O arranque da era Vilanova tem superado as expectativas a nível de resultados mas a qualidade de jogo blaugrana baixou claramente em relação aos quatro anos com Guardiola ao leme do clube. A essa realidade, que pouco parece preocupar os eufóricos catalães, contribui seguramente o desastre defensivo em que se transformou o projecto Tito. Apostar por dois médios defensivos como centrais não só destroi a concepção original do modelo como abre as portas a que os rivais acreditem que asfixiar a área de Valdés é o caminho mais curto para a vitória.
O projecto Guardiola consagrou-se na fantástica linha medular e ganhou títulos graças à classe de Valdés nas redes e de Messi na área contrária.
Mas para o técnico de Santpedor o trabalho defensivo era fundamental para garantir vitórias e por isso a sua confiança no quarteto Alves-Puyol-Pique-Abidal foi uma constante. Para azar do técnico blaugrana, esse foi também o sector que mais dores de cabeça lhe deu em quatro anos. E o seu sucessor vive agora a mesma situação.
Com Eric Abidal fora dos relvados até 2013, como mínimo, e com Charles Puyol a sucumbir lesão atrás de lesão a um físico que não lhe permite voltar aos seus melhores momentos, Guardiola já teve de adaptar Mascherano a central e recolocar Adriano como lateral alternativo. Foram opções forçadas com fracos resultados. Com o Jefecito, a defesa blaugrana ficou mais permeável ao jogo rival, mais débil no jogo áereo e menos sólida na construção de jogo. Com Adriano pela esquerda os extremos encontraram espaços que não existiam quando era o francês o responsável pela posição. Duas circunstâncias que explicam a fragilidade defensiva do Barça, principalmente na época transacta. E que continua.
Resulta estranho que, face a esta dura realidade, o Barcelona não se tenha movido no mercado nos últimos dois anos para resolver este problema.
Jordi Alba chegou, é certo, mas o ex-canterano é um lateral com vocação de extremo, tal como Alves, e a sua incorporação permite mais aumentar a asfixia ofensiva do que resolver os problemas defensivos dos catalães. Já no Euro 2012, onde foi uma das maiores revelações, Alba foi pouco testado nas tarefas defensivas e encontrou no ataque uma comodidade inusual para um lateral. O cansaço acumulado pelo Europeu e Jogos Olimpicos custaram-lhe a titularidade neste arranque de época apesar de ser expectável que, pouco a pouco, Vilanova lhe entregue o flanco esquerdo livremente. Mas no centro, nem no último ano de Pep nem no primeiro de Tito, não houve novidades. Um desleixo, sabendo sobretudo que Puyol já não é o que era e que Piqué, como se viu no ano passado, tem sofrido por manter-se ao mais alto nível como um dos centrais referência do futebol europeu.
Entretanto foram saindo opções.
Muniesa tinha prevista a cedência ao Ajax antes da grave lesão que sofreu e que o manterá fora dos relvados até ao próximo ano. Botía foi cedido, primeiro ao Gijón, e depois vendido acabando em Sevilla. E a Marc Bartra, as oportunidades continuam a ser negadas ano atrás ano, deixando a dúvida de que o clube realmente acredita que ele pode ser, como se previa, o sucessor de Puyol na linha defensiva.
Face aos erros de mercado que foram Henrique e Chygrinski, o sector central da defesa tornou-se no grande quebra cabeças do Barcelona que no mercado manteve-se inactivo apesar de Vermaleen, Verthogen, Criscito e até Vidic terem sido hipóteses estudadas pelo clube. No final os esforços financeiros ficaram-se por Alba e Song. A chegada do camaronês permite aumentar, ainda mais, os receios e dúvidas dos adeptos blaugranas.
O ex-Arsenal afirmou-se sempre pela sua posição de médio defensivo, com uma capacidade fisica tremenda e capacidade de cobertura superlativa, dando a Diaby, Cesc, Whilshere ou Arteta, espaço e ar para poder manejar a bola com segurança. Um jogador com o perfil africano de médio possante bem definido que Vilanova quer, forçosamente, face à lesão de Piqué, reconverter em central. Uma posição onde, está claro, se maneja com muitos, muitos problemas. Da mesma forma que Mascherano é um central perigoso, pela forma como não sabe controlar o jogo aéreo e sair com a bola controlada, elementos fulcrais no modelo de jogo de Tito e da escola guardiolista, colocá-lo lado a lado com um jogador com sérios problemas de adaptação a um posto nuclear é um risco muito sério que só uma equipa com o arsenal ofensivo do Barcelona seria capaz de realizar sem temer as repercursões.
Para já o clube da cidade Condal soma vitórias por jogos disputados mas a maioria delas sofridas. E com golos concedidos que em anos anteriores seriam impossíveis. Frente ao Sevilla o Barcelona encontrou-se a perder 2-0 em dois lances em que a defesa tem sérias responsabilidades. O mesmo passou nos jogos da Supertaça, com o Real Madrid. E mesmo nas vitórias mais claras e expressivas a defesa nunca deu sinais de absoluta segurança. Sem a frieza de Piqué, que continua longe da sua melhor forma, e do espirito de liderança de Puyol, o Barcelona encontra-se com um problema que não soube resolver no mercado e que tem falhado em resolver no relvado. Na próxima semana o Clássico abre as portas à especulação, particulamrnete porque foi a linha defensiva a que permitiu a reviravolta na eliminatória que terminou com a Supertaça a cair para o lado do Real Madrid na última vez que mediram forças.
Para um clube que conta com o melhor plantel ofensivo do mundo, com jogadores no meio-campo que ajudam a redifinir o conceito do futebol moderno, que a linha defensiva seja a actual é um problema sério para o futuro. A época é longa e haverá jogos onde os génios do ataque estejam menos inspirados e que o rival seja mais ousado, como foi o Sevilla no primeiro tempo do duelo de ontem. Nesses momentos a frieza dos defesas será fundamental e com Mascherano e Song o cenário não é o mais optimista. Será o grande duelo de Vilanova consigo mesmo, encontrar as peças do puzzle para reequilibrar uma equipa que aspira a mais um ano histórico.
Até aos anos 90 a FIFA tinha claro onde estava o verdadeiro poder nas estruturas directivas do mundo do futebol. Por isso os Mundiais, a sua prova rainha, o evento máximo do beautiful game, oscilava entre Europa e América, sem nenhuma discussão aparente. Mas os tempos mudaram, o dinheiro começou a faltar e Joseph Blatter teve de piscar o olho às restantes confederações e criou o critério de rotação continental. Mas conhecendo os novos horários do próximo Campeonato do Mundo, fica claro que, apesar de minoritário, o mercado europeu continua a ser a grande preocupação dos homens da FIFA.
Na África do Sul, a entrar em pleno Outono, os horários dos jogos eram os mesmos do que os espectadores europeus.
A diferença horária de uma hora permitia adequar os horários reais aos horários televisivos do público europeu e não houve demasiada polémica. Todos estavam contentes. Todos menos todos os adeptos fora do Velho Continente, habituados, mas cansados, de ter de ver todos os grandes torneios fora de horas. As polémicas na Europa à volta do conceito de rotação de continentes doeram à FIFA. Durante cinquenta anos a organização sempre teve predilecção pelos palcos e pelo público da Europa, mas a globalização e a necessidade de agradar a asiáticos e africanos como se agradava a europeus e americanos obrigou Blatter a dar o braço a torcer. Com os respectivos efeitos colaterais.
Na Europa não está o principal mercado do Mundial. Está o mais antigo e prestigiado, seja lá o que isso signifique em contexto de mercado de audiências, mas não é difícil ver mais pessoas a seguir o torneio na Ásia, na América Latina e até mesmo em África do que na Europa. E no entanto tudo ainda é feito à sua medida. Depois das criticas dos horários do Mundial de 1994, nos Estados Unidos, com jogos em horários de altas temperaturas para não desagradar os europeus, a FIFA capitulou e o Mundial da Ásia, no Japão e Coreia do Sul, viu-se essencialmente pelas manhãs para respeitar o horário local e a saúde dos jogadores, por muito que os Europeus tenham tido sérios problemas em conciliar a vida laboral e o seguimento da prova. A péssima performance dos países favoritos não ajudou e na Europa o torneio foi um relativo fracasso o que deixou o aviso para edições futuras. Como a do Brasil 2014.
A FIFA anunciou hoje os horários do próximo Mundial e assustam.
Num país que em Junho vive um Outono tropical, que oscilará entre uma humidade e calor asfixiante especialmente nos jogos a norte, e chuvas e temporais, nas zonas costeiras, é importante ter em consideração tanto os horários como as condições em que se vão disputar os encontros. Pelos jogadores, pela qualidade do jogo e pelos próprios espectadores que vão estar fisicamente presentes na prova. Mas para a FIFA esses conceitos são superficiais quando se trata de discutir os horários televisivos, a salsa do futebol actual.
A prova arranca a 12 de Junho e o jogo inaugural será disputado às 21h00 portuguesas (mais uma no horário central europeu) - 17h00 - em claro prime time. A final, a 13 de Julho, um mês depois, será uma hora antes, 20h00 horas portuguesas (21h00 europeias) e, inevitavelmente, às 16h00 brasileiras. A final de um Mundial no calor de uma tarde brasileira é um cenário, no mínimo, surrealista.
Na fase de grupos, onde haverá uma média de três jogos diários, vão-se usar vários cenários, desde jogos às 13h00 da tarde (hora de máximo calor) até às 21h00, também do Brasil, o que permite uma oscilação no mercado europeu das 17h00 e 01h00 da madrugada. No continente asiático, onde está o verdadeiro core de audiências, os jogos serão essencialmente transmitidos durante a madrugada, sem qualquer consideração pelos seus espectadores enquanto que o continente africano seguirá o torneio com horários similares ao Europeu.
Na fase a eliminar, os jogos serão disputados durante a tarde brasileira e prime-time europeu. Sem qualquer respeito pelos jogadores e pelos adeptos locais.
Para uma organização que diz que gere o jogo para o seu próprio bem, o Mundial é a verdadeira prova de fogo de como gere os destinos do seu jogo. E este Mundial prova, de uma vez por todas, que há muito que os senhores de Zurique se esqueceram do futebol para concentrar-se nos seus rendimentos. Enquanto se equaciona um Mundial no Inverno europeu para não coincidir com o calor asfixiante dos horários de Junho no Qatar, o último torneio americano nos próximos 14 anos deveria ter em consideração os próprios sul-americanos, que não recebem uma prova desde o longínquo 1978. Em vez disso, a FIFA aposta sobretudo pelo mercado europeu, talvez pensando em contentar os seus associados quando cheguem as próximas eleições - onde a UEFA terá um papel fundamental - e nos contratos com as multinacionais que fazem da Europa o seu mercado preferencial, pelo maior poder de consumo que ainda ostenta. O Brasil, mercado emergente como será a Rússia em 2020, recebe o torneio mas continua a ser forçado a adaptar-se à vida diária dos seus antigos conquistadores.
Para um adepto europeu estes horários são boas noticias. Mantém-se a tradição absoluta de seguir a prova rainha na comodidade dos horários pós-laborais, sem grande ginástica logística. Para o resto do mundo a situação continua a parecer-se com a asfixia de longas décadas de autoritarismo eurocêntrico. Os sul-americanos terão de decidir entre trabalhar e ver os jogos no seu torneio. Os asiáticos terão de esquecer-se de dormir durante um mês tudo para que na Europa o jantar seja acompanhado dos pratos fortes da jornada. Sepp Blatter fecha o ciclo que abriu João Havelange. Dar ao Mundo uma mão assegurando-se de que na outra fica com as suas carteiras, a sua moral, o seu futuro!
A lamentável imagem da noite de domingo em Vallecas deixa a nú a realidade do futebol espanhol. O país que conta com a melhor selecção do mundo e as duas equipas com o maior número de estrelas por metro quadrado, é também o país onde clubes de primeiro nível sobrevivem de esmolas, vivem à beira da ilegalidade, pagam tarde e a más horas e deixam as suas instalações definhar progressivamente. Vallecas é o estado real do futebol de um país que se esconde atrás do seu pódio de protagonistas para tapar as suas misérias.
Martin Presas não é um presidente qualquer.
O homem responsável pelos destinos do Rayo comprou o clube à familia Ruiz de Mateos, que sempre andou em conflito com a justiça - e segue - para fazer dele a sua coutada pessoal. Mas encontrou-se com uma das massas adeptas mais fanáticas, no bom sentido, de um país onde a maioria dos adeptos preocupa-se primeiro com o resultado de Madrid ou Barcelona, antes de pensar nas suas próprias cores. No decorrer do jogo de ontem, o segundo jogo, o que nunca devia ter sido realizado, foi apupado pelos seus. Não lhe valeu as desculpas de mau pagador, as acusações de sabotagem, de atentado terrorista futebolistico que lançou quando na noite de domingo as luzes do estádio de Vallecas ficaram por acender.
O Real Madrid tinha de jogar nessa noite no campo do pequeno clube de bairro da capital.
Era um jogo fundamental. Em dois jogos fora, o Madrid não tinha vencido nenhum e com quatro pontos caminhava já a onze do líder absoluto da prova, o Barcelona. Um jogo de tensão, especialmente porque Vallecas não é um campo fácil, como se demonstrou pela vitória sofrida do ano anterior. Um jogo de expectativa, para saber se a polémica entre Mourinho e o plantel, em particular Sérgio Ramos, estava definitivamente ultrapassada. Enfim, um jogo debaixo dos focos mediáticos. E um jogo que nunca se disputou.
Uma hora antes do arranque do encontro caiu uma tempestade sobre a capital espanhola. Os jornalistas presentes no estádio viram um clarão de luz e de repente, a escuridão. Quando as luzes voltaram a ser acesas, os interruptores não responderam e o estádio ficou sem iluminação. A uma hora do arranque do encontro os adeptos, cerca de 15 mil, foram deixados à porta, as equipas no relvado, desorientadas, e no telhado das bancadas, operários improvisados, sem condições, tentavam perceber o porquê. À hora oficial do arranque do jogo começou a surgir o rumor de uma sabotagem, entrada a noite o Rayo Vallecano disponibilizou fotos na sua conta de twitter em que mostrava uma caixa de luz com cabos cortados e o jogo foi adiado por 24 horas. Deixando a nú todas as misérias do futebol espanhol.
Apesar da polémica poucos acreditam que em poucas horas uma equipa especializada fosse capaz de surgir no coração do estádio de Vallecas, cortar 25 cabos e assim boicotar um jogo de máxima intensidade. O estádio do Rayo Vallecano é reconhecido por ser um desastre de gestão e manutenção e se o clube se apurasse para as provas da UEFA nunca receberia o selo de aprovação para os jogos em casa.
Mas não é o único. A crise económica espanhola tem levado muitos clubes a baixar a guarda no que diz respeito à manutenção e cuidado com os seus estádios e centros de estágio. Em Valencia e Madrid, tanto o Atlético como o Valencia têm as novas casas paralizadas, à espera de financiamento, e o estado actual do Nuevo Mestalla e do Vicente Calderon deixam muito que desejar. O caso de Vallecas é apenas a ponto do iceberg do que pode surgir no futuro num país onde quase nenhum clube paga os salários a tempo e horas. Um país onde a maioria dos clubes deve dinheiro mais do que é capaz de gerar e é forçado a vender para manter-se vivo. Uma liga das estrelas que vive, sobretudo, do imãn mediático que Real Madrid e Barcelona provocam, e do sucesso de uma política desportiva de formação que garante que a selecção principal continuará a dar cartas no panorama internacional.
Os problemas financeiros de clubes históricos, as acusações de compra e venda de jogos no final da temporada, os horários televisivos escolhidos a dedo por uma empresa de televisão que tem contribuido activamente, em conjunto com os clubes e os seus preços exorbitados de bilhetes, para que a assistência média caia de ano para ano, são apenas alguns dos espinhos da rosa que é o futebol do país vizinho.
A crise económica que assola Espanha não deixará, seguramente, que a situação mude nos próximos anos. O fosso entre grandes e pequenos é cada vez maior e só o prestigio das vitórias internacionais mantém a ilusão que a liga espanhola é ainda uma liga de estrelas e campeões. No entanto a gestão dos clubes e dos directivos federativos tem contribuido para piorar a cada temporada que passa o producto final e as consequências no futuro podem ser devastadoras para os que não se prepararam para a tempestade.
Um dia de emoções fortes no futebol inglês. Dois jogos entre equipas de nome, prestigio, orçamento e plantéis dignos de potências europeias e que acabarão por disputar entre si os primeiros postos da tabela classificativa. Uma tarde onde a qualidade do futebol foi equiparada pela emoção do resultado e, sobretudo, um dia que deixou claro que a emoção que a Premier League é capaz de gerar não tem ainda rival à altura no panorama internacional.
Em Anfield sentiu-se a emoção do momento. Em Manchester a guerra psicológica entre duas ideias bem distintas.
Dois velhos rivais deram as mãos em nome de um passado sangrento e finalmente purificado ao som do You´lle Never Walk Alone. As mãos de Evra e Suarez encontraram-se sem problemas, os adeptos cantaram com mais força do que nunca e o espectáculo foi digno dos grandes duelos entre as duas equipas mais bem sucedidas da história do futebol inglês.
O resultado foi o grande desgosto dos filhos da Kop. Mas o futebol esteve do seu lado. Não só o Liverpool jogou melhor que o Manchester United como mereceu claramente um triunfo que se lhe escapou e que os atira, de forma inapelável, para a parte final da tabela classificativa. A expulsão de Shelvey, discutível, determinou o rumo de um jogo até então dominado pelos homens de Brendan Rodgers. Se o Man Utd tinha deixado pobre imagem nos primeiros jogos da época, em Anfield confirmou-se que a equipa de Ferguson não está fina.
Um imenso buraco no meio-campo onde Carrick e Giggs eram incapazes de ditar os tempos, deixando Kagawa demasiado só, atados pelo esquema mais dinâmico do novo técnico do Liverpool. Um buraco que nunca se tapou, nem sequer com a entrada de Paul Scholes, e que em jogos mais exigentes pode custar caro a um Ferguson que apostou forte no mercado para fazer-se com os serviços de van Persie e que, pelo menos aí, tem visto a sua aposta funcionar. Cinco jogos, cinco golos para o holandês. O segundo de hoje, de penalty, num lance igualmente discutível, resolveu um jogo que o Liverpool não só dominou como começou por vencer, com um golpe de Steven Gerrard preciso. Um remate colocado e inesperado de Rafael e o tal polémico penalty perto do fim, deram um ar de engano a um marcador final que não faz justiça a uma equipa onde se nota a juventude mas também a vontade de crescer. Os adeptos reds só têm de acreditar e dar tempo a Rodgers, a matéria-prima começa a dar os seus frutos, pensando sobretudo no excelente jogo de Sterling, Allen e Borini.
Em Manchester, a vitória do grande rival dos Citizens obrigava a Mancini a vencer para não perder o comboio dos lideres - o triunfo de um Chelsea intenso manteve-os isolados na frente da tabela - e ao mesmo tempo, afastar-se de um Arsenal com um arranque de temporada inesperadamente positivo, face às baixas no plantel de van Persie e Song.
Como em Anfield o favorito jogou pior, esteve perto de vencer de forma injusta mas aqui, o destino foi mais simpático com Wenger e permitiu-lhe manter-se par a par com os homens do dinheiro fácil, como os acusa de forma regular. Os milhões do plantel do City não souberam lidar com uma equipa com um orçamento francamente mais baixo mas futebolisticamente igual de perigoso. As movimentações de Cazorla e Ramsey descoordenaram o meio-campo dos homens da casa e a bola parecia sempre mais cómoda nos pés dos gunners.
Mas como sempre parece acontecer, o City encontrou-se com um desses lances de bola parada que tão bem sabe rentabilizar. A ajuda de Manonne, o oportunismo de Lescott e a passividade da defesa do Arsenal fizeram o resto e um golo caído, literalmente, do céu, obrigou o Arsenal a acelerar ainda mais e o City a jogar o seu estilo de jogo preferido, de gato e rato, de golpe e contra-golpe. Um jogo onde se sente francamente cómodo e que lhe permitiu aproximar-se com mais perigo da baliza rival do que tinha logrado antes do golo.
Foi nessa vertigem ofensiva que um Arsenal voluntarioso mas quase sempre trapalhão encontrou a justiça nos pés de Koscielsny e com esse golo manteve igualada a posição na tabela com os pétrodolares do City, se bem que a uma distância já considerável dos homens de Roberto di Matteo, autores de um arranque de época perfeito.
A Premier arranca com alguns dos clássicos já disputados e com a certeza de um ano intenso com vários candidatos ao ceptro do Manchester City. Nem o Arsenal se encontra tão mal quanto se podia prever nem os pontos de United deixam de esconder as suas debilidades futebolísticas. Se ao Liverpool há que dar tempo para por em prática as ideias de Rodgers, tanto Newcastle como Everton têm dado sensações positivas que poderão confundir um pouco mais as contas até ao final da temporada.
Recuperamos os melhores artigos publicados ao longo desta última semana na revista online @FutebolMagazine. Uma leitura a não perder!
- Um clube com nome de jogador? Em Nova Iorque o FC Cantona une como ninguém o amor pelo futebol e pela arte.
- Os homens que decidem o futuro do jogo estão no International Board. Conheçam o organismo que define as regras do futebol.
- Um designer português inventou um clube alemão para demonstrar o poder do marketing.
- O México pode ser um real candidato a vencer um Mundial?
- Dolce e Gabanna unem moda e futebol num livro único.
- Tommy Taylor, o Busby Babe que a história esqueceu.
Há alguma diferença entre a antevisão desta edição da Champions League, que amanhã arranca, e da que vivemos nos dois últimos anos? O futebol é um fenómeno imprevisível, e a final de Munique da última edição prova-o, mas à partida para mais um ano de futebol europeu, nada mudou. Os favoritos continuam a ser os mesmos, as surpresas esperadas continuam a ser as mesmas e o mais provável é que a história continue a negar-nos uma final entre os dois colossos espanhóis em Londres.
Real Madrid. Barcelona. Barcelona. Real Madrid.
Não há outros favoritos. Não há outras equipas que estejam ao mesmo nível. Não há outros clubes que gerem tanta expectativa para o arranque da nova temporada da Champions League do que os dois grandes do futebol espanhol. Tem sido assim nos últimos três anos. E no entanto, nem o Real Madrid chegou à final em nenhuma das últimas tentativas, nem o Barcelona conseguiu manter a coroa na última temporada. Desde 1990 que nenhum clube vence a prova rainha da Europa por dois anos seguidos. No formato Champions nunca aconteceu. Olhando para o vencedor da última época é muito pouco provável que este seja o tal ano. Mas pode muito bem ser o ano que permita, na próxima época, que se faça história. Real. Barcelona. Barcelona. Real. Entre eles desenha-se o presente e o futuro.
O Real Madrid de José Mourinho não vai a uma final desde 2002, quando venceu a nona edição da sua história em Glasgow. Dessa equipa só sobra Casillas, que nessa noite começou a sua candidatura a santo da devoção do madridismo. Depois de dois anos e de duas meias-finais perdidas, este é o ano do tudo ou nada do projecto merengue do técnico português, o tal que quer ser o primeiro a igualar Bob Paisley e vencer três Champions. O primeiro em três clubes diferentes. Do outro lado do ringue, o inevitável Barça. Sem Guardiola. Apesar de Tito. Sem a necessidade de Guardiola e graças a Tito? As perguntas que se fazem na comarca blaugrana giram à volta dessa realidade. Nos últimos seis anos, o Barcelona venceu três vezes a prova e recortou as diferenças históricas com os maiores do continente. Desde 2007 que não falha uma meia-final e Messi quer partir para mais uma época como Bota de Ouro do torneio. Haverá alguém capaz de impedir a sua fome de golos e títulos?
Em 2011 escrevíamos algo similar. Nós e todos.
Ninguém perspectivava um final distinto, uma festa longe de Cibeles ou de las Ramblas. E no entanto o futebol é assim, caprichoso, imprevisível. Futebol portanto. E a festa fez-se, pela primeira vez na história em Londres. Na mesma Londres que recebe a final, pela segunda vez em três anos, ironias da vida, como se não houvesse estádios de luxo por esse continente fora para receber a festa do futebol europeu. Mas Wembley não é Stanford Bridge e é aí que o rejuvenescido Chelsea, o mesmo de Mata e de Hazard, o de Torres e Óscar, procurará defender uma coroa que muito poucos esperam que mantenha. Os Blues não são sequer a equipa inglesa favorita. Nem o eram o ano passado. O Manchester City rompeu a gafe da Premier mas na Champions desiludiu. Pelo segundo ano consecutivo no "Grupo da Morte", este será o ano determinante na nova etapa dos Citizens, recheada de petrodolares. Não se permite um novo fiasco europeu, não se imagina a equipa longe do top oito, mas depois de dois anos entregue à Bundesliga, o Borussia de Dortmund quer finalmente voltar a dar cartas na Europa. E o Real é o Real. Passam dois, um será o máximo candidato a vencer a Europe League, mas ninguém está disposto a abandonar o barco sem luta.
Perto do City of Manchester, em Old Trafford muitos querem recuperar a ilusão de ser uma potência europeia. Mas o Manchester United, a única equipa que rivalizou com o Barcelona durante os últimos anos, perdeu aparentemente o comboio dos favoritos e agora parte como eventual surpresa, mais graças aos golos de van Persie do que ao meio-campo, ainda algo desequilibrado, de Ferguson. Um técnico que quer vencer a sua terceira Champions, como Mourinho, para retirar-se em paz. Wenger, por outro lado, quer vencer a sua primeira e acredita que num ano onde a Premier é um sonho quase impossível, como sucedeu com Liverpool e Chelsea, as atenções podem virar-se definitivamente para a Europa onde os gunners sempre falharam nas noites decisivas. A este clube anglo-hispânico podem juntar-se os alemães de Munique, depois do trauma que significou perder em casa uma final que estava ganha, os italianos de Turim, de regresso a uma prova que conhecem bem e até os franceses do PSG, mais a peso de ouro do que à base de prestigio. Mas ninguém imagina umas meias-finais, sequer, com outras equipas que não estas.
Zenit, FC Porto, AC Milan, SL Benfica, Valencia ou Shaktar são os outros nomes de quem todos falam para surpreender. Tal como no ano passado. Alguns ficarão pelo caminho muito cedo, outros podem realmente ser surpresas, mas nenhum tem capacidade para desafiar as dez principais formações do futebol europeu actual.
Na final de Londres seguramente não estarão aqueles que todos dão como favoritos hoje. Ao longo da história Real e Barça partiram como favoritos e nunca se encontraram no jogo decisivo. Caprichos do sorteio, maus momentos de formação, eliminações surpreendentes, tudo vale. Ninguém é capaz de arriscar dois finalistas porque ninguém tem coragem de eliminar antes do tempo aos dois gigantes espanhóis, mas a época de Champions que nos aguarda terá as suas surpresas, os seus jogos para a história, os seus momentos de antologia e as suas desilusões. E no final mais uma equipa para perdurar na memória, para entrar no folclore emocional de um torneio que ainda hoje é único no panorama internacional.
Espanha bateu o recorde de posse de bola num só jogo. 80%, um número que seria assustador não fosse habitual ver as exibições da Roja em números que não dormem tão longe como isso do novo recorde obtido. Foi em Tiblissi. Foi com a Geórgia. E terminou com uma apertada vitória a 1, com um golo a cinco minutos do fim. Espanha sente a bola como nenhuma selecção do Mundo. Por isso sente-se e transforma-se numa equipa quase invencível. Mas ter sempre a bola não significa vencer sempre e as vitórias pela mínima transformaram-se, mais do que numa imagem de marca, num suspiro de ansiedade que gera nos seus adeptos o jogo rendilhado dos espanhóis.
Há quem prefira um futebol intenso, rápido, de trocas sucessivas de golpes. De lances, de oportunidades, de golos. De muitos golos.
Quem goste de um modelo mais britânico, mais parecido a um combate de boxe onde ambos os lutadores se olham nos olhos, sem medo, e desferrem murros sem piedade até que, seja por pontos seja por k.o., vença. Essa é a escola original, aquela que mais perto se encontra da verdadeira origem do futebol moderno. Um futebol que privilegia os golos por cima de tudo, que os valoriza a eles e aos seus autores por cima de todos os outros. Um futebol de acção, de emoção, de suspense, de intensidade.
E no entanto esses adeptos vivem dias negros, dias em que o futebol de ataque e contra-ataque, de troca de golpes, tem-se visto suplantado pelo futebol de posse. O futebol em que a bola, e não as balizas, é protagonista. O futebol onde a bola é minha e de mais ninguém, onde a equipa descansa com a bola nos pés, em trocas de bola controladas, em longos momentos de possessão, um futebol onde as oportunidades se contam pelos dedos das mãos mas, quando surgem, parecem inevitáveis. E, sobretudo, um futebol onde o golo parece um complemento e não um fim, um complemento que tarde ou cedo chegará, inevitavelmente. Um futebol que deriva sobretudo da abordagem centro-europeia, dessa que se divorciou das origens, primeiro com a Escócia e mais tarde com os escoceses que viajaram por esse mundo fora e encontraram sobretudo na bacia do Danúbio, espaço para explicar as suas ideias. Esse é o futebol dos dias de hoje, o futebol mais admirado e, sobretudo, o mais titulado.
É o futebol de Espanha, de uma selecção que aprendeu a fazer da bola a sua arma, e da posse a sua grande filosofia. 80% de posse de bola significa, mais do que os outros 20% possam significar, uma asfixia absoluta. Um futebol monólogo que vence troféus com uma regularidade histórica ao mesmo tempo que perde adeptos entre os neutrais que se deixam levar pela ilusão da emoção.
A bola é para o jogador espanhol uma continuação da chuteira.
Ao contrário da maioria dos futebolistas, o espanhol não quer desprender-se da bola da mesma forma que não quer jogar descalço apesar de, na maioria dos casos, se o fizesse nem se notaria a diferença. A bola trata por tu jogadores internacionais respeitados em todo o planeta de Xavi a Iniesta, passando por Silva, Cazorla ou Fabregas. Mas vejam um jogo da liga do país vizinho e entendam como para Isco, Thiago, Iturraspe, De Marcos, Gabi e Beñat, sem esse protagonismo mediático, a sentem da mesma forma, com a mesma paixão, com a mesma inevitável sensação de familiaridade.
O jogo da selecção espanhola tem sobretudo uma falha que o separa da mais absoluta perfeição. A eficácia. Contando com homens que sabem criar, planear e sonhar com os melhores assaltos, o estranho é ver a equipa espanhola assaltar com regularidade as redes contrárias. Se na final do Euro 2012 os italianos sofrerem uma humilhação igual à de 1970, com os mesmos golos à mistura, a verdade é que em torneios de prestigio internacional o jogo da equipa espanhola se mede pela falta de eficácia dos seus dianteiros.
A questão não está em vencer por 1-0 apenas porque é suficiente. Um 1-0 nunca o é e grandes equipas descobriram que os deuses de futebol não permitem em demasia que se jogue tanto no limite. A derrota com a Suiça, em 2010, e o sofrimento com a Croácia, em 2012, são bons exemplos dessa realidade.
Espanha sabe que dificilmente sofrerá golos. Não porque tem o melhor guarda-redes do mundo (e o melhor suplente), nem uma das melhores linhas defensivas do planeta. Sabe porque tem a bola, porque não a perde, porque o rival tem entre 20 a 30% de posse num jogo e isso significa que as oportunidades serão escassas e estão, quase sempre, debaixo controlo. Casillas não sofre golos num jogo oficial há seis encontros. Quase nada. Aragonés e Del Bosque sabiam o mesmo que Hogan e Sebes já ensinavam há tantos anos atrás: a bola é tua, o jogo é teu, o resultado eventualmente também o será.
Mas o que continua a marcar distâncias entre esta Espanha e as grandes equipas da história está no outro lado. Se no meio-campo (onde está a esmagadora maioria dessa posse de bola, uma posse de controlo, de descanso, de artimanha) dificilmente houve na história uma equipa com o mesmo à vontade desta selecção, na área Espanha continua a ser uma selecção dubitativa, uma selecção sem esse killer-instinct que se tornou na trademark de outras das suas rivais nesse hall of fame futebolístico.
Espanha continua a aparentar ser uma selecção invencível, sobretudo porque faz da defesa a sua virtude, sem ter necessidade de defender em excesso. É uma selecção que se define exclusivamente pela bola que conduz como ninguém. Mas como é uma selecção de bola e não de baliza, Espanha também tem criado um complexo de angustia nos seus adeptos, habituados a sofrer em demasia até ao momento final em que surge o golo, habituados a esperar levantar-se da cadeira uma vez em cada 90 minutos. Falta ao futebol da Roja aproveitar ainda mais as poucas oportunidades que gera, com autoridade, para aproximar-se um pouco mais desse Olimpo futebolístico, deixando de ser uma selecção de bola para passar a ser uma selecção da bola.
Para ler, reler e divulgar, aqui estão os artigos em destaque publicados na última semana no @FutebolMagazine:
- Pai de um dos maiores génios da música norte-americana, Gil Heron entrou na história do futebol por ter sido também o primeiro jogador negro do Celtic de Glasgow.
- Estádios como nunca os vimos, desenhos repletos de simbolismo e magia.
- O argentino que foi o futebolista mais bem pago do Mundo e que quase ninguém conhece.
- O falso agente que enganou o Mundo através do twitter.
- Anatomy of England, um livro exemplar para descobrir a evolução futebolistica de um país.
- Uma banda portuguesa com uma sonoridade bem futebolistica.
- Nos anos 80 os adeptos do Charlton descobriram que era possível lutar pelo seu clube desde dentro do sistema politico.
O gesto. A raiva tranquila, o movimento de corpo, a colocação da bola. Uma bola que nos seus pés respira com calma, sente-se segura, fecha os olhos e voa. Durante uma década foi um dos melhores jogadores do Mundo, ano sim, ano também. Talvez por ser o menos egoista das estrelas, o menos mediáticos dos astros, falhou sempre nas corridas aos prémios individuais mas ninguém dúvida que entre os grandes da história do jogo e, provavelmente, no pódio do mais grande do futebol gaulês está uma gazela chamada Thierry Henry.
Acreditemos por um segundo que se podem comparar épocas, se podem comparar equipas, rivais, colegas, jogadores, bolas, terrenos, estádios, que tudo vale o mesmo e é igual aos olhos dos adeptos. Enfim, que se pode jogar ao jogo do "maior de sempre", uma expressão que sempre dá comichão aqueles que, como eu, acreditam que o futebol é feito de evolução mas que essa evolução não significa, forçosamente, que o presente é melhor que o passado sempre e que há coisas que, pura e simplesmente, são incomparáveis.
Mas joguemos o jogo por um breve instante e olhemos para a história do futebol francês.
Um país entre os mais desportistas do mundo mas que sempre olhou desconfiado para o futebol, desde a sua génese. Jogo de ingleses, e portanto jogo a evitar, jogo de proletários e, portanto, desprezado por uma burguesia que sempre preferiu o ténis, os desportos automobilisticos ou o ciclismo, o futebol em França não deixa de ser uma religião mas acaba por ser um credo mais alternativo do que estabelecido. Ao contrário dos ingleses, os franceses respeitam mas não veneram, vibram mas não perdem a cabeça e bailam ao som do triunfo e desligam o monitor na hora da derrota sem pestanejar. Nesse cenário houve poucas equipas gaulesas que passaram à posteridade. Mas jogadores, jogadores nunca faltaram.
De Ben-Barek, o astro de origem marroquina dos anos 30, a Frank Ribery e Karim Benzema, passaram oitenta anos de muito talento e magia. Dentro dessa lista de génios, a opinião pública sempre se dividiu em dois nomes: Michel Platini e Zinedine Zidane.
São eles os mais galardoados, os mais aplaudidos, os mais venerados dos jogadores franceses. Entre eles estão cinco Ballon D´Ors, dois Europeus, um Mundial e duas Champions League. Coisa pouca. Mas pessoalmente, e só porque desta vez jogamos o jogo, não encontro aqui nem o primeiro, nem o segundo melhor jogador de um país que também foi o de Just Fontaine, de Raymond Kopa, o de Alain Giresse, o de Jean Tigana, o de David Ginola, o de Didier Deschamps, o de Robert Pires, o de Dominique Rocheteau ou o de Jean-Pierre Papin. Nomes no entanto que vivem na sombra de dois génios que conheceram em Inglaterra o reconhecimento que o resto do Mundo nunca lhes quis dar: Eric Cantona e Thierry Henry.
Se de Cantona, provavelmente o jogador mais icónico do futebol britânico moderno, falamos e voltaremos a falar, que se pode dizer de Henry.
Para muitos sugerir que Henry é mais do que Zidane pode ser blasfémia. E ninguém é dono da verdade para dizê-lo ou não. Mas o médio que foi da Juventus e do Real Madrid depois de ter sido do Cannes e do Bordeaux, genia lcomo poucos, nunca despertou a mesma sensação de prazer supremo que Henry naqueles que seguiram a sua trajectória londrina com paixão.
Henry é provavelmente o jogador gaulês mais completo de sempre. Foi sem dúvida o melhor jogador da Premier durante a última década (como o foi Cantona na década de 90), o mais laureado por jogadores e imprensa, o mais amado pelos adeptos neutrais, incapazes de aceitar o estilo de Cristiano Ronaldo, os golos de Michael Owen ou os tiros de Frank Lampard ou Steven Gerrard como algo por encima do génio supremo do gaulês. Henry marcava com a mesma facilidade que assistia. Podia ter sido um goleador ainda maior, atingir números muito mais próximos dos que hoje apresentam Ronaldo e Messi, não fosse também um jogador profundamente colectivo, um rei de assistências, um iniciador de lances tão bom como os que finalizava. Com frieza, com raiva, com classe.
Henry começou debaixo da asa de Arsene Wenger no Monaco e explodiu sob o seu comando. Pelo meio uma etapa para esquecer em Turim, ao serviço da Juventus. Foi daí que o técnico alsaciano o recuperou e deu-lhe o lugar que era de Nicolas Anelka, recém-vendido ao Real Madrid. À sua volta construiu uma equipa inesquecível, com Bergkamp, Pires, Ljunberg, Vieira e Wiltord. E deu-lhe a liderança do seu projecto. Liderança que Henry exerceu sem autoridade mas com um magnetismo profundo.
Faltou-lhe a Champions que ganharia em Barcelona, já na sua etapa decadente, mais pelos problemas fisicos do que pelo génio que nunca perdeu, e faltou-lhe sobretudo o Ballon D´Or. Incompreensivelmente perdeu-o em 2000 para o seu amigo Zidane e em 2004 para Schevchenko. Mas nunca perdeu o amor dos adeptos neutrais, para não falar dos gunners, deliciados com o seu serpentear, os seus livres directos imparáveis, o seu golpe de cabeça autoritário, os toques de calcanhar que do nada davam golo, os seus passes impossíveis, as suas mudanças de velocidade maradonianas e, sobretudo, o seu passeio elegante sobre o relvado como se de um semi-deus se tratasse.
Thierry Henry pertence a uma casta de jogadores que são apreciados no presente e que ganharão contornos de mito à medida que os anos passem e os adeptos revejam as suas obras de arte com outros olhos. Se já no seu prolifero periodo activo sempre dava a sensação de disputar mano a mano o titulo honorifico de melhor do mundo com jogadores muito mais mediáticos, hoje continuamos sem encontrar jogadores que tenham pegado no seu testemunho e ido mais longe. Henry pode não ser um icone global, por mil e um motivos, como foi Cantona. E pode não ter os prémios de Platini e Zizou. Mas olhando para trás e olhando para hoje é impossível dizer, jogando a esse jogo maldito, que algum deles possa fazer sombra a um Thierry que define, com o olhar, o que significa a palavra futebol.
Arranca a fase de qualificação para o Mundial de 2014 na zona europeia. Com o resto do mundo em etapas mais avançadas, os europeus começam o sprint maratoniano que abre as portas a um torneio que ninguém quer perder. Portugal repete como cabeça de série e como máximo favorito a marcar um lugar antes de tempo nesse reencontro lusófono com Vera Cruz. Um caminho traiçoeiro e que procura saber se a equipa das Quinas aprendeu a meter-se por desvios perigosos.
Desde 2006 que Portugal não consegue vencer o seu grupo de apuramento e nas últimas duas ocasiões falhou mesmo a qualificação directa para um grande torneio internacional.
No entanto, nas provas em que acaba sempre por chegar, a performance acaba por superar a maioria das equipas que manejam com mais tranquilidade e eficácia a fase de qualificação. Dirão os adeptos que preferem sofrer antes para desfrutar depois, mas o problema não está nem na prestação final nem na angústia que significa decidir um ano de trabalho num jogo de ida e volta. Se em 2008 o segundo lugar do grupo, ganho pela Polónia, serviu pelas contas que evitaram que os segundos fossem forçados a mergulhar num play-off, a partir daí Portugal por duas vezes encontrou a Bósnia no caminho para a África do Sul e Ucrânia.
Sempre partindo como cabeça de série, consequência da brilhante trajectória da última década e meia, o conjunto das Quinas encontra sérios problemas em exibir-se de acordo com o prestigio acumulado em fases de apuramento. É uma velha doença do futebol português que durante 32 anos marcou presença apenas em quatro provas internacionais tropeçando sempre na fase prévia por este ou aquele motivo. Desde o França 98, e dessa maldita expulsão de Rui Costa na Alemanha, a equipa das Quinas nunca falhou um grande torneio mas isso não significa que não tenha deixado para os últimos dias a confirmação do bilhete de avião.
Paulo Bento mostrou no último Europeu que é capaz, num microcosmos particular, de criar um grupo motivado, disciplinado tacticamente e preparado para saber sofrer. A prestação de Portugal superou todas as expectativas e o terceiro posto, medalha de bronze merecidíssima, foi um prémio a essa postura profissional que tantas vezes falhou no passado. No entanto, os problemas crónicos do futebol português não desaparecem por um bom torneio de Verão, e notam-se sempre mais nas longas viagens por esse continente fora e nesse pulso com os clubes mais poderosos do continente do que propriamente em Mundiais e Europeus.
Bento sabe que tem um grupo traiçoeiro.
Na teoria o apuramento directo tem de ser assumido desde o primeiro dia, sob pena de Portugal continuar a cair nesse eterno fado de vitimização que tão bem cai na pele lusa. Portugal não é só a melhor equipa entre as seis do grupo como é também aquela que parece mais preparada para chegar comodamente ao Brasil.
Está a anos-luz do futebol duro e intenso dos irlandeses de Belfast e arredores, dos homens de Israel e, evidentemente, de luxamburgueses e azerbeijanos. No duelo directo com a Rússia, uma potência por direito próprio, Portugal tem a vantagem de ser um projecto em desenvolvimento avançado enquanto que os russos apostam forte não em 2014 mas sim no seu próprio torneio de 2018. Para isso contrataram Fabio Capello, um homem duro que fará progressivamente a triagem da geração que falhou na Polónia estrepitosamente e que dará passo a uma nova vaga de promessas que estão ainda a dar os primeiros passos como internacionais.
Portugal, pelo contrário, não apresentará mudanças face aos últimos anos. Por um lado é um aspecto positivo porque garante ao técnico que a sua "família", como sucedeu com Scolari, lhe dará tranquilidade e confiança, seguro que os seus conceitos tácticos e posturas serão bem assimilados. Ninguém espera que em dois anos o papel de Cristiano Ronaldo, Nani, Raul Meireles, João Moutinho, Pepe, João Pereira, Fábio Coentrão e Bruno Alves seja questionado e com Rui Patricio como homem de confiança nas redes, só o eterno debate do dianteiro e do médio mais defensivo podem levar Bento a fazer alterações a médio prazo.
Nelson Oliveira terá em Espanha a oportunidade e os minutos que não teve na Luz para justificar a aposta que o técnico tem feito e Miguel Veloso, na Ucrânia, passará um curso intensivo que não lhe dará espaço para erros. Não se vêm caras novas no horizonte para um primeiro plano que nos planos do seleccionador é fundamental. O técnico utilizou apenas 16 jogadores no último torneio e salvo lesões, é dificil pensar que aumente em demasia o leque nos jogos a eliminar.
No entanto esta realidade, como já sucedeu no final dos dias de Scolari, esconde sobretudo a incapacidade do futebol português de produzir ao mesmo ritmo de sempre novas esperanças para o futuro. Os projectos das equipas B podem ser uma opção mas demorarão até se afirmarem definitivamente como alternativas e só a crise económica dos clubes os poderá forçar a apostar no producto nacional, quase sempre mais barato, e na sua própria formação. Os fracos desempenhos das selecções de sub-21 e sub-19 no entanto não escondem uma realidade difícil para um futuro próximo e até bem depois de 2014 ninguém espera uma mudança de cromos substancial nos planos da equipa das Quinas.
A fase de qualificação arranca com um jogo fácil. Desses em que Portugal se maneja francamente mal.
Portugal ensinou o mundo a preparar-se para uma equipa que rende muito bem com nomes consagrados e sofre em demasia com selecções sem perfil competitivo. As viagens ao leste da Europa tornaram-se, na última década, num problema sério e lidar com o kick-and-rush das Irlandas sempre foi um problema no esquema de jogo dos lusos. E serão esses os jogos fundamentais da fase.
Portugal poderá ter um duplo duelo com os russos - que em 2005 foram presas fáceis, eles que viviam então também uma fase de profunda reestruturação que resultou no excelente Euro 2008 - mas se não somar a totalidade dos pontos contra os restantes rivais, acabará por ser forçada a jogar demasiado em pouco tempo. Os oito confrontos com israelitas, irlandeses, luxemburgueses e azerbeijanos não podem saldar-se com menos do que 22 pontos conquistados, vantagem que permitirá um tropeção ou uma má noite em Moscovo ou na recepção a uma selecção russa que está orientada por um homem especialista em duelos de elevada pressão psicológica e que terá também a oportunidade de limpar a imagem depois de um período à frente da selecção inglesa cheia de interrogantes.
Bento, que fez parte como jogador de muitos desses jogos onde se perderam pontos infantilmente no passado, sabe perfeitamente que a margem de manobra é reduzida. Estar no Mundial de 2014 mais do que uma obrigatoriedade, é uma profunda necessidade.
Portugal tem vivido de um ranking favorável que lhe tem permitido escapar a confrontos com rivais mais poderosos. Se não há uma geração de futuro capaz de pegar na herança deixada por Cristiano Ronaldo e companhia, a selecção tem de pelo menos manter as performances desportivas em alta quando ainda dispõe de jogadores de elite como o extremo do Real Madrid, para garantir que ao longo desta década, as fases de qualificação que venham sejam igualmente caminhos com rosas mas sem espinhos.
Depois de falhar um Mundial, em França, que podia ter significado o arranque precoce da "Geração de Ouro" junto de uma imensa comunidade emigrante que ficou sem ver os seus heróis, falhar um torneio num país com quem Portugal partilha mais do que a língua seria um desastre não só futebolístico mas também sociocultural.
Uma das principais vantagens do calendário que esperam os homens de Bento está no facto de que nenhum dos duelos com os russos ficam reservados para o sprint final. Em Outubro e Junho os mano a manos entre eslavos e ibéricos deixaram pistas mas não serão determinantes. Portugal tem espaço para progredir com tranquilidade e conseguir assim o feito histórico de somar a sua oitava fase final consecutiva, um feito reservado apenas às grandes selecções mundiais.