A vitória categórica do Inter em Turim não se limitou a terminar com um ciclo de 49 jogos consecutivos sem perder da Vechia Signora. Numa liga cada vez mais nivelada por baixo, esse feito estaria sempre longe do logrado pelo AC Milan de Capello quando o futebol italiano reinava supremo nos palcos europeus. O grande vencedor do duelo foi Stramaccioni, o jovem técnico de 36 anos que logrou o que os seus três antecessores foram incapazes, saber como lidar com a pesada herança de José Mourinho.
Mourinho aprendeu cedo que nunca seria um bom jogador e dedicou-se a treinar. Stramaccioni sonhou sê-lo, mas uma lesão no joelho acabou-lhe com as esperanças e abriu-lhe novas portas. Aos 35 anos, o antigo defesa central do Empoli é mais do que o treinador de moda do Calcio. É a esperança de um futuro melhor para o futebol de um país em choque emocional, com uma selecção aplaudida quase tanto como a ganhadora do último Europeu e uma liga que deprime o mais entusiasta. Há serias possibilidades de não existir nenhum clube italiano nos Oitavos de Final da Champions League e essa realidade deixou de surpreender. O dinheiro acabou, a péssima gestão do futebol de formação começa a fazer-se notar e a qualidade do Calcio caiu degrau atrás de degrau a níveis que nos levam aos anos 70. No meio deste cenário, a série de invencibilidade da Juventus de Antonio Conte funciona como espelho fiel da realidade.
A Juventus não joga bem, não entusiasma, não pratica um futebol fascinante, de encher o olho. É tremendamente eficaz no seu 3-5-2 contido que sabe que a velocidade das peças, nesse jogo de xadrez que é o futebol italiano, conta mais do que qualquer coisa. Uma equipa de valores médios, uma equipa sem estrelas nem jogadores fascinantes, onde Pirlo representa o romantismo dos anos 90 e Giovinco a readaptação a uma nova vaga de futebolistas. Pelo meio estão os Vidal, Isla, Asamoah, Quagliarella, Vucinic e companhia, jogadores que não entusiasmam nem o mais fanático dos tiffosi, que se agarram ao espírito de luta de Marchisio e Chielinni e à promessa gualesa, Paul Pogba, que deixou plantado a Alex Ferguson, que via nele o médio defensivo que tanta falta lhe faz, para acreditar num futuro melhor. Esta temporada, depois do título, a realidade europeia deixou a Juve no seu merecido lugar e os campeões italianos podem falhar, outra vez, o apuramento para a próxima fase. Foram superados futebolisticamente por Chelsea e Shaktar e agora é com eles com quem discutirá o apuramento directo. Dois jogos de matar ou morrer, um formato onde os italianos se movem bem mas muito traiçoeiro. Até porque a derrota inesperada em casa contra os neruazurri reabriu a luta pelo scudetto, até agora adormecida pelo soporífero mas tremendo eficaz futebol bianconero.
Stramaccioni é um sinal de esperança mas não é um revolucionário.
O jovem treinador começou no futebol de base e aí aprendeu a ter paciência, a saber o valor da bola e dos tempos de jogo. Começou na Roma e rapidamente chegou ao Inter pela mão de Ranieri e começou a aplicar o seu método de trabalho, inspirado na sua admiração mútua, apesar de aparentemente contraditória, no jogo de Guardiola e na filosofia de Mourinho. O seu impacto foi imediato e pela sua mão o Inter, a tal equipa envelhecida profundamente nos séniores, venceu categoricamente a NextGen Series, um torneio dedicado às esperanças do Velho Continente, uma espécie de Champions League juvenil. Associado ao título Primavera italiano, o seu trabalho deu imediatamente nas vistas e Massimo Moratti, cansado do futebol especulativo de Ranieri, decidiu arriscar como nunca e apostou tudo no jovem técnico nomeando-o treinador principal dos neruazurri.
O técnico entendeu que a herança de Mourinho ainda estava demasiado presente. Benitez e Ranieri, técnicos com quem o português teve sérios problemas dialécticos, nunca entenderam os jogadores que juraram fidelidade ao português e perderam rapidamente o balneário. Stramaccioni jogou as peças certas. Reconheceu imediatamente o mérito de Mourinho, a sua herança e a qualidade dos jogadores a quem muitos tinham passado um atestado de maioridade. Mas também alertou para o seu trabalho com os mais novos dando a ideia de que havia futuro para lá dos campeões europeus de 2010. Acabou a época "roubando" o título ao eterno rival de Milão, um resultado que lhe deu a oportunidade de começar uma temporada desde zero.
Nessa mistura coerente e profissional, Stramaccioni começou a trabalhar, recuperando o 4-3-2-1 de Mourinho mas com uma vivacidade e mobilidade que tinha desaparecido. Reergueu Diego Milito das sombras e associou-o a Antonio Cassano e Roberto Palacio, no lugar do lesionado Wesley Sneijder, para criar um tridente ofensivo mais talentoso do que obreiro. No meio-campo apostou forte no brasileiro Coutinho, que vinha de um ano superlativo no futebol espanhol, e rodeou-o do músculo de Gargano, Cambiasso e Guarin. Ocasionalmente regressou às origens de Herrera com a aposta num médio mais solto e veloz, o japonês Nagatomo. E, sobretudo, encheu de juventude o balneário, homens da sua confiança como Livaja, Mbaye, Bianchetti, Duncan ou Jonathan. Com essa ideia de futebol rápido mas de linhas compactas, recuperou a eficácia, oscilando entre uma linha de três avançados e um meio campo mais trabalhado, consequência dos problemas físicos de Sneijder, Cassano e Coutinho. Uma aposta que começou cedo a dar frutos. Apesar do enfoque no futebol da Juventus e no desafio do Napoli, o Inter rapidamente se tornou protagonista. Sete vitórias consecutivas depois de uma derrota em Siena colocaram os neruazzuri no segundo lugar da tabela, a apenas um ponto da Juve. Pelo meio duas vitórias chave, contra o Milan e a própria Juventus, que garantem que este projecto sabe ser eficaz com os mais pequenos e tremendamente competitivo com os rivais directos. O modelo Mourinho na sua estância italiana.
O potencial de crescimento de este Inter é evidente apesar da espinha dorsal da sua equipa continuar a ser composta por homens que vêm dos dias de Mourinho. A evolução, mais do que a revolução, será tranquila e o técnico italiano, conhecedor dos jovens talentos que aí vêm, sabe que tem armas escondidas que lhe podem ser úteis quando a época começar a apertar. Não é ainda uma equipa feita para desafiar os grandes da Europa mas recuperar o domínio em Itália é só o primeiro passo. Com tempo, Stramaccioni pode lograr construir um projecto com claras ambições europeias. Moratti seguramente terá dificuldade em esperar, está-lhe no sangue, mas até agora o jovem técnico só lhe deu razões para sorrir.
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