O perfume do futebol francês é composto por uma fragrância especial que só se gera em momentos como este. Um clube modesto como o Montpellier vence uma longa maratona a formações que gastam o que não têm para levar para casa o ambicionado troféu. Algo inimaginável em ligas mais fortes como Inglaterra, Itália e Espanha e extremamente difíceis em campeonatos bipolares como o português. Em França, é a regra. Salvo a ditadura do Marseille de Tapie e do Lyon de Aulas, o futebol francês engrandece-se a cada ano que surge um novo Montpeliler. Um titulo que não só eleva às alturas um pequeno clube mas que define a filosofia desportiva de todo um país.
Lille, Bordeaux, Nantes, Lens, Monaco, Auxerre.
Nos últimos 20 anos do futebol gaulês todos estes modestos clubes sagraram-se campeões nacionais. Salvo o PSG, sempre apoiado por investidores que gostariam de ter um clube de prestigio na capital gaulesa, e o dinheiro que moldou o Marseille e Lyon modernos, a liga de França está aberta a todos, sempre e quando o projecto tenha cabeça, tronco e membros.
René Girard, veterano de muitas batalhas no terreno de jogo, soube coordenar esse projecto de forma singular. Uma equipa jovem, barata, com muitos jogadores comprados a clubes de divisões inferiores a preço de saldo, o seu Montpellier é um verdadeiro caso de sucesso. Há dois anos já tinha mostrado que era um projecto de futuro. Na altura saiu Tino Costa, o líder espiritual da equipa, e depois de um ano de natural perda de rendimento, o clube voltou à mó de cima, entregue aos golos de Olivier Giroud e à magia pura de Yonnes Belhanda, os dois nomes próprios do titulo alcançado, curiosamente, contra outro clube pequeno que já foi campeão e que agora se junta a Lens, Nantes e Monaco na segunda divisão. Em França o difícil não é vencer um titulo, é saber manter-se fiel a si mesmo.
Ao Montpellier depara-se esse desafio porque quando o dinheiro falar mais alto e os seus grandes nomes saírem, será complicado equilibrar os objectivos dos adeptos com o realismo económico que já causou tantas baixas no passado. Ao contrário do seu rival nesta corrida, o PSG, não há dinheiro para loucuras e seguramente que o próximo ano será quase impossível revalidar o titulo. Nem o Lille, com um futebol mais vistoso e sem ter perdido algumas das suas pérolas, conseguiu manter esse ritmo que desde os sete títulos consecutivos do Lyon nenhum clube soube emular. Manter o troféu em casa.
O PSG acabou por ser o grande derrotado. Nem Ancelloti, nem os milhões injectados no clube por um consórcio árabe com interesses na capital gaulesa serviu para recuperar um titulo que foi ganho pela última vez em 1994. As chegadas de Sirigu, Menez, Pastore, Gameiro e companhia foram insuficientes, apesar do bom futebol praticado os parisinos claudicaram demasiadas vezes e nunca souberam aproveitar as escorregadelas do rival. Regressar à Champions League pode ser o primeiro passo da metamorfose definitiva de uma equipa que irá gastar ainda mais no próximo verão e que, seguramente, é o grande candidato ao titulo do próximo ano.
Desilusões absolutas, Marseille e Lyon seguem a linha descendente, o outro lado do elevador onde sobem os parisinos.
Apesar do dinheiro disponível, a equipa lionesa foi incapaz de qualificar-se pela primeira vez numa década para a Champions League, prova onde teve uma prestação cinzenta, caindo nos Oitavos de Final diante do APOEL. Lisandro, Gomis e companhia foram inconsequentes durante a grande parte da temporada e Remy Garde, o jovem técnico promovido por Aulas, terá muita dificuldade em convencer um presidente tão habituado a ganhar que o seu projecto é de longo prazo, explorando a formação local que ele ajudou a desenhar. Em Marselha o lugar de Deschamps está também em causa depois de terminar a temporada num desolador 10º posto.
Lille, campeão em titulo, e um renascido Girondins Bordeaux tiveram provas tranquilas e positivas, apesar do falhanço dos homens de Rudi Garcia em manter a coroa e a quase inevitável despedida de Eden Hazard do clube nortenho. As grandes sensações da prova acabaram mesmo por ser o histórico Saint-Ettiene, sexto na classificação geral, e o modesto Evian FC, promovido esta época e capaz de realizar um campeonato surpreendente que nunca o manteve demasiado longe dos lugares europeus.
Do outro lado do espelho, se as despromoções de Ajaccio e Dijon eram previsiveis, custa ver outro histórico como o Auxerre cair no poço da Ligue 2, seguindo o exemplo negativo de outros campeões recentes.
Jogador do Ano
Yohnes Belhanda
O franco-marroquino foi a alma e o corpo da épica campanha do Montpellier. Com a bola nos pés respirou o cuidado jogo táctico montado por Girard e fez rodar à volta o carrosel de um colectivo sem estrelas mas com um indice de trabalho irrepetivel. Como Hazard em Lille ou Gourcouff em Bordeaux, o jovem que preferiu ser internacional com o país dos seus pais, Marrocos, é o porta-estandarte de um modelo de clube campeão que só encontramos com regularidade numa liga tão competitiva como a gaulesa. Os seus 12 golos e as mais de 17 assistências foram o ponto de partida para uma época irrepetível que já o colocou, definitivamente, no escaparate do futebol internacional.
Revelação do Ano
Blaise Matuidi
Quando aterrou em Paris como sucessor a longo prazo do "polvo" Makelelé, a jovem promessa que tinha despontado no Saint-Ettiene, talvez não imaginasse que o seu impacto fosse tão imediato. Mas a grande época do clube parisino tem muito a ver com a capacidade do possante médio defensivo de equilibrar um conjunto com uma fortissima ala dianteira (Nené, Gameiro, Pastore, Menez) e com uma defesa tremendamente eficaz. No miolo Matuidi fez para Ancelotti o mesmo papel que este entregou a Gattuso no seu Milan com um sucesso espantoso, dele é seguramente o futuro dos "Bleus".
Onze do Ano
Desconhecido no futebol gaulês até há dois anos, esta foi a época de confirmção de Geoffrey Jourden, guarda-redes do campeão Montpellier que, com Ruffier e Carrasco, demonstra que Laurent Blanc tem por onde escolher para acompanhar a Lloris e Mandanda nas aventuras dos Bleus.
Época excelente do lateral Mapou Mbiwa (Montpellier) no lado direito e de Faouzi Ghoulam (Saint Ettiene) pela esquerda. No miolo do eixo defensivo os eleitos são Nicolas Nkolou, imenso apesar da época cinzenta do Marseille e Frank Beria, do Lille.
Belhanda e Hazard partilham o trabalho criativo do meio-campo deste onze ideal da Ligue 1, dois jogadores jovens de excelência com épocas memoráveis. Acompanham-nos o incansável Yann Mvilla, lider do Stade-Rennais.
Olivier Giroud, o avançado de moda do futebol gaulês, lidera o trio de ataque, bem acompanhado pelos golos de Nené (PSG) e Pierre Aubameyeng, jovem dianteiro gabonês do Saint-Ettiene.
Treinador do Ano
René Girard
Apesar da Ligue 1 ter um importante historial de vencedores surpreendentes, de equipas de pequeno orçamento que conseguem vencer a maratona da regularidade, tem sido cada vez mais dificil contrariar o imenso investimento financeiro que Lyon, PSG e Marseille têm feito na última década. O triunfo do Montpellier tem pouco a ver com a vitória de Bordeaux e Lille, dois históricos com um técnico e um plantel de luxo, e mais com o trabalho de fundo da formação e hábil pesquisa de mercado dos directivos dos homens do Le Herault. E claro, com a liderança absoluta de René Girard, antiga estrela da França dos anos 80 que encontrou a forma ideal para coordenar uma formação jovem, talentosa e com um espirito de luta épico que aguentou, até ao suspiro final, o acosso do milionário PSG.
Michael Thomas tem um rival para a posteridade. Sergio Aguero entrou para a história como o autor do golo mais agónico e determinante da história da Premier League. Uma vitória asfixiante sobre um heróico QPR que manteve o Manchester United com a esperança de mais um triunfo nos derradeiros instantes. No final, 700 milhões de euros depois, o City quebrou uma malapata de 44 anos e voltou a proclamar-se campeão inglês num ano de muitas surpresas e desilusões num campeonato que continua a manter o suspense apesar de perder, progressivamente, qualidade.
Em três anos nunca um clube tinha gasto tanto dinheiro para conseguir um objectivo tão concreto: o titulo inglês.
Roberto Mancini logrou à segunda tentativa o troféu mas não sem sofrer mais do que um plantel de 700 milhões justificaria. O jogo espesso do City em largas partes da temporada parece um dos lados da moeda. No outro as goleadas consecutivas, resultado normal de um ataque por onde passaram Tevez, Balotelli, Dzeko, Silva e Aguero, peças nucleares na reconquista de um titulo ganho no pulso final a um Manchester United low cost, fraco como nunca outro projecto de Alex Ferguson, mas que teve o mérito de manter-se até ao final na luta pelo titulo.
O United começou bem e perdeu gasolina à velocidade com que perdia jogadores. O débil meio-campo levou a Ferguson a resgatar a Scholes e a alinhar, nos jogos importantes ao histórico centrocampista com Ryan Giggs, o miolo mais veterano da história da Premier. Nos dois duelos directos contra o rival de Manchester duas derrotas categóricas deixaram claro que, no mano a mano, era impossível aos Red Devils manterem o pulso. Mas os tropeções de um Mancini sempre temeroso nas grandes noites mantiveram o duelo aceso e os dois golos inesperados do QPR deram a sensação de que havia algo mais forte do que a lógica por detrás de Ferguson, como naquela noite de Barcelona em 1999. Mas sucedeu o contrário, o futebol decidiu transformar os jogadores do United em reencarnações contemporâneas de Kahn, Effenberg, Mathaus, Kuffour e companhia e confirmar Aguero como figura de proa no seu primeiro ano de futebol inglês.
A gesta do QPR quase que serviu para confirmar a salvação do clube londrino mas no último minuto já nem era necessário.
O Bolton, que sofreu na pele a escalofriante situação vivida por Fabrice Muamba, seguiu a Wolverampton e Blackburn Rovers na despromoção ao Championship. Mas o sofrimento sentiu-o, mais do que nunca, um Aston Villa que dista muito do projecto criado por Martin O´Neill e que ameaça tornar-se em mais um histórico problemático como foram Leeds, Newcastle e Nottingham Forrest.
A Premier que tem perdido alguns dos seus melhores jogadores e algo de qualidade de jogo manteve-se emocionante em resultados e na dinâmica da tabela classificativa. O Newcastle foi uma verdadeira lufada de ar fresco e o Tottenham de Redknapp durante alguns meses pareceu dar a sensação de poder ambicionar a algo mais mas a saída de Capello do banco inglês mudou a mente do técnico e levou a um profundo descontrolo do plantel que acabou num tremido quarto posto por detrás de um Arsenal que, um ano mais, luta de igual para igual com equipas com orçamentos infinitamente superiores, mérito indiscutível de Arsene Wenger.
No lado negro da época a terrível campanha de Kenny Dalglish ao leme do Liverpool, com o pior registo doméstico em décadas, e sobretudo a época do Chelsea. Apesar da final da Champions League, o clube londrino terminou a Premier no pior lugar da última década, um sexto posto cuja responsabilidade é preciso distribuir entre Villas-Boas, um plantel em revolta constante e a um Roman Abramovich que continua sem saber muito bem o que quer para o seu clube.
Jogador do Ano
David Silva
Há poucos jogadores de futebol na actualidade com a classe e rapidez de raciocínio que o espanhol David Silva. Não havia espaço para ele no projecto de Guardiola e no colete de forças de Mourinho e a Premier tornou-se o seu destino inevitável. Se o Manchester City é, finalmente, campeão, deve-o a ele mais do que a qualquer outro. Marcou, assistiu, encantou, pautou o ritmo e soube emergir como o lider que os citizens precisavam depois de 700 milhões de euros gastos em mais de 30 jogadores para encontrar o caminho ao El Dorado. Ninguém duvida que, no futebol actual, Silva é um dos nomes maiores.
Revelação do Ano
Papisse Cissé
Chegou em Janeiro depois de dar nas vistas no Freiburg. Mas ninguém imaginava que o seu impacto ia ser tão devastador. Em treze jogos pelo Newcastle marcou treze golos, alguns dos quais dignos de entrar na galeria dos melhores do ano. Soube substituir quando necessário o goleador da primeira volta dos Magpies, Demba Ba, e soube também combinar com ele e Cabaye para garantir um sprint final memorável para o clube do Tyne. Em meia temporada deixou a pensar os principais directores desportivos dos clubes de topo europeus.
Onze do Ano
Apesar do talento incrivel de Joe Hart a nossa opção recairia sobre o imenso holandês Tim Krul, baluarte de uma grande época para o Newcastle United.
Na defesa de quatro jogariam Micah Richards (City), Gary Cahill (Bolton/Chelsea), Kyle Walker (Tottenham) e Leighton Baines (Everton). Quatro jogadores que explicam bem a forma como o trabalho defensivo é encarado na Premier League, onde a força e a raça são mais valorizados do que o controlo de bola e o posicionamento táctico.
David Silva lidera o meio-campo deste onze de forma inevitável acompanhado pelo francês Yohan Cabaye do Newcastle e pelo seu colega de equipa Yaya Touré.
No ataque jogam os inevitáveis Wayne Rooney, que continua a ser o mais determinante jogador inglês da actualidade, lado a lado com o holandês Robbie van Persie e o homem decisivo da Premier, o argentino Sergio Aguero.
Treinador do Ano
Alan Pardew
O que logrou Alan Pardew com este Newcastle não tem nome. Um clube habituado a falhar, a desiludir e a seguir pelo caminho errado, encontrou neste técnico a sua tabua de salvação espiritual. Sem dinheiro para investir, Pardew montou um onze tremendo em qualidade e poupado em gastos. Deu a batuta de jogo a Cabaye, apostou no perfume africano do golo, com Ba e Cissé, e garantiu uma defesa de ferro liderada por Krul, outra aposta pessoal. Manteve o plantel fresco, apesar das lesões, soube esquivar a pressão de dormir largas jornadas perto de postos europeus, um oásis para um clube muito necessitado de injecção financeira, e acabou a época num mais do que meritório XXX, diante do todo poderoso Chelsea e dos históricos Liverpool e Everton. Quase nada!
Depois do purgatório, a glória. A Juventus não é um clube de esquecer. Nem de como voltar do inferno nem de como ganhar. O 28º titulo bianconero, sem os dois polémicos retirados pelo Moggigate, reafirma o conjunto turinês como o maior do país da bota. Mas a forma como Antonio Conte levou os seus ao titulo, num ano em que sumou 15 empates, diz também muito do nivel da Serie A. Durante semanas o AC Milan teve a liga no bolso e deixou-a escapar. O Internazionale continua a viver a sua particular via crucis depois da saída de Mourinho e entre os clubes de Roma, Napoli e Udine estiveram os mais interessantes duelos de um ano onde faltou emoção e grandes jogos. Um ano marcado por muitas despedidas e maiores incógnitas futuras.
Um campeão invicto é sempre algo assinalável. Se esse campeão coleciona 15 empates em 38 jogos a sensação muda radicalmente.
A Juventus venceu o seu 28º scudetto num ano em que foi melhor que a concorrência mas onde nunca deu uma clara sensação de superioridade como demonstram os sucessivos tropeções da Vechia Signora. Só com quatro equipas é que o conjunto turinês logrou vencer os dois jogos nas duas voltas do campeonato, a maioria dos rivais do campeão conseguiu, de uma forma ou de outra, roubar-lhe pontos. E nem isso impediu Antonio Conte de fazer história.
O antigo médio do conjunto bianconero encontrou o equilibrio necessário para vencer sem ter uma só estrela no plantel. Montou o onze à volta de Pirlo, colocando Marchisio e Vidal como fieis escudeiros. Funcionou. Pelo ataque passaram muitas alternativas e nenhuma delas totalmente convincente, de tal forma que Del Piero, no seu ultimo ano em casa, continuou a ser uma das referências goleadoras. Atrás a segurança de Buffon e a boa época de Chiellini e Lieschteiner fizeram-se notar e garantiram que nem por uma só vez o clube tivesse de lamentar uma derrota. A verdadeira arma do campeão no seu duelo com o AC Milan.
Durante largos meses os rossoneri pareciam ter o titulo à mão de semear mas os tropeções finais dos homens de Allegri tiveram o seu preço. Mais irregular do que nunca o Milan de Ibrahimovic pagou o preço das lesões, da falta de profundidade do plantel e do envelhecimento colectivo dos seus melhores jogadores. Um segundo lugar que soube a pouco, especialmente tendo em conta que nunca foi tão fácil vencer um scudetto em Itália, prova da curta diferença pontual entre os primeiros, comparativamente com outras épocas, e com os erros de Inter, Roma e Lazio que abriaram a porta ao terceiro posto da Udinese e a mais um ano europeu para o Napoli de Mazzari, outros grandes triunfadores do ano.
Mas este foi mais um ano de drama.
De adeptos que exigem camisolas a jogadores, de salários por pagar, de mil e uma destituições de técnicos, de poucos jogadores jovens e de muitos veteranos, de estrangeiros sem nível para o historial da prova e de estrelas estrangeiras que continuam a olhar para o outro lado quando se lhes fala na Serie A.
De estádios vazios, problemas com as televisões, de greves anunciadas e polémicas constantes com a arbitragem. Um ano em que, mais uma vez, a Serie A deu um passo descendente face ás suas rivais históricas, aproximando-o cada vez mais do universo francês, a quinta liga europeia actual. Uma realidade problemática para uma liga onde a sua máxima figura é um sueco mal-amado, onde o melhor do ano é um veteranissimo em quem poucos apostariam e onde a melhor revelação é um jovem jogador nigeriano que não se distingue muitos de muitos outros jovens que dão outra cor e vida à Bundesliga, Premier ou La Liga. Esse continua a ser o trabalho de casa do Calcio, um trabalho de casa complicado a cada ano que passa, de sacar nota alta.
Jogador do Ano
Andrea Pirlo
Quando saiu de Milão muitos fizeram o obituário precoce do maior génio italiano da última década. Em Turim, com uma equipa sem grandes talentos mas com muito espirito colectivo à sua volta, Pirlo rejuvenesceu e tornou-se determinante na série de 38 jogos consecutivos sem perder da Vechia Signora. Foi a bússula em campo e o lider moral fora dele, as suas ausências notavam-se, a sua baixa fisica fazia-se evidente nos jogos que a equipa empatou e claro, no final o titulo pareceu ser mais dele do que nunca uma das suas conquistas prévias ao serviço de um Milan que priveligia sempre mais o glamour ao génio puro.
Revelação do Ano
Obi Joel
No terrivel ano da Internazionale, com o pior resultado final desde 1997, ano antes da chegada de Ronaldo Nazário, pouco houve que destacar. A boa época realizada pelo jovem nigeriano Obi Joel entraria nesse lote restricto de boas noticias. Um médio possante, rápido e com a garra que faltou a muitos dos veteranos do plantel que continua a viver à sombra dos anos de Mourinho.
Onze do Ano
A baliza do onze do ano da Serie A está segura nas mãos de Gianluiggi Buffon que, depois de um ano de muitos problemas fisicos, se reafirmou como o número 1 indiscutível do futebol italiano. À sua frente jogaria um quarteto formado por Chiellini, Danilo, Lieschteiner e Thiago Silva.
Andrea Pirlo comanda um meio-campo onde também estão o seu companheiro Claudio Marchisio e ainda o milanês Kevin-Price Boateng.
No ataque a figura de Zlatan Ibrahimovic é incontornável, secundada pela eficácia goleadora de Edison Cavani e pelo incombustível Antonio Di Natale.
Treinador do Ano
Francesc Guidolin
Pelo segundo ano consecutivo a pequena Udinese está em postos de Champions League. Ao contrário do notável Napoli de Mazzari, a Udinese tem mantido um low profile no mercado e uma regularidade tremenda nos postos classificativos. Mérito de Guidolin, técnico hábil a sacar o melhor do seu curto plantel e da sua máxima figura, um veterano como Di Natale. O talento do treinador italiano, aliado à boa gestão desportiva do clube, transforma o projecto dos bianconeri do Friuli em algo a seguir com atenção no próximo ano, onde se espera uma Serie A mais equilibrada que nunca.
A partir de domingo será colocado à venda o livro "Porto, 25 anos no Topo do Mundo!".
O projecto é da autoria de João Nuno Coelho, coordenador deste recopilatório imperdível de artigos escritos por vários ilustres portistas sobre o seu jogo preferido do FC Porto nos últimos 25 anos, desde a final da Taça dos Campeões conquistada em Viena.
São 35 convidados, entre os quais tenho o prazer e orgulho de me incluir, que dissertam sobre a sua relação pessoal com o clube, as noites mais emblemáticas do clube português mais bem sucedido das últimas três décadas e as anedoctas e momentos singulares que forjaram a sua história de amor pelo clube.
Entre os restantes autores podem encontrar nomes como Jorge Bertocchini, Hélder Pacheco, Carlos Tê, Miguel Guedes, Rui Moreira, Álvaro Costa, entre tantos outros que se deixaram desafiar por João Nuno Coelho para plasmar o que sentem em palavras que devem mais à emoção do que à inexplicável razão da paixão futebolistica.
No próprio domingo, como evento especial pelo lançamento da obra, o livro será distribuido em conjunto com o Jornal de Noticias e O Jogo (8,50 euros + valor do jornal), assim que já sabem, não têm desculpa para não conseguirem um exemplar.
A apresentação oficial do livro, na qual não poderei estar presente por motivos pessoais, está aberta a todos os que queiram saber mais sobre a obra e os seus autores. Será no próximo domingo, 27 de Maio, às 18h30 no mitico Café Guarany, na Avenida dos Aliados do Porto, onde, se for portista, em vez de ir festejar um novo titulo, pode desta vez festejar dezenas deles...
O Barcelona de Josep Guardiola marcou 114 golos. Sofreu 29. Atingiu a marca de 91 pontos em 114 possíveis. Contou com o prémio Zamora e o Pichichi da prova, Valdés e Messi. E mesmo assim perdeu o que seria o seu quarto titulo consecutivo. No meio destes números que fariam histórica em qualquer edição de qualquer campeonato do mundo é possível apreciar melhor o duelo de titãs que mediu o conjunto blaugrana com o Real Madrid de José Mourinho, o campeão mais espantoso em números da história do futebol espanhol.
Ao clube de Guardiola só faltou superar o seu recorde de pontos. Tontos os outros recordes foram superados com uma claridade assustadora.
E no entanto perdeu. Perdeu antes do final, com três jogos para o final da época. Perdeu em casa, no jogo decisivo. E perdeu a liga, essencialmente, quando concedeu ao Real Madrid uma renda de dez pontos depois de uma série histórica de péssimas exibições longe do Camp Nou, estádio onde foi dono e senhor até que apareceu Cristiano Ronaldo para por calma.
Nesse Barcelona-Real Madrid decidiu-se o titulo de forma oficiosa porque o Real Madrid já tinha meia liga no bolso. Um arranque de época com alguns resultados tremidos, uma série espantosa de vitórias que acabou na habitual derrota contra o Barcelona e um Inverno com resultados sofridos mas vitoriosos. Quando o clube merengue perdeu a vantagem de dez pontos era tarde para um Barcelona que em casa foi inigualável, fora foi irreconhecível e que viveu demasiado da dependência goleadora de Leo Messi. O triunfo no Calderon, com selo de Ronaldo, selou um titulo que a partir daí ficou sentenciado e o seu golo em Barcelona apenas pôs o preto no branco final. 121 golos (14 mais que o recorde histórico), 100 pontos (um mais que o recorde do Pep Team) e alguns problemas a controlar a maioria dos jogos que acabou por vencer com goleadas que resultavam mais do génio do seu trio de goleadores do que da capacidade para asfixiar o adversário.
Nesse duelo estético o Barcelona, mais espesso que outros anos, continua a ser o preferido da maioria face ao jogo de transição rápida que Mourinho imprimou com mais eficácia ofensiva do que nunca, depois de ter provado a mesma receita em Itália e Inglaterra. Confirmou o seu quarto titulo em países distintos, lançou as bases para um projecto que tem futuro e ambiciona a palcos maiores. Do outro lado, Guardiola despediu-se num ano em que falhou os dois principais titulos e, sobretudo, mostrou-se incapaz de encontrar a solução para ultrapassar rivais que contrariaram o jogo do Barcelona com um posicionamento defensivo central e numeroso. Nesses tropeções ficou a possibilidade de igular a Cruyff e de sair de Camp Nou com mais história ás costas.
A Liga espanhola continua a viver das rendas emocionantes que geram cada duelo entre blaugranas e merengues.
Do outro lado o sofrimento do Racing Santander e Sporting Gijon, históricos do norte que seguramente darão lugar a históricos galegos, mas sobretudo o de Villareal. Se há largos anos o Celta de Vigo caiu na segunda divisão depois de ter arrancado a época na Champions League, a má preparação da época, a lesão de Rossi e a orfandade de Cazorla custou demasiado a uma equipa que no ano passado esteve nas meias-finais da Europe League e no quarto posto de liga. Um projecto de futuro com muitas interrogações presentes.
Do outro lado a euforia de um Levante espantoso, de um Malaga que subiu aos postos dourados graças à milionária inversão de um xeque árabe e à boa gestão do mal-amado Pellegrini para contrarrestar o cinzentismo de um Valencia eternamente insatisfeito com ser o primeiro dos últimos, de um Atlético de Madrid destinado outra vez a lutar pela Europe League e de Sevilla e Bilbao que terminaram o ano muito por debaixo das expectativas. Ossasuna e Mallorca terminaram o ano com a cabeça bem alta, Rayo Vallecano e Granada sofreram mais da conta e um ano mais o Zaragoza demonstrou que é um sobrevivente nato nestas maratonas ligueiras.
O ano que começou com uma greve de jogadores, que continuou com o boicote ás rádios por parte da liga e que terminou com as enésimas acusações de compra de jogos por alguns clubes termina com números que seriam provavelmente irrepetíveis se não soubessemos que para o ano voltam a medir-se duas equipas com um arsenal de estrelas impressionante, muito dinheiro para gastar e um set de rivais que não sabe como apresentar uma alternativa a este duopólio histórico.
Jogador do Ano
Cristiano Ronaldo
Perdeu o Pichichi para Leo Messi depois de um duelo de loucos que rondou a casa dos 50 golos. Mas este foi o seu ano, apesar de tudo. O ano em que mandou acalmar o Camp Nou, estádio maldito durante largas épocas, onde era acusado de nunca aparecer. Logrou-o na Supertaça, na Copa del Rey e decidiu, com um golo desenhado por Ozil, o campeonato diante do seu eterno rival. Antes tinha ganho sozinho o jogo mais importante do ano, no Calderon, e assinou durante a temporada cinco golos para a colecção de qualquer top 100 da história, do calcanhar de Vallecas à metrelhadora de Pamplona. Menos egoista, mais participativo no jogo colectivo, emergiu definitivamente como lider moral do ataque do Real Madrid. Não falhou um só jogo, raramente desapareceu de cena e decidiu-se a marcar os golos decisivos da temporada. Depois de ter sido rei em Inglaterra, Cristiano Ronaldo finalmente sagrou-se rei em Espanha.
Revelação do Ano
Isco
Manuel Pellegrini encontrou esta pérola formada na cantera do Valencia e solicitou-a expressamente para o seu projecto. Foi uma aposta a longo prazo com resultados imediatos. O jovem médio ofensivo malaguenho foi um dos grandes atractivos do "Euro-Malaga". Face à escassez de golos e magia no ataque dos andaluzes durante algumas jornadas, Isco encontrou o seu espaço e tornou-se rapidamente no parceiro ideal de Cazorla e Joaquin na linha medular do ataque do Malaga. O seu futuro na selecção espanhola é algo inevitável a curto prazo e a sua projecção não parece, de momento, conhecer limites.
Onze do Ano
Seria possível fazer um Onze do Ano só com jogadores dos dois primeiros classificados. Possível, inevitável e lógico. Mas como todos sabem de memória esse onze o curioso é descobrir uma equipa alternativa sem blaugranas e merengues. Nas redes Thibaut Courtois, guardião belga do Atlético de Madrid. Um quarteto defensivo composto por Ballesteros, capitão veteranissimo do Levante, o médio adaptado Javi Martinez do Bilbao, e os laterais Jordi Alba e Juanfran.
O meio-campo a três seria composto por Santi Cazorla, lider espiritual de um Málaga histórico. O asturiano seria acompanhado por Ander Herrera e Barkero, todo-terreno do Levante. No trio de ataque os golos de Koné, dianteiro levantino, de Radamel Falcao, herói do Calderon e de Fernando Llorente, o rei leão de Bilbao.
Treinador do Ano
Juan Ignacio Martinez
Imaginem uma equipa que há dois anos não tinha dinheiro para pagar o salário do plantel e corpo directivo e estava às portas da falência absoluta? Agora avancem no tempo e encontrem-na a disputar a Champions League. Podia ter acontecido, faltou muito pouco para o Levante ter assegurado a presença no play-off da prova rainha do futebol europeu depois de ter sofrido uma crise financeira tremenda. O homem responsável pelo renascimento do clube valenciano, Juan Ignacio Martinez, JIM na giria futebolistica espanhola, foi o grande responsável pela época tremenda de uma equipa que bateu o Real Madrid, dormiu quase todos os anos em postos Champions e pela primeira vez em 102 anos carimbou a passagem ás provas europeias.
O segundo titulo consecutivo do Borussia de Dortmund é um feito histórico no futebol alemão contemporâneo e a prova viva de que no Westfallen a lição de 2001 foi bem aprendida. Jurgen Klopp manteve-se fiel à ideia que fez do Dortmund uma das equipas mais atractivas do futebol europeu no ano passado e com isso lançou as bases para manter um troféu que a meio da época parecia que voltaria ás mãos do Bayern Munchen. Os bávaros disputaram taco a taco o titulo com os campeões mas viram-se superados pela maior eficácia dos homens do Rhur que estiveram 17 longas jornadas sem conhecer o sabor da derrota.
Quando o Dortmund perdeu o seu último jogo na Bundesliga, a equipa de Klopp seguia no 11º lugar e parecia a caminho de uma época para esquecer. O quarto lugar num grupo da Champions League acessível, a incapacidade de Gundugon de substituir com classe o talentoso Sahin e a irregularidade na prova nacional eram maus presságios. Mas essa última derrota, no Outono, antecipou uma cavalgada histórica liderada por Shinji Kagawa e secundada por actores de luxo, de Hummels a Bender, de Lewandowski a Gotze. O Dortmund não perdeu mais, encadeou 17 vitórias consecutivas, bateu o rival directo pelo titulo e sagrou-se campeão antes do último suspiro.
Um triunfo histórico não só porque contraria a tendência recente do futebol alemão como foi realizado com o esqueleto da equipa do ano transacto mas sem Sahin, vendido ao Real Madrid, e com Mario Gotze largos meses fora do onze. O popular técnico do conjunto amarelo provou ser fiel ao seu estilo e aos homens que foi lançando às feras nas últimas três épocas e a resposta foi um futebol de alto calibre, uma eficácia tremenda e uma superioridade moral confirmada por duas vitórias num mês diante do Bayern, primeiro para a Bundesliga e depois por 5-2 para a final da Taça da Alemanha.
Meritório titulo do Dortmund que volta a ter a Europa como desafio pendente para a próxima época, Europa onde melhor se moveu o Bayern Munchen. A ilusão de disputar a final do torneio no seu próprio estádio tornou-se numa obsessão para um clube que viveu um ano mais tranquilo com Jupp Heynckhes ao leme. Mesmo assim a lesão de Schweinsteiger, a baixa de forma de Muller e as discussões entre Ribery e Robben acabaram por contribuir para os pequenos, mas significativos, tropeções dos bávaros quando ainda lideravam a prova. Depois de ultrapassados pelo Dortmund, aos homens de Munique a perseguição transformou-se num pesadelo e as atenções viraram-se, sobretudo, para a Champions League.
Sempre perto e sempre tão longe deste duelo, a bela época de Borusia Monchengladbach e Schalke 04 não pode passar desapercebida. Sobretudo porque são dois projectos distintos mas que demonstram, à sua maneira, a maturidade da Bundesliga. Os mineiros do Rhur continuam na politica equilibrada de apostar na formação local misturando-a com valores importados a preço de custo como foi o caso de Raul e Huntelaar, peças chave no terceiro posto alcançado. Em Monchengladbach a aposta na juventude é evidente e seguramente terá o seu preço, mas a qualidade de jogo dos homens de Favre durante largos meses da prova foi insuperável.
A completar os postos europeus não houve lugar para campeões recentes como o Wolfsburg ou Werder Bremen, ainda assim a viver épocas mais tranquilas do que nos têm acostumado, mas sim para Bayer Leverkusen (bom ano apesar de tudo) e Stuttgart, a pouco e pouco a voltar às posições altas da tabela.
No lado oposto confirmou-se a falta de ritmo de alta competição de um campeão histórico como o Kaiserlautern e a despromoção de um FC Koln que, apesar de Podolski e os seus 18 golos, nunca soube funcionar como colectivo. Rostos amargos de um ano em que se assistiu a mais uma série de jogos inesquecíveis, novos jogadores locais a despontar e, sobretudo, a bancadas cheias e repletas de um dinamismo que confirma que a Bundesliga já ultrapassou a liga inglesa e espanhola em organização e qualidade de jogo. Falta agora no duelo desigual dos palcos europeus, onde as fortunas de poucos clubes de Espanha e Inglaterra dão uma sensação de desnível irreal, que os títulos comecem a dar razão a quem vê na prova germânica o futuro sustentável do futebol europeu.
Jogador do Ano
Shinji Kagawa
O japonês foi o eixo central à volta do qual se moveu a engrenagem do campeão. Na ausência de Sahin e Gotze, o primeiro vendido ao Real Madrid e o segundo vitima de uma larga lesão, o nipónico liderou a equipa do Westfallen, marcou e assistiu com regularidade e encheu os relvados com gestos de um génio que, seguramente, para o ano jogará num dos maiores clubes do futebol europeu.
Revelação do Ano
Marc ter Stegen
3060 minutos de puro talento numa temporada espantosa para a mais jovem e flamante promessa das redes germânicas. 19 anos e a lembrança de uma escola que conta com gigantes como Maier, Schumacher, Ilgner, Kopke ou Kahn para seguir, ter Stegen não só foi um dos baluartes da grande época do Borussia Monchengladbach como também poderá ter o escaparate europeu da próxima época que precisa para dar o salto para um dos grandes do Velho Continente.
Onze do Ano
Manuel Neuer confirmou-se como um dos melhores guarda-redes do futebol europeu na sua primeira época em Munique. Na defesa jogam Lukas Piszceck (Borusia Dortmund), Matts Hummells (Borusia Dortmund), Kyriakos Papadopoulos (Schalke 04) e David Alaba (Bayern Munchen), um quarteto jovem, dinâmico e com uma profundidade ofensiva tremenda.
O miolo é de Kagawa, motor do campeão, Toni Kroos, a grande surpresa deste Bayern Munchen e o sensacional Marco Reus, líder indiscutível do surpreendente Monchengladbach.
Mario Gomez e Klas Jan Huntelaar partilham a linha de ataque, reis dos golos na prova, com o polaco Robert Lewandowski a completar um trio de ases do "thor".
Treinador do Ano
Lucien Favre
Não aguentou o sprint até ao final mas a época realizada pelo Borussia Monchengladbac de Lucien Favre foi tremenda. O técnico responsável pela erupção de verdadeiros talentos em bruto como são Reus, Ter Stegen, Jantschke, Hermman ou Cigergi, montou um onze ofensivo, atractivo e tremendamente eficaz. Durante meia parte da época o Monchengladbach pareceu emular a herança histórica da maravilhosa equipa da década de 70 e manteve-se perto do topo da tabela. Acabou em quarto, com opções de disputar a Champions League, e agora caberá a Favre confirmar que, sem Reus e com os focos nos seus jovens talentos, o projecto tem pernas para andar.
A partir de hoje e até ao próximo dia 1 de Junho o Em Jogo dedica a sua programação em exclusiva à análise das seis principais ligas do futebol europeu.
Um pequeno resumo, eleição do Melhor Jogador, Treinador, Onze e Revelação do Ano e as imagens que marcaram a temporada 2011/12 em Inglaterra, Espanha, Alemanha, França, Itália e Portugal.
Bem vindos, ao Em Jogo!
Teria sido uma das grandes injustiças da história das provas europeias (e houve algumas) se este projecto chamado "Chelski" nunca tivesse tido direito a vencer uma Champions League. Que uma geração onde militam alguns dos nomes próprios da última década tivesse visto a glória passar. Sobretudo, que um gigante como Didier Drogba, tivesse de sentar-se de novo no relvado de mãos na cara, desolado. Nove anos depois de arrancar a sua imensa inversão financeira no clube londrino, Roman Abramovich tem finalmente a sua "orelhuda". E o futebol salda assim uma dívida com um clube que tinha atrás de si já uma final e quatro semi-finais perdidas às costas desde que tudo começou.
Juan Mata remata mas Manuel Neuer, esse panzer de olhar frio, defende.
Parecia Moscovo outra vez, parecia que o destino realmente tinha dito ao Chelsea que a glória futebolística era coisa a que não poderia ambicionar. Por muito dinheiro gasto, por muitos jogadores top, por muitos técnicos carismáticos. O sofrimento era a única palavra transversal nesta história. Mas o futebol tem destas coisas. Não significa que ganhe sempre quem mereça - e por futebol jogado o Bayern Munchen pareceu ser sempre uma equipa mais solvente - nem sequer quem jogue mais bonito. Não se trata nada disso.
Da mesma forma que a Itália em 2006, foi a justiça colectiva a quem o futebol prestou homenagem no Allianz Arena. E nem um grande como Neuer podia desafiar o destino desta maneira. Depois da sua defesa inicial, a relembrar a meia-final contra o Real Madrid, os adeptos começaram a fazer contas. Nunca o Bayern tinha perdido um jogo em penaltys na Europa. Nunca o Chelsea tinha ganho um. Era assim de fácil.
Mas marcou David Luiz. Mas marcou Lampard. Mas marcou Cole. E de repente não havia Terry à vista para escorregar outra vez e pelo caminho era Petr Cech, o mesmo que tinha parado no prolongamento um penalty a Arjen Robben - o maldito - quem se tinha tornado no herói da noite. Defendeu o remate frouxo de Olic e desviou com o olhar o tiro de Bastian Schweinsteiger. Jamais esquecerei esta final pelo rosto de "Schweini", pela segunda vez derrotado numa final europeia. A ele (e a Lahm) também há uma dívida por pagar. Mas este Bayern é um projecto solvente suficiente para voltar, mais cedo que tarde, para cobrar o que é devido.
Cech tinha defendido o que ninguém contava. E no final de contas o Chelsea tinha, outra vez, a possibilidade de sagrar-se campeão da Europa com o derradeiro penalty. Anelka, na China, deve ter agradecido que a pressão fosse para outro. Mas Didier Drogba não entende dessas coisas. Ele é o grande vencedor do ano. O seu olhar define a temporada futebolistica de um clube que se apoiou nele, mais do que nunca, para atravessar o purgatório. Desprezado pela directiva, roubou a titularidade a Torres, convenceu Villas-Boas da sua utilidade, tornou-se na referência ofensiva de Di Matteo e só, contra o mundo, ajudou a derrubar a mitologia blaugrana. Na final, esse jogo que tanto tinha atravessado, foi o protagonista absoluto. Pelas bolas que cortou na defesa, pela raiva com que liderou cada ataque. Pelo golo que empatou o jogo, a três minutos do fim. Pelo penalty que cometeu, infantilmente sobre Ribery, lesionando o francês, até então o melhor do ataque bávaro. Aquele momento pertencia-lhe por direito. E se a história devia algo ao Chelsea, devia muito mais a Drogba. Neuer devia sabê-lo, apenas se mexeu, o fatalismo do momento era evidente. A taça esperava os braços do marfilhenho, a história queria-o hoje mais do que nunca e a bola rasgou as redes na imaginação de milhões de espectadores. Caiu no relvado e sorriu. Drogba corria para a posteridade!
Futebolisticamente não foi a final mais apaixonante, mas foi seguramente uma das mais intensas.
Ambas as equipas comportaram-se da mesma forma como tinham feito nas meias-finais. O Bayern quis a bola e o domínio do jogo. O Chelsea preferiu controlar o espaço e aproveitar a velocidade para fazer a diferença. Não foi um jogo de K.O., no futebol quase nunca o é. Foi um combate a pontos que acabou empatado. Apesar do recorde histórico de cantos para os bávaros a bola rondou Cech e teimou em não entrar. O jogo pelas alas, bem tapadas por Bosingwa e Kalou na direita e Cole e Bertand na esquerda, tornou-se ineficaz e Robben e Ribery foram forçados a procurar diagonais que esbarravam com o muro que derrotou o Barcelona.
Nenhum dos seus remates encontrou perigo e demasiadas vezes o excesso de pernas de jogadores azuis confundia o jogo de passes entre Gomez, Muller, Kroos e Schweinsteiger, o eixo central da ideia de Heynckhes. Tacticamente o treinador alemão não encontrou forma de furar o bloqueio e faltou talvez paciência para atrair o conjunto inglês da sua toca. Entretanto o tempo passava, os corpos perdiam forças, a cabeça clarividência e o Chelsea, matreiro como só um treinador italiano pode ser, começou a morder. A pouco e pouco os contra-golpes venenosos assustavam, faziam os alemães correr mais do que as pernas podiam e davam a sensação de um perigo maior do que seria de supor. Durante oitenta minutos a troca de golpes foi-se equilibrando. Nenhuma ideia era capaz de bater a outra e a verdade é que nenhum dos bandos parecia disposto a mudar o guião. Até que apareceu Thomas Muller.
Depois de uma época uns furos abaixo do que demonstrou em 2010, o ano da sua explosão, Muller viu-se na final num papel incómodo. A sua posição natural tem sido ocupada por Robben e Kroos e ali, com o médio recuado para cubrir a baixa de Luiz Gustavo, sentiu-se perdido. Mas o seu sentido de oportunismo é único e depois do enésimo ataque, a bola sobrou-lhe e com um golpe cheio de imaginação, bateu Cech como a um guarda-redes de andebol. Faltavam sete minutos, o Allianz Arena celebrava já o quinto titulo europeu, o argumento de um ano mágico parecia ter sido escrito em alemão.
Só que Drogba, esse monstro que deveria terminar o ano com um mais do que merecido Ballon D´Or, ainda não tinha dito a última palavra. Nem cinco minutos, tempo suficiente para Heynckhes cometer o erro de tirar ao autor do golo alemão, e o Chelsea empatava. A desilusão na cara dos germânicos dizia tudo. Um clube habituado a perder finais, incapaz de ganhar uma final a equipas ingleses, parecia ver o rosto fatídico do destino na cara do africano. E veio o prolongamento, e o penalty a Ribery e o falhanço de um Robben que se começa a fazer notar pelos falhanços nos momentos decisivos da sua vida, ele que fez parte do melhor Chelsea da história, ao lado do núcleo duro contra quem jogou hoje. Depois desse momento ficou claro que, tarde ou cedo, os ingleses sairiam vencedores. Parecia evidente que a história tinha decido fazer com eles o que se tinha esquecido com o Monchengladbach dos anos 70, o Real Madrid dos anos 80 ou o Arsenal de Wenger. Justiça.
O relógio continou a correr, os penaltis chegaram, inevitáveis, e Drogba decidiu que nove anos de espera eram demasiados.
Pode parecer curioso que o pior Chelsea desde que Abramovich chegou, em plena era Ranieri, tenha logrado o que nem Mourinho, Grant, Hiddink ou Ancelloti conseguiram. Se é certo que o Bayern não foi hoje tão eficaz como contra o Real Madrid e muito mais parecido ao que tremeu nos momentos decisivos da Bundesliga, também é verdade que o jogo dos ingleses voltou a assemelhar-se mais à herança do catenaccio do que, propriamente, à escola de futebol espectáculo que o russo tanto aprecia. Mas o magnata já tinha tentado de todas as maneiras e o troféu, de uma forma ou de outra, tinha-lhe sempre escapado. A vitória de hoje é mais sua do que ninguém, pela insistência em não deixar nunca de procurar lograr o seu objectivo. Foi o triunfo de uma geração histórica do futebol inglês, de alguns dos seus melhores jogadores, de um lider espiritual que pode muito bem ser considerado como um dos maiores (ou o maior) futebolista africano da história. E foi, mais do que isso, o triunfo de um sonho sobre qualquer ideário táctico, cultura futebolística ou projecto pessoal. Vencer a Champions League dá ao Chelsea finalmente o pedigree que lhe faltava, o primeiro clube londrino a vencer o troféu, o quinto inglês em lograr o feito. Talvez sirva para dar tranquilidade ao clube, tempo para crescer noutros moldes, uma maior aposta no jogo e na formação do que nas ânsias e o livro de cheques. Abramovich tem a palavra, a sua geração pode partir agora com a sensação do dever cumprido. E o futebol saiu do Allianz Arena mais aliviado mas com a consciência de que sempre haverá alguma divida moral por saldar.
Pode um clube que gastou numa década mais do que qualquer outro no futebol europeu vencer o maior prémio do futebol europeu com a sua pior versão? A história do futebol está cheia de exemplos como este e no entanto parece claro que o Chelsea seguiu o caminho mais ortodoxo possível para ganhar o único prémio que realmente importa a Roman Abramovich. Depois de ter estado à porta tantas vezes, vencer no Allianz Arena significa para este Chelsea mais do que um titulo único. É, sem dúvida, a forma perfeita de fechar um ciclo que já teve momentos mais brilhantes.
Terry escorregou e falhou o que seria o titulo perfeito.
Não estava Mourinho mas a equipa tinha começado o ano com ele. Talvez sem o seu mentor algo tenha falhado naquela noite em que Abramovich queria fazer a festa na sua Moscovo. Antes tinha sido a nemésis Barcelona como a foi depois. E o Liverpool, com o golo fantasma de Luis Garcia e o penalty parado por Reina. Ou Deschamps e o seu inesperado Mónaco. Parecia sempre haver algo cósmico por detrás de cada derrapada de um clube que gastou, desde Hernan Crespo a Fernando Torres, o que nenhum outro alguma vez gastou para vencer a "orelhona".
Di Matteo não é nem Ranieri, nem Hiddink, nem Scolari, nem Villas-Boas, nem Grant, nem Ancelloti e muito menos Mourinho. Mas o Chelsea, salvo nos três anos do português, foi sempre um clube do presidente e dos jogadores e o seu triunfo será sempre o triunfo dos outros. Da velha guarda que o dinheiro do russo pagou e que Mourinho transformou num colectivo que lhe sobreviveu meia década mais do que seria de esperar. Dos Terry, Lampard, Cech, Cole e Drogba, gladiadores que nunca desistiram, mesmo quando Villas-Boas não sabia o que fazer em Napoli, num jogo onde os ingleses foram superados absolutamente pelos italianos.
A saída do técnico português entregou o balneário aos jogadores e o seu modo de auto-gestão, como tantas vezes funciona (veja-se a Alemanha de 74), foi tremendamente eficaz. A estética ficou para segundo plano, a Premier foi esquecida. Durante três meses o clube trabalhou com apenas um objectivo. De tal forma que esse desespero foi a única arma possível para derrotar o Barcelona em 180 minutos de infarto. E será a grande arma quando a equipa suba ao Allianz Arena, convencida que será a última oportunidade para fechar um ciclo de ouro.
Di Matteo é o hábil sargento e sabe que para vencer o Bayern em casa precisa pouco de futebol e muito de alma.
Ninguém espera um Chelsea diferente do que se viu contra Benfica e Barcelona. Uma equipa sem interesse em ter a bola, com uma ocupação precisa dos espaços e apostando pela velocidade do seu ataque. Drogba correrá como nunca, naquele que será provavelmente o seu último jogo de azul. Kalou e Mata serão os seus escudeiros e Torres, como na cidade condal, a arma secreta. A partir daí, atrás, desaparecem os nomes próprios e cresce a sensação do bloco de cimento colectivo que terá de viver sem Ivanovic, Terry, Meireles e Ramires, quatro jogadores fundamentais na meia-final contra os catalães.
Bosingwa, Cahill, Luiz e Cole terão a difícil missão de travar o trio de ataque maravilhoso dos bávaros. E a Lampard, Obi Mikel e, talvez, Essien, caberá destruir a tentativa do Bayern de fazer a bola respirar no meio de tantas pernas. O banco é curto, as opções diminutas e a improvisação será a única arma que Di Matteo terá para enganar a Heynckhes. Mas como tem repetido diversas vezes, a motivação será a gasolina de um clube que terminou na pior posição doméstica em dez anos e que está à beira do desmantelamento absoluto. Ninguém duvida que Malouda, Drogba, Lampard, Terry, Cech, Cole e Essien estão prestes a dizer adeus e os que vêm atrás (e o Chelsea tem dinheiro e jogadores de futuro para jogar melhor do que tem feito com esta versão gladiadora) seguramente que terão oportunidades no futuro para voltar a disputar o ceptro europeu.
Mas o clube londrino vive numa ânsia eterna que transpira na pele e na carteira do seu dono. Viver sem a Champions League é existir sem alma em Stanford Bridge e depois de uma década de futebol espantosa, há quem pense que o futebol deve algo a este clube. É a pensar nisso que o onze azul subirá ao terreno de jogo, contando que a história lhe devolva um favor que tantas vezes lhe negou. Mesmo esquecendo que eles são, talvez, o patinho feio da epopeia blue.
Não é coincidência que um clube marque presença em duas finais europeias no espaço de três anos. Sem ter o poderio financeiro e o glamour de Barcelona e Real Madrid, os bávaros do Bayern são actualmente o clube mais bem gerido do futebol europeu. E no entanto o momento de maior esplendor continental numa década não coincide, como no passado, com uma clara hegemonia interna. Duas caras de um mesmo escudo que parte para a final do próximo sábado como o grande favorito moral. Condição onde o Bayern se move, historicamente, muito mal.
Os mais nostálgicos sempre se lembrarão dos três títulos consecutivos ganhos pelo Bayern Munchen entre 1974 e 1976.
Os que viram os jogos lembram-se, no entanto, da tremenda sorte no duelo contra o Saint-Ettiene - que foi claramente superior - e no golo no último segundo contra o Atlético de Madrid, que provocou um replay inédito que os bávaros, fisicamente mais fortes, resolveram. A essa trilogia de títulos há que somar um quarto, ganho nos penaltys, depois de 120 minutos onde o Valencia esteve melhor mas não teve cabeça para aguentar a pressão. Quatro títulos europeus e o sonho de um quinto, em casa. O quinto, que sempre escapou.
O Bayern é, com o Benfica e o Barcelona, a equipa europeia com mais finais perdidas. Com o Aston Villa e o FC Porto nos anos 80. Com o Manchester United em 1999 e com o Inter em 2010. Quatro derrotas dolorosas que dizem muito de quando o Bayern chega como favorito à grande final. Um problema com que Jupp Heynckhes terá de lidar no próximo sábado. Não por acaso, os jogadores subirão ao seu estádio, para convencer a Europa que eles são os verdadeiros reis do continente.
Esse historial pretérito dista muito da ideia de gigante supremo que ostenta o clube. Uma supremacia real na Bundesliga mas que nos últimos anos se tem vindo a perder, com o crescimento sustentando do Borussia de Dortmund e o aparecimento ocasional de campeões surpresa como foram Stuttgart e Wolfsburg. Depois de dois anos sem vencer a prova nacional, o Bayern sabe que só um titulo europeu é capaz de tapar a má gestão de forças internas. E no entanto os adeptos parecem menos preocupados do que seria de esperar. Porque no Allianz as coisas são feitas de maneira diferente.
Não há um clube gerido como o Bayern Munchen.
Pelo décimo quinto ano consecutivo o clube irá apresentar lucros no final da temporada, algo inaudito no futebol internacional. Sem ter o mercado asiático e americano, como os grandes de Inglaterra e Espanha, e sem abdicar de ter jogadores de primeiro nível mundial como são Robben e Ribery, os bávaros são um modelo de gestão único a seguir. A construção do Allianz Arena, patrocinado pela organização do Mundial de 2006, aumentou o impacto financeiro nas contas do clube mal amado dos alemães e permitiu manter uma frescura financeira invejável, dando capacidade de manobra num mercado internacional repleto de xeques e bilionários russos e asiáticos. Com esse fundo bancário o clube conseguiu atrair estrelas mas, sobretudo, não se esqueceu de apostar no produto da casa, um dos melhores da regenerada formação alemã.
Lahm, Schweinsteiger, Muller, Kroos, Badstuber e Alaba são figuras nucleares na estratégia de Heynckhes e filhos da formação local. E atrás deles segue já uma nova geração de talentos que terão como objectivo manter a média de duas finais europeias por década que o clube mantém desde os anos 70.
Sem poder contar com David Alaba - uma das revelações da época - Holgen Badstuber e Luiz Gustavo, o técnico alemão que já sabe o que é ser campeão da Europa (1998 com o Real Madrid), sabe que terá de mudar rostros mas não estilo no duelo em que se prevê que o Chelsea abdicará da bola e procurará, como sucedeu na semi-final contra o Barcelona. Kroos deverá acompanhar a Schweinsteiger no miolo, com Muller como falso pivot atrás do trio mais eficaz da prova, Ribery-Robben-Gomez. Na defesa as baixas são mais sensíveis e o cenário mais provável é ver a Pranjic e Contento no lugar da dupla de titulares. Tendo em consideração que a esmagadora maioria do jogo previsivelmente se disputará no meio-campo inglês, será mais problemático para Heynckhes encontrar forma de destapar a teia defensiva de Di Matteo do que preocupar-se com as próprias baixas, por muito sensíveis que sejam.
Jogar no seu Allianz foi um prémio que estimulou o plantel bávaro desde o primeiro dia da época. O clube aguentou perder a liga e a taça para o seu grande rival, sabendo que o objectivo da época era outro. A 90 minutos de igualar o Liverpool em títulos europeus, tornando-se assim o terceiro clube com mais troféus na máxima competição da história, apenas por detrás de Real Madrid e AC Milan, não há baixas nem derrotas nacionais que desmoralizem uma equipa que vivem oito meses a pensar neste momento. Depois de vencer o favorito Real Madrid, chegou a hora do Bayern destapar fantasmas antigos e reclamar um lugar que é seu por direito, entre os melhores do mundo!