Josep Guardiola é o treinador de futebol mais importante da última década do futebol. Mourinho é um vencedor nato e é capaz de replicar o seu modelo em microcosmos imensamente diferentes. Ferguson uma velha raposa, Klopp um treinador ambicioso e empolgante e Wenger um homem coerente e admirável. Mas Guardiola teve o condão de mudar a abordagem ao jogo e levá-lo a uma nova dimensão. A sua ausência no banco do Camp Nou foi maquilhada durante meses com resultados. Mas a qualidade de jogo e o vazio emocional dos últimos meses em Can Barça é evidente. O Barcelona pode ganhar por ter Lionel Messi, mas só pode encantar se estiver liderado por um génio como Guardiola.
É mais importante o artista ou o mentor?
Guardiola, no seu estilo habitual, para um pura honestidade para outros uma personagem de contos de fadas, sempre disse que para o Barcelona Messi era muito mais importante do que ele. E o argentino, que explodiu verdadeiramente durante o seu mandato, realmente continua a demonstrar ser capaz de marcar contra tudo e contra todos. Cada vez corre menos com a bola, cada vez empolga menos nos lances individuais, cada vez se abandona do espírito maradoniano com que se apresentou ao mundo para ser mais um do modelo Barça, capaz de ir buscar jogo à linha medular, de se perder entre os médios como um mais. E sobretudo de marcar, sobretudo, com um leve encostar de bola diante de um guarda-redes indefeso e abandonado. Falta-lhe a velocidade, a chispa e a inspiração das grandes noites. Talvez lhe falte Guardiola, como a todos os seus colegas.
Quando Pep chegou ao banco do Barcelona a equipa vinha da pior época em quase uma década, um 4º lugar doloroso, a mais de duas dezenas de pontos do rival, forçado a uma prévia de Champions para participar na prova que acabaria por ganhar. Rijkaard, um grande técnico, tinha preferido ser amigo dos jogadores a dirigi-los e pagou o preço da displicência. Ronaldinho, o génio superlativo do Barça do século XXI, entregou-se aos prazeres da noite e com ele Deco, Silvinho, Etoo e Messi pareciam destinados a seguir o mesmo rumo. Guardiola exigiu uma purificação do balneário. Livrou-se de todos (Etoo aguentou um ano mais) menos de um, a quem chamou de parte e lhe colocou a faca e o queijo na mão: ou seguir o exemplo do seu idolo e amigo Dinho ou transformar-se no melhor jogador do mundo. Messi escolheu a segunda opção e um ano depois tinha merecidamente o Mundo a seus pés. Guardiola nunca se confiou plenamente e mandou vir Milito para seguir o pequeno astro para todos os lados, era o seu guarda-costas emocional. Mandou seguir alguns jogadores, especialmente Piqué, consciente de que velhos vícios podiam voltar com novos e jovens flamantes protótipos de estrelas. Mudou o discurso institucional do clube, recuperou os sinais de identidade do cruyffismo, com o próprio Johan à cabeça. E, mais importante do que tudo isso, redefiniu a forma de jogar da equipa. E levou-a a um patamar de excelência superlativa.
Guardiola foi treinador, presidente, líder espiritual, comunicador e génio táctico num só.
É uma figura irrepetível na história do futebol e o seu vazio seria sempre imenso. Guardiola era, sobretudo, um filósofo do jogo, mas um filósofo pragmático. Acreditava na teoria da prova por erro. Tentou com Ibrahimovic recriar a ideia do avançado centro mas acabou por preferir Messi no seu lugar. Trouxe consigo Villa para dar mais velocidade e mobilidade ao ataque onde ao lado do argentino jogava um jovem com ordem para ser dispensado no Barcelona B, um tal de Pedro. Atrás de Xavi e Iniesta, actores secundários para Rijkaard, colocou o suplente do médio titular dessa equipa B - então na terceira divisão - filho do seu colega de equipa do Dream Team, Busquets. Confiou a defesa a Valdés e Puyol, com quem jogou, mas também aos erráticos mas geniais Alves e Piqué e sofreu na pele o drama humano do imenso Abidal durante mais de dois anos. Enganou-se em algumas contratações (Chygrinski, Henrique, Ibrahimovic, Afellay, Alexis), falhou tacticamente em alguns momentos, apostou como nenhum outro treinador desde van Gaal na formação do clube e decidiu que ganhando ou perdendo, a equipa o faria com uma ideia de futebol na cabeça.
A bola saía de Valdés (e quão poucos falam na sua anunciada saída) sempre jogável, nos pés dos defesas ou de Busquets. Nada de lançamentos largos, nem de livres transformados em remates longos e sem sentido. Os extremos colados nas bandas, os interiores realizando perpétuas diagonais, os laterais abrindo permitindo ao extremo tornar-se num avançado mais. Recuperou o sonho do falso 9 que desde Sindelaar e Hidgekuti faz parte da bíblia dos pensadores do futebol ofensivo da escola danubiana e defendeu a importância do rondo, da posse, da autoridade com a bola, mas uma autoridade ofensiva. A posse tinha de ter um sentido, tinha de ter a baliza como mira. Cada jogada devia ser acabada, com um passe para a baliza. Cada jogada devia contar porque cada perda deixava expostas as fragilidades de uma defesa que chegou a formar-se apenas com três jogadores. O seu primeiro ano foi perfeito.
A partir de aí a fórmula sofreu actualizações, nem todas elas funcionaram. Provou o 3-4-3, chegou ao 4-6-0 na final do Mundialito contra o Santos e voltou a ganhar títulos, mas nunca com essa frescura, imaginação e autoridade que exibiu no primeiro ano, ainda com Henry e Etoo a acompanhar Messi na história. Quando se foi embora, muitos disseram que eram os jogadores que faziam a diferença, como se não fossem os mesmos do final do rijkaardismo. Que Guardiola tinha-se transformado mais num problema do que numa solução. Que o seu radicalismo táctico era prejudicial para os interesses da equipa, sobretudo os de Messi, que gostava cada vez mais de sentir-se o eixo central dos movimentos dos restantes. E por isso, quando saiu, houve poucas lágrimas para quem tinha dado tanto ao clube. A presença do seu segundo Tito Vilanova dava a sensação ao mundo que o guardiolismo ficava, mas o clube entregou-se ao balneário. Perdeu o seu guru e confiou-se às estrelas.
E de repente o pontapé de baliza começou a ser feito em largo.
Os extremos desapareceram e o jogo fluia cada vez mais pelo corredor central, como se não tivesse alternativa. Os laterais tornaram-se ambiciosos mas já ninguém aparecia para lhes proteger as costas. Os médios atropelavam-se e as posses deixaram de ter sentido, de acabar em remate, para ser um perpetuo movimento circular em zonas centrais, inconsequentes e estéreis. A debacle do Real Madrid nas primeiras jornadas de Liga - depois de vencer a Supertaça com superioridade - permitiu uma campanha imaculada, com números melhores que os de Guardiola. Messi marcava mais do que nunca e escondia os defeitos do colectivo, os problemas físicos, a péssima forma de Alexis, o ostracismo que Messi forçou a Villa (que tanta falta fez a Guardiola quando se lesionou no Japão), a fraca aposta na formação e às suas melhores promessas. A equipa vencia - salvo o seu rival directo - a todos os outros e parecia destinada a mais uma página de glória, mais um sexteto de titulos. Mas a filosofia começava a perder-se, o modelo de Guardiola, nas conferências de imprensa, no balneário, no relvado, ia desaparecendo progressivamente e começava a emergir a ditadura do balneário, jogando sempre os mesmos, o núcleo duro, fechando as portas a novas soluções porque o overbooking de médios estelares a isso obrigava. O problema que Guardiola via na chegada de Cesc tornou-se real, a equipa forjou um quase 4-2-2-2, com Busquets e Xavi diante da defesa, longe da área, Iniesta e Cesc sempre a meter direcção para o centro e Pedro/Alexis e Messi a deambular pela área mas sem procurar os espaços.
A doença de Tito, que esperemos que seja de rápida resolução, deixou essa realidade ainda mais a nu porque Roura, o homem que preparava os dvds a Guardiola, não é um treinador principal nem um homem capaz de liderar um balneário de vedetas. À distância, a liderança já questionada de Vilanova desapareceu e em campo a equipa entrou em mutismo táctico, incapaz de apresentar alternativas válidas aos problemas que as equipas lhes colocavam. Se Messi aparecia, tudo parecia igual, sem o estar. Mas quando o próprio Messi, obcecado consigo mesmo, decidiu que teria de jogar todos os 90 minutos do ano, para bater recordes, desapareceu, a equipa sentiu-se órfã.
O físico começou a passar factura - como na época anterior fez em Abril - e o argentino, que já tinha perdido o poder de desequilíbrio em velocidade quando as equipas começaram a perceber a melhor forma de o travar com constantes ajudas, secou e com ele toda a voragem ofensiva da equipa. Os números espantosos desapareceram e o Barcelona foi batido futebolisticamente por Milan e Real Madrid. Sofreu para ganhar a equipas menores como um Sevilla com reservas, e começaram a ouvir-se os primeiros assobios no Camp Nou. As dúvidas reapareceram. Messi, um génio incomensurável, começa a sofrer do mesmo mal que era criticado a Cristiano Ronaldo - a realizar o seu melhor ano individual - o de desaparecer nos jogos decisivos. No duelo contra o Madrid em Camp Nou no ano passado foi um fantasma de si mesmo e voltou a sê-lo contra o Chelsea, na dupla eliminatória. Desaparecido durante a Supertaça perdida contra o Real Madrid voltou a sê-lo na dupla eliminatória de Taça. E em Milão continuam à sua procura. Os seus registos melhoram, mas cada vez mais contra equipas secundárias, nos grandes duelos as equipas encontram forma de o anular e Messi ainda não parece ter devolvido o golpe. Talvez porque não está Guardiola, capaz de desenhar um plano para forçar a sua saída da jaula, dar-lhe o ar que necessita e devolver-lhe a confiança. Messi deixou-se prender numa jaula de ouro que ele próprio ajudou a construir à medida que se foi afastando do seu espaço natural e se envolveu no redemoinho de médios blaugrana.
A grandeza do plantel do Barça, o melhor do Mundo sem dúvida, pode permitir tudo, incluída uma goleada ao Milan e uma caminhada heróica rumo ao terceiro titulo europeu conquistado em Wembley. A liga está ganha, se não nos preocupamos em excesso com a matemática, e merecidamente porque ao contrário dos rivais, os blaugrana nunca falharam verdadeiramente. Se procurarem mais Xavi e menos a Messi, se a bola volte a sair dos pés de Valdés jogável, se as linhas se abrirem e a posse seja a ferramenta e não o fim, uma equipa do calibre e qualidade do Barcelona pode com tudo. Mas se a equipa falhar o assalto a vencer a máxima prova europeia pelo segundo ano consecutivo, começa a ser necessário para aqueles que se revêem na fórmula intocável para seitas e obtusos de "melhor de todos os tempos", que se recordem que as equipas que realmente marcaram um antes e um depois na história da competição fizeram-no vencendo recorrentemente a competição, cinco vezes consecutiva no caso de uns (Real Madrid), três vezes no de outros (Ajax e Bayern Munchen) e até duas vezes (Liverpool e AC Milan). A este Barça falta-lhe essa consistência na vitória e se perder o troféu este ano ficará com o magro espólio de duas taças em meia década, algo que dista da imagem que deram nos relvados e ecoaram nas páginas escritas por todo o planeta futebol. Com Guardiola o caminho para o êxito fazia-se pensando, sobretudo, em si mesmos. Nas fragilidades do colectivo e como melhorar a forma de jogar e de as ultrapassar. Perdia-se (Sevilla, Inter, Madrid, Chelsea), mas com a cabeça alta e asfixiando o rival. Com Vilanova - e Roura, que passava por ali e não tem culpa do peso que lhe está a cair em cima - o Barça abdicou da essência guardiolesca, decidiu defender-se com a bola, rodear-se de artesões e esperar, esperar e esperar e como o físico não permite mais e a cabeça parece ter-se bloqueado, talvez hoje muitos dos adeptos do clube se tenham dado realmente conta do quão importante era para o projecto um génio chamado Guardiola.
PS: Eu defendo a liberdade de expressão de qualquer pessoa, mesmo que não esteja de acordo com nada do que diz. Faz parte da minha educação e dos meus valores. Se alguém quer acreditar e afirmar que 1+1 são 24, quem sou eu para lhe tirar essa alegria de viver num mundo particular? A seita que rodeia a cultura do Barça porque é cool e vanguardista presumir de saber tudo sobre a biblia blaugrana (quando no fundo nem sabem quem é Laureano Ruiz), continua a achar que 1+1 são 24. Que o Barcelona joga melhor que todos, que joga particularmente melhor que as equipas que o derrotam, que o sistema é perfeito e suficiente, que Messi nunca se engana e tem um mau mês...quem o diz está no seu direito absoluto. Que muitos defendam os seus pontos de vista a partir do insulto pessoal, simplesmente deixa a nú as suas carências, a diversos níveis, a cobardia do mundo virtual permite comportamentos que cara a cara seriam impensáveis. E este grupo no fundo é uma seita porque parte para um debate com a premissa "eu certo, tu errado; eu o bem, tu o mal" e isso, no fundo não é um debate, é um monólogo. Não conheço ninguém que não defenda que este Barcelona do último lustro é uma das melhores equipas de todos os tempos, e nos debates trocam-se opiniões que nos enriquecem a todos porque colectivamente, e eu o primeiro, cometemos sempre erros. Mas só quem vive na base do monólogo e do 1+1=24 é capaz de achar-se dono absoluto da razão. Felizmente a realidade acaba sempre por colocar a cada um no seu sítio e quando for cool e vanguardista mudar a cassete muitos irão fazê-lo porque na realidade, não é de futebol que gostam: é deles próprios!
Gareth Bale é o melhor jogador que actua fora do circuito de grandes (ou milionárias) equipas. Sê-lo-á, seguramente, por pouco mais do que cinco meses. O seu talento e a forma como se transformou num todo-terreno dos relvados ajuda também a explicar a excelente temporada realizada pelo Tottenham. Em White Hart Lane André Villas-Boas começou a deixar o seu selo mas é habitualmente o génio individual do galês quem resolve os problemas do sistema do técnico portuense.
Caminham no terceiro lugar da Premier League (o último que garante acesso directo à Champions League) e vão agora disputar com o Inter de Milão um lugar nos Quartos de Final da Europe League.
Para um clube que, na elite milionária do futebol britânico é gerido com cabeça e sem cometer loucuras, é sem dúvida um feito. Não é uma novidade, Harry Redknapp já o tinha logrado há três temporadas, exibindo um futebol agressivo, vertical e extremamente ofensivo, onde havia pouco espaço para a pausa. Villas-Boas procura exactamente o oposto, reduzir as velocidades do jogo dos ingleses, transformá-los numa equipa mais continental, capaz de dominar o campo, manter a bola e ser eficazes na área contrária. Não tem sido um processo fácil. Para um treinador a quem o talento criativo é tão importante como contar com jogadores capazes de decifrar os espaços, arrancar a temporada e perder Rafael van der Vaart e Luca Modric é um problema. Especialmente se os seus substitutos, Dembelé e Dempsey, são jogadores de um perfil muito diferente. O antigo jogador do Fulham aporta à equipa londrina o que Villas-Boas exigia a Moutinho na sua etapa no Porto. Contenção, trabalho táctico e precisão na distribuição. No último terço do campo, a eficácia de Dembelé é notável, mais de 90% de acerto nos passes realizados na Premier. Mas é um jogador de trabalho sobretudo, não de criação, de explosão no momento ideal. Dempsey também é um atleta trabalhador mas nem tem o espírito de sacrifício de Dembelé nem a capacidade de marcar diferenças em espaços curtos e acaba por perder-se demasiado no modelo aplicado por Villas-Boas. O 4-3-3 que o técnico defendeu no Porto transformou-se num 4-2-3-1 e apesar da linha defensiva estar começar cada vez mais a assimilar a sua mensagem de linha alta, pressão constante e apoio ao meio-campo, é no ataque que o Tottenham se torna numa equipa diferente.
Villas-Boas arrancou o ano com jogadores desequilibrantes nas alas.
Kyle Walker é um lateral veloz, protótipo do defesa que encanta o futebol inglês, mas com um deficiente posicionamento defensivo. Foi responsável de vários golos sofridos pelos Spurs e cada vez que sobe para dobrar o extremo direito, obrigado o meio campo a tapar o seu espaço. Quando Walker não recua, ou o faz lentamente, provoca os desequilíbrios no miolo que tanto desesperam ao português. Do lado esquerdo Assante-Ekkoto e Kyle Naughton seriam o espelho do lateral direito mas com a dupla Dawson-Gallas a encontrar-se com a concorrência de Caulker, muitas vezes é o belga Verthongen quem parte do lado esquerdo, garante uma maior fiabilidade defensiva, reforçada pela incorporação definitiva de Hugo Lloris ao onze. No ataque, Lennon tem confirmado ser um extremo hábil e veloz mas tacticamente pouco consciente do seu papel, sobretudo com as subidas pelo seu corredor de Walker. Permite aos Spurs abrir o campo pela direita mas é pouco incisivo nas diagonais, ao contrário do que Villas-Boas conseguiu com Varela e James Rodriguez, na sua etapa no Dragão. É no lado oposto que está a chave do sucesso do clube: Gareth Bale.
Bale começou com extremo no Southampton e foi progressivamente readaptado a lateral por Redknapp. Foi a partir de trás que destroçou o campeão europeu, Inter, em dois jogos históricos da fase de grupos da Champions League em 2010 e tornou-se num símbolo da nova geração do futebol britânico, com apenas 20 anos. A pouco e pouco foi regressando à sua posição original, mas a sua (omni)presença é cada vez mais evidente. Está em todo o lado. Pela direita, usando do seu pé esquerdo para ganhar espaço na diagonal. Na esquerda, abrindo o campo e arrastando a marcação, cada vez mais implacável, deixando espaços para o meio-campo ocupar. Mas sobretudo pelo centro. Bale reconverteu-se na ponta-de-lança do modelo de Villas-Boas. O técnico português, que não encontra nem em Defoe (actualmente lesionado), nem em Adebayor (recém-chegado da CAN) um avançado matador, colocou Bale virado para a baliza, forçando o islandês Sigurdson a actuar do lado esquerdo. No meio Bale controla o jogo, abre os espaços, remate quando pode e atrai a marcação para si, soltando os seus colegas de ataque. A chegada de Holtby, o genial médio alemão - mais um produto da formação germânica da última década - para render Dempsey e as entradas pontuais no onze de Sandro, Huddlestone e do lesionado Parker, garantem ao meio-campo pulmão para segurar as linhas da equipa e dão a Bale a liberdade com a qual se sente tão cómodo. Dizer hoje em dia que o galês é um extremo é faltar à verdade, Bale, como Messi e Ronaldo, transformou-se num jogador total e é a chave do esquema de sucesso do Tottenham.
Villas-Boas seguramente pensava em aplicar o seu 4-3-3 com o galês emulando a Hulk, Lennon no papel de Varela e Defoe como avançado centro, mas as lesões, suspensões e circunstâncias múltiplas, obrigaram-no a reconsiderar. Foi dando esse passo atrás que o portuense ganhou uma equipa, coesa, sem estrelas individuais, mas capaz de entender que o futebol não é só vertigem. Mesmo assim, futebolisticamente, o Tottenham continua muito mais a parecer-se a uma equipa britânica, ao estilo de Redknapp, do que aquilo que Villas-Boas gostaria de implementar, com um jogo mais rendilhado com Holtby, Dembele e Parker no meio e o uso das alas como elemento diferencial. Na ausência de ponta-de-lança, não surpreende ninguém que Bale comece cada vez mais a aparecer aí. Há muito que o fabuloso jovem de 23 ultrapassou os espartilhos tácticos, demonstrando-se sentir-se cómodo em qualquer posição da linha de ataque. É às suas costas que o Tottenham caminha e Villas-Boas, seguramente consciente de que o perderá em Junho, já pensa num novo modelo, mais ao seu gosto, onde Holtby será, seguramente o actor principal.
Da última vez que vi, o futebol continuava a ser um jogo decidido por quem marca mais golos. Como qualquer outro desporto, o golo resume a essência do jogo. No entanto, nos últimos anos, graças ao sucesso espantoso do projecto de Pep Guardiola, surgiu uma legião de puristas que tentou transformar as regras do jogo a seu belo prazer. O golo, esse momento estranho, quase pecaminoso, passou a um segundo plano. O importante era a possessão, os largos minutos de posse de bola, aquilo que verdadeiramente definia, qual Star Wars, os brancos e os negros, os bons e os maus. Em Milão, como já sucedeu no passado, o golo voltou a por as coisas no seu lugar. Aquele onde o futebol realmente gosta de estar.
É possível uma equipa ser dona e senhora da possessão e, ao mesmo tempo, ser absolutamente inconsequente?
Ser inofensiva, tímida, sem coragem de enfrentar o jogo de frente, de procurar transformar a sua superioridade teórica, reconhecida por próprios e estranhos, em algo palpável? Seria fácil dizer que não, que nunca se chega a esse extremo, mas jogos como o que opôs o AC Milan ao Barcelona em San Siro diz-nos que há sempre espaço no futebol para o ridículo. Quando uma ideia se começa a levar demasiado a sério, cai no fundamentalismo absoluto e perde toda a sua relevância. Foi o que passou ao Barça.
Guardiola, provavelmente o treinador mais importante do futebol europeu da última década, partiu sempre do conceito da possessão para algo mais profundo, mais palpável. O seu primeiro esboço, o forjar do Pep Team que venceu num ano natural seis títulos, era uma equipa que queria a bola para atacar, para marcar. Superou o registo goleador, desmontou os rivais com tremenda facilidade e ganhou, por mérito próprio, o direito a ser considerada como uma equipa superlativa, um fiel sucessor do Milan de Sacchi ou do Ajax de Kovacs e Michels. Nos três anos seguintes, quase sempre com os mesmos protagonistas, a equipa continuou a aplicar os ensinamentos do técnico mas foi, progressivamente, levando demasiado a sério o santo e senha da possessão. Foi perdendo eficácia, finura, exactidão. Caiu por duas vezes em meias-finais da Champions League por ser incapaz, a todos os níveis, de gerar um plano alternativo, um esquema que desse a tanta posse um sentido claro, o do golo. Ao contrário de Cruyff, um técnico que partia para cada jogo com três planos, o Barcelona de Guardiola foi tornando-se plano e previsível para os seus rivais. Não deixava de ser, tecnicamente, a melhor equipa com diferença, aquela que melhor sabia manejar a bola e os tempos. Mas para rivais mais aguerridos, eficazes, capazes de abdicar de ter a bola para controlar o espaço, os seus pontos frágeis tornavam-se evidentes. Por isso perdeu uma Copa del Rey, uma liga e duas Champions League que, à partida, pareciam suas por direito divino. Por isso perdeu ontem em Milão. Por não saber jogar a outra coisa.
Ouvindo os profetas da seita da possessão, génios da bola como Xavi Hernandez, jornalistas conhecidos e bloggers desejosos de ter um pouco de atenção e afecto, parece que o futebol é um jogo que foi disputado erradamente por todos nos últimos 100 anos. E que, do nada, a luz desceu à terra e iluminou um conjunto de apóstolos, transmissores da verdade absoluta, destinados a evangelizar o mundo.
No final dos jogos começou a debater-se mais a equipa que mais possessão tinha do que aquela que realmente tinha sido mais perigosa. Aquela que tinha procurado fazer das suas armas algo concreto. Porque a posse é uma arma ou, pelo menos, foi assim concebida desde os dias de Hogan, Meisl ou Sebes. Uma arma de ataque. A forma de ter a bola impedia o rival de a ter e, portanto, tornava a equipa mais ofensiva por natureza. Mas com a bola nos pés era preciso depois partir para o ataque. As equipas que defenderam a posse sempre foram incisivas. Se por um lado génios como Chapman se preocupavam mais com os espaços do que com a bola - e a corrente do cattenaccio de Rocco e Herrera levou a ideia ao extremo - na Holanda a posse voltou a ser o santo e senha, mas como disse um dia o brilhante Muhren, um dos integrantes do Ajax de Michels e Kovacs, a posse só servia se a equipa fosse vertical. Tanto passo horizontal, dizia, irritava-o profundamente porque tirava sentido ao jogo. E assim era.
Na final do Mundial de 1974, em Munique, a Holanda perdeu porque, depois de marcar o golo inaugural, dedicou-se a praticar sucessivos rondos pelo campo, sem causar o mais mínimo perigo a Sepp Maier. Os alemães, uma equipa tecnicamente inteligente mas mais hábil ainda em velocidade, marcaram dois golos e depois asfixiaram a possessão estéril dos holandeses. Essa capacidade de acção e reacção faz de todas as equipas capazes de manobrar distintas realidades verdadeiros colectivos. Entendem que o futebol se adapta às circunstâncias e quando é necessário operar um inesperado roque, estão dispostos a fazê-lo para salvar o rei e ganhar o jogo. O Barcelona vive no mutismo intelectual de acreditar que a sua fórmula resulta por inércia, independente do rival. Tem a ideia e, sobretudo, as individualidades para isso. O génio de Messi, Iniesta, Xavi, Busquets, Puyol, Piqué, Alves, Alba, Fabregas, Pedro e Valdés resume uma geração irrepetível, verdadeiros maestros a entender a mensagem. Mas não é eterna e quando o génio individual, sobretudo do argentino, tem um mau dia, fica a nu a fragilidade do planeamento colectivo. Em San Siro o Barcelona não teve uma só ideia futebolística que não passava por trocas sucessivas de bola em zonas inofensivas, oferecidas à consciência por Allegri ciente que a equipa só é perigosa quando troca a bola comodamente na linha da grande área. Espaços fechados, imaginação zero, a derrota tornou-se inevitável. Em Barcelona a equipa da casa até pode vencer por 5-0, tem jogadores, adeptos e talento para isso. É a melhor equipa do mundo em individualidades e sentido colectivo. Mas também é um projecto que começa a deixar demasiado evidente as suas falhas estruturais. Golos sofridos com qualquer rival, imprecisão no passe, ausência de goleadores alternativos, avançados que continuam a penar no banco para não fazer sombra à estrela da companhia e uma possessão cada vez maior em zonas recuadas e menos asfixiante onde realmente importa, na cara do rival. Em Milão não houve desculpas, não houve remates, não houve rondos, não houve futebol.
É interessante ver a ultra dependência que toda a ideia de jogo do Barcelona tem dos golos de Messi. Uma equipa que faz da posse de bola uma obrigação divina mas que depois depende apenas de um indivíduo é um projecto condenado a fracassar no momento em que esse jogador individual falhe ou desapareça. O Ajax de Michels e Kovacs brilhou sobretudo porque, apesar do génio e liderança de Cruyff, todos defendiam, todos atacavam e todos marcavam. A verticalidade do jogo dos holandeses desconcertava os rivais mais do que as suas largas possessões. Em Barcelona, a necessidade de trocar a bola até à pequena área para La Pulga empurrar para mais um recorde é um filme que os rivais já conhecem. As equipas mais humildes da liga espanhola pouco podem fazer para o contrariar, mas na Europa são cada vez mais os clubes que entendem o modelo que o ausente Vilanova tem aplicado. Pode não ser bonito, especialmente quando as pessoas vivem bombardeadas com a ideia pregada até à exaustão que defende, imagine-se, que só existe uma forma de jogar bem ao futebol (contrariando 100 anos de história, apenas porque sim), e que tudo o demais devia ser castigado com o purgatório, inferno e um fim-de-semana numa favela de Monróvia. Mas sem ser esteticamente interessante, é o que melhor representa a essência do futebol. Eu tenho a bola quando quero ter, eu remato quando quero, eu marco quando remato: eu ganho. Mais de um século de grandes treinadores, equipas e jogadores não nos dizem que a posse é mais importante que o golo. E o presente só acaba por confirmar que, sem uma ideia mais ousada e uma flexibilidade emocional necessária, a posse de bola pode ser algo profundamente estéril.
Na liga portuguesa vão, lado a lado. Nos palcos europeus, a diferença é abismal. Falta cada vez menos para que o FC Porto supere o SL Benfica em títulos de campeão português. Nos palcos europeus essa ultrapassagem já sucedeu há largos anos. Não só em títulos mas, sobretudo, em respeito nos países europeus e na tremenda diferença de jogo. Enquanto o FC Porto tem um plano, um modelo, um esquema, e é uma das melhores equipas do continente a aplicá-lo, o Benfica evoca outros tempos, outras memórias e resultados distantes da realidade.
A exibição repleta de autoridade do campeão português face ao quarto da liga espanhola é exemplificadora do que é hoje o futebol em Portugal.
Uma excelente equipa, apoiada num clube institucionalmente dirigido dos pés à cabeça com um modelo de gestão que marcou um antes e um depois da história do futebol português, com um esquema táctico claro, um plantel de primeiro nível, digno de aspirar ano atrás de ano em estar no top 8 dos clubes europeus. O FC Porto tratou o Málaga com a mesma superioridade com que lida com o Beira-Mar ou o Moreirense. Empurrou-os para a sua área, não lhes deixou ter a bola - e se há algo que os andaluzes fazem bem é controlar a posse e jogar a partir de aí com confiança - e engoliu literalmente as suas individualidades, sobretudo o espantoso Isco, o sucessor natural de Iniesta. Fê-lo sabendo o quanto vale, o quanto pode aspirar e com uma sensação de diferença abismal que os orçamentos, o prestigio de duas ligas vizinhas mas muito distantes, podia supor. Já foi assim com o Atlético de Madrid (nos anos em que se cruzaram na prova), com o Sevilla e com o Villareal. Foi assim com o Barcelona, no Mónaco, jogos que deixaram evidente que o melhor FC Porto trataria por tu os melhores da liga das estrelas e poderia, perfeitamente, disputar um lugar no pódio da competição. É talvez um dos maiores e mais lógicos elogios que se pode fazer à equipa azul e branca.
O futebol em Portugal fica pequeno a uma equipa que, desde 1982, só perdeu 11 de 30 títulos. Um domínio que nem o melhor Sporting, nem o superlativo Benfica foram capazes sequer de emular. É um domínio que ultrapassa gerações, que ultrapassa condicionalismos e que define a estrutura do que é hoje o futebol em Portugal, uma equipa muito superior das restantes, apesar dos esforços da imprensa por contrariar essa abordagem, que ocasionalmente perde um título (na última década foram 2 em 8) mas que a Europa aprendeu a respeitar. Uma Taça dos Campeões Europeus, uma Champions League, uma Taça UEFA e uma Europe League, uma Supertaça Europeia e duas Intercontinentais é um espólio que supera a soma de todos os outros troféus internacionais conquistados por clubes portugueses.
A diferença da qualidade de jogo do FC Porto para o resto dos clubes portugueses vê-se, sobretudo, nos palcos europeus.
Numa liga onde a maioria das equipas prefere esperar para ver, é dificil ver o FC Porto ceder pontos. É difícil ver a equipa ser igualada - para não dizer superada - futebolisticamente. Na Europa a vara de medir é diferente. Na última década o clube venceu três provas europeias (mais do que o Real Madrid, o Bayern Munchen, o Arsenal, o Liverpool, o Inter, a Juventus, o Borussia Dortmund, o Ajax, o Olympique Lyon, o Manchester United) e com uma autoridade insultante. Há dois anos ficou clara a diferença na Europe League, numa edição com três equipas portuguesas nas meias-finais. Este ano, a forma como os dragões carimbaram o passaporte para os Oitavos de Final contrastou enormemente com o Braga - uma época para esquecer sob o comando de um treinador que teima em demonstrar não ser o homem certo no momento certo - e sobretudo com o Benfica. A equipa encarnada foi incapaz de ser superior a um Celtic que fez do jogo directo a sua alma, sofreu inesperadamente com um Spartak de Moscovo em autocombustão (com destituição de técnico incluída) e mesmo com um Barcelona C, no Camp Nou, foi incapaz de somar os pontos que precisava para seguir em frente. Na Europe League, uma competição que se adequa mais às suas reais ambições, e frente ao Bayer Leverkusen, jogou o suficiente para ganhar mas longe de entusiasmar. Tem sido a sina da equipa.
Com ou sem Jesus, o Benfica na Europa é uma equipa de caricatura. Uma equipa sem expressão internacional, com um modelo táctico perfeitamente inadequado às realidades do futebol actual, com peças que se mudam com uma velocidade assustadora, sem consciência da importância do colectivo e que depois se mostram incapazes de reagir nos momentos certos. Não só ficou claro que este Benfica, como as anteriores versões, é incapaz de mostrar-se à altura dos melhores na Europa como o seu perfil de prestigio europeu desaparece a cada ano que passa. A memória da imensa, grande equipa de Eusébio, é algo que os adeptos benfiquistas sempre terão, e com genuíno e merecido orgulho. Mas desde então, meio século depois, nunca mais a Europa viu uma equipa benfiquista capaz de repetir, ano após ano, o seu lugar na elite. Ao contrário do FC Porto, que não só é presença regular na Champions League como tem demonstrado ser capaz de competir de igual com os melhores e ganhar troféus, o Benfica encontra na Europa o duro reflexo da sua realidade. A nível interno os dois títulos (este ano poderão ser três) em 18 anos, deixam clara a sua diferença com os dragões mas é na Europa que essa diferença se torna real.
Sem uma estrutura sólida, sem um futebol capaz de capturar a imaginação de adeptos neutrais, o Benfica tem muito trabalho pela frente para poder voltar a sonhar sem uma equipa respeitada nos palcos europeus. O FC Porto, por outro lado, não só está a poucos anos de consumar, matematicamente, a mudança de um ciclo que já leva três décadas, como na Europa é o único porta-estandarte do futebol português. Se a exibição frente ao Málaga não fosse suficiente, o eventual apuramento - e ainda faltam noventa minutos - para os Quartos de Final da edição 2012/13 da Champions só reforçará mais ainda a ideia de que, seja em Portugal ou na Europa, o futebol português funciona a diferentes velocidades. E só os dragões seguem na de cruzeiro.
Se o futebol fosse um jogo de perfeição absoluta, como defendia o inimitável Gianni Brera, todos os jogos acabariam empatados a zero. O esforço do ataque seria anulado pelo trabalho da defesa e a partida de xadrez seria eterna. Cruyff falou sempre da necessidade do erro para que o golo exista. E se a cultura futebolista actual parece estar determinada em retirar de uma vez por toda o mérito a quem marca, a verdade é que há erros colectivos e individuais que são impensáveis em jogos de alta tensão e máxima importância. No Santiago Bernabeu, o Real Madrid começou a perder por um erro tremendo não de um, mas de quatro jogadores diferentes. A anatomia do erro é também o espelho de uma equipa descoordenada.
Comecemos ao contrário.
Cristiano Ronaldo eleva-se quase três metros no ar. Levita, esperando que a bola, centrada de forma perfeita por Angel Di Maria cruze o ar até encontrar a sua cabeça. David De Gea pode estirar-se, Patrice Evra pode simular reagir, mas são meros espectadores, personagens secundários de uma execução perfeita, de um dos golos do ano, a prova de que Ronaldo é, para o bem e para o mal, um dos futebolistas mais completos da história do futebol, capaz de correr como Bolt, saltar como Jordan e rematar com a violência de um míssil.
Um golo que ninguém se atreve a discutir, mas que, inevitavelmente, é o reflexo de um par de erros importantes. O erro de Rafael, repetido vezes sem conta durante o jogo, que permite ao argentino Di Maria centrar com comodidade. O erro de Jones, que devia estar pendente de Cristiano Ronaldo e nem se vê na imagem. O erro de Evans, que abandonou a zona de acção e encontra-se em terra de ninguém permitindo que o melhor jogador do mundo no ar dispute uma bola com o mais baixo dos defesas da equipa inglesa, o lateral esquerdo Patrice Evra. Três erros que facilitaram o golo mas é difícil pensar que Di Maria não podia ter encontrado um milésimo de tempo e espaço para centrar e que Ronaldo não fosse capaz de bater Jones e Evans no ar para marcar. Sem erros não há golos no futebol, mas há erros mais graves que outros. O caso do golo inaugural do jogo, está no diâmetro oposto do marcado pelo Real Madrid.
Não que não seja um excelente golo, executado de forma perfeita, desde o momento em que Wayne Rooney lança um pontapé com conta, peso e medida desde a linha de fundo até ao gesto técnico de Danny Welbeck, medindo perfeitamente o tempo de salto, a área da cabeça com que remata e o seu posicionamento no relvado. Entre Rooney e Wellbeck desenha-se um lance que é muito difícil de prever e mais ainda de travar, um golo de bola parada de laboratório, pensado e executado brilhantemente. E no entanto, com todo o mérito que tem a equipa do Manchester United, o golo do dianteiro inglês podia ter sido evitado mais facilmente se não tivesse sido acompanhado de uma série de erros que uma equipa que aspira a tudo pode permitir.
Na época passada a defesa do Real Madrid realizou uma excelente época colectivamente.
Individualmente, tanto Sérgio Ramos como Pepe protagonizaram o seu melhor ano, combinando bem desde o momento em que o andaluz passou para o centro da defesa, substituindo Ricardo Carvalho, e com Iker Casillas foram peças chave no título histórico conquistado pela equipa da capital espanhola. Mas houve erros, durante a temporada, que custaram caro ao Real Madrid. Nos Quartos de Final da Copa del Rey, o golo de Abidal no Santiago Bernabeu, o erro de Coentrão e Casillas em Munique e os pontos perdidos de forma consecutiva em dois jogos com livres directos apontados no final dos jogos contra o Málaga e Villareal, onde o capitão merengue podia ter feito mais. Mas disputar 50 jogos num ano sem cometer erros é impossível e o resultado final da época compensou no final os percalços. Este ano é diferente.
Não se trata só do descontrolo absoluto do balneário, uma mancha negra no curriculo de um treinador que se fez famoso à custa, precisamente, de ser um disciplinador tremendo e um homem que trata os jogadores como família. Nem é apenas a péssima forma física e o estado psicológico de jogadores fundamentais como Benzema, Higuain, Di Maria, Ramos e Marcelo. É, sobretudo, um acumular de erros sucessivos que desta vez foram fatais. As bolas paradas, entre livres e cantos, têm sido mais do que nunca o calcanhar de Aquiles deste Real Madrid, e o jogo com o Man Utd deixou uma vez mais essa realidade em evidência. Mourinho tem razão quando diz que a responsabilidade não é sua.
Os lances são treinados durante a semana mas nos jogos os erros são sempre individuais. O problema é que são o acumular de vários erros individuais, quase de principiantes, e que custaram pontos em Getafe ou Sevilla, e uma vantagem fundamental para os Red Devils.
Aos 10 minutos de jogo Kagawa envolve-se num lance com Sérgio Ramos. O árbitro assinala canto apesar de nas imagens televisivas se apreciar, na repetição, que o último a tocar na bola é o japonês. Rooney pega na bola e prepara-se para marcar o canto enquanto os jogadores do Real Madrid posicionam-se. Xabi Alonso e Cristiano Ronaldo sem marcador, ao primeiro poste. Benzema um pouco adiantado com Robbie van Persie. Di Maria no poste esquerdo, os centrais Ramos e Varane com Wellbeck e Evans, Coentrão ao lado de Evra e Khedira e Ozil fora da grande área para ganhar a segunda bola.
A bola começa a percorrer a sua trajectória e os erros vão-se acumulando. Diego Lopez faz-se ao lance, previsivelmente para socar a bola, mas arrepende-se a meio caminho, perdendo a sua posição sobre a linha de jogo e ficando em terra de ninguém. Erro número 1. O central Ramos está mais pendente de afastar Welbeck do caminho do guarda-redes que se esquece de procurar ganhar posição e deixa Wellbeck só, à entrada da pequena área, livre para cabecear. Erro número 2. O argentino Di Maria, abandona surpreendentemente o poste para colocar-se atrás do guarda-redes, abandonando a sua posição e deixando a baliza a descoberto. Erro número três. Varane lê o erro de Ramos e decide lançar-se sobre Wellbeck para impedir o inevitável mas com isso deixa só Evans, com 1m92, que pode beneficiar de um desvio do colega ou de um defesa e marcar à vontade. Erro número 4.
A bola encontra Welbeck que, só, sem oposição, pode executar o seu excelente movimento técnico de cabeça. Lopez está fora da baliza e não consegue impedir a trajectória da bola mas confia que Di Maria, no poste, possa cortar sobre a linha. Mas Di Maria já não está lá e a bola entra, precisamente, onde este devia estar. Três erros fundamentais para permitir o golo ao contrário. Apenas bastava que um deles não tivesse ocorrido e teria sido muito difícil a Wellbeck marcar. Ou porque Ramos não o deixaria cabecear, ou porque Lopez, na linha de golo, podia parar perfeitamente a bola ou, em último caso, porque um jogador no poste esquerdo poderia sempre desviar o remate. Nada disso aconteceu e o golo do inglês pode ser suficiente para dar o apuramento ao Manchester United. E deixa a nú os problemas reais de uma equipa com muito orçamento mas com pouco futebol.
Erros como este têm sido o habitual na versão 2012-13 do Real Madrid, algo impensável para uma equipa de topo europeu. Contra os rivais mais humildes e os adversários com maior prestigio, erros de marcação, erros em entradas desnecessárias, erros de posicionamento, erros nos passes e erros nos remates. A história deste Real é uma história de erros próprios e são esses enganos, quase infantis, que têm permitido aos rivais colocarem-se, vezes sem conta, em vantagem. Cruyff dizia acertadamente que o futebol é um jogo onde quem ganha é quem menos erra. A este ritmo parece claro que, por muitos golos que marque Cristiano Ronaldo, por muitos passes perfeitos faça Ozil ou kms corram Khedira ou Alonso, com tantos erros é impossível que o campeão de Espanha não passe um ano em branco. Um branco muito negro!
Só agora a nata da Europa se vai começar a reunir para acertar contas com o calendário continental. Os oitavos de final da Champions League arrancam, e com eles os jogos que os adeptos mais esperam. Porque a competição, a nível interno, em 2012-13 não existiu. Pela primeira vez em muitos anos, as principais ligas europeias têm os seus campeões do curso praticamente definidos. São muitos jogos, muitos meses para cumprir calendário, com margens de erro imensas e uma diferença abismal que permite levantar várias questões sobre a realidade actual do futebol do Velho Continente.
Barcelona, Manchester United, Bayern Munchen e Juventus.
Estamos a meados de Fevereiro e desafio alguém a fazer pública a crença, quase sebastiânica, de que alguma destas equipas não vá ser campeã nacional em Maio. Não é uma previsão muito dificil de fazer. Basta olhar para as tabelas classificativas, ver os calendários de jogos pendentes e fazer contas. As grandes ligas europeias já fecharam as portas e agora, até ao final da época, a atenção será progressivamente desviada pela imprensa para disputas secundárias. Importantes, mas longe do sonho de glamour profundo que é sagrar-se campeão. Uma realidade preocupante e que dista bastante do que vimos no ano passado. Só a finais de Abril o Real Madrid deu o golpe definitivo no seu título, ao vencer o rival directo em Camp Nou. O Manchester City precisou do último segundo da época para ganhar um título que lhe escapava há cinco décadas. Em Itália a Juventus nunca se distanciou tanto como para poder celebrar com mais de uma quinzena de distância do final da temporada e só o Borusia Dortmund encontrou o autoritarismo que encontramos este ano!
Nesta temporada tudo se desenrola em moldes muito diferentes. Há uma autoridade inquestionável nas ligas de topo, onde três dos actuais lideres na época anterior ficaram-se pelo segundo lugar no campeonato. Há, sobretudo, uma qualidade de jogo manifestamente inferior na maioria dos casos de quem lidera e persegue. E, sobretudo, uma dependência excessiva do génio individual para compensar os problemas do colectivo. Se em ligas da segunda divisão europeia, como é o caso da francesa, portuguesa e holandesa, há um esboço de equilíbrio, entre os suspeitos do costume, o que se passa nos gigantes europeus para a luta ter acabado tão cedo?
O caso mais flagrante é, sem dúvida, o espanhol.
Não surpreende ninguém que o Barcelona seja o líder. A equipa que era orientada por Pep Guardiola partia como favorita, apesar do título perdido, simplesmente porque é um projecto continuista, moldado em princípios assimilados e com um plantel fabuloso. A derrota contra o Real Madrid no ano anterior interrompeu um ciclo de vitórias mas não a percepção do Barcelona ser uma equipa com mais futuro. O problema está que os blaugrana, agora orientados por Tito Vilanova, semi-ausente durante largas semanas pelo seu problema de saúde, nunca tiveram rival. Nas primeiras oito jornadas do campeonato a vantagem já era de oito pontos e quando os dois candidatos se cruzaram para um jogo memorável, no Camp Nou, o empate apenas deixou claro que o título estava praticamente entregue antes da disputa sequer começar. A isso contribuiu o espirito auto-destrutivo de José Mourinho, os péssimos desempenhos do colectivo, com erros individuais grosseiros, e a seca goleadora de Cristiano Ronaldo durante o Outono. Sob essa realidade, esse hara-kiri, o Barça estabeleceu uma liderança cómoda que só o Atlético de Madrid, um surpreendente e merecido segundo, tentou desafiar, sem sucesso como a vitória clara dos catalães no duelo directo deixou evidente. O Barcelona sabe-se e sente-se campeão nacional e agora pode concentrar esforços em recuperar a Champions League (seria a terceira em cinco anos) e manter no bolso a Copa del Rey, as únicas duas competições que interessam, precisamente, ao seu histórico rival.
Em Inglaterra o Manchester United lidera com 12 pontos de vantagem sobre o campeão. Está em todas as corridas, entre FA Cup e Champions League, e demonstra uma voracidade goleadora inquestionável. Mas como o Barcelona, a vantagem pontual construiu-se, sobretudo, porque o City se mostrou muito mais irregular do que na época passada. E claro, se os catalães contam com o génio e golos (muitos golos) de Messi para fazer a diferença, em Old Trafford a dupla Wayne Rooney e Robie van Persie (e as aparições decisivas de Javier Hernandez) têm escondido muitos problemas na defesa e no meio-campo, que os duelos europeus colocarão à prova. Os homens de Ferguson só por uma vez perderam um título com uma vantagem pontual desta magnitude, precisamente no ano em que a suspensão de Eric Cantona permitiu ao Blackburn Rovers de Shearer recuperar na tabela e vencer o título confortavelmente. Sem esse fantasma presente, ninguém duvida que os mancunianos farão, outra vez, a festa em Maio.
Celebrações que também já estão a ser preparadas na Baviera. Na expectativa da chegada de Guardiola, o Bayern é cada vez mais campeão. O modelo de Heynckhes, profundamente ofensivo e demolidor, beneficiou da aposta clara do campeão em título, o Dortmund, na edição deste ano da Champions League. O atraso pontual dos homens do Rhur é insalvável (15 pontos) e todos, na Bundesliga, estão conscientes de que a luta muda agora para os palcos europeus onde os dois clubes têm boas perspectivas de se cruzarem mais à frente. Em Itália, são conscientes de que a Europa é um sonho quase utópico num campeonato em reconstrução moral e financeira. A Juventus continua a demonstrar ser o mais aplicado dos alunos, e depois de ter vencido a primeira liga em oito anos à base de uma regularidade espantosa (15 empates em 38 jogos), continua a ser um osso duro de roer. Napoli e Lazio são os surpreendentes perseguidores, com os grandes de Milão de novo em modo autodestrutivo, e ninguém imagina, sobretudo depois das vitórias nos duelos directos entre o líder e perseguidores, que a Vechia Signora vá perder um campeonato com uma vantagem pontual de cinco e onze pontos, respectivamente.
Talvez o mais grave, neste cenário, não seja a inevitabilidade de ter os campeões das principais ligas do continente decididos a três meses do final da temporada. O problema é mais profundo. A qualidade de jogo dos quatro, a sua excessiva dependência em génios individuais (salvo no caso do Bayern), e a profunda decadência futebolística dos seus mais directos e habituais perseguidores (Real Madrid, Valencia, Manchester City, Chelsea, Arsenal, Schalke 04, AC Milan, Inter), deixa claro que apesar de se baterem cada vez mais recordes, a qualidade do futebol europeu dista muito de estar a passar pelos melhores momentos. Urge uma mudança de ciclo, clara e evidente, um novo puzzle de sensações, momentos e protagonistas que volte a devolver à Europa os seus grandes clubes nas suas melhores versões.
Houve uma altura que a imprensa portuguesa tentava vender a ideia de que a selecção portuguesa era a equipa de todos. Dos adeptos de todos os clubes, de todos os movimentos políticos, sociais, de dissidentes e apoiantes do regime, de todos os que sentiam Portugal, por cima das suas convicções pessoais. Nunca funcionou muito bem essa fórmula mas agora vive-se o extremo oposto. De ser uma selecção de 10 milhões, Portugal passou a ser o clube de um só homem.
A convocatória de André Gomes por Paulo Bento é apenas mais um prego no caixão dos que acreditam ainda no conceito de meritocracia em Portugal.
Porque se há algo que move as decisões do seleccionador - o trabalho do "treinador" Paulo Bento, deixo para outro momento - é tudo menos o mérito pessoal que estava por detrás da ideia de combinados nacionais. Quando os conjuntos internacionais se começaram a medir, muitas vezes não representavam o melhor de um país. Os problemas de transportes, o amadorismo e os interesses políticos levavam a criar selecções quase plasmadas directamente de clubes ou cidades. Em Portugal e no resto do Mundo, o mal não foi só nosso. Mas com a evolução do jogo, rapidamente ficou claro que a grande vantagem do futebol de selecções face ao futebol de clubes era a possibilidade de ver numa só equipa os melhores, os mais bem preparados ou que mais méritos lograram durante um período desportivo a jogar em conjunto. Durante a década de 60 a melhor defesa de Portugal - a do Sporting - jogava com o melhor ataque - o do Benfica - sem grandes escândalos porque era realmente dificil encontrar individualidades nos restantes clubes capazes de se sobrepor ao génio individual e à harmonia colectiva desses dez jogadores de campo. O resultado foi um terceiro lugar no Mundial de 1966.
A partir dos anos 70 ficou claro que a selecção se tinha transformado em mais um palco de batalha entre os clubes. Da convocatória de oito jogadores do FC Porto para um amigável em Vigo, com manifestação em Campanhã e um "palhaço" metido ao barulho, para acabar no quadrunvirato do Euro 84, onde se rodavam jogadores para agradar a cada cor clubística, acabando em Saltillo, um feito que comprometeu o futuro daquela que talvez foi a mais bem preparada geração de jogadores até à época, o futebol da selecção nacional perdeu essa capacidade de convocação do espírito popular. O despontar da Geração de Ouro - transformada rapidamente numa geração de emigrantes - podia ter invertido essa tendência mas depois apareceu Scolari, o conceito de família, e a selecção nacional transformou-se no clube Portugal. Hoje é o clube Jorge M.
Durante os últimos anos é confrangedor ver o lote de convocados de Portugal para jogos amigáveis, jogos de qualificação e torneios internacionais. Nunca vão os melhores, nunca vão os jogadores em melhor forma, vão sempre os catorze que entram na cabeça do treinador da selecção e os outros oito que o seleccionador - um Dr. Jekyll/Mr Hyde com penteado especial - convoca para agradecer a quem o colocou no posto. A quem faz negócio com o futuro de uma selecção que, sem se saber muito bem como, tem-se mantido na elite futebolística. Naturalmente, não são esses seis ou oito jogadores que contribuem para esses resultados. Esses estão lá, sem jogar, sem comprometer, mas com o cachet pessoal a subir, as comissões de venda e renovação a disparar e os milhões a entrarem sempre nos mesmos bolsos.
A prática não é nova e num país tão corrupto como o Brasil levou à demissão de um selecionador. Na Argentina é normal cada seleccionador provar 60 jogadores por mandato, como se houvesse tanto talento nas pampas. O negócio do futebol instalou-se caprichosamente no mundo das selecções e Portugal pode ter poucos jogadores de elites, mas tem o melhor dos negociadores. André Gomes sabe-o bem.
Para o jogo de hoje, o médio do SL Benfica está convocado. Poderá fazer a sua estreia como internacional. Seguramente tem um grande futuro pela frente. Pelo menos enquanto tiver o agente certo. Nem precisa de ter de esforçar-se e jogar. O seu amigo Nélson Oliveira seguramente lhe explicará que ser suplente no último classificado de um campeonato nunca foi impedimento para ir picar o ponto à selecção. Desde que tenha o agente certo. O futebol da selecção portuguesa passou a ser uma questão do agente certo. Nem mais, nem menos.
Na convocatória para um amigável de Paulo Bento - que diz que não existe muita qualidade no futebol português e que por isso convoca sempre os mesmos jogadores...onde a qualidade não é propriamente algo abundante - estão jogadores como os citados André Gomes (oito jogos na época), Nélson Oliveira (suplente raramente utilizado do Depor), Miguel Lopes (recém-aterrado em Alvalade, depois de pouco ter jogado pelo FC Porto), Sereno (o elo fraco da defesa do Valladolid), os poucos utilizados Beto e Eduardo e Bruno Alves e Danny (em plena paragem de campeonato russo). Curiosamente, todos jogadores com laços com uma só empresa de representação, a mesma que - no momento da inoportuna lesão de Micael - ajudou o seleccionador a convencer que era melhor alternativa do que jogadores que têm muitos mais minutos nas pernas como Hugo Viana ou Manuel Fernandes.
A mensagem é clara. Não importa o que vales ou quanto jogas, apenas quem te representa. Ninguém exclui a possibilidade de nas próximas convocatórias jogadores como Tozé, Fábio Martins, João Carlos, Bruma, Diogo Rosado, André Almeida ou Luisinho sejam chamados à selecção se assinarem os contratos certos a tempo. Que mais importa que o rival seja Israel, que está imediatamente à frente de Portugal na corrida ao play-off do Mundial de 2014? Se afinal, convocam-se 22 e jogam catorze, o importante é fazer amigos.
E claro, os jogadores do Paços de Ferreira, Estoril Praia, Vitória de Guimarães e apátridas que renegaram da grandeza do maior empresário da história do futebol, podem esquecer as quinas ao peito. Por muitos golos que marquem, assistências que dêem, kilómetros que corram, a selecção é cada vez mais um clube fechado, com quota de membro paga por uma mesma agência. A mesma que ajudou a comprar a nova casa do André Gomes, a mesma que mantém o discurso agradecido da imprensa subserviente sobre o génio ofensivo de Nélson Oliveira (quando quem joga são Pizzi e Bruno Gama) e a mesma que ajudou a transformar a selecção de todos no clube de um só.
A União Soviética nunca venceu uma Taça dos Campeões Europeus e no seu equivalente mediático, a Champions League, o máximo que um dos seus históricos representantes conseguiu alcançar foi uma meia-final, em 1999. Eram outros dias, o último suspiro do projecto Dynamo Kiev com marca de Lobanovsky. Desde então só o Shaktar Donetsk esteve perto de superar esse feito e abraçar a glória de fazer história. Mas para Willian a glória, no futebol, vem em segundo lugar. O dinheiro está sempre primeiro.
O sorteio dos Oitavos de Final da Champions League foi nefasto para os amantes do futebol europeu.
Não porque colocou frente a frente Real Madrid e Manchester United, um dos duelos mais repetidos das noites europeias desde os anos 50, mas porque obrigou os dois favoritos a surpresa do torneio a defrontarem-se demasiado cedo. O Borussia Dortmund tem sido, talvez, a equipa mais original, atrevida e eficaz do futebol europeu pós-Pep Team. É uma equipa de critério, de criatividade, de domínio do espaço com e sem bola e, sobretudo, uma equipa jovem e sem complexos. Nota-se o dedo de génio de Klopp, forçado a fazer renascer um clube mítico das cinzas da falência financeira, e a classe dos seus protagonistas. Em dois anos, o clube perdeu dois dos seus lemes no meio-campo, Sahin e Kagawa, e mesmo assim foi melhorando. A versão actual, nessa conexão Gundogan-Gotze-Reus no apoio a Lewandowski é talvez a mais completa e fascinante das suas formações. A performance decepcionante numa Bundesliga que nunca foi objectivo prioritário, depois de dois titulos consecutivos, deixou claro que o que o clube de Dortmund queria era recuperar o troféu ganho em 1997 com uma autoridade inesperada frente à Vechia Signora.
Mas frente a frente o conjunto alemão vai ter a outra equipa que mais tem captado a atenção dos seguidores europeus no último ano. O projecto de Mircea Lucescu tem tantos anos quanto os de Klopp mas maneja outros princípios. Sobretudo investe muito mais dinheiro e procura aliar a velha organização táctica da escola soviética com o talento descarado dos jogadores brasileiros de génio que escapam ao radar dos grandes clubes. Quando o Shaktar começou a mergulhar no Brasil encontrou um filão por explorar. Pagava o que clubes de nível médio europeu não podiam pagar e que os grandes não se atreviam. Arriscaram em vários jogadores de enorme potencial e ganharam a esmagadora maioria das apostas. Uma linha defensiva moldada em casa, com o contributo do genial capitão, Dario Srna, e acompanhada dos Krystov, Chygrinsky, Rakytskiy e Rat, e a partir de aí, o génio made in Brasil. Um cocktail explosivo que já deu uma Taça UEFA, no passado, e agora podia almejar a mais, a muito mais, depois das exibições de classe e superioridade táctica contra duas equipas do perfil do Chelsea e Juventus.
Willian era um nome fundamental em todo o esquema de Lucescu.
Com Fernandinho, era o pulmão e alma do meio-campo ucraniano. No relvado, a sua omnipresença desmotivava o mais resoluto dos marcadores directos. Estava em todas as partes, finalizando, assistindo, recuperando e tapando espaços com um radar que poucos jogadores podem presumir de ter incorporado. Era o jogador com mais talento natural do plantel e aquele com maior margem de progressão internacional. Falou-se sempre do interesse de clubes ingleses (Chelsea e Tottenham) e do PSG, falou-se do papel de 10 num Brasil mais ofensivo do que nunca para a próxima Confederações. Falou-se de tudo e de mais alguma coisa, falou-se sobretudo da glória de ser um jogador diferente.
Mas no final Willian não vai estar nesse mano a mano alucinante que nos espera. Vai antes mudar-se mais para leste, para o coração da Rússia, onde os milhões do Anzhi falaram mais alto. O clube do qual Roberto Carlos é director desportivo conseguiu, com base no mesmo livro de cheques que o levou do Brasil à Ucrânia, atrai-lo para uma equipa onde já estão Etoo, Dzudasazk ou Jucilei, por exemplo. Uma equipa com potencial mas que tem desiludido, não só na liga russa como também na Europe League.
Á sua volta, no Shaktar, o médio contava com Fernandinho, Ilsinho, Alex Teixeira, Douglas Costa, Luiz Adriano, Maicon, Eduardo e o genial arménio Mkhtrayian. Um meio-campo que poucas equipas podem presumir ter ao qual se vai juntar agora outro desses talentos imensos que deambulam pelo futebol de leste, longe do radar mediático, o imenso Taison, comprado por 15 milhões ao Metalist. Com Taison e Mkhtrayin ao lado, e com Fernandinho e Hubschmann atrás, dificilmente uma equipa podia olhar para o Shaktar de cima para baixo. E no entanto, agora, sem o seu líder espiritual, Lucescu terá de repensar a sua estratégia e, sobretudo, encontrar um novo génio a quem entregar a batuta individual de um colectivo superlativo.
Willian seguramente será um jogador mais rico na Rússia e continuará a marcar as diferenças no projecto do Anzhi. Mas ao abandonar uma nave destinada à glória antes do embate decisivo, também demonstra ter uma reduzida visão de futuro. Não só vira definitivamente as costas ao escrete canarinho, agora nas mãos de Scolari, um homem que aprecia sobretudo esse conceito de grupo, como provavelmente nunca voltará a estar tão perto de emudecer a Europa com o seu génio incombustível. Rico, sem dúvida, mas um pouco mais pobre como futebolista.