A chegada dos milhões qataris ao Paris Saint-Germain revolucionou o futebol francês. Este ano o campeão parisino vai ter concorrência de peso. Os milhões chegam da Rússia. No fundo o eixo que move o mercado de futebol dos últimos anos. Não é novidade. O futebol em França sempre foi um negócio de industriais, empresários e ambiciosos homens de negócios. A única diferença é que estes senhores vêm de fora e não são forjados na estirpe gaulesa dos Tapie, Bez, Lagardére e companhia.
Quando o PSG nasceu, todos tinham claro que era apenas uma manobra de marketing.
Paris não tinha um clube de futebol importante. O Racing FC e o FC Paris estavam nas divisões secundárias e não havia forma de os tirar de lá. O jogo era um fenómeno regional, sempre o tinha sido. Mas agora Paris, consciente da afirmação internacional definitiva da invenção inglesa, queria ter a sua parte de protagonismo. Assim nasceu, em 1973, o PSG e depois de quinze anos de resultados irregulares, apareceu o gigante Canal+ para salvar o emblema de um destino similar ao do seu vizinho. O Racing tinha-se tornado em Racing Matra porque os milhões de Lagardére assim o quiseram. Durou pouco a aventura, mas deixou um aviso. Um aviso bem real, ainda hoje.
A salvação do PSG pelo Canal+ significou, sobretudo, que o clube tinha dinheiro, muito dinheiro para investir. E fê-lo bem, montando uma equipa de excelência que não só venceu um título nacional, um título europeu (a Taça das Taças) como esteve na base da equipa que acabou com a estadia de Cruyff em Barcelona. Aquele PSG, de Weah, Raí, Leonardo, Djorkaeff e companhia, era uma formação destinada a maiores glórias. Mas como o Canal+ se fartou do brinquedo, o dinheiro deixou de chegar e os jogadores foram saindo. Poucos meses depois nada restava dessas noites de glória no Parc des Princes e o maior emblema parisino entrou numa década de silêncio e sofrimento. Algo parecido ao que lhe acontecerá no dia em que os sheiks qatarís mudem de objectivo. Esse é o destino financeiro dos clubes da Ligue 1.
Foi assim com o escândalo de Bez no Bordeaux e de Tapie no Marseille. Foi assim com o fim do investimento dos industriais locais no Stade Reims (na década de 60), no Sochaux (da marca Peugeot, nos anos 70) e no Saint-Etienne (na década de oitenta). O próprio AS Monaco, sustentado durante anos e anos pelos milhões do Principado, sofreu na pele a ausência de uma política desportiva e económica coerente e de finalista da Champions League (apenas o quarto clube francês em lográ-lo) passou a clube de segunda divisão.
Em França o jogo sempre foi olhado com suspeita.
Não tem o glamour do ténis, do ciclismo e dos desportos motorizados. É uma invenção inglesa, mas menos interessante que o rugby para alguns. Só a partir da II Guerra Mundial se confirmou a popularidade do jogo no hexágono e, mesmo assim, em espaços geográficos muito concretos. No Midi, pela forte ligação aos portos italianos e espanhóis. Na Gasconha e Bretanha, pelo mesmo motivo, com os ingleses. E no norte, zonas vizinhas a Bélgica e Alemanha. Tudo o resto era um imenso oásis. Só quando um homem rico aparecia, no coração de França, se podiam desenvolver projectos ambiciosos mas de curta duração. Foi assim em Saint-Etienne, Sochaux e, mais recentemente, em Lyon. Onde todos sabem que, quando Jean-Michel Aulas abandonar o cargo, o destino será cinzento. Como a história tem sabido demonstrar.
Talvez por isso o jogo se tenha, desde cedo, tornado num brinquedo de ricos e ambiciosos. Os adeptos não sofrem emocionalmente tanto com estes vais e vens como noutros países, a sensação de pertença cultural é distinta. As imposições severas do governo gaulês impedem a Ligue 1 de atingir niveis de rendimento que compitam com a Europa. É um torneio fechado, rotativo, desenhado para consumo próprio. Só muito de vez em quando, ao reunirem-se condições extraordinárias, algum clube francês demonstra o seu potencial contra rivais europeus com orçamentos muito superiores, planteis com mais opções, mais bem pagas e consagradas.
A chegada dos emigrantes do império reforçou a multiculturalidade do jogo, abriu as portas à renovação de uma política de formação que tem sido a base do sucesso financeiro desse projecto. Mas também parte do seu calcanhar de Aquiles. Em Rennes, Lille ou Toulouse há poucas condições para ombrear com as fortunas do país, especialmente quando os seus melhores jogadores partem e como substitutos chegam jovens adolescentes. Clubes históricos como o Nantes, Lens, Metz ou Auxerre já sofreram na pele as subidas e descidas de divisão pelo mesmo motivo. Sem dinheiro não há sustentabilidade, por muita história que um emblema carregue. Por isso quando chega um sheik qatarí ou um russo milionários, os adeptos recebem-nos de braços abertos. Estão dispostos a vender a moralidade do jogo pela subsistência, essencialmente porque sabem que se não forem eles os clubes beneficiados por esses milhões, serão os seus mais directos rivais. O dinheiro que chegou a Paris pode acabar de um momento para o outro mas, de momento, os adeptos desfrutam de uma nova era de prosperidade, a fazer lembrar meados dos anos noventa. O mesmo sucede agora com os monegascos. A presença de Moutinho, Abidal, Falcao, James Rodriguez e Ricardo Carvalho traz prestigio ao clube e uma base de sucesso que pode ou não aguentar os humores do dono do clube. São projectos de tão curta duração - no tempo e espaço - que não é difícil imaginar que daqui a três anos dificilmente os mesmos jogadores (e Cavani, e Pastore, e Lucas Moura, e Zlatan Ibrahimovic, e Marco Verrati) continuem nos seus clubes actuais.
A França do futebol é uma dimensão própria dentro do concerto europeu. Há preocupações dentro das estruturas governamentais e federativas e um desinteresse quase generalizado nos adeptos. No campeonato mais equilibrado da história do futebol europeu - salvo pela longa hegemonia recente de um Lyon, numa época sem investidores nos clubes rivais para lhe fazer sombra - as empresas e os milionários duram pouco na sua relação com os emblemas, o tempo de coleccionar um ou dois títulos antes de se fartarem. Em Paris e no Principado vão querer aproveitar essa corrida a contra-relógio. Em Marselha, Bordeaux, Rennes, Lille e Lyon esperam que os milionários se fartem para voltar a sentirem-se importantes. E no meio de tudo isto, só mesmo em França um clube pequeno como o Montpelier pode sonhar em repetir o logro de ser campeão contra as armas financeiras de uns e o poder da estrutura desportiva de outros. Num campeonato de novos-ricos essa é a maior atracção possível.
Quem se apaixonou pelo Bayern Munchen de Louis van Gaal sabia que ali havia material para criar uma dinastia capaz de dominar, mais do que a Bundesliga, o futebol europeu. A evolução de Jupp Heynckhes, consolidada com a histórica goleada sobre o Barcelona, confimou essa sensação. A chegada a Munique de Josep Guardiola é um sonho transformado em realidade. O Allianz Arena prepara-se para entrar noutra dimensão.
Imaginem os bávaros ao serviço de Heynckhes.
As vitórias sobre o Dortmund - entre a DBF Pokal e a final da Champions - as goleadas na Bundesliga, a vulgarização da Juventus e a humilhação ao Barcelona. Imaginem as subidas constantes de Lahm e Alaba, o trabalho táctico de Martinez e Kroos, a presença sobre-humana de Schweinsteiger. Os golos de Mandzukic, as diagonais de Robben, a liderança de Robben e o génio incontrolado de Muller. Imaginem essa máquina de futebol, capaz de lograr no mesmo ano tudo aquilo a que podia ambicionar. Agora juntem a essa equação mais jogadores de topo, filhos da mesma ideia. E um homem capaz de a reinventar. Afinal, o clube tão associado desde sempre ao império da Adidas, pode colocar em prática a máxima de que "impossible is nothing".
Gotze e Thiago chegam para fazer de um plantel de sonho, um plantel perfeito. O overbooking de talento é assustador. Luis Gustavo, autor de uma notável Taça das Confederações, não tem lugar assegurado. Toni Kroos também não. O promissor Xherdan Shaquiri terá de sofrer para ter minutos. Quem garante a Mandzukic que vai jogar? Boateng, Badstuber e van Buyten vão lutar por um lugar porque tudo indica que Javi Martinez será, sobretudo, um libero como foram Vasovic, Blakenburg e, claro, Beckenbauer. Esse posto fulcral na filosofia do Futebol Total reinventado pelo maior símbolo contemporâneo da escola danubiana, desviada definitivamente a ocidente, entre as tulipas de Amesterdão, o sol de Barcelona e, agora, o tapete verde de Munique.
Guardiola precisava de um desafio e aí o tem.
Não se trata apenas de igualar a temporada perfeita de Heynckhes. Nunca ninguém o conseguiu desde os triunfos do Ajax de Kovacs no futebol holandês e europeu dos anos 70. Toda a curta hegemonia posterior - Bayern Munchen, Liverpool, AC Milan, Juventus, Real Madrid, Manchester United e Barcelona - foi incapaz de reproduzir ano atrás ano vitórias em todas as frentes. Pedir isso a Guardiola é, portante, ridiculo.
No entanto, o que sim se deve exigir (e esperar) do seu projecto, é fidelidade absoluta às suas ideias, à sua forma de entender o jogo. E isso é meio-caminho para a vitória. Ninguém pode garantir que o Bayern vença o novo duelo com o Dortmund de Klopp (também ele reforçado, dentro das suas limitações, de forma muito interessante) ou com Real Madrid, Barcelona, PSG, Manchester United e City ou Chelsea. Mas com o plantel que dispõe, o génio que sempre o acompanha e a sua eterna ambição
Guardiola provará, provará e provará. A superioridade do seu Bayern na Bundesliga será tal que ninguém descarta ver três ou quatro variações tácticas ao longo do torneio, de três centrais a quatro ou cinco médios. Tem jogadores excedentários para todas as posições. Disputará, previsivelmente, à volta de 55-60 jogos, e tem um plantel com mais de 26 opções, as que se podiam incluir os jogadores da formação que já conhece bem e que tem incoporado aos seus trabalhos de pré-temporada. Weiser, Hojbjerg, Can, Weirauch serão nomes que começarão a soar mais familiares aos adeptos. Mas têm uma tarefa hercúlea pela frente porque a qualidade de futebolistas já consagrados - todos eles, salvo Mario Gotze, campeões da Europa (Thiago também o é) - é imensa.
Pep tem provado e continuará a fazê-lo. Podemos imaginar um decalque do seu Barcelona, mas qual deles? E será que um homem que tem uma ideia mas que sabe rodear-se de gente que lhe pode oferecer ideias alternativas. Lahm pode reencarnar em Dani Alves ou ser, pura e simplesmente, ele próprio, talvez o melhor lateral europeu da última década. Javi Martinez foi com Bielsa, um dos mentores do catalão, um líbero de excepção em San Mamés e continuará a sê-lo mas ninguém duvida que, no meio-campo, seja igualmente fundamental. Kroos e Schweinsteiger parecem fundamentais, mas Thiago vem para ter minutos, Gotze deambulará entre o meio e as alas e Luis Gustavo é mais do que pulmão, como demonstrou com a canarinha. São muitas opções, reforçadas por um tridente de ataque que conta com Ribery, Robben (o menos guardilesco dos jogadores), Muller, Shaquiri, Mandzukic e Pizarro às que se junta, igualmente, o génio da antiga estrela do Dortmund.
3-4-3, 4-3-3, 4-2-3-1, 4-6-0, tudo é possível com Guardiola ao leme e este leque de estrelas - não mediáticas - em campo.
Parece evidente que as alternativas do técnico de Santpedor formam o terceiro melhor meio-campo da Bundesliga, apenas atrás do do Dortmund e dos seus colegas de equipa. E talvez um dos melhores de todo o futebol europeu. É evidente que a expectativa está em alta. E com justa causa. O mais emblemático treinador dos últimos anos com o melhor plantel do Mundo, num clube histórico e longe da histeria mediática por onde se move o futebol espanhol, é uma fórmula impossível de resistir. Depois de ter triunfado em campo na passada época, o futebol alemão começa agora a ganhar também na moralidade do jogo. Entre Ancelloti e Vilanova, entre Moyes e Mourinho, há algum duelo que tenha capacidade de ombrear com um Guardiola-Klopp? Também me parece que não!
* Pep, toca-a outra vez
in Futebol Magazine
Há uma certa nostalgia daquela tarde em Lisboa, daquele título inesperado. Riade foi celebrado à distância, aquele dia no estádio da Luz foi diferente. Uma comunhão nacional como o país nunca mais sentiu. Já passaram mais de vinte anos desde o último título do futebol português e na FPF continuam obcecados com essa realidade. A dos títulos. Edição atrás edição, sempre e quando se apura, Portugal vai com a ideia de vencer na cabeça esquecendo-se que o importante, nestes casos, é sempre preparar o amanhã. O resultado está à vista. Não se conseguiu nem uma coisa, nem outra!
Muitos aplaudiram os heróis da Colômbia como a geração que ia salvar o futebol português da mediania pós-Scolari.
Tinham apenas um argumento, mas parecia bom. Desde a "Geração De Ouro" que nenhuma equipa portuguesa tinha ido a uma final do Mundial sub-20. Em 1991 venceu-se o Brasil, em 2011 perdeu-se com o Brasil. Fora isso, tudo normal. Esqueceram-se no entanto de um pequeno, mas fundamental detalhe. A vitória em 1991 foi uma consequência do talento dos jogadores. O segundo lugar de 2011 um acumular de situações fortuitas e de um plano desenhado para vencer, abdicando de tudo aquilo que devia ser a cartilha do futebol de formação. Nem se venceu, nem se cumpriu com o dever. Dessa equipa nacional quem sobra para poder dar ilusão ao futebol português? Ninguém.
A geração de 2011 é a de jogadores escalados para defender, para cobrir espaços, para correr. Para esperar pelo milagre. O futuro não se cria sobre esses moldes. Nelson Oliveira, tão aclamado como o avançado que faltava, demonstrou em dois anos o quão medíocre é como goleador, revelando ao mesmo tempo a habitual faceta problemática da estrela criada antes do jogador. Na Corunha foi o elo mais fraco de uma geração de portugueses descartados, teve problemas com tudo e todos e no Benfica não conseguiu sequer fazer sombra ao ritmo de Rodrigo, Lima e Cardozo. Atrás de si ficaram perdidos entre clubes anónimos e secundários, os "promissores" Danilo, Saná, Pelé, Roderick ou Júlio Alves. Jogadores com o mesmo destino dos Cao do passado mas sem que na equipa se vislumbre qualquer Rui Costa ou Figo para acreditar em que valeu a pena sacrificar tudo pela tentativa de vencer. A lição, dois anos depois, não foi aprendida e Portugal repetiu a fórmula com a única diferença de não ter tido a sorte que tantas vezes a acompanhou na Colômbia.
O trabalho de Edgar Borges foi, a todos os títulos, um disparte digno da desorganização de ideias e métodos da FPF no capítulo da formação.
Desde o final da década de noventa que o trabalho da formação foi abandonado em Portugal por clubes e selecção. Tudo o que veio depois é consequência dessa inegável realidade. Sustentados pelo ocaso da Geração Dourada, pelo trabalho de Mourinho, pelo génio de Ronaldo, os resultados na absoluta mantiveram-se estáveis mas os anos passam e não aparece ninguém capaz de tomar a batuta. Não há um plano B.
Borges levou para a Turquia uma selecção de físico, de resistência, de força, muito similar à francesa. A ideia era a mesma. Sobrava algum talento, algum critério, alguma classe, mas rapidamente se percebeu que seriam poucos os minutos a ser distribuídos por esses jogadores.
A dupla Tiago Illori e Tiago Ferreira não foi uma constante e no último jogo percebeu-se o porquê, com o central do FC Porto a cometer disparate atrás de disparate. Os laterais foram ainda mais penosos, particularmente Edgar Ié, jogador que começou o torneio a central e acabou no lado direito, para oferecer a vitória ao Gana. O titular inicial, João Cancela, sem ser um futebolista brilhante, deixava claro ser uma opção mais lógica que Ié. Algo parece indicar que, por contrato, o luso-guineense tinha de jogar, já que não há explicação para a constante repetição da sua utilização. Além das dúvidas sobre a sua idade verdadeira (e a de Aladje, e a de Agostinho Cá) fica a certeza sobre a ausência de qualquer nível para ser internacional. Mas joga no Barcelona, como Cá, e para Borges isso deve ser suficiente.
A defesa, salvo o trabalho positivo de José Sá, o guarda-redes escalado à frente de Rafael Veloso, foi o exemplo perfeito da falta de maturidade mental e de conhecimento táctico exigido a este nível, algo que Borges nunca soube trabalhar. Para compensar preferiu entregar a sala de máquinas aos corre-caminhos e pagou o preço.
Portugal tinha, ao contrário de 2011, a possibilidade de armar uma linha de meio-campo com futebolistas com talento individual, critério táctico e raciocínio rápido. Jogadores como Tiago Silva, João Mário, Ricardo Esgaio, Tozé e André Gomes. Entre os cinco havia matéria-prima suficiente para guardar a bola, cuidá-la e procurar a mudança de velocidade, o aproveitamento dos espaços criados pelas diabruras de Bruma e a mobilidade de Ricardo. Parecia fácil a eleição de modelo, o complicado era excluir a dois do onze. Curiosamente, ou talvez não, Borges preferiu seguir por outra via. A fácil, a previsível, a que condenou a selecção à sua eliminação precoce.
Não abdicou do pivot defensivo mais físico, habitualmente a figura opaca de Agostinho Cá, e reforçou muitas vezes o miolo com mais força e músculo. Dabo e até Ricardo Alves, pareciam ser as suas opções preferenciais para acompanhar os mais consagrados João Mário e André Gomes no meio-campo. Uma opção que garantia, aparentemente, consistência física, mas que tapava mais uma boa zona de saída de jogo e tornava o futebol da selecção das quinas um pouco mais previsível. Para isso estava Bruma.
O extremo do Sporting foi um dos heróis do torneio, a par de Quintero e Jesé. De certa forma foi ele quem garantiu que Portugal sobrevivia ao grupo mais fácil da primeira ronda e o que fez de tudo para não cair contra o Gana. Não foi só pelos golos. Bruma foi tudo aquilo que os seus colegas nunca souberam ser. Atrevido, ousado, dinâmico, vertical, dava soluções quando outros ainda pensavam nas perguntas. Cabe pensar que podia ter criado ainda mais perigo se tivesse sido deixado solto, no meio do ataque, sem uma figura estática presente, e com dois colegas com quem associar-se. Teria sido uma combinação fatal para o rival. Preso à banda, o extremo foi um verdadeiro demónio, mas os problemas que se seguiram à participação portuguesa no torneio parecem antever um jogador com uma mentalidade muito distante do que se pode pedir a estas alturas da carreira. Muitos como ele perderam-se pelo caminho por menos.
Ricardo e Aladje foram as outras opções habituais. O extremo do FC Porto veio de uma boa época em Guimarães mas notou-se nervoso, cansado e sem ideias. De certa forma, foi um reflexo mais jovem do que tem sido Varela na equipa principal (e no clube azul-e-branco) e terá muito trabalho nas pernas para crescer. Ter utilizado Tozé ou Ricardo Esgaio na sua posição poderia e deveria ter sido uma opção mais recorrente, mas Edgar Borges não estava para ser audaz nem criativo. Por fim sobra Aladje. Pode haver piores pontas-de-lança na história da formação do futebol português mas dificilmente algum teria a sua idade real. Desastrado, foi um tampão de criatividade e emoção, um jogador a menos em cada lance ofensivo e um problema, mais do que uma solução. Cavaleiro, o seu suplente, seguramente não era a resposta mas continua a ser preocupante que há dez anos que Portugal demonstra ser incapaz de apresentar um avançado com números interessantes. Treino especifico será uma expressão tão difícil de assimilar?
No final, o cenário é menos desolador do que em 2011 porque há jogadores de outro perfil. O problema é que na equipa principal portuguesa está alguém que tem uma ideia não demasiado diferente daquela que coordena o trabalho de formação lusitana. Noutros países, jogadores muito jovens mas com uma qualidade evidente encontram minutos nas selecções principais. Portugal é um país conservador, de protocolos cerrados e salamaleques. A Bruma - sobretudo ele - mas também a João Mário, André Gomes e Tiago Ilori será difícil vê-lo regularmente com a camisola da selecção nos próximos dois anos. Os seus restantes colegas que apresentam algum potencial real, precisarão de minutos que as suas equipas não lhes podem dar porque pensam sempre noutra coisa. Terão de sair, jogar um estilo de jogo que muitas vezes não é o seu. Muitos se irão perder pelo caminho, aprendendo a correr kilómetros quando deviam estar a cuidar da bola. A formação em Portugal continua a ser um cancro para o futuro do nosso futebol e quem nele manda continua a importar-se pouco. Os próximos torneios serão um reflexo deste se a sorte, por um lado, ou uma mudança radical de postura, pelo outro, não permitam sonhar com um universo distinto!
Até ao final do Verão deixarei por aqui excertos de alguns dos mais interessantes artigos publicados na revista online Futebol Magazine. Uma ponte entre dois projectos com a mesma matriz e uma boa oportunidade para descobrir mais sobre o universo do futebol. Será a leitura recomendada de Verão do Em Jogo!
"Peyroteo apontou 331 golos em apenas 197 encontros disputados, vencendo por seis vezes o prémio de melhor goleador do campeonato português e alcançando a célebre media que nem Pelé, nem Muller, nem Ronaldo ou Messi estão sequer perto de alcançar. Com Travassos, Vasques, Jesus Correia e Albano, formou a mais celebre linha avançada da história em Portugal, os Cinco Violinos, guiando o Sporting a um período de hegemonia nacional que não se voltou a repetir em Alvalade. Todos esses feitos recebem o destaque central neste livro de fácil leitura e ritmo entusiasmante."
Era o título que faltava ao futebol francês. Nem no apogeu da formação gaulesa, esse processo revolucionário que se começou a gestar na década de noventa, os Bleus conseguiram vencer o Mundial sub20. Com uma geração promissora mas longe de ser espectacular, venceram o mais cinzento torneio da última década. Uma prova que deixou claro que continuava a haver um número de países demasiado grande preocupados com os resultados, esquecendo-se de que a formação é algo para o futuro, não para o presente.
Não houve emoção nem grande futebol.
As suspeitas dos problemas de idades adulteradas foram mais evidentes do que nunca. As equipas africanas continuam a enviar futebolistas que, a todas as evidências, superam bastante o requisito legal. Tem sido assim desde meados da década de noventa e parece que a FIFA continua sem controlar bem este grave assunto. Quando o Gana venceu o torneio há alguns anos, fê-lo com jogadores que hoje estão desaparecidos, precisamente porque não eram quem diziam ser. Adiyah, Inkoom e companhia têm os seus sucessores no futebol actual, dentro da própria equipa ganesa mas também no futebol europeu. Os treinadores das selecções do Velho Continente continuam sem aprender a lição do futebol espanhol. Querem a vitória a qualquer custo, querem títulos e prestigio, não o desenvolvimento dos seus futebolistas com uma ideia de futebol que lhes permita singrar-se nas equipas principais. Olhar para o plantel de França, Portugal ou Inglaterra é reconhecer em vários rostos jogadores que estão ali pelo seu físico, apenas e só. Muitos terão também idades adulteradas, os de ascendência africana. Dificil de provar, fácil de perceber. São os que não vão dar em nada, os que cometem erro atrás erro, de técnica e táctica. Mas os mesmos que continuam a jogar porque a força e resistência que exibem supera, naturalmente, a dos seus rivais adolescentes.
A ausência de selecções históricas como a Alemanha, Holanda, Argentina e Brasil abria caminho a um torneio descafeinado.
Esperava-se a consagração da Espanha, depois de mais um período de sonho. Ou a afirmação definitiva do futebol sul-americano, alternativo ao duo Brasil-Argentina, através do talento dos colombianos e da resiliência dos uruguaios. Entre todos, só os "charruas" não desiludiram, mas também eles ficaram a anos luz do que se podia e exigia esperar. Perderam na final, caindo de pé, mas nunca deram a sensação de serem uma selecção que vai deixar marcas nos anos que aí vêm, quando metade destes futebolistas seja promovido à Celeste (e a outra metade desapareça do mapa).
O bom futebol dos colombianos, assente sobretudo no génio de Quintero, o futebolista individual mais marcante do torneio, morreu de forma inglória contra a Coreia do Sul. Os asiáticos foram a revelação do torneio. Por um lado é um sinal evidente de que as coisas estão a mudar no gigante adormecido. O sucesso nos Jogos Olímpicos de Londres, o excelente futebol de coreanos e japoneses no último Mundial abrem as portas a pensar em algo diferente para um futuro não muito distante. Mas se os coreanos estiveram bem, a grande surpresa surgiu da meseta central, onde iraquianos e uzbequistaneses surpreenderam os mais desatentos com bom futebol, audácia e resultados. Os jogadores do Iraque - país sobre o qual também paira a velha suspeita de jogadores com falso passaporte - são uns desconhecidos no Ocidente mas desde o final do conflito armado com os Estados Unidos começa-se a recuperar o tempo perdido em Bagdad. O Uzbequistão também, há muito tempo que tem vindo a desenhar uma estratégia de futuro que lhe permita afirmar-se como a grande potência da Ásia central. As sensações são boas mas o trabalho pela frente imenso.
No meio deste circuito de equipas ambiciosas mas sem grandes estrelas individuais e futebol de alto quilate, surgiram os franceses. A equipa gaulesa acabou por ser derrotada na fase de grupos pela Espanha mas dos três países qualificados nesse grupo, os espanhóis acabaram por ser os últimos. Começaram bem o torneio, com a conexão Deulofeu-Jesé a funcionar e o talento de Oliver e Suso a pautar o ritmo de jogo mas à medida que a chama dos dianteiros se apagava, os velhos problemas de eficácia reapareciam. Diferente da sua versão dos sub21 e mais ainda da absoluta, esta Espanha é mais vulgar, previsível e dependente das genialidades das suas figuras. Quando estas se apagaram, prevaleceu a organização dos uruguaios. Os franceses foram o oposto. Não havia estrelas. Pogba, o jogador do torneio para a organização, é um médio forte, com sentido táctico e resistente, mas não é um marechal de campo. Lucas Digne, Zouma, Kondogbia e Thivaut são futebolistas esforçados, com potencial, mas nenhum deles será uma estrela. Sanogo, novo jogador do Arsenal, segue o reconhecível padrão do avançado tipo gaulês. E não há mais. Mas com estes foi suficiente. França soube lamber as feridas da derrota com os franceses e seguiu o seu caminho à espera de uma desforra que não chegou a ter lugar. Nos penalties resolveu a contenda com o Uruguai, atrás tinha ficado o Gana e o sonho africano. O título era a consequência natural de tudo aquilo que foi um torneio que devia ser radicalmente diferente.
Bancadas vazios, uma excessiva preocupação táctica, poucos nomes para reter num futuro imediato e alguns jogadores que levam um gigantesco ponto de interrogação que só o tempo pode resolver. Começa a ser cada vez mais evidente que torneios como o Mundial sub20 se afastam do seu modelo original. Sempre tiveram os seus flops, os seus fracassos pontuais, mas a cada edição nascia a sensação de haver pelo menos um onze de jogadores que poderia marcar presença entre a elite a curto espaço de tempo. Hoje é difícil confeccionar esse onze com os jogadores em prova. Os talentos mais inatos estão crus, os jogadores mais trabalhados nunca terão talento e a edição de 2013 da competição dificilmente passará para a história como uma das suas provas vintage.
PS: Portugal terá, no final da semana, um artigo à parte!
Em 2008 Josep Guardiola chegou à primeira equipa do Barcelona depois de realizar um trabalho notável com a equipa B do clube, que promoveu à segunda divisão depois de vários anos. O papel da Masia, a casa onde cresceu como homem e jogador, sempre foi fundamental na sua filosofia. Mas a direcção de Sandro Rossell, homem forte da Nike e com ânsias de protagonismo, sempre preferiu um modelo de "Globetrotters". As personalidades chocaram e foi Guardiola quem saiu. O resultado está à vista. Em pouco mais de um ano, há pouca esperança para a Masia.
No último ano de Guardiola, o que lhe custou os títulos com o Chelsea e Real Madrid, forçando-o a abandonar Camp Nou apenas com a Copa del Rey debaixo do braço, o papel da cantera foi tão importante como sempre.
Não só porque Sergio Busquets e Pedro Rodriguez - dois desconhecidos para a maioria dos próprios adeptos blaugranas - se tinham confirmado como titulares indiscutiveis do seu projecto, mas porque continuava a surgir gente nova com vontade de ocupar o seu lugar. O Barcelona chegou a efectuar jogos só com futebolistas formados em casa. Aos históricos Valdés, Puyol, Xavi, Iniesta e Messi, todos eles já em Can Barça quando Guardiola aterrou, juntavam-se Pique, Pedro e Busquets (parte da sua primeira fornada) e também o recuperado Cesc Fabregas e Thiago e Bartra (jogadores utilizados inicialmente nos dois anos seguintes à sua estreia). Onze futebolistas aos que se podiam começar a adicionar os estreantes Montoya, Cuenca e Tello. Todos eles, mais Sergi Robert e, pontualmente, Gerard Deulofeu, passaram pelo onze titular das mãos de Guardiola. Um total dezoito jogadores (se juntamos a Muniesa e Rafinha) que tiveram minutos nesse ano. Um número assombroso para uma equipa de elite mundial. Pep não venceu por pequenos detalhes os dois títulos principais mas não só consolidou o presente do Barça como arrancou o desenho do seu futuro. Os adeptos podiam estar tranquilos. Havia opções para todas as posições e mesmo aquela onde a equipa mais sofria (com os problemas de Abidal), a resposta estava outra vez em casa, no regresso de Jordi Alba ao clube que o formou. Não havia que enganar.
Um ano e alguns meses depois, a situação mudou radicalmente. Os jogadores formados no Barcelona que não eram já titulares indiscutiveis em 2011 parecem ter todas as vias da equipa principal fechadas. A operação saída começou ainda na época passada e prossegue neste Verão. Tito Vilanova, outro filho da Masia, mudou radicalmente a sua política face à do seu antigo amigo e superior. Para ele a cantera conta cada vez menos e a ideia de forjar um "Globetrotter" mundial, como quer o presidente Rossell, parece-lhe muito mais interessante.
Cuenca e Muniesa foram os primeiros descartados por Vilanova.
O extremo direito foi utilizado várias vezes por Guardiola em 2011/12 com boa nota mas acabou por ter de seguir a sua carreira no Ajax, enquanto o promissor central, vitima de vários problemas físicos, foi igualmente descartado. Robert e Rafinha, que tanto prometiam nesse último ano da era Pep, jogaram tão pouco que custa associar os seus nomes ao plantel campeão. Bartra só foi realmente opção para Vilanova quando ficou claro que utilizar Song e Adriano a centrais era aumentar os problemas em vez de diminuir os riscos. Fez boas exibições, mesmo nos momentos de maior aperto contra o Bayern Munchen, mas parece que para o clube isso não chega. Com Guardiola teria mais minutos, com Vilanova parece destinado a ser a quarta opção se finalmente chega a Can Barça uma estrela do nível de Thiago Silva ou um jovem com a projecção de Marquinhos. No lado direito, Montoya, que foi utilizado várias vezes pelos problemas físicos de Alves, continua a pedir mais minutos e a ponderar sair para encontrá-los. Com o mesmo problema encontrou-se Thiago.
O seu caso é verdadeiramente paradigmático. Não só porque o médio é o mais promissor futebolista a sair da Masia nos últimos sete anos, como durante anos foi anunciado como sucessor natural de um Xavi Hernandez que já tem 33 anos nas pernas. Thiago demonstrou o seu valor, não só de blaugrana ao peito mas também com a Rojita, e se começava a ganhar o seu espaço com Guardiola, com Tito perdeu-o por completo. A tal ponto que o seu contrato estipulava que, se disputasse x minutos, a cláusula seria de 30 milhões. Menos desse tempo de jogo e baixaria a 18. Com o título no bolso a várias jornadas do fim, Vilanova não teve a inteligência de o colocar a jogar regularmente para segurar o futebolista. Era visivel o seu desinteresse. E assim o mais velho dos irmãos Alcantâra tem a porta aberta com Guardiola em Munique.
O seu irmão Rafinha já tem guia de marcha, com um empréstimo ao Celta de Vigo. Deulofeu, a outra estrela da Masia, jogará com o Everton. Tello terá a concorrência directa de Neymar e Alexis apesar das excelentes exibições das últimas temporadas. Jogará muito pouco se a explosão do brasileiro se converter numa realidade.
Sob os planos de Vilanova, e a julgar pelo onze habitual da última temporada, mais Neymar, os "canteranos" que terão minutos serão os mesmos que já os tinham em 2011, mais Alba. Em 3 anos, todas as promessas da formação catalã foram descartadas. Mas não pela falta de talento. Todos eles têm um nível altíssimo de conhecimento de jogo e poderiam perfeitamente disputar a titularidade no Barça actual e dar a sua contribuição, como sucedia com Guardiola. Mas não será assim. Rossell e Vilanova preferem apostar noutro modelo de negócio, onde se abra espaço para o génio de Neymar, as habilidades de Alexis, as trapalhadas de Song, a frieza de Thiago Silva ou uma utilização excessivo de kms nas pernas de jogadores que têm um ritmo diferente como Puyol ou Xavi. A geração a quem Guardiola tinha deixado o testemunho para começar a ocupar o seu lugar foi convidada a sair. Muitos deles acabarão por regressar da mesma forma que a Xavi, Iniesta e Puyol lhes custou ser titulares. Outros estarão perdidos para sempre. Mas o mito da Masia como fábrica constante de jogadores para a primeira equipa foi desmantelado. Com um plantel curto e muitos jogos pela frente, havia tempo e espaço para todos. Pelo menos, com outro capitão ao leme!
Não há Ferguson. Há Mourinho. Não há Mancini, há Pellegrini. Wenger sonha com gastar mais num Verão do que nos últimos anos em que sobreviveu ao assalto ao top 4 como um herói. Villas-Boas e Rodgers jogam mais do que o prestígio. Um leque de nomes próprios atrás dos bancos que abrem as portas para a mais interessante e enigmática edição da Premier League da última década.
É possível imaginar um jogo da Premier League sem o célebre "Fergie Time"? Sem aquele chiclet mascado vezes sem conta?
Será dificil, mas a realidade do futebol inglês é essa. Acabou a era Ferguson. O mais exitoso treinador da história do futebol britânico não estará em 2013/14 para assombrar os seus rivais. Saiu com mais um título e com o seu Manchester United preparado para liderar um novo assalto ao título. Mas a sua partida deixou um vazio emocional na competição e que pode prejudicar os próprios Red Devils. Os rivais do campeão sabem que essa aura mítica de Old Trafford será eterna mas menos intensa com David Moyes no banco.
Depois de um notável trabalho em Goodison Park, a Moyes espera-lhe um desafio imenso. Não se trata só de ganhar. Nem sequer de jogar bem. Sobreviver a um mito vivo como Ferguson é algo mais profundo do que isso. Só Bob Paisley conseguiu sobreviver num clube à sombra do seu treinador mais simbólico e fê-lo, entre outras coisas, porque Bill Shankly retirou-se voluntariamente cedo demais. Quando morreu, vitima de um ataque cardíaco, o seu Liverpool tinha ganho mais do dobro do que conquistara com ele mas ninguém duvida que com o Napoleão de Anfield no banco, o sucesso teria sido o mesmo ou talvez ainda maior. Moyes sucede a um Ferguson que venceu tudo o que havia para ganhar, mais do que uma vez, e com um método único.
Terá de se afirmar pela diferença mas o tempo corre contra ele. Particularmente porque José Mourinho, o único treinador que venceu mais duelos a Ferguson do que aqueles que perdeu. Na sua primeira etapa com o Chelsea, três anos, Mourinho venceu duas ligas e perdeu uma. Nos duelos directos, em toda a sua carreira, venceu bastante mais vezes do que aquelas que perdeu. E agora de novo em Stanford Bridge, a visita a Old Trafford será mais interessante do que nunca para os Blues. Com um plantel com um potencial imenso, um treinador mitico que conhece os cantos à casa e um Abramovich decidido a criar uma dinastia de sucesso com o regresso do "Happy One", ninguém duvida que a corrida pelo título será coisa de três, independentemente do sofrimento pelo que o clube londrino passou no último ano.
O terceiro em discórdia, o Manchester City, tem os jogadores e o dinheiro necessário para sonhar em recuperar o título que venceu em 2012. Mas o enigma à volta de Pellegrini joga contra os Citizens. Treinador de sucesso em clubes de perfil baixo mas com projectos fascinantes (Villareal, Málaga) a sua etapa em Madrid não foi bem sucedida. O clube azul de Manchester está decidido a emular o modelo de jogo de sucesso da escola espanhola. Conta com muitos homens fortes do Barça na direcção desportiva, um treinador com um gosto pelo jogo de posse e toque curto e um plantel capacitado para sonhar alto. Mas dois anos de falhanços europeus e uma prestação altamente irregular em 2013 permite levantar muitas dúvidas sobre o seu potencial real.
2013/14 será uma temporada repleta de momentos memoráveis e surpresas várias.
Um ano de comentário de futebol ao vivo, semana atrás semana, sempre à espera do evento inesperado seguinte.
Pode o Tottenham finalmente fazer valer em campo o que há anos vem anunciando? Será capaz o Liverpool de sentir-se, de novo, um grande no activo? É Roberto Martinez o homem certo para capitalizar a herança de Moyes em Goodison Park? São perguntas que a maioria dos adeptos, concentrado na luta pelo título, não se faz mas que serão parte do atractivo que tem esta edição da Premier League. Questões suficientemente interessantes para apostar online e deixar-se convencer pela imprevisibilidade que será a nota dominante de um torneio sem o fantasma eterno de Alex Ferguson como senhor eterno dos destinos do futebol inglês. Mourinho não é o mesmo treinador (e Abramovich o mesmo presidente). Wenger terá a sua derradeira oportunidade de acabar a carreira em grande e a Pellegrini ninguém dará uma segunda chance depois de ter falhado na sua etapa no Santiago Bernabeu.
Wenger terá neste ano um dos momentos mais importantes da sua carreira. Depois de quase uma década de contenção nos gastos, o Arsenal parece estar desejoso de reforçar o plantel com jogadores importantes, maduros e tacticamente preparados para a exigência do francês. Com poucos tostões, face aos rivais, os Gunners conseguiram o milagre de qualificar-se nos últimos cinco anos de forma consecutiva para a fase de grupos da Champions League. Agora o ataque o título tem de voltar a ser uma realidade. Para o Tottenham de Villas-Boas a Champions é a prioridade mas há dinheiro e jogadores suficientes para acreditar numa gesta histórica. Tudo dependerá de onde acaba Gareth Bale em Agosto.
Ele foi a alma dos Spurs na última época. O seu talento individual solucionou os problemas de jogo do português que necessita de um avançado de topo e um médio como pode ser Paulinho para o seu projecto como de pão para a boca. Sem eles o seu projecto está em risco.
Brendan Rogers e Roberto Martinez têm outros desafios. O primeiro tem de, finalmente, demonstrar que está capacitado para devolver os Reds ao seu lugar histórico, a luta pelos primeiros lugares. O plantel continua com problemas, o dinheiro não aparece por parte dos investidores norte-americanos mas Anfield Road está cansada de ver-se em Maio perdida no meio da tabela. Poucos metros ao lado, o Everton procurará sobreviver à saída do homem que manteve o clube numa linha estável na última década. Para o seu lugar o treinador que venceu a FA Cup com uma equipa que acabou por descer de divisão (mas cujo o milagre foi não ter descido antes) e com uma ideia de futebol que se enquadra na herança de Moyes e no espírito de técnicos que começam a singrar na Premier League como Michael Laudrup e o seu promissor Spanish Swansea.
Se a liga espanhola concentra mais estrelas internacionais por metro quadrado e a alemã é, não só a melhor organizada e mais recomendável das ligas (como também a que tem Guardiola e Klopp, o duelo de treinadores mais interessante do ano), a tradição do futebol inglês faz com que esse gigante negócio internacional que é a Premier League nunca perca o seu atractivo. Será um ano histórico, um ano forçosamente de transição e que pode tanto acabar tal como esta época como de uma forma absolutamente inesperada. Imaginam-se a um Manchester United fora da Champions League? A um Arsenal campeão, dez anos depois? Ao Liverpool de volta às noites de Champions? Nunca tantas perguntas fizeram tanto sentido. Falta menos para a bola começar a rolar nos tapetes verdes da memória inglesa.
Não houve duas equipas em campo. Não houve tempo. Uma entrou, empurrada por milhões, e ocupou todo o espaço imaginário do tapete verde do Maracaña para si. Fez a festa sozinha, entre suspiros do carnaval e memórias de outros tempos. Espanha caiu diante de uma selecção que soube ser melhor em todas as facetas do jogo. Uma derrota que pode ser útil para reactivar mecanismos num projecto que está no topo à demasiado tempo para ser julgado por um só jogo. Para os brasileiros, a noite de ontem foi um ajuste de contas moral com aqueles que achavam que era fácil entrar no Maracanã como senhores do jogo bonito e sair com vida. O teste a sério é daqui a um ano mas os sinais, pela primeira vez em muito tempo, são positivos!
Espanha começou a perder final antes da bola rolar.
Quanto soaram os hinos, ao ar sério, de quem está habituado a finais dos espanhóis, seguiu-se uma manifestação do poder emocional que provoca o futebol e só o futebol. Num país em crise consigo mesmo, com pessoas nas ruas a cercar o estádio, a paixão pelo futebol tinha o condão de ser o bálsamo emocional necessário para o brasileiro comum. Os milhares que encheram as bancadas de um estádio construido para ver o Brasil campeão cantaram o hino como se fossem para a batalha. Em campo os jogadores fizeram o mesmo. O velho espirito de família, de alma, de Luis Filipe Scolari ressuscitou na forma como Neymar, Júlio César, Thiago Silva, Fred ou Paulinho cantavam e choravam por dentro esse orgulho brasileiro. Quando o árbitro apitou para o minuto inicial, o escrete canarinho está mentalizado para ganhar. Nenhuma equipa do Mundo poderia fazer nada em relação a isso. Dois minutos depois, a jogada tipo de Scolari. Lançamento largo para o extremo onde a força de Hulk se sobrepôs ao pequeno Alba, centro para o coração da área onde a Espanha sempre sofre. Atrapalhamento e golo. Naquele breve segundo em que a bola pulou, Casillas e Fred lançaram-se pelo esférico. Noutro dia, noutra hora, o guarda-redes espanhol operaria um dos seus milagres. Mas aquilo era o Maracanã, era o Brasil e o uma consequência inevitável de acordar o monstro adormecido.
Nesse momento a comunhão entre adepto e jogador neutralizou qualquer arma futebolística que Espanha tivesse para oferecer. No final, não encontraram forma de sair desse bloqueio mental em que entraram. Sentiram-se intimidados pelas bancadas, pelo jogo duro do meio-campo brasileiro e pela forma como os rivais aplicaram em campo todos os passos necessários para neutralizar o tiki-taka. Pressão alta, à altura da baliza, e asfixiante. Constantes ajudas na marcação, linha defensiva longe da área, espaço de campo reduzido. Procurar o contacto físico, reduzir os espaços por onde a bola se possa mover. E depois, velocidade. Velocidade na movimentação, no lançamento da bola para o ataque, na tomada de decisão. Scolari emulou o que Heynckhes conseguiu com o Bayern. O resultado foi exactamente o mesmo.
Uma equipa com talento e prestigio contra uma equipa com talento e fome. Prevaleceu, em ambos casos, a segunda fórmula. Espanha, tal como o Barcelona, nunca entrou no jogo e foi derrotada de forma clara, concisa e inapelável por um rival que não precisou de recorrer ao anti-jogo, a estratagemas defensivos e à sorte.
Depois da exibição memorável contra o Uruguai, essa Espanha desapareceu do mapa.
Contra a Nigéria sofreu muito mais do que se esperava. Frente à Itália beneficiou, como em 2008, do factor sorte depois de ter reequilibrado no prolongamento um jogo que não conseguiu dominar nos noventa minutos. Aos italianos faltou-lhe a coragem e eficácia na tomada de decisão nos metros finais. Mas o Brasil sabia que esse não seria um problema. Neymar, que aos europeus sempre gerou dúvidas, emerge deste torneio como uma figura consensual. Foi a alma e o motor ofensivo do Brasil, movendo-se pelo campo com autoridade, oferecendo golos e disparando sem medo. O Brasil começou a ganhar o jogo no momento em que decidiu não ter medo do rival, uma arma psicológica que os espanhóis utilizam muito bem com alguns rivais que procuram adaptar o seu modelo de jogo ao seu. Paulinho e Luis Gustavo tinham outra missão. Como fizeram em todo o torneio (e como o fazem nos seus clubes), morderam, morderam e morderam. Com eles por perto a bola não durava um segundo no pés dos espanhóis. As subidas dos laterais e a velocidade de acção de Thiago e David Luiz cercava por completo o esquema habitual de Del Bosque.
O seleccionador espanhol não encontrou solução para o problema. Nem a entrada de Navas nem a de Villa resolveram a equação. Foi sempre tudo demasiado lento, impreciso e previsível. Sem tempo para pensar, sem espaços para mover-se, os espanhóis viram-se atados por uma teia da qual têm sempre dificuldade em sair. Do outro lado a velocidade era a principal arma com que o Brasil deixava os rivais em sentido. Arbeloa e Piqué foram admoestados por faltas sobre um supersónico Neymar. O primeiro livrou-se da expulsão e foi substituído porque parecia evidente que não sobreviveria a outra. Piqué não teve melhor sorte. O astro ascendente brasileiro aplicou-lhe a mesma fórmula de Cristiano Ronaldo e o jogador que tanto prometia em 2011 voltou a cair no mesmo erro e a comprometer, ainda mais, as aspirações da sua equipa.
Nessa altura já David Luiz tinha sabido ler a ideia de Pedro e Neymar ampliado a vantagem. Nesse golo colocou-se em prática o verdadeiro perfume canarinho. Oscar, sabedor que precisava de guardar a bola uns segundos para permitir a Neymar sair do fora de jogo, rodou sobre si mesmo em vez de procurar um passe mais fácil. Foi suficiente para romper a linha defensiva espanhola e oferecer ao número 10 o merecido golo. Casillas já tinha impedido por duas vezes a festa brasileira. Mas os milagres não seriam suficientes essa noite.
A partir desse momento Espanha rendeu-se. Sérgio Ramos sacou do coração onde já não havia cabeça para marcar um penalty infantil de Marcelo sobre Navas mas falhou-o. Fred ampliou a vantagem depois de mais uma delicatessen de Neymar (simulando um remate que não existiu) e o Brasil dedicou-se a bailar os campeões do Mundo com uma autoridade impensável. Reduzidos, fisica e psicologicamente, os espanhóis apenas procuraram resistir à goleada que parecia inevitável se, num acto quase de misericórdia, o Brasil não tivesse reduzido as rotações e Scolari tivesse preferido Jadson a Lucas Moura para dar a estocada mortal sobre um rival ferido.
Em 2002, Scolari foi campeão com uma equipa memorável. O seu esquema táctico em 3-4-3 dava todo o protagonismo a três Ballons D´Or (Ronaldo, Rivaldo e o futuro Ronaldinho) e à velocidade dos seus laterais (Cafú, Roberto Carlos) mas o verdadeiro truque estava na sala de máquinas, uma defesa oleada e um meio-campo de operários. Dez anos depois, o seleccionador repetiu a fórmula. Já não conta com três estrelas mundiais na frente, mas em Neymar, Fred e Hulk encontrou jogadores esfomeados e com sacrifício físico para pressionar até ao suspiro final. Em Marcelo e Dani Alves tem os sósias perfeitos dos seus laterais originais e com Paulinho, Luis Gustavo, Óscar e Hernanes, opções suficientes para aplicar a sua máxima no meio-campo. O triunfo, a todos os títulos inesperado, será um colchão mental importante para enfrentar o ano que falta. Espanha saberá voltar ao seu melhor depois de lamber as feridas. Selecção de jogadores inteligentes e ambiciosos, passará por um processo de selecção inevitável de quem sabe que há muito talento a bater à porta, mas no próximo mês de Junho arrancarão o Mundial como máximos favoritos. Um estatuto que merecem depois de seis anos memoráveis. Mas na noite de 30 de Junho de 2013 o Brasil demonstrou ao resto do Mundo como é possível desbloquear esta máquina de futebol sem recorrer ao lado mais negro do jogo. Resta saber quantos países terão os meios, a fome e o saber de reproduzir esse esquema. No planeta futebol actual não são muitos os países que podem permitir-se com sonhar com uma exibição perfeita como a dos canarinhos. Uma exibição para a posteridade!