Nunca uma região geográfica dominou de forma tão clara as provas europeias patrocinadas pela UEFA. Dos oito semi-finalistas europeus, seis encontram-se na Peninsula Ibérica. Um feito histórico que confirma a tendência dos últimos anos. O futebol europeu volta a deslocar-se, progressivamente, para o sul. E Espanha e Portugal podem passar um mês de Maio em plena festa.
Depois dos resultados das primeiras mãos era expectável. Mas apesar de tudo não deixa de ser uma doce realidade.
Portugal colocou pela primeira vez na sua história três equipas numa meia-final europeia, garantindo à partida um lugar na final. Que pode ser lusa a 100% se o intruso espanhol não estragar a festa. Na prova rainha da Europa os espanhóis garantem também um lugar na final, um mano a mano histórico entre os seus dois gigantes. Final contra um representante do norte da Europa. Seja o Manchester United seja o Schalke 04, um alien nesta história. Uma história europeia e ibérica. Histórica.
Em 2010 houve quatro equipas do norte contra quatro equipas do sul da Europa nas semi-finais das duas provas. Um ano antes, em 2009, o dominio do norte europeu era ainda evidente. Mas as coisas começam, progressivamente, a mudar.
Já houve finais europeias com clubes do mesmo país. Espanha (por duas vezes), Inglaterra (por duas vezes), Itália (por duas vezes) e Alemanha (por uma vez). Mas um dominio tão grande de uma zona geográfica nas duas provas europeias, isso sim é inédito. O dominio dos ingleses na Champions League nunca se viu acompanhado pelas performances dos seus clubes na Europe League (ou a defunta Taça UEFA). A melhor era do futebol italiano, a meados dos anos 90, foi a única que se aproximou a esta realidade. Mas, mesmo assim, estamos a falar de seis clubes de dois países desportivamente muito diferentes. Se Barcelona e Real Madrid deveriam ser, à priori, presenças naturais a esta altura da competição (e o Barça soma mais um record com quatro semi-finais consecutivas) já o feito das equipas lusas é ainda mais louvável. Duas equipas procedentes da Champions League confirmam uma tendência habitual da segunda prova da UEFA. Tanto Braga como Benfica vieram da prova rainha e um dos lugares em Dublin é para eles, sim ou sim. O outro será para as duas melhores equipas do torneio numa verdadeira final antecipada. Duas equipas que não puseram os pés na Champions deste ano mas que certamente marcarão presença na próxima época. O seu nivel é esse, futebolisticamente e estruturalmente. O Villarreal é um dos projectos futebolisticos mais fascinantes do futebol europeu. Sem os milhões na liga dos milhões ontem alinhou oito jogadores da sua formação a que juntou pérolas resgatadas aos grandes (Diego Lopez, Rossi e Borja Valero) do futebol europeu. Destroçou a duas mãos o Twente, provável futuro campeão holandês. Antes já o tinha feito a Bayer Leverkusen e Napoli, segundos de Alemanha e Itália. Uma demonstração de força que encontra rival à altura. O FC Porto de André Villas-Boas.
Depois do esperado titulo nacional a ambição europeia. O clube da Invicta aplicou uma goleada histórica em duas mãos a um russo saído também da Champions League e está a três jogos de repetir o feito logrado na última vez que passeou por esta prova. O que significaria uma final 100% made in Portugal, um êxito conjunturla que não deve tapar os graves problemas do futebol luso.
Do outro lado da barricada estão Braga e Benfica. Ambos chegam a esta altura da época por méritos próprios e caminhos distintos.
O Benfica sofredor, como sempre, esteve com um pé fora da prova até que Luisão acalmou os nervos de Jorge Jesus. O PSV acabou por ser manso demais (como PSG e Stutgart antes) e não teve argumentos para o conjunto luso. O Benfica regressa a uma meia-final europeia 21 anos depois. Até aos anos 70 era a segunda equipa do futebol com mais presenças nessa fase da prova rainha europeia. Depois a longa agonia. Que uma presença em Dublin pode acalmar. Já o Braga tem, provavelmente, a maior quota de mérito dos semi-finalistas. É o Schalke 04 desta prova, salvas as devidas distâncias económicas e desportivas.
A equipa de Domingos Paciência bateu o Liverpool agónicamente e soube sofrer em Kiev e Braga para eliminar o ambicioso Dynamo ucraniano. Com as suas conhecidas limitações - ontem Paulo César teve de ser lateral direito - o Braga matou todos os fantasmas que rodeiam o seu projecto e as capacidades do seu técnico. Chegam tão longe como o histórico Boavista do inicio da década - que então caiu aos pés do Celtic de Glasgow e falhou uma final 100% made in Porto. Contra o Benfica, rival que conhecem bem, e com um ambiente europeu sem os habituais condicionantes da arbitragem portuguese adivinha-se um duelo extremamente equilibrado. O melhor certamente seguirá em frente.
Um sonho que persegue igualmente o Schalke 04. Mas os alemães são matreiros e no único duelo do norte da Europa sabem que o Manchester United desta época não tem o mesmo glamour de outros tempos. Emular o feito do Bayer Leverkusen é o objectivo de Raúl e companhia. O espanhol gostaria de rever o seu ex-clube, mas a verdade é que o Barcelona parte como favorito. Espanha tem certamente presença garantida em Londres. Os campeões e o seu eterno rival jogam quatro vezes em três semanas (Liga, Taça e meias-finais) e todos os jogos valem mais do que se possa imaginar num país dividido até ao tutano entre merengues e culés. Se o vencedor do Villareal vs FC Porto é o máximo favorito em Dublin todos sabem que quem saia vencedor deste duelo fracticida também entra como grande favorito pelo velho Wembley.
No meio deste dominio português da Europe League destaca-se, uma vez mais, a ausência do Sporting. O último clube português a marcar presença numa final europeia começa a perder corrida nessa luta emocional pelo titulo de "grande". O passado no futebol vale menos do que se imagina e face à afirmação europeia de Benfica, à consolidação da superioridade do FC Porto e ao arrojo do projecto do SC Braga, os leões têm de reagir. Até lá podemos ficar com um pequeno sabor de como seria uma eventual Liga Ibérica. Com algum intruso pelo meio...