculo de Khedira, da frieza defensiva ou dos golos (poucos) de Benzema e Higuain, o verdadeiro barómetro dos merengues era Alonso. Ausente ou em más condições físicas, a equipa ressentia-se como com nenhum outro jogador. Alonso era fundamental. Entendeu como poucos a concepção de jogo de Mourinho. Tornou-se no seu homem de confiança.
O jogo passava forçosamente pelas suas botas, era ele quem punha ordem na desorganização ofensiva. Os seus passes a rasgar criavam os desequilíbrios que o talento individual transformava em golo. Com uma equipa com dificuldade para progredir em controlo, com passes curtos, como Alonso demonstrou ser igualmente capaz de dominar, na selecção com que ganhou tudo (ele que começou como suplente com Aragonés para fazer-se imprescindível para Del Bosque), a sua visão de jogo era fundamental. Alonso desenhou os títulos conquistados, as goleadas e quando a sua luz se apagou, a equipa inevitavelmente desligou-se.
A chegada de Modric parecia significar uma nova via para o jogo do clube, mas o croata nunca chegou a captar bem o que Mourinho queria dele, no fundo um Xabi mais novo, mas com a mesma filosofia de jogo. Com Mourinho fora do clube, Alonso mostrou uma vez mais a sua categoria. Ele que já tinha sido respeitoso com um Benitez muito critico da sua etapa final em Liverpool, não alinhou no discurso vingativo da maioria do plantel. Manteve-se fiel ao que tinha sido, do primeiro ao último dia. Coerente com tudo. A chega da de Illarramendi, Casemiro e a boa forma de Modric, aliado à presença de Isco e Ozil, formatará seguramente um novo modelo de jogo para o Real Madrid onde a presença de Xabi já não ser tão fundamental como tem sido. Isso não invalida, no entanto, que a sua aportação não seja necessária.
Pode ser o seu último ano no Santiago Bernabeu - há uma renovação pendente de ser assinada que depende, sobretudo, da sua condição física, que actualmente o mantém fora dos relvados por dois meses - e portanto a derradeira oportunidade para os adeptos do clube de presenciarem ao vivo um dos melhores médios da história recente do Real Madrid. O ano mágico para o gentleman por excelência dos relvados espanhóis! Um jogador que merece sempre um tributo especial.
Está o Brasil preparado realmente para o seu segundo Mundial. Em 1950 o torneio foi o pretexto perfeito para o país reivindicar a sua condição. A organização foi também facilitada pela guerra na Europa que deixou desarmados os países europeus de qualquer tentativa de receber a taça Jules Rimet. Agora, 64 anos depois, o Brasil volta a pretender utilizar o futebol como arma de afirmação política. Os bilhetes já estão à venda mas será o torneio um sucesso nas bancadas?
Estádios por acabar, aeroportos por construir. Hospitais e estradas debaixo de gigantescos pontos de interrogação.
O Brasil está a menos de um ano de receber o maior torneio desportivo mundial, a par dos Jogos Olímpicos (que dois anos depois também serão disputados no Rio de Janeiro). E muitos duvidam do sucesso real do torneio. Fora dos relvados, pelo menos. País em ascensão no panorama política e económico, o Brasil queria demonstrar através do desporto, uma das suas maiores bandeiras, que estava definitivamente inserido na elite dos países do 1º Mundo, uma expressão penosa que desrespeita os cidadãos do planeta. As manifestações na Taça das Confederações, os escândalos de corrupção, os problemas políticos no país e os sucessivos atrasos em obras fundamentais para a organização do torneio permitem levantar a suspeita de que o sucesso está prestar a tornar-se em fracasso.
Se em campo o torneio tem todas as condições para ser um dos melhores de sempre - há a Espanha e a Alemanha, com a nata do futebol europeu, o génio individual de Messi, Ronaldo, Neymar, Balotelli e o perfume do futebol africano, asiático e caribenho - fora dele há perguntas sem resposta e um cronómetro que não para.
Esta semana foram colocados à venda os bilhetes Brasil 2014.
São preços para muitos proibitivos, porque incluem viagens de avião transatlânticas, para destinos cujos aeroportos estão ainda em obras. A distribuição dos jogos do calendário pela FIFA seguramente não ajudará. Num dos maiores países do mundo, quando mais fazia sentido criar regiões fixas para os grupos sorteados - como se procedia antes da chegada de Blatter ao trono da organização - a maior parte dos espectadores terá de fazer centenas e milhares de kms para seguir a sua equipa. Ir ver um só jogo não compensa mas dar a volta ao país para ver 3, 4 ou 5 ainda menos. Não é de estranhar que, tal como em 2002 e 2010, a maioria dos adeptos nas bancadas sejam locais. No Mundial da Coreia e Japão viajaram tão poucos europeus que a organização teve de contratar autóctones para vestir-se com as camisolas das equipas em campo e assim disfarçar, nas televisões, a falta de animação nas bancadas. No Brasil isso não irá suceder. Espanha já sabe que recebimento terá mas argentinos, italianos, portugueses, alemães e ingleses não devem esperar um tratamento diferente. Pela primeira vez desde 2006 um torneio de selecções será disputado num país que opta realmente ao título. E isso conta.
A procura inicial dos bilhetes foi elevada, essencialmente porque parte de adeptos brasileiros.
Afinal, estamos a falar de um país com mais de duas centenas de milhões de habitantes, apaixonado pelo "jogo bonito" e saudosos de uma competição de elite. Só com os adeptos locais o Mundial seria um sucesso nas bancadas mas para um torneio criado para o Mundo essa mensagem é pouco convincente. A falta (ou os preços exagerados) de alojamento e meios de transporte coibem os de fora a arriscar tudo, num país marcado profundamente por um sentimento de insegurança e impunidade.
O bilhete final Mundialoscila entre os 330 euros e os 742 euros, preços proibitivos para a maioria dos brasileiros, que mesmo assim esperam ver o escrete canarinho subir ao relvado do Maracaña para ajustar contas com o seu passado. Nesse primeiro Mundial, quando o controlo da FIFA ainda era quase simbólico, estiveram, dizem as más línguas, mais de 200 mil pessoas no estádio carioca. O estádio emudeceu com o golo de Ghighia e desde então procura reabilitar-se aos olhos dos brasileiros. Renovado, terá a sua oportunidade de ouro, seguindo a réplica já deixada por Neymar e companhia na brilhante exibição contra a Espanha, na final da Taça das Confederações.
O Brasil não parte na pole position mas é um rival sério a ter em conta. Scolari prepara bem as suas equipas para torneios curtos, o público será de um fanatismo pouco habitual e as condições climatéricas estarão perfeitas para o seu estilo de jogo, mais físico e agressivo, longe do calor de um torneio disputado na Europa. Espanha e Alemanha, favoritas pelo seu futebol, e Argentina, pela presença de Messi e uma legião de talentosos jogadores ofensivos (na defesa o problema é sério), seguem atrás entre os favoritos deixando os habituais europeus (Itália, Holanda, França, Portugal, Inglaterra...se apurados), sul-americanos (Colômbia e Uruguai), centro-americanos (mexicanos), africanos (Gana e Costa do Marfim, eventualmente) e asiáticos (Japão e Coreia do Sul) como principais oponentes. Os seus respectivos adeptos, salvo por uruguaios, argentinos e colombianos, terão praticamente de contentar-se em seguir pela televisão um torneio que terá sotaque brasileiro a todos os níveis.
Pode este ser um grande Mundial se tudo o que rodeia os estádios está envolto em obras? Para o espectador televisivo sim, perfeitamente. Para quem viaja e experimenta a sensação de estar num circo ambulante durante um mês, o Mundial do Brasil pode ser uma sensação agridoce. Os brasileiros têm oito meses para resolver todos os problemas e oferecerem ao mundo o maior espectáculo já visto!
A última década tem sido marcada pela chegada de milionários com desejo de grandeza ao mundo do futebol. Não é uma novidade, varia apenas a procedência. Dos industriais nacionais o fenómeno passou para homens de negócios americanos, do golfo Pérsico e da Rússia. Muitos compraram clubes na Europa Ocidental, outros preferiram apostar em casa. O destino inevitavelmente será o mesmo para todos. O Anzhi aponta o caminho.
Um aviso a todos os adeptos de clubes com um milionário como presidente: estejam atentos às noticias.
O que está a suceder ao Anzhi nas últimas semanas não é fruto da casualidade. Um azar do destino. Nada disso. O clube do Daguestão, essa região remota da Rússia (quantas regiões se podem chamar "remotas" na Rússia?), forçado a treinar e jogar muitas vezes em Moscovo por protocolos de segurança, está a desfazer-se como um castelo de cartas. Mesmo antes de ter arrancado.
Em causa está o fim do imenso investimento realizado pelo milionário Suleiman Kerimov. Um final esperado.
Kerimov, filho da terra, enriqueceu como tantos outros oligarcas russos de formas pouco legitimas. Instigado por Putin, esse "pai da pátria" que persuade os homens mais ricos do país a devolver à "Mãe Rússia" parte do que "levaram", Kerimov aceitou comprar o clube da sua terra, até então insignificante no panorama desportivo do país. Para acelerar o processo de concretização do sonho de emular o Zenit, o Rubin Kazan ou o Shaktar ucraniano, investiu milhões e milhões em melhorar infra-estruturas e contratar jogadores. Gastou quase 200 milhões de euros.
Á inóspita Makhachakalha chegaram estrelas decadentes do futebol europeu como Lassana Diarra e Samuel Etoo, futebolistas promissores do nível de Lassina Traoré e russos como Yuri Zhirkov e Denisov. Tudo sobre a liderança inicial de Roberto Carlos, um reclame para o mundo saber que o projecto era sério. Claro que o génio brasileiro durou pouco nos relvados e menos nas oficinas do clube. Nem a chegada do brilhante Willian - que abdicou da possibilidade de ajudar o Shaktar Donetsk a ser campeão europeu...e que falta fez contra o Dortmund - mudou um cenário devastado por um balneário ingovernável, jogadores que faziam centenas de kms para treinar e uma massa adepta pouco, digamos, entusiasta. O projecto, fictício como pode ser a transformação do AS Monaco numa super-potência (com os seus temíveis 14 mil adeptos), estava destinado a derrumbar-se.
O fim anunciado do Anzhi surgiu quando um dos negócios mais importantes de Kerimov derrubou-se em negociações frustradas com o governo da Bielorrúsia. Foram 200 milhões de euros perdidos de um momento para o outro que obrigaram o oligarca a repensar as suas prioridades. A ausência de resultados - qualificação europeia, boa performance na Liga Europa na época prévia, falhanço no assalto ao título - colocou o Anzhi como prioridade. Para uns farto do comportamento das estrelas, para outros com problemas de saúde, o facto é que foi o dinheiro, a sua escassez, que despoletou a reacção.
O mesmo que passou com o sheik Al-Thani do Málaga, que pode passar com Rybolev se o AS Mónaco não resolve os seus problemas financeiros - correm já os rumores que Falcao pode ser vendido até dia 1 de Setembro - e que pode suceder com Abramovich, a família real do Qatar ou os investidores que rodeiam muitos dos clubes ingleses, onde a falência de clubes é um fenómeno cada vez mais habitual, venham de donde venham. Sem dinheiro para manter o negócio a funcionar a solução é vender. O Dinamo de Moscovo já se aproveitou para levar os únicos internacionais russos da equipa. Willian - contratado em Janeiro por 35 milhões de euros - tem Inglaterra como destino. O camaronês Etoo e o marfilenho Traoré devem seguir o mesmo caminho, com Itália como paragem alternativa e Jucilei e Medhi-Carcela não devem ficar muito mais tempo. Da noite para o dia o Anzhi está condenado a voltar a ser uma equipa anónima no panorama futebolístico russo. Um aviso para navegantes. Um sério aviso para os próprios oligarcas que vão pensar duas vezes antes de tentar activar falsos potentados onde não há uma base sólida de crescimento real.
O fim anunciado do Anzhi, a venda a preço de saldo de jogadores que custaram (e ganhavam) milhões, é em tudo semelhante ao que sucedeu com o Málaga, forçado a desprender-se de Isco, Toulalan, Joaquin e Monreal para manter-se viável financeiramente. Um clube que aspirou à glória da exigente liga espanhola, que brilhou na sua primeira campanha na Champions League antes de levar com o inevitável banho de realidade. Ao Anzhi nem deu tempo de chegar tão longe. O projecto morreu antes de nascer. Nessa remota Rússia onde às vezes nem o dinheiro chega para manter os sonhos vivos.
Entrou pelas traseiras. Entre suspeitas de favores e de um rendimento decadente. Era uma promessa máxima que parecia que ia ficar pelo caminho. Num mês, tudo mudou. Autor de uma pré-temporada memorável, capaz de fazer esquecer a dupla ausência de Xabi Alonso e Illarramendi, o brasileiro Casemiro transformou-se em peça fundamental do esquema de Ancelloti. Terá ele as condições necessárias para ser o novo Pirlo do técnico italiano?
Agora está na moda gostar de Pirlo.
Agora, como quem diz. Nos últimos quatro anos, Andrea tonou-se um ícone do que há de cool no futebol.
É cool o penteado de Pirlo. É cool a sua barba. A forma como usa a camisola. O número nas costas. Os penalties que bate. Os livres perfeitos, os passes teleguiados. Até os erros de Pirlo são diferentes dos dos outros. Ao génio italiano passa-lhe como a Xavi Hernandez. São dois dos melhores futebolistas dos últimos vinte anos, nomes fundamentais da história do jogo moderno. E foi preciso os últimos anos para que se lhe desse o verdadeiro reconhecimento. Pirlo já tinha sido campeão europeu em 2003. Em 2007. Já tinha sido a figura fundamental - por cima de Buffon, Cannavaro e Totti - da Itália campeã mundial em 2006. E mesmo assim o Milan achou que estava datado. E mesmo assim muitos adeptos tardaram em entender a magia que dorme nas suas chuteiras em forma de varinha. Xavi foi assobiado no Camp Nou no ocaso da era Rijkaard. Pirlo também recebeu duras criticas nos seus dias derradeiros em San Siro, antes de resetear definitivamente a "Vechia Signora" com o seu bicampeonato. Quando o último moicano dos registas começou as suas andanças no jogo, o seu destino parecia ser radicalmente distinto.
Era o novo Baggio, o novo criativo na estela dos Rivera, Mazzolla, Conti e companhia, um criativo à solta no ataque, pronto a morder com o veneno de uma serpente a mais áspera defesa rival. Mas faltava-lhe algo.
O Inter - clube onde estava então - emprestou-o ao Brescia e foi aí que, ao lado de Baggio, o jovem Andrea percebeu que nunca podia ser igual ao "Codino Divino" mas que tinha condições para afirmar-se como um jogador radicalmente diferentes dando uns passos atrás no relvado. Chegado a Milão, num dos piores negócios da história dos neruazurri, Pirlo encontrou-se com um novo timoneiro, Carlo Ancelotti. O discipulo de Sacchi sabia que tinha na jovem promessa um diamante por trabalhar. Á sua volta montou uma equipa perfeita, com o trabalho físico de Gattuso, a inspiração de Rui Costa, o faro de golo de Shecvhenko e a resistência de Seedorf. Rodeado de jogadores de primeiro nível, Pirlo tomou a batuta, fez-se regista e entrou para a posteridade.
Os problemas físicos de Xabi Alonso e a ausência de alternativas levaram o Real Madrid a fixar-se em Illarramendi.
É um jogador fantástico, com um futuro brilhante e um preço talvex exagerado para o que já demonstrou e o que falta por demonstrar. A sua ausência, por lesão, dos principais jogos de pré-temporada vão forçá-lo a recuperar o ritmo e um posto para o qual já há um titular fixo (Alonso) durante a época. O que o basco talvez não contava era ter concorrência inesperada.
Se por um lado Ancelotti provou, com bons resultados, o croata Luka Modric como regista do jogo madrileño, apoiado como sempre em Sami Khedira e na arte da associação Ozil-Isco, a grande sensação da pré-época foi, sem dúvida, Casemiro. Um jogador que tem todas as condições para ser o Pirlo que Ancelotti procura.
Estrela precoce, Casemiro sempre habituou os seus seguidores ao mais extraordinário.
Queimou várias etapas na sua formação, tanto nas selecções jovens brasileiras (onde jogou ao lado de Neymar, Ganso, Óscar e Lucas Moura, ganhando quase tudo o que havia para ganhar), como no São Paulo. No clube paulista foi um dos mais jovens jogadores a alcançar os 100 partidos com a equipa principal, tudo isso antes de cumprir sequer 20 anos. Armador de jogo, recuperador de bolas nato, Casemiro passeava-se pelo meio-campo do "Sampa" com a autoridade de um veterano, lembrando talvez os dias gloriosos de Raí, o artesão dos títulos da era Telé Santana. Problemas num balneário conflituo, salários em atraso e um certo estancamento, como sucedeu a Paulo Henriques "Ganso", deixaram-no num beco sem saída. Para resolver o problema, o clube aceitou emprestá-lo em Janeiro ao Real Madrid com uma opção de compra de seis milhões de euros, bastante baixa para quem prometia tanto. Na segunda equipa dos merengues, o Castilla, o brasileiro entrou a dar cartas e fez-se figura fundamental chegando a ser chamado por José Mourinho para jogar com os titulares em duas ocasiões. Muitos pensavam que em Junho o jogador voltaria ao Brasil mas o Real fez efectiva a cláusula e Casemiro ficou.
E voltou a ser o de antes. O jogador atrevido, o autor de passes teleguiados, o recuperador de bolas cirúrgico, o médio capaz de bascular o campo ao seu ritmo, preciso nos passes, exacto nas antecipações, sempre com uma chispa de perfume e criatividade tão tipicamente sul-americana. Do nada, e com três nomes ilustres para o seu posto preferencial, Casemiro passou a sentir-se protagonista inesperado de uma narrativa que só agora está a começar.
É um jogador de um perfil que escasseia no Brasil e a sua afirmação pode ser uma brilhante notícia para Luis Filipe Scolari. Nele pode encontrar um pensador de jogo, um médio com força física para impor a sua presença e claridade mental para pautar o jogo ao seu ritmo. Uma eventual dor de cabeça para Luis Gustavo no meio-campo da canarinha como já é para Asier, Luka e Xabi no coração da cidade desportiva do Real Madrid. Para alegria de Carlo, o homem que vai contar com o meio-campo de artesões que faltou a José Mourinho nos útlimos quatro anos. Isco, Ozil, Casemiro, Modric, Illarramendi, Alonso, um sexteto de luxo para encarar, finalmente, olhos nos olhos, bola no pé, o eterno rival.
O Benfica contratou Fariña. O Benfica emprestou Fariña. Pelo meio não houve jogos oficiais, não houve o reflexo das entusiasmantes capas dos jornais a promover a nova estrela sul-americana. O dinheiro move-se, os jogadores movem-se, a suspeita permanece. Não é caso único. Portugal passou a ser um país "ponte express" para a movimentação de dinheiro, agentes, futebolistas e fantasmas do mundo do moderno.
No Racing de Avellaneda chamavam-lhe estrela, "pibe de oro" e outras pérolas que tais.
Na nomenclatura do jogo argentino, não surpreende. É um país apaixonante, mas habituado à cultura do exagero. Entre Maradona e Messi todos eram os "novos Maradonas" até que apareceu Leo. Uma história contada muitas vezes cansa, e esse discurso cansava. Agora, imaginamos, falaremos dos novos Messis a cada dois por três. Iturbe já o era. Fariña sonhava em sê-lo. A imprensa português, como sempre tão entusiasmada como o mais básico dos adeptos com vulgaridades, fez eco das palavras, dos sonhos e das aspirações. Provavelmente nem o viram jogar. Provavelmente nem sabiam quem era. Mas vendia jornais. E Fariña lá veio, um negócio maravilhoso, espantoso, incomensurável. O novo "Di Maria" talvez. E agora, num avião a caminho de Doha, esse potentado futebolístico, Fariña pergunta-se a si mesmo qual é o futuro. Longe da sua terra, longe da Europa, o sonho de ser o novo (preencher com o nome que quiser) começa a esfumar-se. E os jornais, calados.
É assim que se fazem cada vez mais negócios em Portugal.
O Benfica transformou-se num entreposto de jogadores. Muitos nem chegam sequer a vestir de encarnado em jogos oficiais. Compra-se à discrição. Não há problema com o dinheiro. Em muitos dos casos, ele nem se move. Roberto afinal, era mesmo de quem este tempo todo?
Como Fariña houve outros casos. E continuará a haver. Desde que Jorge Jesus chegou ao Benfica o clube já comprou mais de 50 jogadores.
Leu bem. Mais de 50 jogadores. Em cinco pré-épocas, Jesus - e a direcção do Benfica, já que são unha com carne, até ver - trouxe uma média de 11 jogadores por ano.
Entre esse lote estão os casos paradigmáticos de Patric, Felipe Menezes, Kardec, Schaffer, Éder Luis, Carole, Wass, Hugo Vieira, Michel ou Luisinho. Jogadores com tão poucos minutos (oficiais e em amigáveis), que muitos se perguntam genuinamente se realmente alguém sabia algo deles antes de avançar para o negócio da aquisição. Como Fariña. A maior parte desses jogadores entrou numa espiral de empréstimos que se prolonga até ao fim do contrato (saindo a custo zero) ou com uma venda para maquilhar contas por valores irrisórios. Fariña, seguramente, será mais um desses nomes no amanhã. Dois milhões e uns trocos depois, que talvez o Benfica nunca pagou. Mas pelos quais deu a cara, o símbolo e a história. Entregue aos interesses de fundos de inversão e empresários, o clube tem muito que explicar nos seus negócios com os espanhóis do Granada e do Atlético de Madrid e nas suas operações sul-americanas. Mas, hoje em dia, os adeptos exigem pouco e a situação continua, Verão após Verão, exactamente igual. Resta saber, até Setembro, quantos vão acompanhar a promessa argentina no mesmo destino.
O clube encarnado não tem o exclusivo deste tipo de operações.
O Rio Ave tem sido gerido, desde há mais de um ano, por um fundo de empresários apoiado na figura de Jorge Mendes que permite a circulação de jogadores sem a movimentação de dinheiro. Fabinho, emprestado ao Real Madrid, foi agora desviado para o AS Monaco, dois clubes onde o empresário tem interesses. O Rio Ave empresta um jogador que, no fundo, nem é seu. O ridículo absoluto.
Em troca recebe anualmente jogadores descartados, para rodar, e sobrevive. Não cresce. Sobrevive. Que é a nova palavra de ordem no futebol. Não é caso único. A gestão da Traffic no Estoril, mais limpa e transparente, fala a mesma linguagem e move-se nos mesmos campos. Em Espanha há clubes envolvidos nesses esquemas, desde os célebres Atlético Madrid, Deportivo e Zaragoza aos emergentes Granada, Hércules e Rayo. O mesmo sucede em vários clubes da Europa de Leste, da Turquia e no complexo mundo do Calcio. É a novilingua dos relvados.
O caso do Benfica é assumidamente preocupante porque o clube dá a aparência de não precisar destes esquemas. Tem um património sólido, uma divida que pode abater com as suas mais valias reais (e o potencial de algumas vendas, associados aos ingressos da Champions League) e legitimas aspirações a vencer, pelo menos, três competições esta temporada. Não é o Estoril e o Rio Ave. Mas comporta-se como eles.
Se o problema do Sporting é o excesso de erros acumulados de gestões prévias e o FC Porto a sua excessiva dependência do mercado sul-americano (e de alguns fundos e bancos que por lá se movem), o Benfica ultrapassa as fronteiras do lógico com negócios que sujam por completo a imagem do clube.
Enquanto o FC Porto compra jogadores utilizando fundos e relações amigáveis com empresários para depois rentabilizá-los por milhões, o Benfica junta a esse modelo de gestão (que começou a aplicar com sucesso há três anos) um historial de erros de casting que não podem ser inocentes. Dos doze jogadores ao ano que chegam à Luz, metade desaparece cedo do mapa. E ninguém estranha.
Pizzi, chamado a ser um jogador de ponta do futebol português, "custou" (é dificil pensar que alguém pagou alguma coisa) 6 milhões de euros, por metade do passe. Que é do Benfica. Mas os seus adeptos vão ter de o ver de "azul e branco". Fariña, esse mito sul-americano, também é das "águias". E ninguém o vai ver porque os jogos dos Emirados Árabes Unidos não se podem seguir, nem via streaming. Entre os dois o clube gastou mais do que a esmagadora maioria dos clubes portugueses em todo o defeso. Nenhum fica no plantel. O entreposto segue aberto. São os negócios à portuguesa!