Sexta-feira, 28 de Dezembro de 2012

Em Vila do Conde vivem-se momentos de euforia contida. No primeiro ano da era pós-Carlos Brito, a equipa comporta-se melhor do que muitos imaginavam e chega à paragem natalícia a disputar os lugares europeus. Mas por detrás, nas entranhas da vida do clube, uma figura começa a destacar-se sobre todas as outras, um nome que põe e dispõe do clube para o seu beneficio particular. A pouco e pouco o Rio Ave transformou-se no clube de futebol do empresário mais poderoso do Mundo, um casamento que funciona para o bem e para o mal!

 

Carlos Brito decidiu não seguir.

Sabia o que aí vinha e não estava disposto a ser mais uma peça de uma alavanca bem oleada. Já o tinha sofrido nos seus anos do Bessa e não iria repetir o erro. O Rio Ave que ele queria distanciava, e muito, do clube que Jorge Mendes queria. O empresário chegava em força e com ele a sua política desportiva. A colocação cirúrgica de jogadores seus e do seu grupo de colegas que fazem parte dos fundos onde ele é conselheiro ou sócio seria uma etapa mais na vida do clube dos pescadores. No Verão o Rio Ave adquiriu o promissor Fabinho lateral direito suplente do Fluminense, apenas para empresta-lo ao Real Madrid que, por sua vez, o colocou a rodar no Castilla. 

O processo não era novo, Mendes já o tinha feito utilizando o Sporting B, o Real Madrid e o Castilla com Pedro Mendes, um defesa que levantou muita polémica em Espanha quando Mourinho, sem vergonha na cara, o utilizou num jogo de Champions League em Amesterdão quando o central nem sequer jogava no filial. O importante era valorizar o passe do jogador, pagar o favor e fazer de Mendes uma peça mais apetecível no cartaz do empresário mais bem sucedido do mundo. 

Pedro Mendes hoje é um futebolista tão obscuro como era antes da sua passagem por Madrid e ninguém duvida que o mesmo passará com Fabinho. Mas o Rio Ave, o clube que o comprou e emprestou, seguramente ganhará pouco com a sua experiência. Mas também, não é para isso que o clube serve os interesses de Mendes. Em troca de servir como clube ponte, algo que os fundos de empresários necessitam cada vez mais, o clube recebeu jogadores do empresário que, noutra situação, seriam incomportáveis. O último de uma larga, larga lista, é Bebé.

 

O caso Bebé sacudiu Inglaterra e levou o prestigiado The Guardian a realizar uma suculenta reportagem sobre os negócios da Gestifute.

O jogador que Ferguson nunca viu jogar mas que pagou 7 milhões por ele ao Vitória de Guimarães é o exemplo perfeito de como funciona Mendes. Obviamente em Old Trafford passou ao lado de uma grande carreira e acabou por juntar-se ao Bessiktas, juntamente com o Deportivo, Zaragoza e Atlético de Madrid, outro clube da confiança do empresário. Aí, entre lesões e incapacidade crónica, foi-se perdendo até que agora volta a ser colocado no novo posto de exibição.

Para coordenar o projecto nada melhor que o primeiro homem de Mendes, o seu primeiro negócio, o seu primeiro amigo, o seu primeiro caso de sucesso. Com Nuno Espirito Santo o empresário da noite de Guimarães transformou-se em empresário de futebolistas e começou a desenhar o seu espantoso império. Mendes é um self made men puro, um génio na arte de negociar, capaz de superar preconceitos com talento e com uma capacidade de omnipresença espantosa até mesmo para um mundo onde os escrúpulos contam muito pouco. Nuno foi o seu primeiro negócio, abriu a sua rede de confiança e agora é o seu homem forte no clube vila-condense. No seu primeiro ano de treinador conta com recursos pouco habituais para o clube. E tem o mérito de os fazer funcionar. O Rio Ave está em postos europeus e pratica um futebol, para a média nacional, interessante.

Bebé vai juntar-se a Ukra, Ederson, Oblak, Filipe Augusto, Esmael, Filipe Souza, Obadeye, Del Valle, jogadores do empresário ou colocados no clube pela sua rede, que ajudam a reforçar um plantel de por si muito curto. O entreposto comercial em que se tornou o Rio Ave tem sido um processo lento mas extremamente bem organizado. Jogadores queixam-se de não ter oportunidades por terem outros agentes, velhas glórias do clube sentem a sombra de Mendes demasiado omnipresente e se os resultados desportivos dão a entender que o projecto tem pernas para seguir, há quem tema, e com razão, que a constante mudança de jogadores, para ir valorizando passes e colocando jovens estrangeiros, no final acabe por pagar factura. Para os rivais é também um problema. A Gestifute compra os jogadores e coloca-os nos clubes que, muitas vezes, nem arcam com a ficha salarial, gerando uma clara situação de concorrência desleal com clubes sem relações de afiliação com redes de empresários. Os resultados desportivos, sobre esse prisma, podem acabar por ter uma triste dupla leitura.

 

Não há na Gestifute uma ambição em transformar o Rio Ave num grande português, mas a presença em provas europeias do clube pode ajudar ainda mais a valorizar os passes dos jogadores adquiridos ou representados pela agência. É o objectivo principal de um clube que perde a pouco e pouco a sua natureza local para se tornar no enésimo clube entreposto comercial de fundos, às vezes a única solução para competir ao mais alto nível num universo onde o mercado dita as ordens e os valores valem cada vez menos.



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Quarta-feira, 26 de Dezembro de 2012

A crise transformou o mercado de Inverno naquilo que realmente ele deve ser, um período de ligeiros ajustes a projectos que deveriam ser definidos e preparados nos largos meses de Verão. A falta de dinheiro congelou os grandes negócios e obrigou os clubes a fazer o trabalho de casa com tempo. Ninguém espera nenhuma bomba, até porque de certa forma, as confederações nacionais há muito que transformaram esta janela de transferências mais num fait-divers para a imprensa do que um momento importante para os clubes.

 

Salvo a chegada de Lucas Moura a Paris, num negócio que foi acertado em Agosto mas que só agora se concretiza por exigência do clube vendedor, o São Paulo, ninguém espera que um nome sonante faça mover tanto dinheiro no mercado que abre no dia 1 e se prolonga até ao final de Janeiro.

Os saldos nas lojas transformaram-se de certa forma nos saldos nos escritórios dos clubes onde se contam os tostões de forma muito mais cuidada e racional. 45 milhões de euros pagou o Paris Saint-Germain ao clube paulista. Valores que estão totalmente desfasados do mercado actual e do próprio valor do extremo brasileiro. Haverá sempre clubes que dão cor e vida ao mercado, por situações muito particulares. Mas são cada vez menos.

Os clubes que querem comprar encontram-se, demasiadas vezes, com as respostas negativas dos vendedores, influenciados pela revalorização em baixa do preço dos jogadores e com a falta de opções para o resto do curso. Há uma boa dezenas de jogadores que esperam definir o seu futuro que está longe do clube actual, mas os negócios serão poucos e por valores quase simbólicos. A UEFA e a FIFA, de certa forma, ao permitirem a janela de Janeiro, quando se regularizou de forma definitiva o mercado, abriram um período que foi, no passado, activo e definidor de alguns projectos que pareciam seguir por um caminho negro. Foi o caso do Sporting em 2000, que incorporou três nomes (André Cruz, César Prates e Mpenza) que se revelaram fundamentais para a conquista de um título que escapa há muito. O mesmo passou com o Real Madrid em 2007, que com Higuain, Marcelo e Gago encontrou oxigénio para a reviravolta que impediu o tricampeonato do Barcelona de Rijkaard. Mas esses feitos passarão seguramente para a história como estrelas cadentes, com poucas repercussões futuras. À medida que a UEFA proibiu o uso de jogadores nas provas europeias que já tivessem actuado por outro clube (primeiro em todas as provas, depois apenas dentro das mesmas) o que provocou foi que os grandes clubes deixassem de trocar cromos nesta etapa e se virassem para nomes desconhecidos. Jovens promessas, jogadores para taparem algum ocasional buraco deixado por uma lesão prolongada e pouco mais. Os projectos aprenderam a definir-se no Verão.

 

Apenas dois casos pontuais ajudam a dar alguma cor a este mês de negócios pensados.

Por um lado o mercado sul-americano que ganha cada vez mais peso nas mesas de negociações e que força muitos dos clubes europeus a esperar largos meses entre a compra efectiva e a chegada do jogador. Enquanto a FIFA não regularizar de forma definitivo o calendário competitivo, essa realidade continuará a ser um quebra-cabeças. Danilo, com o FC Porto no ano passado, e Lucas Moura, este ano, são apenas dois dos muitos exemplos que se vêm multiplicando nas últimas temporadas, particularmente com um Brasil rejuvenescido e reforçado com um crescimento económico mais do que evidente.

O outro cenário, mais complexo, aborda os jogadores com problemas internos no balneário e que procuram uma via de escape e aqueles que, rejeitando-se a negociar contratos de renovação, se encontrariam livres em Julho. Problemas muito mais bicudos que os clubes têm tido extremas dificuldades em resolver. São os casos de Fernando Llorente - com o Bilbao - de Wesley Sneijder, que anda em guerra aberta com o Inter, dos ingleses Cole e Lampard e o fim da história de amor com o Chelsea ou de Kaká e Villa, mal amados em Madrid e Barcelona. Jogadores de perfil internacional que olham para o mercado e vêm poucas opções realistas. Ou porque não há dinheiro para pagar as exigências dos clubes (casos de Villa ou Llorente), ou porque a ficha salarial é desproporcional à real valia em campo do jogador (Kaká e Lampard) ou porque o clube comprador por excelência do mês, o PSG, ainda não se decidiu se Sneijder e Cole fazem realmente falta ao seu projecto estelar. 

Num ano que, além do mais, será marcado pela CAN em Fevereiro - outra aberração do calendário internacional - que privará muitos clubes de alguns dos seus melhores jogadores durante um largo mês, os clubes sabem que é de portas para dentro que terão de encontrar soluções e a aposta na formação parece ser uma clara evidência de que há algo que está a mudar na mentalidade das directivas. Um dos poucos sinais realmente positivos da conjuntura económica.

 

Em Portugal a situação assemelha-se à tendência internacional e a maioria dos clubes serão vendedores, sobretudo para ligas marginais, de forma a equilibrar as contas a final do ano. Os projectos de Benfica e Porto, em duelo directo, serão seguramente os mais activos no departamento de aquisições mas com os números financeiros no vermelho, até eles têm de aprender a olhar mais para dentro e menos para um mercado que, nestas alturas, como acontece com os saldos das lojas de roupa, muitas vezes acabam por vender gato por lebre.



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Quarta-feira, 19 de Dezembro de 2012

É inegável que perfume do futebol do Barcelona de Vilanova não se aproxima do aroma apaixonante dos anos de Guardiola. Mas com uma abordagem mais pragmática, o técnico conseguiu um feito histórico que dificilmente será igualado nos próximos anos. Termina a primeira parte do campeonato invicto e com o título no bolso. Entender o Barcelona de Tito é, sobretudo, entender a relação entre o génio de um individuo e o valor de um colectivo perfeitamente oleado.

 

A goleada aplicada ao Atlético de Madrid confirmou que nenhum clube no futebol espanhol está, actualmente, sequer perto do nível do Barcelona de Tito Vilanova. Da mesma forma que Bob Paisley pegou na herança fundadora de Bill Shankly e aperfeiçoou a máquina, tornou-a mais eficaz e pragmática, também Vilanova recolheu a pesada herança de um génio como Guardiola e aproveitou-a da melhor forma possível. 

O Barça de Tito é, mais do que nunca, Messi e mais dez.

O estado de graça do argentino é evidente, a sua fome de golos inaudita e a forma como a equipa se adapta, cada vez mais, ao seu estilo de jogo, transforma o onze num projecto circular em que o argentino funciona como sol, sempre brilhante, sempre presente. Seis jogos consecutivos a bisar, 24 golos em 16 jogos, registos pulverizados e uma liderança silenciosa mas omnipresente, garantem a Tito Vilanova o melhor arranque de sempre da história do futebol do país vizinho. Guardiola perdeu o jogo inaugural, algo que Tito ainda não sabe o que é. A partir dessa derrota em Sória, o Barcelona cresceu e chegou a Dezembro com as mesmas sensações actuais. Mas esse jogo era mais coral, menos dependente do génio individual de Messi. Era o Barça onde brilhava Etoo, onde Henry renascia, em que Pedro começava a aparecer e, sobretudo, em que o trio Iniesta-Xavi-Busquets se mostrava encantado de conhecer-se e jogar juntos. Uma lufada de ar fresco diferente desta máquina assassina e implacável.

Vilanova percebeu, como Guardiola, que tudo tem de rodear Messi. O técnico de Santpedor descartou Ronaldinho, Deco e Etoo quando percebeu que não aceitariam nunca jogar para o argentino e teve de fazer o mesmo com Ibrahimovic e Villa quando estes chocaram com o ego e a fome de golos da Pulga. Foram etapas conturbadas dentro do balneário que ajudaram a desgastar a liderança de Guardiola à medida que Messi aumentava claramente o seu poder dentro da instituição até que se tornou inevitável a saída de um dos dois. Vilanova herdou uma situação resolvida, uma liderança inquestionável (e merecida), e uma equipa oleada e com uma ideia na cabeça: apoiar-se no génio individual de Messi para lograr os êxitos colectivos.

 

Vilanova é, ao mesmo tempo, um treinador extremamente pragmático. 

Na dualidade Pep-Tito, o antigo campeão europeu como jogador era o amante das experiências. Deambulou entre o 4-3-3 e o 4-6-0, reforçando a sua devoção pelo jogo de meio campo. Provou repetir o modelo de Cruyff com o uso de três defesas e muitas vezes alternou o jogo de extremos com o de interiores, garantindo quase sempre que os onzes se mudavam ciclicamente de jogo para jogo. Provou vários jogadores, deu minutos a miúdos da formação e provou que não havia vacas sagradas no balneário. Ao contrário, Tito prefere uma abordagem mais estável.

O seu 4-3-3 é invariável, uma aposta clara num extremo sempre bem aberto (Pedro), um avançado mais móvel que jogue nos espaços deixados por Messi (Cesc, Alexis, Villa), um meio-campo que segure a bola e a faça circular (Busquets, Xavi, Iniesta ou até Cesc) e um lateral mais ofensivo, com o eixo a mutar do lado direito, onde Alves brilhava, para o esquerdo onde o protagonista é agora Jordi Alba. A nível defensivo, Vilanova sofreu uma razia durante largos meses mas o problema não se notou nos resultados porque a cada golo sofrido a equipa encontrava forma de dar a volta. O papel de Messi foi superlativo.

Enquanto a crise do Real Madrid se agudiza e reflecte os números de golos marcados por Cristiano Ronaldo (14 em 16 jogos, menos seis do que logrou na época passada à mesma altura) os de Messi crescem e resolvem, muitas vezes, o problema colectivo. Os rivais do Barcelona encontraram forma de ultrapassar o jogo coral, de encontrar as fragilidades defensivas, de explorar o jogo de posse de bole. O que ainda não encontraram foi uma maneira eficaz de anular de forma consistente a Messi. A derrota em Glasgow provou que só um mau dia do argentino pode impedir a equipa de dar a volta à mais aziaga das situações. Em nenhum caso Tito abdicou do seu modelo, como fez Guardiola tantas vezes, e procurou algo diferente. Tello, Cuenca, Thiago perderam espaço face a um onze mais coral, onde se nota evidentemente o peso dos nomes fortes do vestuário, descontentes com a constante rotação a que Guardiola os votava. Fabregas ergueu-se em protagonista, à custa de David Villa, cada vez mais ostracizado, e Iniesta cada vez joga menos onde está mais cómodo. Nota-se a ideia de Vilanova em privilegiar os homens que ajudou a criar quando foi treinador de juvenis e se cruzou pela primeira vez com Piqué, Messi e Cesc. 

 

Se o titulo espanhol está mais do que garantido, deve-se sobretudo ao respeito que o Barcelona impõe. A grande virtude do processo Guardiola foi criar nos rivais o respeito e o medo absoluto que antes era premissa do Real Madrid. As equipas sobem ao campo conscientes da sua inferioridade, um primeiro passo para a derrota. A bipolaridade do futebol do país vizinho é financeiramente real mas no relvado é ainda maior, surpreendendo só a péssima época de um Real Madrid entregue a um lunático que procura, entre o cerco a jornalistas e jogadores, por um problema insignificante comparado com a falta de fio de jogo alarmante que no ano passado era resolvida com a genialidade individual dos seus grandes jogadores. O Barça de Vilanova não está à altura da cultura futebolística de Guardiola, mas o Liverpool de Paisley também não o esteve de Shankly. Foi no entanto com ele que o clube atingiu a sua época dourada. Resta saber se também nisto, Vilanova será capaz de emular o único homem que venceu três Champions League na história do futebol europeu.



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Segunda-feira, 17 de Dezembro de 2012

A crise desportiva no Sporting é um espelho da sua autodestruição institucional. O histórico clube leonino até há bem pouco tempo era o único clube que ombreava com o FC Porto pelo título nacional mas as consequências do plano Roquette passaram factura como seria de prever. Um clube sem uma liderança e um rumo está condenado ao sofrimento. No relvado e nos gabinetes. O vazio de poder real leva o Sporting à pior etapa da sua história, transformando-o num clube cada vez mais periférico da realidade competitiva nacional.

 

Godinho Lopes foi eleito com polémica. Muita polémica.

Uma eleição que dividiu claramente o núcleo de sócios sportinguistas. De essa eleição era forçoso sair uma política de consensos, necessária sempre que a vitória não é clara nas urnas numa sociedade que se presume democrática. O presidente leonino preferiu ir por outro lado. Caminhou sozinho e foi perdendo, pelo percurso, os seus apoiantes mais directos. Dois anos depois ele é o único sobrevivente da sua direcção original, motivo mais do que suficiente em muitas instituições para provocar novas eleições. Não para ele, orgulhosamente só, timoneiro de um navio sem rumo e perdido, à deriva, em águas profundas.

Os erros de gestão do Sporting nos últimos dois anos têm sido tremendos e repetitivos. Consequência de um plano Roquette mal orquestrado desde o principio que agora começa a passar factura. O Sporting está à beira da falência técnica. Entre os três grandes, é o que vive mais perto do fio da navalha. A situação económica de Porto e Benfica não convida a celebrações, mas entre o sucesso desportivo recente e as mais valias que ambos clubes ainda possuem, a situação é remediável apesar de não ser sustentável. Em Alvalade já não há mais valias. Para manter o pulso com o FC Porto de Jesualdo Ferreira venderam-se os anéis. Começa a ser a hora de vender os próprios dedos. O plante leonino pertence a todos menos ao Sporting. Fundos, empresários, agentes, gestores, bancos. O clube detém percentagens insignificantes da maioria dos seus jogadores e ainda mais ridículas quando se trata dos jogadores que têm um real valor de mercado. Sem poder fazer dinheiro com os seus próprios activos, que solução tem um projecto que acumula dividas atrás de dividas e sem um resultado palpável a que poder agarrar-se. Godinho Lopes é consciente dessa realidade e em vez de parar para pensar, dá um passo em frente, suicida, e multiplica-se em declarações despropositadas e acções que só minam ainda mais a sua frágil liderança. A contratação de Jesualdo Ferreira devia ser, para os sócios, a gota que desborda o copo.

 

Em 2003, quando José Mourinho transformou um FC Porto estilhaçado em rei do futebol europeu, era inequívoca a liderança desportiva nacional do Sporting. Era a geração do título de 2000 de Augusto Inácio, a que se juntava a qualidade individual de João Vieira Pinto, o faro goleador de Mário Jardel e uma geração de talentos tremenda, capaz de emular a de 1992, entre os Hugo Viana, Ricardo Quaresma e Cristiano Ronaldo. O Sporting parecia afastar-se definitivamente dos fantasmas de 19 anos sem títulos. Duas vitórias em três anos eram prova evidente de que algo se estava a fazer bem nas oficinas de Alvalade. Em quase cinco anos todo esse trabalho foi desperdiçado.

O clube entrou numa voragem autodestrutiva inexplicável, abdicou das suas maiores pérolas por preços bastante inferiores à realidade do mercado e começou a abandonar a qualidade em prole da quantidade. A chegada de Paulo Bento, depois da humilhante derrota na final da Taça UEFA em casa, uma semana negra que os adeptos jamais esquecerão, recuperou em parte os princípios da política de Luis Duque do virar do milénio e quatro segundos lugares consecutivos pareciam pressagiar a calma e tranquilidade que não existiam. Bento saiu sem vencer o título (apesar de ter batido de forma directa, por várias vezes, o FC Porto de Jesualdo) e atrás dele deixou uma equipa jovem e cheia de promessas que os seus sucessores nunca puderam aproveitar. Com a nova direcção chegou a política de compra compulsiva. O Sporting, como uma fashion victim com cartão de crédito eliminado no coração dos bairros que congregam as mais emblemáticas lojas de marcas, comprou com o que tinha e com o que não tinha. Mais de duas dezenas de jogadores chegaram em três épocas, empurrando os jogadores da casa para um exílio forçado. E quando os resultados falhavam a culpa, inevitavelmente, seria do treinador. Paulo Sérgio, Domingos, Sá Pinto sabem-no bem.

Curiosamente, em sentido oposto, o trabalho de formação continuava a funcionar, os titulos dos mais novos davam ilusão, e a equipa B, no seu primeiro ano, provava ser a única com estofo competitivo real. Em vez de olhar para dentro o clube voltou a olhar para fora e procurar em Vercautren, técnico belga, a resposta a todos os problemas. A falta de orçamento para algo melhor era evidente mas o desatino presidencial superou todos os limites quando, nem dois meses depois, nomeia Jesualdo Ferreira como Manager. 

Jesualdo, treinador habituado a trabalhar com os mais novos, desde que foi companheiro de Queiroz na forja da Geração de Ouro, poderia ter sido uma boa primeira escolha, mas quando a pressão obrigou Godinho Lopes a destituir Sá Pinto, ainda tinha emprego. Agora será a sombra constante de um belga que sabe que tem as horas contadas ainda antes de ter começado a trabalhar. Tarde ou cedo, Jesualdo passará de Manager a treinador principal confirmando a sensação de que Alvalade se transformou num manicómio profundo. O técnico tricampeão nacional (o único a lográ-lo de forma consecutiva) tem matéria para fazer uma equipa drasticamente diferente da que existe actualmente, especialmente se apostar na formação. Mas não tem margem de manobra para o fazer. Num clube que se tornou na ponte de jogadores para pagar favores aqueles que sustêm a divida da instituição, não há plenos poderes que valham.

 

É difícil um clube com a corda ao pescoço respirar. O Sporting tem uma tradição e um prestigio que distancia, e muito, da sua gestão actual. Financeiramente a sua realidade aproxima-se cada vez mais ao espectro do Boavista com as consequências conhecidas. Tem matéria prima para reerguer-se, uma vez mais, mas falta-lhe a força moral para despir o corset que o impede respirar tranquilamente. Parece evidente que a direcção actual é parte do problema mas não é a única responsável. No estado actual da saúde sportinguista há atrás anos de esquizofrenia absoluta que parece precisar de um verdadeiro tratamento de choque para terminar de forma abrupta. Os adeptos estão condenados a sofrer, os investidores a perder tudo e o clube a afundar-se, um pouco mais, no poço que ajudou a criar e que o afasta dessa imagem de grandeza que o tornou, até aos anos 60, na primeira grande força nacional do futebol português.



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Sexta-feira, 14 de Dezembro de 2012

A uma semana do Natal, vale a pena visitar o @Futebol Magazine para inspirar-se para prendas e conversas interessantes em ceias natalícias!

 

- Fomos o primeiro orgão de comunicação em Portugal a falar dele. Agora que todos já sabem quem é Godfrey Chitalu, vale a pena voltar à origem e conhecer a história mais completa do homem que marcou em 1972 a cifra de 107 golos.

 

- Cultura, arte, livros, filmes, peças decorativas, dvds, jogos de mesa, jogos de computador. A escolha é vossa, no @FM organizamos a melhor carta ao Pai Natal dedicada ao beautiful game.

 

- Em Itália há um emprésario que quer criar um império futebolístico alternativo. 

 

- A Suécia já foi uma potência respeitável no futebol de clubes. Hoje vive uma crise profunda. Vamos explicar porquê!

 


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publicado por Miguel Lourenço Pereira às 13:45 | link do post | comentar

Segunda-feira, 10 de Dezembro de 2012

O futebol português não tem identidade própria há muitos anos. É gerido, com autoridade, desde o escritório de uma empres que tem asfixiado o potencial financeiro da liga à custa de subornar os clubes com migalhas que os mantêm longe da realidade. A mais recente polémica à volta da Taça da Liga, uma competição sem sentido num país que não tem pernas para tanto, apenas evidência o trabalho moralmente correcto de gestão da Liga de Clubes contra um dos maiores cancros do futebol nacional.

 

Quando a Liga começou a trabalhar na redução de clubes da principal competição nacional, de 18 para 16, uma das alternativas propostas aos clubes foi a criação de uma competição paralela que servisse, de certa forma, como recompensa económica pelos jogos ao ano que ficariam por disputar. De certa forma, a ideia da criação da Taça da Liga afastou-se directamente da ideia por detrás das ligas alemãs, francesas e inglesas, as únicas que disputaram uma prova do estilo, e renega da própria ideia de reduzir a Liga da primera divisão a menos clubes para aumentar a competitividade e torná-la mais atractiva. 

Com a Taça da Liga os clubes grandes, prevendo a sua hipotética chegada à final, disputariam mais 3 ou 4 jogos ao ano, o equivalente ao número de jornadas que ficariam por disputar. Os clubes não ganhariam nada com a redução da liga, nem em dias de descanso, nem em poupanças em deslocações ou na organização de jogos porque os vários clubes da primeira e segunda divisão teriam de continuar a bailar pelo país em viagens, alguns deles desde Agosto, sem o mais minimo retorno financeiro. Até à fase de grupos, onde começavam a entrar os grandes em prova, o interesse da prova era nulo e os gastos não eram evidentemente recompensados, em particular para aqueles que abandonavam a prova cedo.

A Taça da Liga inglesa nasceu, nos anos 60, para compensar a maioria dos clubes que não tinham acesso às noites europeias e ao dinheiro extra que significavam. O mesmo esteve por detrás da Taça da Liga na França. Em ambos os casos o torneio é recompensado com um lugar europeu. Na Alemanha o torneio é utilizado como preparação para a temporada e é exclusivo do vencedor da Taça e dos melhores classificados da liga. Mas em nenhum os casos nunca significou uma alteração da liga em número de equipas. França e Inglaterra têm vinte equipas na primeira divisão, a Alemanha dezoito. E nunca deixaram de ser provas residuais, sem interesse financeiro, do público e dos clubes, mesmo sabendo que podia dar direito a um posto europeu algo que a Taça da Liga em Portugal nunca contemplou porque mexia, em demasia, com os interesses dos grandes. Por detrás do projecto pioneiro estava a Olivedesportos, que utilizava o torneio para apertar ainda mais o cerco aos clubes portugueses.

 

A Olivedesportos nasceu em 1984, fruto de um investimento do irmão mais velho de António Oliveira, à época já treinador e um dos maiores vultos da história do futebol português. Joaquim Oliveira tinha estado por detrás da carreira do irmão e começou a trabalhar como empresário no universo futebolístico até que criou a primeira empresa que trouxe os patrocinios estáticos de forma organizada para os campos de futebol. Tornou-se ao longo dos anos no maná para muitos clubes com as contas no vermelho. Apoiou negócios de risco para entidades e directivos sempre com a promessa de que, em último caso, ele estaria disponível a apoiar financeiramente os clubes através das suas empresas. Fez-se amigos de todos e tornou-se no fiador do futebol nacional. Sem o seu dinheiro muitos clubes tinham desaparecido mas também sem a sua influência e o seu guarda-chuva a gestão do futebol nacional tivesse sido mais sustentável desde a década de 80.

Quando entrou no mercado audiovisual, fê-lo em força, criando a primeira plataforma cabo portuguesa, com uns bons anos de atraso do resto da Europa, e a SportTv tornou-se no rosto da sua influência no futebol luso. Enquanto a Sportinveste se começava a dedicar a colecionar publicações, do O Jogo às Diário e Jornal de Notícias, com a respectiva influência da filosofia da empresa evidente nas suas edições, a SportTv tornou-se no cartão de crédito por excelência do futebol português.

Oliveira conseguiu convencer os clubes, em particular os três grandes, a negociar de forma individual com a empresa de forma a obter um maior lucro sobre o rival directo. Dividir para conquistar foi o seu modelo e durante anos tornou-se no cardeal das tomadas de decisão do futebol nacional, asfixiando qualquer tentativa de repensar o modelo. Quando ficou evidente, com a reestruturação da Bundesliga e da Ligue 1, que o modelo de negócio individual era prejudicial a médio e longo prazo, fechou-se em copas e apoiou a eleição de um dos seus homens de confiança para o cargo, o homem que hoje está por detrás da FPF. 

O sucesso da SportTv, ampliado pela ausência de futebol em aberto, foi evidente mas ao mesmo tempo a situação dos clubes começava a ser de dependência total e absoluta. Os contratos eram assinados e o dinheiro era adiantado para pagar dividas de presente deixando os clubes sem rendimento para o futuro. Sem nenhum controlo por parte das autoridades, o poder da Olivedesportos crescia, crescia e crescia. Esteve por detrás da remodelação da Liga Sagres e da criação da Taça da Liga. E agora utiliza a competição para entrar, de novo, em guerra aberta com a primeira direcção da LPF que não responde directamente às suas indicações.

Polémico como poucos, o novo presidente da Liga desde a sua eleição deixou claro que queria aplicar um modelo sustentável ao futebol português. Viu boicotados os projectos de ampliação da competição e da proibição de empréstimos entre clubes da mesma divisão. Mas o seu verdadeiro cavalo de batalha tem sido, sobretudo, a renegociação colectiva dos direitos televisivos. Tem sido o principal instigador da resistência de vários clubes, apoiado de forma indirecta no conflito aberto que existe entre o Benfica e a Olivedesportos. E agora sofre um golpe que não deveria ser mais do que o momento definitivo em que a empresa de Joaquim Oliveira deixa claro que no futebol português ou manda ele ou não manda ninguém. 

 

Sem o contrato da Olivedesportos a Taça da Liga - que já perdera o patrocinador, a empresa de aposta Bwin - deixa de fazer sentido. Desportivamente nunca o fez, financeiramente muito pouco. Agora é uma pedra no sapato dos clubes que de lá retiram pouco mais do que uma alegria efémera em caso de vitória e pouca contestação diante da derrota. É também uma oportunidade de ouro para a LPF se mostrar mais forte que o rival e concentrar todas as suas forças em acabar com o monopólio asfixiante da Olivedesportos e assim levar o futebol português para o forçoso caminho da sustentabilidade financeira, onde o dinheiro seja dividido com respeito a todos os participantes nas ligas profissionais e não seja decidido no escritório de uma empresa que se transformou na guilhotina do futebol profissional em Portugal.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 10:50 | link do post | comentar

Quinta-feira, 6 de Dezembro de 2012

De um problema sério, Michel Platini saca uma carta na manga e permite fazer esquecer uma crua realidade. A sua ideia de um Europeu para todo o continente, sem uma sede fixa, passou de ser uma mera farsa a realidade. O presidente da UEFA deixa o seu provável cartão de despedida (tudo indica que em 2020 seja presidente da FIFA) com uma ideia que existe, pura e simplesmente, para ocultar a incapacidade da UEFA de tomar pulso a uma prova que chegou a ter um prestigio único e que vai perdendo força a cada decisão que o francês toma.

 

Platini nunca venceu um Mundial. 

Em 1982 perdeu nas meias-finais por penaltis. Em 1986 não foi preciso chegar a tanto. Em ambas as ocasiões o vencedor foi a Alemanha. Mas seguramente que o gaulês teve a oportunidade de sentir o impacto que o torneio da FIFA teve na vida dos espanhóis e mexicanos que receberam 24 nações mundiais. Na importância para a sua economia, na melhoria de infra-estruturas, na cultura, na sociedade. Mesmo que lhe tenha passado desapercebida essa realidade no exterior, seguramente que Platini sabe o que significa organizar um torneio e ganhá-lo em casa.

Foi ele o capitão da selecção francesa que venceu o Euro 84, enchendo todos os estádios por onde passava, de Paris a Marseille. E foi ele quem geriu o comité organizador do Mundial de 1998 que a sua França também ganhou, criando uma maré única de apoio social a uma selecção multicultural. Essa vitória fez mais pela integração racial em França do que décadas de políticas governamentais. Seguramente que Platini sabe tudo isso. E no entanto não parece ter remorsos em ser o primeiro presidente da UEFA a destroçar essa bela herança. Essa festa colectiva que, desde 1980, é o Europeu.

Até então apenas as meias finais e final se disputavam num só país. Quando se decidiu ampliar a competição a oito equipas, em Itália, a experiência não trouxe o melhor futebol mas o impacto no público foi evidente, particularmente nos jogos da Azzura e a ideia de manter-se fiel a essa filosofia permitiu que adeptos de países europeus pudessem desfrutar o que a FIFA nunca lhes daria: um Mundial.

Quem viveu o Euro 2004 em Portugal sabe do que falo. Os suecos, os belgas, os holandeses, os austríacos, os suíços, os ucranianos e os polacos também. Entre todos seria impossível organizar um Campeonato do Mundo mas o Euro era a competição que trazia o futebol aos europeus a casa. As performances da equipa nacional podiam ser melhores ou piores mas o entusiasmo popular e o impacto real na economia e nas infra-estruturas desportivas, e não só, desses países, eram evidentes. E acabar tudo isso por uma ideia peregrina porquê?

Simplesmente, porque a UEFA perdeu a margem de manobra para organizar competições deste calibre sem abdicar das suas benesses. Se a FIFA mantém uma política similar mas tem todo o mundo por onde escolher, do Qatar à Rússia, da China ao Brasil, da Índia aos Estados Unidos, a Europa é bem mais pequena. E começa a perder a paciência com Platini e as suas políticas de interesses.

 

A UEFA acabou com o Europeu, no seu modelo actual, quando permitiu que o torneio de França, em 2016 (curiosamente a candidatura menos apreciada inicialmente pelos avalistas da UEFA), incluísse pela primeira vez 24 equipas. Não só porque inclui quase metade das federações europeias, o que significa uma perda de competitividade significativa. Também vai criar vários problemas logísticos, várias questões relativamente aos apuramentos (os melhores terceiros foram uma dor de cabeça monumental para a FIFA) e desvalorizar uma competição que, em termos competitivos, estava quase à altura de um Mundial.

Esta nova decisão acaba por matar, de forma definitiva, o seu espírito tradicional e popular e transforma o Euro num torneio de corporações de uma forma definitiva. Um torneio de consumidores, um torneio de hubs, um torneio de multinacionais, um torneio sem expressão, sem rosto, sem alegria no rosto dos adeptos que sentem que, por um mês, são o centro do Mundo.

A UEFA tinha de escolher entre manter a política actual e o futebol como fenómeno popular. 

Escolheu a primeira opção, a que permite manter o torneio entregue a cinco ou seis empresas que asfixiam os adeptos com anúncios, que ocupam a maioria dos lugares dos estádios para distribui-los entre amigos (que ás vezes nem aparecem), forçando os preços gerais para o público a atingir valores assustadores. As empresas que pagam o salário de Platini têm carta branca para fazer de 2020 o seu torneio. Doze ou treze cidades europeias, cidades de consumidores, vão receber, como um circo itinerante, um torneio sem expressão. Serão palcos preferenciais para aumentar o consumo.

Muito pouca gente, salvo um espectador de um Euro, visitaria Leiria, Donetsk, Sazlburg, Charleroi ou Norkoping como destino preferencial. Acabar com essa realidade para criar uma prova à volta das grandes praças mata essa natureza popular da prova e permite aumentar a margem de lucro. Porque se há alguém que está farto da UEFA é a Comissão Europeia e os seus governos. Fartos das suas exigências para a organização de torneios, fartos da sua atitude autoritária que permite durante a prova ter um controlo quase policial dos estados, que altera leis a seu favor, que saca um beneficio assustador da prova para deixar os gastos exclusivamente ao país ou países que o albergam. De tal forma que, desde que Platini chegou à UEFA, os grandes países lhe viraram as costas. Ninguém está disposto a entrar neste jogo que só acaba por favorecer a UEFA e os seus esbirros. Desde que o francês é presidente da UEFA só países periféricos lançaram a sua candidatura, salvo o caso francês (patrocinado directamente por si) e Itália, que precisa de um torneio internacional para remodelar o seu futebol. Todos os outros candidatos têm sido países pequenos e submissos à sua vontade. Nem Alemanha, nem Inglaterra, nem Espanha, nem sequer a Rússia se dispõem a jogar o seu jogo. Sabedor dessa realidade, incapaz de convencer nenhum destes estados a organizar o torneio de 2020 sob as suas exigências, o torneio da Europa tornou-se na farsa que esconde essa crua realidade.

Ao ser um torneio entre cidades, com estádios de elite, como se de uma Champions League de selecções se tratasse, as exigências da UEFA não são as mesmas mas os lucros são evidentes. É um aviso às federações que não o apoiam de que não são necessárias, é um estalo aos países pequenos, incapazes de suportar os contratos que beneficiam empresas patrocinadas e patrocinadoras da UEFA e é um insulto directo aos adeptos europeus.

 

Platini foi um grande jogador no terreno de jogo mas fora dele tem querido assumir o mesmo protagonismo que tinha no relvado, esquecendo-se que no futebol os dirigentes deviam actuar na sombra e a pensar no bem do jogo. O francês pensa sobretudo na sua carreira e na alegria dos patrocinadores oficiais das suas provas. O futebol, os adeptos e as tradições, para ele, tornaram-se um problema e não a sua principal preocupação. Em 2020 o futebol europeu disputará um torneio entre selecções. Não será um Euro. Será uma espécie de convenção multinacional entre aeroportos. Uma feira de turismo andante. Tudo menos um torneio de futebol. Nessa altura lembrem-se de Platini e agradeçam. O futebol será mais pobre mas quem está ao seu lado acabará muito mais rico.


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publicado por Miguel Lourenço Pereira às 20:21 | link do post | comentar | ver comentários (6)

Segunda-feira, 3 de Dezembro de 2012

Chega ao fim o ciclo de Mourinho no Real Madrid. A partir de agora o treinador português contará os dias para o final do seu mandato como um miudo conta os dias que faltam para acabar o ano lectivo. Com ansiedade. O sadino poderia ter feito da sua estadia na capital espanhola um êxito a todos os níveis, algo sem precedentes na memória de um clube que vive de e para a história. Em vez disso sai como o destruidor de uma herança única e como o mais directo responsável do seu próprio fim, dentro e fora do campo.

 

Não é preciso a imprensa espanhola avançar com o divórcio entre Florentino Perez e José Mourinho para saber-se que esta história tinha um final previsível. Nem que seja pelo próprio historial de técnico e presidente, dois homens que lidam muito mal com relações duradouras num universo onde tudo muda talvez demasiado depressa. Fizeram um esforço, mais a figura presidencial do que o técnico, para coabitar por um objectivo comum. Quando o individual se sobrepôs ao colectivo, o divórcio tornou-se tristemente inevitável.

Mourinho sai de Madrid da pior forma possível. Sai como um huno, como o destruidor de uma imagem que a imprensa espanhola reverenciou durante a sua carreira em Inglaterra e em Itália, tratando-o como ele gosta de ser tratado, o eleito. A imagem de um grupo de adeptos entregados, de um plantel que soube por de parte as suas diferenças para remar em conjunto. Tudo isso o português teve nas mãos. Tudo isso deitou a perder. Por culpa própria.

Na historial do Real Madrid a figura do treinador nunca existiu. Ninguém se lembra dos nomes dos técnicos que venceram as seis primeiras Taças dos Campeões Europeus (Villalonga e Muñoz) mas todos sabem a equipa titular de memória. Figuras como Benhaker, Capello, Heynckhes, Del Bosque ou Schuster foram tratados abaixo de cão por dirigentes, imprensa e adeptos mesmo quando os triunfos surgiam. Em troca, os jogadores eram reverenciados e idolatrados, nos momentos altos e baixos. Mourinho mudou isso. Foi o único homem que se tornou protagonista na história clube não desde o palco, não desde o relvado, mas no banco.

Centrou à sua volta o organigrama do clube, despediu e contratou quem quis, transformou o presidente num holograma vazio e oco, e auto-proclamou-se Deus e Senhor, o único capaz de derrotar o infiel, o demónio. O homem que ocupava os pesadelos dos adeptos merengues, um tal Guardiola.

Nessa cruzada santa, o maniqueísmo tornou-se fundamental. O contra mim ou por mim tornou-se santo e senha. Saíram Valdano, saíram ajudantes, saíram médicos, saíram cozinheiros. Os adeptos, fartos da hegemonia do eterno rival, entregaram-se de coração e perdoaram tudo. A goleada por 5-0 no Camp Nou, a primeira liga perdida antes do tempo, as duas semi-finais da Champions League (entre erros arbitrais, azar e um péssimo planeamento táctico) em troca de um mísero espólio. Uma Supertaça, uma Copa del Rey e uma Liga.

Contra a maior equipa de sempre, diziam, era muito, era inaudito. Uma equipa com um orçamento inferior, uma equipa que nos doze confrontos directos só perdeu duas vezes. Uma equipa que a história aprendera a amar pelo futebol, mais que pelo extra. Mas os titulos avalavam a sua gestão. Mourinho foi perdendo tudo o que ganhou porque nunca soube comportar-se como um cavalheiro do futebol. Foi um rufia, um hooligan. As conferências de imprensa, um insulto constante a quem não o apoiava, utilizando o exemplo da vergonhosa imprensa catalã. Para ele o jornalismo militante devia ser obrigatório, mas só vale quando a seu favor. Contra os rivais faltou repetidas vezes, desde treinadores de pequeno perfil mas grande coração como Manuel Preciado a rivais directos. E o dedo no olho foi o culminar da sua atitude de rufia de bairro, espelho de uma gestão autodestrutiva na essência. Ao menos se no campo o futebol falasse mais alto...

 

Futebolisticamente o que tem sido a equipa de José Mourinho em dois anos e meio de gestão desportiva?

Mourinho fez-se notar em Leiria e no FC Porto com equipas ofensivas, atrevidas, um 4-3-3 ousado, rápido, directo e com o pressing como principal arma. Em Londres mutou para um 4-4-2 mais conservador que logo se transformou entre 4-2-3-1 e 4-3-2-1 na sua passagem por Itália. Quando chegou a Espanha, havia muito pouco do técnico original e muito do cinismo do homem que vergou Itália. Incapaz de dar minutos a todos os homens do ataque com medo a perder o equilíbrio defensivo, condenou Benzema e Higuian a uma guerra fratricida. Fez de Xabi Alonso o pau para toda a obra, destroçando-o fisicamente. Não abdicou nunca de um médio mais defensivo, mais fisico, obrigando a uma rotação excessiva entre dois postos do ataque porque Cristiano Ronaldo, já se sabe, jogava todo e qualquer minuto disponível.

Entregou-se a Jorge Mendes e permitiu que este triplicasse o número de jogadores que tinha no balneário, triplicando assim a sua influência. Permitiu a formação de clãs entre jogadores para aumentar a competitividade, tudo à base do confronto, do desgaste, do ódio disfarçado. Desafiou os homens da casa a vergarem-se ao seu domínio e quando estes preferiram a amizade dos colegas de selecção do outro bando, nunca mais lhes perdoou a traição. 

Em campo a equipa perdia-se sem um fio de jogo, apostando sobretudo na brutalidade do seu arsenal ofensivo e na eficácia goleadora crescente de Cristiano Ronaldo, que sob o seu comando bateu o seu próprio recorde de golos em dois anos. Mas não conseguiu criar uma escola de jogo, não conseguiu definir padrões de comportamento para além dos rápidos contra-golpes e do jogo directo de Pepe e Alonso pelo ar para as costas dos rivais onde a máxima qualidade dos avançados fazia a diferença. Nos duelos europeus e contra o eterno rival recuava linhas, predominava o trabalho defensivo e até hoje ficamos sem ver um só desses jogos épicos que definem a história de uma equipa.

A saída de Guardiola, em parte provocada pelo desgaste mental que suponha a guerra do gato e do rato com Mourinho fora dos relvados, mudou tudo. Acabou a cruzada santa, a vitória parecia ser sua por desistência do contrário. Aí Mourinho decidiu o seu futuro, longe de Madrid.

As condições que tinha permitiam-lhe tornar-se no Manager do clube para a próxima década, o Ferguson da Casa Blanca.

Mas o seu egocentrismo, o seu espírito auto-destructivo foi mais forte. Criou guerras com tudo e com todos. Como fraco abusou da sua força contra os mais débeis e calou-se contra os mais fortes. Minou o trabalho da formação - algo que na sua carreira nunca está nas suas prioridades - acusou a imprensa, um sector de adeptos e a própria directiva. Publicamente dividiu o balneário com o seu apoio directo a Cristiano Ronaldo na luta pelo Ballon D´Or e pelo segundo ano consecutivo o dinheiro investido não resultou em nada beneficioso para o jogo da equipa. No campo o futebol nunca esteve presente e os resultados, desta vez, deixaram de o acompanhar. Teve um arranque de época similar ao da sua quarta época com o Chelsea. Mas a indemnização de despedimento é bem maior e o sonho da Décima ainda acalenta os corações de muitos adeptos e directivos. Com ela, Mourinho poderá ainda tentar sair como um herói, sem ela acabará da pior forma um mandato curto e aos anais da história insignificante.

 

José Mourinho é um dos grandes treinadores da história e tem um curriculum imaculado. Mas também tem um grave problema de personalidade, um culto do ego que relembra em muito Helenio Herrera. O fim de ambos tem semelhanças evidentes. O desgaste do balneário, o titubear da relação com os outrora apóstolos da imprensa, público e directiva e a ausência de resultados. O seu arqui-rival, de ontem, de hoje e de sempre, saiu num ano de derrotas mas com uma aura de vencedor. Mourinho pode acabar o seu mandato em Madrid com títulos, principalmente nas competições a eliminar, mas deixará sempre atrás de si uma sombra de perdedor, de um homem que se perdeu a si mesmo e consigo a possibilidade de transformar o Real Madrid num clube diferente, longe da gaiola de prima-donas em que sempre viveu.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 14:30 | link do post | comentar | ver comentários (47)

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