Segunda-feira, 30 de Abril de 2012

Hoje arranca um novo projecto. Um projecto assumidamente diferente.

 

O FUTEBOL MAGAZINE é uma revista online dedicada ao estudo, análise e reflexão sobre o universo do mais popular e belo dos jogos, o futebol. 

 

Nesta revista de formato online vão encontrar reportagens, entrevistas, estudos e análises ao passado, presente e futuro do beautiful game, visões alternativas sobre um fenómeno global. Histórias que poucos se atrevem a contar, realidades que a imprensa especializada teima em esquecer, ideias que formam parte da base moral e desportiva do desporto mais global. 

 

O FM é editado por mim mas está aberto a todos. Como colaboradores, como comentadores, como visitantes. É um fórum aberto de debate onde a lei do fora de jogo conta menos do que a influência politica que o futebol demonstrou ter em vários países subsarianos. Onde as fintas de Garrincha são vistas em video e onde o papel do futebol de mesa é tão válido como o da próxima versão dos populares videojogos FIFA ou Pro Evolution Soccer.

 

Desde hoje o espaço está aberto a todos e garanto-vos que vale bem uma visita. As portas estão escancaradas, é só entrar.

 

Boa viagem aqui!

 

 


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publicado por Miguel Lourenço Pereira às 16:11 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Domingo, 29 de Abril de 2012

poucos paises no Mundo como a Itália. Uma mistura sublime de beleza natural, humana, de gentes afáveis e história a cada pedra que se calca. É também um dos países mais sujos, desorganizados, inseguros e irrespiráveis que conheço. O Calcio italiano não dista, como tudo no "belle paise", desde o seu capuccino ás suas voluptuosas mulheres, dessa realidade bipolar. Mas como a politica, a justiça e a económia, o futebol italiano também há muito que vive numa terra de ninguém, anárquica, corrupta e sem amor próprio. A decadência da Serie A é evidente e já não apenas nos números. O triste número montado pelos Ultras do Genoa exemplifica perfeitamente o estado de sitio moral em que senta o futebol no país da bota.

 

Os jogadores choram. De vergonha, de medo. Sabem o que lhes irá acontecer. Em Itália ninguém, nem mesmo o mais carismático idolo, se atreve a contrariar os Ultra.

É uma triste realidade que se vive em poucos países, talvez só a italianizada Argentina sinta a mesma dor, o mesmo buraco na alma, com o triste mas real fenómeno dos Barras Bravas. A violência no Calcio não é tão evidente, não é tão intensa, mas está lá, no mais brutal dos gestos, no mais ensurdecedor dos silencios. Os jogadores sabem-no, os directivos sabem-no e os adeptos neutrais também. Mas como sempre o italiano assobia para o lado, lança um piropo e continua a sua vida. Aqui não passa nada, nada que seja com ele.

Imagino os adeptos neutrais, pelo menos os adeptos que não roçam a loucura facciosa e suicida que compõe o complexo fenómeno dos Ultra. Quando os anos 80 radicalizou a figura dos grupos de apoio organizados, quando o dinheiro das mafias locais e o compadrio das directivas familiares lhes deram uma fatia do poder, o Ultra deixou de ser um sinónimo de apoio incondicional à inglesa para passar a ser mais um braço armado e corrupto, pronto a ficar com uma fatia do bolo em nome do amor ao clube. Em Roma a Lázio há anos que não consegue um acordo publicitário digno do seu valor de mercado porque preferiu entregar o monopólio da comercialização do seu merchandising à directiva dos seus temidos Ultras. Todos sabem isso, poucos querem falar disso e ninguém se queixa. Porque, caso contrário, há muito que os péssimos resultados desportivos da era pós-Cragnotti teriam provocado lutas, invasões de campo e ataques directivos aos directivos e jogadores. O dinheiro paga o silêncio. Em Roma, em Milão, em Turim, em Napoles, em Palermo, de norte a sul o futebol italiano há muito que se tornou alvo de escárnio. A péssima qualidade de jogo, as fracas performances das equipas, a falta de estrelas e os problemas relacionados com o doping e as apostas são apenas a ponta de um iceberg muito mais profundo e assustador. Há largos anos que o Calcio sobrevive na anarquia. Como a que levou à suspensão do Genoa-Siena.

 

Os homens da Toscânia venciam por 0-4, um triunfo categórico, indiscutivel e perfeitamente evitável tal era a superioridade teórica inicial do onze genovês. Mas o futebol é assim, cheio de rasteiras e tardes de bruxas e num duelo de rivais directos tudo pode suceder. Tudo ocorreu depressa demais para a habitual lentidão italiana. Ao minuto 54 Alberto Malesani lançou o georgiano Kaladze para o relvado. Um defesa por um avançado, com um 0-4 no marcador e a linha de água no pescoço. O grupo de Ultras sentiu que tinha a legitimidade moral para fazer-se ouvir mais do que manifestar-se nas bancadas. À boa maneira italiana, pressentiu correctamente que, fizessem o que fizessem, sairiam impunes. Lembrando-me de um Roma-Lazio de há largos anos, onde o rumor falso da morte de um adepto levou o próprio Totti a servir de correio com o árbitro face às exigências dos Ultras da AS Roma, é fácil perceber porquê.

Os lideres do movimento, os que mais lucram com os negócios paralelos feitos ás escondidas com a directiva, entraram no relvado e num gesto de humilhação moral exigiram a camisola dos jogadores. Estes sabiam a que se arriscavam se negassem. Provavelmente ataques ás suas casas, ás suas familias, aos seus carros, uma transferência apressada e pela porta pequena em Junho e o medo no corpo para sempre. É assim que funciona o Calcio e foi esse fantasma bem real que levou a que o capitão genovês, Marco Rossi, a recolher as camisolas e entregá-las como despojos. Claro que as barreiras das bancadas foram abertas com a autorização da directiva e que a pantomina montada entre lágrimas e suspiros pareceu mais assustadora para fora do que realmente foi dentro do relvado. Os jogadores do Siena sairam imaculados do relvado, tal como a equipa arbitral e o jogo prosseguiu, 40 minutos depois, com os Ultras, esses apoiantes incondicionais, de costas para o relvado. O resultado, 1-4, condenou o Genoa a cair mais dois postos na tabela, a ser ultrapassado pelo próprio Siena e a dormir no 17º lugar, apenas dois pontos à frente do Lecce com cinco jogos para o final. Foi o pretexto ideal para Alberto Malesani ser despedido, de novo, nesse habitual circo italiano de treinadores que orientam a equipa mais do que uma vez ao ano. Na Serie A os casos como o de Malesani são o pão nosso de cada dia do norte ao sul e ninguém acredita que o homem que os Ultras juraram expulsar do clube não volte algum dia a sentir-se no Luigi Ferrari. Noutro tempo, noutra época, na mesma crua e triste realidade.

O fenómeno Ultra em Itália é mais perigoso que alguma vez foi o hooliganismo em Inglaterra. Os mais selvagens e animalesco adeptos ingleses formavam-se fora do circulo do clube, existiam á sua margem e acabaram por ser facilmente domados porque nunca exerceram posições de poder real. Em Itália a situação é bem mais complexa. Não há tanta violência exterior mas por dentro os grupos Ultras minam os seus clubes, a liga e o futebol italiano em geral. Estão por detrás do fenómeno das apostas ilegais, alguns são os principais fornecedores de drogas aos jogadores e fazem cair técnicos e estrelas com um estalar de dedos. São eles quem melhor sabe manejar estes dias crueis de anarquia e também são eles em grande parte os responsáveis pelo atraso desportivo e moral em que vive aquela que foi, não há tanto tempo assim, a melhor liga do Mundo. A impunidade dos adeptos do Genoa não é nova nem sequer um exclusivo do clube. Funciona melhor como um espelho da arrogância e da impotência, da impunidade e da injustiça, da falta de escrupulos e do interesse financeiro, nomes dignos dos muitos coveiros que atiram a terra para cima do caixão podre da Serie A.



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Sexta-feira, 27 de Abril de 2012

Coerente, surpreendente, digno, entusiasmante. O Barcelona decidiu o seu futuro com base no seu presente e fê-lo com a certeza de que acredita numa ideia, mais do que nos nomes que a guiam. Se a saída de Pep Guardiola era um segredo mal guardado, o nome do sucessor deixou até os próprios blaugranas em estado de choque. Durou pouco. Guardiola continua a manobrar o clube na sombra, o Barcelona da próxima época será fiel ao que se viu nos últimos anos e, sobretudo, o clube catalão decidiu seguir o caminho que fez do Liverpool dos anos 70 um mito da história do futebol. Agarrou-se à ideia de um "boot room" eterno que pode trazer mais alegrias do que suspiros ás bancadas do Camp Nou.

Bob Paisley é o treinador do Liverpool com mais títulos. É um dos treinadores mundiais com mais títulos. E no entanto quem se lembra dele?

Bill Shankly saiu do Liverpool demasiado cedo, muitos pensaram. Sem vencer a Taça dos Campeões, sem somar mais de quatro títulos de liga inglesa. E no entanto quem se esquece dele? 

O grande mérito de Shankly não foi vencer. Foi definir a forma como se iria ganhar. Resgatou o Liverpool das trevas, trabalhou uma ideia táctica, rodeou-se de jogadores locais e aquisições certeiras e lançou as luzes do futuro. Quando saiu tinha deixado atrás de si o trabalho feito e, sobretudo, o conceito do "Boot Room", o pequeno gabinete onde se juntava com os seus adjuntos para falar de futebol e da vida, que é o mesmo. Durante 15 anos o Liverpool sobreviveu, cresceu e um ano até chegou em segundo, como diria Paisley, sempre partindo do "Boot Room". Depois de Shankly veio Paisley, depois deste Joe Fagan e por fim Kenny Dalglish, que entrou como jogador e saiu como mentor emocional. Essa longa saga coroou os anos dourados da história de Anfield Road porque, independentemente dos grandes jogadores no terreno, partiu sempre de uma ideia de clube bem definida.

Josep Guardiola sabe mais de futebol do que a maioria das pessoas e sabe também investigar a história do jogo. Quando Johan Cruyff saiu do Barcelona, pela porta de atrás, a direcção de Josep Luis Nuñez quis romper com o cruyffismo e chamou Bobby Robson. O inglês durou um ano, ano em que só perdeu o titulo de liga, até que os directivos emendaram a mão e voltaram a apostar na escola holandesa, primeiro com van Gaal e depois com Rijkaard, com um hiato desastroso que tem mais a ver com a figura de Gaspart do que com a mentalidade por detrás do clube. Essa transição sempre foi feita com consciência de que o legado de Laureano Ruiz, Rinus Michels e Johan Cruyff faz mais sentido em Can Barça do que em qualquer outro sitio. Se houve equipa capaz de suceder ao Liverpool nessa ideia de clube, com um projecto e uma cartilha comum, essa equipa sempre foi o Barcelona. Mas o clube nunca tinha arriscado tanto como hoje. Arriscado tanto como Shankly quando se virou para os directivos com o nome do estimado Paisley como o homem da glória futura. Na altura poucos o levaram a sério, a história mostrou que o "Napoleão de Mersey" não se enganava.

 

Tito Vilanova não tem experiência como treinador de elite, como também não tinha Guardiola.

Mas quem segue o clube blaugrana sabe que por detrás destes quatro anos de sucesso há muito dedo do homem a quem Mourinho quis penetrar mais profundamente no olhar. Villanova é o responsável das jogadas de estratégia do clube, inspirando-se no basket e no futebol de sala. Foi o homem que orientou a celebre equipa juvenil da geração de 1987 quando tinham apenas 14 anos, a equipa dos Messi, Pique, Fabregas e companhia. E foi sempre o amigo e confidente a quem Guardiola recorreu. Não é um mero segundo treinador, é um dos ideologos do projecto e isso faz toda a diferença. 

Os adeptos portugueses podem lembrar-se da imagem de Vitor Pereira mas o técnico do FC Porto nunca foi o segundo de André Villas-Boas. Escolhido por Pinto da Costa para completar a equipa técnica, partilhou a da experiência mas nunca existiu essa comunhão de ideias, de modelos, de longos anos a falar de futebol que unem dois homens que são colegas e amigos desde a mais tenra infância. Não se pode entender a imagem de Guardiola sem Vilanova e o mesmo agora será válido quando Pep passe para o segundo plano.

A ideia do técnico de Santpedor tem a mesma dose de genialidade que os seus dispositivos tácticos. Imitando a Shankly, ele ergue-se como a figura de fundo do clube, o homem que controla tudo sem ter de expor-se aos momentos duros que virão. Guardiola não vai treinar outro clube porque continua, de certa forma, a treinar o Barcelona.

Na conferência de imprensa de hoje tanto ele como Sandro Rossell - o grande derrotado desta decisão, felizmente para o clube - e Andoni Zubizarreta confirmaram que Guardiola será uma voz de peso no projecto, um consultor externo. Será mais do que isso. Guardiola leva quatro anos mas o seu rosto faz parecer que são quarenta, no Camp Nou. É um homem honesto e coerente e sabe que a motivação no desporto da alta competição é dificil de conseguir. Ao dar um passo para trás mas não um adeus definitivo, o técnico consegue esse golpe de teatro que pode ter ao seu plantel em alerta máximo. Seguramente que alguns nomes irão sair, Dani Alves e David Villa antes de mais, e que outros vão ver o seu papel alterado pela idade (Puyol e Xavi) ou pelo estilo de jogo que Vilanova vai aprofundar. A chegada de Fabregas, homem que Vilanova conhece bem, promete fazer mais sentido na equipa do próximo ano. O 3-4-3 que tanto tem explorado Pep voltará a ser um 4-3-3 mais dinamico, com Fabregas, Messi e Alexis na primeira linha de fogo e Iniesta, Busquets e Thiago no apoio directo. A cantera voltará a ser a base de tudo, Vilanova já falou várias vezes sobre a admiração que nutre por muitos dos homens da equipa B como Rafinha, Sergi Robert e Grimaldo. E será mais fácil tomar decisões dificeis no balneário sem a condescendência de um Guardiola que é muito menos aguerrido, tanto para fora como para dentro, como é Vilanova. Mas quanto ao ideário táctico é fácil adivinhar que o fantasma de Guardiola aí estará, na preparação dos jogos, no estudo dos rivais. A sala de imprensa será mais bélica do que nunca - Vilanova e Mourinho têm contas a ajustar - e o balneário mais disciplinado, mas no campo pouco mudará. 

 

Guardiola logrou o que Cruyff não conseguiu. Não só em titulos mas, sobretudo, em fazer prevalecer essa ideia que remonta a 1972. O holandês saiu do clube com a intenção de deixar Charly Rexach como seu sucessor mas nunca o conseguiu. Guardiola encontrou o poder suficiente para desafiar a ideia de Rossell e impor Vilanova. Ao manter o seu melhor amigo e co-autor do majestuoso Pep Team, o técnico garante que continua a pairar sobre Barcelona. Não vai treinar outro clube e não fecha a porta a voltar ao Camp Nou pela porta grande. De certa forma cria o "Boot Room" à catalana, com o futuro garantido para os seus homens de confiança, os que partilham o mesmo ADN e a sua linguagem, um espaço onde gravitam as figuras de Juan Manuel Lillo, Lluis Carreras, Luis Enrique e Xavi Hernandez. Se a dinastia guadiolista só agora arrancou é fácil imaginar que, com este plantel e esta fortissima ideia, o Barcelona se mantenha na elite durante largos anos. Como com o Liverpool de Shankly, a ideia triunfa e os nomes vão-se sucedendo e os titulos vão chegando. Quando se abandona a ideia, como sucedeu com os Reds, o desastre é inevitável. Guardiola sabe melhor do que ninguém e tomou para si a responsabilidade de garantir que esse dia não chegue ao Camp Nou. 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 17:14 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Quarta-feira, 25 de Abril de 2012

Durante 365 dias repetiu-se até à imensa exaustão que a final da edição desta temporada da Champions League tinha local e equipas pré-definidas. O futebol, como sempre, não quer saber de razões, não se importa com prognósticos e não dá a mesma importância às inevitabilidades como podemos pensar. O futebol é e sempre foi para quem mais acredita. O Chelsea ontem, em Barcelona, e o Bayern Munchen, hoje, em Madrid, souberam carimbar o bilhete para a final porque nunca deixaram de acreditar. Suportaram o insulto, o menosprezo e os prognósticos. E no final decidirão a final mais improvável da história.

Era fácil de prever o resultado final ao intervalo.

Os jogadores do Real Madrid tropeçavam uns nos outros, o posicionamento no terreno de jogo era desconcertante e não havia uma figura que chamasse à ordem, que impuse-se a calma. Cristiano Ronaldo fez o que Lionel Messi foi incapaz de fazer em 180 minutos e marcou duas vezes. Mas foi só. A orquestra branca emperrou no segundo golo do seu lider mediático e nunca encontrou um lider espiritual em Mezut Ozil e Xabi Alonso. A defesa tremeu como o Bernabeu há muito não via, Pepe cometeu um penalty que teve tanto de estúpido como de inevitável e os alemães demonstraram ser o que sempre serão, máquinas inesgotáveis de auto-confiança. Olhando para Ribery, Robben, Gomez e, sobretudo, Bastian Schweinsteiger, nunca se viu descrença, nem com o 2-0. Isso foi o que decidiu a eliminatória. O mesmo olhar de Frank Lampard ou Didier Drogba ontem no Camp Nou, o olhar que a crença de superioridade moral dos jogadores do Real Madrid e Barcelona nunca conseguiram transmitir.

O Real Madrid apelou á épica e o seu lider respondeu. Depois o Bernabeu calou-se, acreditando na inevitabilidade da história. E esqueceu-se que a bola continua a rolar. E rolou, nos pés dos alemães, tremendos nas transições, imensos no posicionamento táctico e divinos na capacidade crónica de nunca perder a concentração. Apesar de ter perdido o jogo o Bayern teve sempre as melhores oportunidades, causou sempre os maiores sustos e aguentou as investidas desesperadas de uma cavalaria sem general. José Mourinho perdeu a meia-final da mesma forma que perdeu quando treinava o Chelsea, sem escândalos arbitrais mas com um conservadorismo crónico. A insistência em Angel Di Maria, a incapacidade de alinhar um dueto Benzema-Higuain quando a equipa precisava de um, talvez até de dois golos, foram evidentes. Granero entrou tarde para dar respiro, as linhas pareceram sempre demasiado distantes e só Deus poderia imaginar o que seria do jogo no Allianz Arena se tivesse jogado Marcelo, hoje o melhor jogador merengue no terreno de jogo. O brasileiro foi o único que lutou contra o que parecia inevitável à medida que o relógio seguia. Jogar para os penaltys com uma equipa que, é fácil de ver, não é propriamente forte mentalmente para aguentar a pressão das grandes penalidades. Uma equipa que se desmorona com tremenda facilidade e que diante de um imenso Manuel Neuer, se empequeneceu. 

 

Da mesma forma que o Chelsea mereceu seguir em frente porque acreditou em Munique, também o Bayern Munchen fez mais do que qualquer outra equipa em prova para cometer a possível proeza de sagrar-se campeão da Europa diante dos seus, no belissimo Allianz.

O Chelsea e o Bayern podem não ser melhores que Barcelona e Madrid, não têm plantel, individualidades e técnicos do mesmo nível. E, no entanto, acreditaram. Drogba acreditou mais do que Messi, Schweinsteiger mais do que Ozil e a Di Mateo e Heynckhes não fez falta ser Guardiola e Mourinho para desenhar uma teia de aranha tremendamente eficaz.

O Chelsea entregou a bola ao Barcelona e disse-lhe na cara, faz o teu jogo, tem 99% de posse de bola, dá 14000 passes mas não entrarás nesta muralha e quando eu tiver a bola, mato-te. O Bayern pediu a bola, fez o rival correr, manteve uma defesa de quatro atenta aos contra-golpes e entregou-se ao nervosismo do rival. Ambos souberam lidar com os pontos fracos dos oponentes, ambos acreditaram mais em si do que qualquer outro. O Chelsea e o Bayern assumiram-se inferiores na eliminatória e acreditaram nisso. Essa crença deu-lhes ar aos pulmões, critério nas movimentações e sorte na concretização. Ronaldo e Kaká não costumam falhar penaltys. Messi também não. E no entanto as grandes estrelas, as que valem milhões, empequeneceram perante o trabalho e crença de Ramires ou Toni Kroos, os melhores em campo nos dois duelos, os que melhor souberam ler e assimilar o encontro.

Guardiola enganou-se no onze, enganou-se nas substituições e enganou-se em não ter um plano B. Mourinho pagou a sua falta de coragem, atrasou-se nas substituições e, sobretudo, foi incapaz de transmitir crença e coragem. Nem o projecto desportivo do Barcelona pode estar em causa nem o mérito de uma época tremenda do Real Madrid. Mas o jogo de hoje deixou claro que os merengues não sabem controlar um jogo de 90 minutos, que têm muita dificuldade em fazer respirar a bola e que dependem em excesso de Cristiano Ronaldo para marcar a diferença (e numa noite em que nem dois golos chegam, está tudo dito). O Real Madrid perdeu a eliminatória no péssimo jogo de Munique, na displicência defensiva dos três golos dos bávaros e, sobretudo, na incapacidade de reeditar o espirito de remontada que faz parte da história do clube. A Décima terá de esperar e provavelmente nunca houve uma oportunidade tão grande para o clube somar a sua dezena de trofeus europeus. O Bayern Munchen foi uma equipa, na total acepção da palavra, e assim se manteve durante 210 minutos, sem quebrar, sem cair de joelhos e com a cabeça bem alta. A final de Munique não poderia ter mais digno finalista.

 

Schweinsteiger e Drogba, dois exemplos perfeitos da crença no futebolista total, podem ganhar a sua primeira Champions League. Em vez de Messi e Ronaldo somarem mais troféus ao seu impecável curriculum, em vez de se entregar de antemão o Ballon D´Or 2012, teremos a alegria de ver jogadores com verdadeira fome de glória disputar um jogo que promete ser épico. Torres, Lampard, Drogba, Cech, Schweinsteiger, Ribery, Robben ou Lahm são homens que valem tanto ou mais do que muitas das estrelas milionárias da galáxia, mas sempre se viram condenados a assistir numa final a glória dos seus rivais. Metade deles no dia 19 de Maio poderá esquecer, de uma vez por todas, que alguma vez foi um perdedor. Acreditar neles mesmos permitiu-lhes sobreviver à dor. Acreditar neles mesmos vai levá-los à glória. O futebol, no seu aspecto mais puro, é muito mais isso do que acreditar na superioridade de uma final Barcelona-Real Madrid, o jogo que a imprensa vende como la creme de la creme mas que não transpira nos poros a crença de quem sabe que um jogo de futebol é algo mais do que uma questão de vida ou morte.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 22:28 | link do post | comentar | ver comentários (77)

O futebol, como a vida, sabe ser injusto para ser justo, sabe transformar os momentos tristes em explosões de êxtase e sabe, sobretudo, jogar com os sentimentos de quem encontra no beautiful game o espelho perfeito de uma sociedade sem referências morais e humanas. Mas é como os deuses, uma criação dos homens, e portanto peca de falta de memória quando mais interessa. A pior semana desportiva da vida do Josep Guardiola treinador começou a servir para que saiam das grutas os lobos ferozes dispostos a questionar a sua figura. Era de esperar, o futebol funciona assim, e por isso parece que é necessário relembrar a grandeza de um treinador que ajudou a redefinir um jogo mágico.

Guardiola pode ou não seguir, o seu lugar na história é intocável.

Esse é o primeiro ponto para qualquer discussão sobre o guardiolismo e o seu papel na definição do Barcelona actual e no panorama do futebol actual. Não só porque é o treinador com melhor ratio de títulos ganhos em apenas cinco anos como treinador mas, essencialmente, porque é o autor de um trademark desportivo. Se há técnicos que fazem do verbo ganhar o sinónimo perfeito ao seu nome e apelido, o filho de Santpedor fez do estético o seu alter-ego. Quando o ganhar conjugou com a estética, o Mundo rendeu-se. Quando as letras se misturaram numa sopa sem verbos nem predicados, os lobos salivaram. Sem motivos.

O treinador do Barcelona não inventou nada novo e, no entanto, foi mais refrescante do que qualquer treinador de top dos últimos anos. Completou a evolução do ideário lançado por Laureano Ruiz em 1972, seguido por Johan Cruyff e aperfeiçoado por Frank Rijkaard. Pegou no estilo aguerrido e profundamente intelectual do futebol sul-americano depois de ter estudado bem as lições dos maestros Marcelo Bielsa e Juanma Lillo nas suas viagens pelo outro lado do charco. Em Itália, ao lado do seu amigo Baggio e sentado atrás do furioso Capello, soube ler e reler as cartilhas mais básicas do catenaccio. A sua aprendizagem aperfeiçoou o seu próprio ADN e quando Joan Laporta decidiu que era o seu antigo idolo, o capitão do Dream Team, e não José Mourinho quem devia ser o sucessor do injustiçado Rijkaard, a estratégia resultou em pleno. A geração era a mesma e os que foram descartados por motivos extra-desportivos encontraram em casa alternativas. Saiu Edmilson, entrou Busquets. Saiu Deco deu-se o protagonismo a Iniesta. Pedro entrou por Messi que fez de Ronaldinho e Henry substituiu Giuly. Pique rendeu Marquez e Dani Alves, o único alien do projecto, foi a evolução lógica de um Beletti que marcou o golo decisivo da final de Paris fazendo aquilo que Alves tem feito desde que aterrou na liga espanhola. A matéria-prima estava lá, os conceitos também. Guardiola encontrou a dose certa da poção mágica, deu-a a provar aos seus e transformou-os a todos em pequenos Asterix do futebol. O Mundo, inevitavelmente, rendeu-se ao papel homérico do técnico. O mesmo Mundo que hoje começa a esquecer-se. Por dois jogos não ganhos em 220.

 

A coragem é talvez a palavra que melhor define o Guardiola treinador.

Coragem em apostar numa formação desprezada pelas próprias bancadas do Camp Nou. Os mesmos que queriam Xavi fora, que suspeitavam de Iniesta, que não se importaram com o adeus de Guardiola num Barcelona-Celta com o estádio vazio. Os mesmos que não suportavam Louis van Gaal, o homem que lançou Puyol, Xavi, Valdés e Iniesta e os mesmos que estavam fartos com um Frank Rijkaard fundamental em levantar o clube da depressão da segunda era Van Gaal, de Antic e Serra Ferrer e do gaspartismo que destroçou o clube. Busquets, Pedro Rodriguez, Isaac Cuenca, Rodrigo Tello, Thiago Alcantara, Jonathan dos Santos, Marc Montoya, Marc Bartra...nomes próprios do futuro de um clube que será inevitavelmente grande depois de Guardiola, mas forçosamente com as sementes do seu trabalho.

Coragem pela sua inovação táctica, nessa tentativa de fugir do 4-3-3 de Rijkaard e do 4-2-3-1 que quase todos os treinadores seguem piamente actualmente. O seu 4-3-3 sempre foi uma versão invertida do projecto rijkaardiano, o seu 3-4-3 uma concessão ao cruyffismo e o 4-6-0 (ou 3-7-0) a confirmação da sua fé no centro-campista em detrimento da defesa e ataque. Com esses variantes Guardiola destroçou cada um dos seus rivais, venceu 13 de 18 títulos em quatro anos e rompeu todos os registos.

Coragem em dar a cara por uma instituição que viveu os complicados dias finais do laportismo e que nunca se entendeu com o ideário de Sandro Rossel. Coragem em entrar em guerra com o seu antigo amigo José Mourinho na sala de imprensa do Bernabeu, de acreditar cegamente nos seus jogadores e de manter um discurso igual hoje ao que tinha como jogador, há mais de 20 anos. Esse Guardiola marcou a história do futebol de forma épica e inevitável e perder uma liga de quatro e duas Champions de duas não pode deixar cair essa fria realidade no mais puro esquecimento.

Mas claro, o problema não é apenas esse. Nos últimos quatro anos a imprensa e o próprio Barcelona entraram numa espiral perigosa de aperfeiçoamento moral, do qual Guardiola também fez parte. A demonização de qualquer estilo de jogo que não fosse o da posse de bola, o desprezo por qualquer jogador que ofuscasse a Lionel Messi, as palavras azedas com as equipas que se queixaram, com razão, de muitos benefícios arbitrais, especialmente nas provas europeias, mostraram um lado menos agradável. O lado que muitos dos que esperavam uma semana assim querem sacar à luz. Guardiola enganou-se ao seguir esse caminho mas sempre foi coerente, a maioria da imprensa (especialmente a de Barcelona) e dos adeptos por esse mundo futeboleiro fora é que realmente cometeram o erro de acreditar na história do bem e do mal, da perfeição dos pequenos deuses de blaugrana face à crueza humana de todos os outros. Pep, como qualquer outro técnico, engana-se. Enganou-se tacticamente nos últimos jogos, não só pelo dispositivo no terreno de jogo (melhorou de Stanford Bridge ao jogo com o Real Madrid e daí ao jogo com o Chelsea, mas não foi suficiente). Errou ao renunciar ao plano B, ao plano C, ao plano D. A sua devoção absoluta à figura de um Messi que é intocável no balneário do Barcelona, dentro e fora do clube, como nunca foram Ronaldinho, Rivaldo ou Romário (cujas saídas nocturnas eram filtradas pelo clube) levou-o a fechar os olhos a outros jogadores, outras ideias. Deixou de acreditar na imagem do ponta-de-lança (abdicou de Etoo, virou as costas a Ibrahimovic, nunca acreditou em Bojan, suspeitou de Villa), apostou em excesso no jogo interior e desgastou em excesso os seus jogadores-chave (Xavi, Iniesta, o próprio Messi estão fisicamente destroçados há um mês) e mesmo a sua aposta na defesa de três encontrou-se com um plantel curto que obrigou a adaptar a Mascherano e a dar demasiados minutos a Adriano, dois jogadores fora de posição. Esses erros de gestão, tão comuns na vida de qualquer grande treinador, destoam da imagem imaculada vendida sobre a figura de um Guardiola que agora, seguramente, irá provar noutras paragens o seu imenso génio.

 

Guardiola sabe bem a casa que habita. Os adeptos do Barcelona devoram os seus com mais ferocidade do que qualquer clube do mundo. Van Gaal é desprezado, Cruyff durante muitos anos foi assobiado e Frank Rijkaard é o eterno esquecido. Na época do holandês o onze blaugrana venceu e jogou ao mesmo nível que o Pep Team. Ronaldinho foi, provavelmente, tão ou mais grande do que Messi tem sido e Etoo, Deco, Xavi e companhia faziam parte da equipa de sonho de qualquer adepto. E no entanto o cansaço físico e emocional destroçou um projecto destinado a governar sine die o futebol mundial. Guardiola sabe que um cenário similar pode voltar a suceder com a geração actual e se bem que acredite que seguirá, não o fará desconhecendo o ano complicado que o espera. Isso é o futebol de presente e de futuro. O passado é intocável e belo, e a corrida de Guardiola em Stanford Bridge, as suas lágrimas na final do Mundial de Clubes, as goleadas ao Real Madrid e as duas finais europeias diante do Manchester United são apenas pequenas gotas num oceano de épica histórica digna de uma gesta medieval única que emocionaram qualquer adepto do futebol. Poucos treinadores, num jogo que é sobretudo de jogadores, são capazes de gerar essa admiração e devoção. Ele é um deles e sabe-o, sente-o e vive-o. Guardiola, como qualquer outro técnico, não é perfeito e esta época tem cometido mais erros do que é habitual. Mas nem Sacchi, nem Ferguson, nem Shankly, nem Clough, nem Mourinho, nem Herrera, nem Santana, nem Michels, nem Lobanovsky, nem Menotti, nem Cruyff o foram e a história sabe dar-lhes o devido valor. Guardiola será sempre um dos grandes técnicos da história do futebol porque soube ler o passado para projectar o futuro.



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Segunda-feira, 23 de Abril de 2012

Poucas equipas jogam de forma tão convincente no futebol europeu como os homens do Westphalen. E no entanto poucos se atreveriam a sonhar com um Bicampeonato que não acontecia desde 1996. Mesmo desiludindo na Europa e sem o mentor de jogo da brilhante época passada, os jogadores de Jurgen Kloop foram eximios em provar que deles é o rosto de uma nova era no futebol alemão. Muitos não se deram conta da importância do feito, mas este pode ter sido o primeiro passo para o futebol germânico deixar de ser um monólogo institucional.

O Borussia de Dortmund venceu duas ligas consecutivas apenas uma vez na sua história antes da tarde do último sábado.

Foi entre 1994 e 1996 que Ottmar Hitzfeld resgatou um clube histórico da mediocridade e o transformou num potentado europeu. A equipa de Kolher, Riedlle, Heinrich, Herrelich, Chapuisat e companhia não desafiou o dominio interno de um Bayern Munchen em profunda crise moral como se transformou no terceiro clube alemão a proclamar-se campeão europeu, depois dos bávaros e do Hamburg, na final de Munique em 1996 frente à Juventus de Turim. Dezasseis anos depois os homens do Ruhr voltaram a celebrar um bicampeonato (em 2002 também se sagraram campeões, antes de cair na dura bancarrota) mas o mais curioso é que, desde então, nunca mais nenhum clube alemão se voltou a sagrar bicampeão. Também é verdade que antes da gesta do Dortmund, era preciso recuar a 1983 para encontrar outro bicampeão alemão, o Hamburg, outra equipa que confirmou o dominio nacional com um titulo europeu. São 30 anos de história em que, apenas por duas vezes, o titulo ficou nas mãos de quem o detinha. A não ser que o clube fosse o Bayern Munchen.

Os bávaros eram uma equipa de prestigio antes dos anos 40 e viveram duas décadas na obscuridade até que Franz Beckenbauer os liderou da 2.Bundesliga à glória mundial em meia dúzia de anos. Desde 1969 que o clube de Munique conquistou 21 titulos de campeão. Nesse periodo de tempo logrou por três vezes um Tricampeonato e por outras três vezes um Bicampeonato. Um monopólio ensurdecedor numa das ligas que apresenta um maior número de diferentes campeões do Mundo. Desde esse 1983, dessa dobradinha dos homens de Hernst Happel, que foram campeões alemães oito clubes diferentes, dos quais apenas o próprio Hamburg e o Wolfsburg não lograram repetir, mais tarde no tempo, o seu primeiro troféu. Uma poderosa classe média a que teriamos de juntar Schalke 04 e Bayer Leverkusen, os eternos segundos dos últimos 20 anos, e projectos que o tempo destroçou como o Eintracht Frankfurt dos anos 90 ou o Hertha Berlin do inicio da década passada. Mas sobre todos eles sempre pairou a sombra do Bayern Munchen. Quando a época arrancou poucos imaginavam que fosse este Borusia Dortmund a equipa capaz de quebrar esta malapata. Especialmente tendo em conta o potencial do plantel dos bávaros, confirmado com a sua presença na meia-final da Champions League, algo que pode ser histórico caso Jupp Heynckhes e os seus aguentem a investida do Real Madrid no jogo de quarta-feira.

 

Por isso mesmo este titulo do Dortmund é ainda mais relevante que o da temporada passada.

Em 2011 Kloop montou uma equipa com um futebol tremendo e com uma juventude extasiante mas muitos viam nos homens de amarelo apenas uma moda passageira que o mercado e a tirânia bávara trataria de destroçar. O timido arranque de campeonato e a péssima performance na Champions League pareciam adivinhar isso mesmo. A equipa sentia a falta do critério de Nuri Sahin, a grande incógnita desportiva do ano, e os golos tardavam em chegar. Parecia que o Bayern Munchen apenas teria de aguentar a concorrência de outro Borusia rejuvenescido, outro velho rival, o de Monchengladbach. 

Mas Jurgen Kloop demonstrou ser um estratega eximio. Só lançou definitivamente Ilkay Gundogan quando este mostrou poder oferecer algo similar ao que aportava Sahin. Entregou o jogo ao génio precoce de Mario Gotze, nunca desistiu da verticalidade de Kevin Groskreutz e trocou os golos de Barrios pela eficácia de Lewandowski. A aposta foi ganha. O equilibrio de Perisic, Hummels, Subotic, Kehl e Bender foi fundamental na reviravolta tanto como o génio criativo do ataque. O Dortmund manteve-se fiel ao seu estilo de jogo ofensivo, não se veio abaixo nos tropeções e de repente encontrou-se só na liderança. A partir daí foi só gerir os tempos, lidar com o ataque desesperado do Bayern, derrotá-lo no confronto directo e contar as horas. Sem gastar as fortunas do passado, o clube entendeu que o modelo a seguir tinha de ser o mesmo que levara um clube a viver a sua pior hora financeira aos milhões da Champions. O pouco dinheiro ganho na Europa ajudou a sanear as contas, a impedir a saída dos melhores jogadores e a captivar algumas das novas promessas teutónicas. Marco Reus promete ser, no próximo ano, um reforço de luxo, algo que nem o eterno rei do mercado alemão conseguiu captivar a juntar-se aos Schweinsteiger, Muller, Robben, Ribery e companhia. Se Mario Gomez foi o homem golo, Mario Gotze foi o jogador mais completo que passeou a sua classe pela prova ao longo dos nove meses de competição, provando certa a ideia de Kloop em deixar sair Sahin sabendo que ficaria com um jogador menos constante mas muito mais incisivo no jogo de ataque. Á sua volta o espirito coral do Dortmund não destoou e os números não enganam. Os 25 jogos imbatidos do homens de Dortmund são cartão de visita suficiente para acreditar na solvência do seu projecto.

 

Apesar dos milhões que gravitam à volta do Allianz Arena fazerem, justamente, o Bayern o eterno favorito da próxima temporada, ninguém se atreve agora a pensar duas vezes antes de colocar o bicampeão à sua altura moral. É possível que Jurgen Kloop queira emendar a mão e apostar forte nos palcos europeus, com os consequentes ganhos financeiros que tanta falta fazem no Westphalen. Mas a Bundesliga sabe que está perto de viver um ano histórico, o primeiro desde 1977 quando pela última vez um clube que não o monstro de Munique, o Borusia Monchengladbach, venceu três campeonatos de forma consecutiva. A história é traiçoeira mas um petisco apetecível, algo que Klopp seguramente não vai querer deixar de provar.


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Sexta-feira, 20 de Abril de 2012

O futebol é o desporto colectivo onde a individualidade está mais bem vista. Olhando para o leque de desportos de equipa talvez o basket, pelo mediatismo do mercado norte-americano, goste de sentir-se igualmente rodeado de heróis. Mas no mundo do tapete verde, esférico redondo e 11 contra 11 o poder mediático do "eu" supera talvez demasiadas vezes o mérito logrado pelo "nós". No entanto vivemos uma era onde, pela primeira vez em muitos anos, há um verdadeiro duelo de "eus" que estimula o "nós" que prende a audiência e que, nesta luta de titãs, definirá, de um modo ou de outro, a história.

 

Faltam cinco jogos para terminar a liga espanhola. Dois para o pontapé final na Champions League.

E a luta continua, prolonga-se pela eternidade mental de dois jogadores que se superam a cada respiração, que exploram todas as falhas do rival, dos rivais, deles mesmos, para continuar a fazer a diferença. E há muitos anos que dois individuos, de forma paralela no tempo e espaço, não eram tão fundamentais em establecer um verdadeiro abismo entre mundos. Se é verdade que o orçamento de Real Madrid e Barcelona é descomunal, mesmo para os padrões europeus, a cada jogo que se sucede fica a sensação de que Messi e Ronaldo jogam cada vez mais outro tipo de jogo. Claro que o colectivo ajuda - e aí Messi ganha com Xavi, Iniesta, Sanchez, Fabregas, Busquets comparado com Higuain, Benzema, Ozil, Kaka e Alonso - e já se viu que sem uma estrutura forte nem um nem outro conseguem romper os maleficios das suas respectivas selecções. Uma lembrança de que este ainda é um jogo colectivo. Mas ás vezes não parece.

Cristino soma 41 golos. Messi também.

Ambos estão a um de igualar o recorde histórico que o português marcou no ano passado, esses números brutais de outra era. E a facilidade com que acumulam hat-tricks, pokers e golos para marcar a história, permite imaginar que não tardará muito e ambos estarão por competir em entrar na meia centena de golos ao ano numa prova onde ainda só há 38 jogos. Messi reina igualmente na Champions League e já superou, com 24 anos, o recorde histórico de César como máximo goleador blaugrana. Em sete anos - e muitos se esquecem que o argentino já anda há tanto tempo na elite - Messi quebrou rotinas, records e percepções, mudou a posição no terreno de jogo, ajudou a mutar o jogo do Barcelona e tornou-se no simbolo de uma geração de futebolistas. O espirito trota-mundos de Ronaldo - Lisboa, Manchester, Madrid - impede-o de ter esse recorde local, mas os números logrados em Manchester, primeiro, e agora em Madrid, não deixam lugar a dúvidas. É o único jogador da história da liga espanhola que supera, em quase três anos, uma média de mais de um golo por jogo.

Registos monstruosos que ajudam a explicar o imenso fosso que se abriu entre Real Madrid, Barcelona e o resto.

 

O desporto, seja individual ou colectivo, gosta de manos a manos porque, no fundo, deriva da mesma filosofia homérica que toda a Humanidade.

Em cada história desportiva há um Aquiles e um Heitor, um herói e um vilão, uma tendência profunda a catalogar entre Mozart e Salieri quem se defronta com a mesma paixão e emoção na arena.

Desde sempre os dois maiores clubes espanhóis dominaram o torneio nacional e revelaram-se pesos pesados nos palcos europeus. E sempre contaram com grandes orçamentos, técnicos, planteis e, sobretudo, estrelas que marcaram o jogo. Por ambos passaram os melhores jogadores da história com a excepção de Pelé, Garrincha, Best e Beckenbauer. E no entanto, talvez com a excepção de Alfredo Di Stefano, nunca nenhum deles foi tão fundamental em criar um fosso constante com os restantes rivais. Se já é raro na história do futebol espanhol que os dois clubes coincidam nas suas melhores versões no tempo (só entre finais dos anos 50 e principios dos 60 se viveu a mesma realidade), que o buraco pontual aberto com os restantes concorrentes seja recorrentemente de 20 pontos (desde a era Pellegrini) é abrumador. Messi e Ronaldo são a resposta para quem pensa que essa realidade não se prolongará em excesso no tempo. Pelo menos enquanto estes dois monstros do futebol mantenham a sua guerra pessoal contra o outro e contra a história.

Messi sofreu durante alguns anos a suspeita de que era fruto exclusivo de uma grande geração de jogadores, a mesma que ajudou Rijkaard a ser campeão europeu e que depois foi a base do triunfo da Espanha em 2008 e 2012. E isso não deixa de ser verdade. Em 2010 a vitória do argentino na corrida ao Ballon D´Or foi mais mediática que real e no ano anterior Xavi Hernandez foi a verdadeira batuta do primeiro Pep Team, quando Messi ainda jogava colado à banda direita com assiduidade e a veia goleadora de Etoo ainda se fazia notar. Mas ninguém pode questionar que, desde há ano e meio para cá, é o argentino que leva a sua equipa ás costas. A idade e os problemas fisicos de Xavi e Iniesta (muito irregular este ano) não se têm notado porque Messi tem resolvido como nunca e os seus números, em golos e assistências explicam-no bem. Num Barcelona sem Villa e com demasiados problemas para formar uma defesa sólida, esperava-se mais de Pedro e Fabregas, muito irregulares. Também Sanchez alterna semanas intensas com meses fora de combate. E no meio de tudo é a linha Valdes-Puyol-Busquets-Messi que tem sustentado o ano mais curioso da história do Pep Team. O ano em que o Barcelona deve muito mais ao argentino que este deve ao entorno que sempre o potenciou.

Ronaldo viveu um processo mais complexo. Saiu de uma equipa feita à sua medida para entrar num ninho de vespas onde teve de ganhar o lugar de estrela a pulso contra a imprensa, muitos dos adeptos e os detractores do presidencialismo de Perez. No primeiro ano uma lesão manteve-o fora dois meses da luta e dos números mágicos de Messi. No segundo bateu o recorde histórico do Pichichi e superou o trauma de falhar contra o rival nos duelos directos, ganhando uma Copa del Rey com o golo decisivo. Esta temporada foi sempre o melhor blanco contra os blaugranas (marcando três golos nos últimos três encontros) e agora mede-se de igual para igual com a sua nemésis em todos os titulos em disputa. Uma progressão real que também se explica na forma como Ronaldo pegou no Real Madrid quando o conservadorismo táctico de Mourinho e os claros problemas fisicos do plantel se começaram a fazer sentir a partir de Fevereiro.

 

Mantendo o ritmo intenso de jogos nas pernas e de golos nas redes, a monstruosidade dos números dos dois jogadores promete superar-se jornada após jornada. O próximo fim-de-semana vivierá mais um duelo directo entre ambos, um jogo onde o colectivo certamente será mais importante que o individuo, mas em que todos os focos estarão nestes dois génios do futebol contemporâneo. É dificil dizer quando jogadores tão próximos em todos os niveis quem é melhor. Garrincha foi mais artista que Pelé mas talvez este tenha sido mais completo. Beckenbauer e Cruyff tinham a mesma inteligência e carisma, o holandês mais velocidade e o alemão mais regularidade. Entre Zidane, Ronaldo e Ronaldinho explica-se a metamorfose fisica e táctica do jogo. Messi e Ronaldo vivem esse jogo da eterna comparação, dessa mistura entre números e ideias, desse jogo de reflexos e reacções. O que Guardiola diz, e com toda a razão, é que o facto do génio de um alimentar o génio do outro forçosamente permite antever um duelo titânico sem fim à vista. A diferença entre os dois jogadores e os seus respectivos emblemas pode aumentar, mas nenhum deles se vai dar conta. Estão demasiado preocupados a tentar não ver o outro no espelho reflectido e a olhar para a história com a autoridade dos inquestionáveis.



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Quarta-feira, 18 de Abril de 2012

jogadores que se recusam a morrer. A engolir a relva pela última vez com a raiva e impotência de quem sabe que é a última oportunidade. Incombustíveis que não acreditam no fado, no destino ou na mortalidade. Esses jogadores valem muito mais do que as estatísticas e os cifrões podem calcular. São, de certa forma, a base mitológica de um jogo que sempre se ergueu entre génios e guerreiros. Didier Drogba é um elefante com memória, incapaz de aceitar a sua idade e o final de uma carreira brilhante. Tinha a lembrança de uma noite que lhe custou mais caro do que qualquer outra e foi pela enésima vez aquilo que faz dele um futebolista fundamental. Um jogador nunca supera onze, mas uma alma em chamas pode muitas vezes com o melhor desenho táctico.

Imagino José Mourinho a mandar uma mensagem de telemóvel a Didier Drogba ao intervalo como se ainda fosse o seu treinador.

Imagino Didier Drogba a sentir o entusiasmo do treinador por quem se confessou ter apaixonado e sacar forças onde não as tinha no corpo para aguentar outros 45 minutos de luta. O marfilenho não ouviu sequer o que Roberto Di Mateo tinha a dizer. O italiano não está no banco do Chelsea para falar, especialmente a jogadores que fazem da sobrevivência a sua maior virtude. Está claro como a água que Petr Cech, Ashley Cole, John Terry, Frank Lampard e Didier Drogba estão longe de ser o que foram e nunca voltarão a ser, os melhores do mundo na sua posição. Esses dias distantes, no entanto, permitem um reflexo de saudade no espelho e como com Cinderela, até à meia noite a abóbora transforma-se numa carruagem elegante. 

A vitória do Chelsea foi, futebolisticamente, a vitória dos Gianni Brera do mundo. Uma vitória que doi para aqueles que abominan que o jogo que apaixonou o povo se tenha transformado num encontro de xadrez. Para Di Mateo, italiano de cêpa, e para o exército de guerreiros que Mourinho montou em 2004 e que ainda se aguanta, o xadrez tem sempre mais interesse que as damas. A movimentação do bloco londrino foi tão lenta e previsível como a dos peões do tabuleiro. Mas o Barcelona de Guardiola que, este ano, é cada vez mais o Barcelona de Messi, não teve a habitual fluidez do jogo de damas. E pagou o preço. Di Mateo abdicou da bola, definiu o espaço onde se ia jogar - fora da grande área de Cech e nunca mais além da linha do meio-campo - e passou os 90 minutos do encontro a garantir que o seu exército, o mesmo que expulsou Villas-Boas, mantivesse as fileiras cerradas. O objectivo de não sofrer um golo em casa era evidente, o de marcar era uma sorte. O futebol que tanto tem penalizado o Chelsea (o tropeção de Terry em Moscovo, o golo fantasma de Luis Garcia, o golo de Iniesta no último suspiro, as polémicas arbitragens...) sorriu-lhe por uma vez. Num dos poucos lances com profundidade ofensiva, a bola circulou entre Lampard e Ramires antes de encontrar o elefante com memória. E foi suficiente. Se Guardiola, na sua filosofia de apostar no jogo interior de médios, abdica habitualmente da figura do avançado de referência, hoje Didier Drogba deu um mestrado de 90 minutos de como essa posição pode ser tremendamente eficaz.

 

Drogba era o braço-direito de Mourinho.

Sofreu como nenhum a sua saída, nunca mais se reencontrou e naquela noite em que Iniesta pontapeou a malapata e Tom Ovrebo ganhou um lugar entre os malditos da história do jogo, ele pagou como ninguém. Uma derrota, uma suspensão imensa e uma imagem ferida de morte. Três anos depois dessa noite muitos se lembravam desse jogo mas nenhum com a raiva de Drogba. Durante os 90 minutos ele nunca quis jogar futebol. Para ele o encontro era uma guerra, sem nenhuma dúvida, uma guerra onde a bola entrava em jogo mas em que o escalpe do rival também servia como prémio. Encontrou-se com Busquets, Mascherano, Puyol e Adriano vezes sem conta e sempre que foi ao chão voltou a erguer-se. Aos seus 34 anos (imaginemos que essa é a sua idade, suspeitamos que não), o jogo de hoje é irrepetível porque a raiva contida em Drogba finalmente saiu. Com aquele oportuno golo, com aquele destelho de glória irónica que à distância de um sms deve tanto ter agradado a Mourinho.

Drogba venceu o jogo porque foi o primeiro defesa e o último avançado, o espelho do típico avançado completo capaz de ler o jogo como qualquer defesa e com o talento suficiente para fazer a diferença nos momentos difíceis. Em várias ocasiões livrou-se de dois ou três rivais. Depois, sabendo-se só, aguentou como pôde. Fernando Torres, talvez mais virtuoso, passou os 90 minutos no banco. Seria incapaz de fazer algo sequer similar a este esforço sobre-humano do marfilenho. Torres gosta de ter a equipa a jogar para si (e até com a selecção espanhola o sofre), Drogba joga para a equipa.

A vitória do Chelsea deveu-se à garra dos seus jogadores, à disciplina táctica pactuada entre o técnico e o onze, à sorte absoluta de que por duas vezes o poste tenha servido de guarda-redes e, muito, aos erros de Pep Guardiola. 

Neste ano o Barcelona tem aumentado tremendamente a sua dependência de Leo Messi. O argentino cometeu o erro que propiciou o golo dos Blues e tentou redimir-se, como grande jogador que é, mas entre Cahill, Terry e Mikel, nunca se sentiu cómodo. E quando Messi está em baixo, o Barça desaparece. Demasiadas vezes para quem tem um plantel tão equilibrado. Guardiola sabia-o perfeitamente e leu mal o jogo desde o apito inicial. O Chelsea fechou-se num quadrado que seguia o espaço que delimitava a área com o grande circulo. Aí posicionou o seu 11 deixando abertas as alas e sobrepovoando o jogo interior. Asfixiou Messi, Iniesta, Fabregas, Busquets e Xavi, todos eles a anos-luz do seu melhor. Mas deixou mais do que espaço para o jogo de Alexis, Dani Alves e Adriano. Só que estes nunca procuraram causar desequilíbrios por fora e Guardiola, em lugar de abrir o campo como tem feito, só colocou Cuenca em campo aos 85 minutos. Pedro Rodriguez caiu na tentação de ir caindo para dentro e Thiago foi mais um interior no meio de muitos.

Em lugar de apostar em Tello (que nem no banco estava) e Cuenca, que tantos problemas têm resolvido esta época, sobretudo fora do Camp Nou, afunilou o jogo como Di Mateo queria. As damas funcionam bem em diagonal e bem abertas. O xadrez é mais eficaz com um tabuleiro reduzido ao mínimo. E letal quando quem joga é um elefante com memória.

 

Tal como a derrota do Real Madrid no Allianz Arena, o favoritismo do Barcelona encontrou-se com um excelente jogo táctico do adversário e uma fraca exibição da equipa favorita. Ninguém impede o sonho de muitos de uma final 100% espanhola em Munique porque, futebolisticamente, tanto o Barça como o Madrid têm argumentos para vencer os jogos da próxima semana. Mas o cansaço de um Clássico no fim-de-semana e a clara falta de argumentos tácticos de ambos face a rivais teoricamente inferiores foi evidente. Mourinho errou com Coentrão, com a saida de Ozil, com a entrada de Marcelo e Granero, com a falta de paciência no jogo de meio-campo. O Barcelona fechou-se demasiado na sua concha e na dependência de um leão atropelado por um elefante. Tudo muda em 90 minutos e talvez este tenha sido o espelho de uma ilusão, mas a história sempre recordará a saudação militar do guerreiro Drogba para a câmara, talvez para o seu general ausente, com dedicatória especial a todos os elefantes.



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Domingo, 15 de Abril de 2012

Se algum dia perdeu alguns breves minutos do seu dia a ouvir um tema interpretado pelo alucinante Charlie Parker Jr, então sabe perfeitamente como joga Arjen Robben. O extremo holandês é no tapete verde a alma do gigante jazzmen em palco. Um talento inigualável que se perde em cada nota auto-destructiva e sublime, uma melodia in crescendi que rasga a alma e deixa a nu toda a pureza do herói solitário. Robben nunca chegou à altura da fama de Messi como Parker acabou eternamente desconsiderado face a Miles Davis. Mas no mundo há sempre aqueles que preferem aos mitos os mais loucos imortais.

 

O escritor uruguaio Eduardo Galeano dizia que gostava mais de Garrincha do que de Pelé porque acreditava no Homem e não em Deus.

Robben pode nunca ter chegado ao patamar da divindade futebolística por diversos motivos. Mas a sua carreira, como a do "anjo das pernas tortas", é um fiel retrato da genialidade auto-destructiva, pelo carácter e por um corpo inadaptado às exigências da máxima competição desportiva. Em 2007 o presidente do Real Madrid de então, Ramon Calderon (a quem a história nao guardará num lugar digno) declarou que Robben era melhor que Messi. Entre arma eleitoral e orgulho, a frase não era nenhuma mentira. Pelo menos em 2007. Cinco anos depois as carreiras de ambos extremos partiram à mesma velocidade para destinos bem distintos.

O swing de Arjen destroçou as defesas de La Liga antes do regate messianico do argentino, mas as pernas do holandês de cristal foram, desde o primeiro dia, o seu karma pessoal. Um problema que se fazia notar no seu arranque profissional, no modesto Gronigen, e que se prolongou até Munique onde faz sentir os últimos gritos da sua suprema genialidade. Como Charlie Parker, a quem Clint Eastwood e Forrest Whitaker imortalizaram num dos grandes dramas do cinema americano, Bird, a regularidade nunca foi algo que o holandês encontrasse atractivo. Os seus altos e baixos não surpreendiam ninguém e eram, de certa forma, como as explosões de génio e as longas depressões do musico, uma das suas imagens de marca.

Ninguém parece lembrar-se que Arjen Robben tem apenas 28 anos já que há largos anos que muitos vaticinam o seu obituário desportivo tantos tên sido os seus problemas em manter-se na máxima forma. No entanto, quando está na máxima forma, há poucos jogadores que tenham tanto futebol nos pés como o swinger holandês. A forma como o seu corpo balanceia sobre a pista, rompendo com qualquer cânone físico, ainda é uma das imagens mais excitantes do futebol contemporâneo, de tal forma que o seu estilo inimitável, mesmo num país de artistas como é a Holanda, ainda nao encontrou um sucessor à sua altura.

 

Robben tem este ano talvez a sua última grande oportunidade de sagrar-se campeão europeu.

Nem em Londres, nem em Madrid chegou tão longe como quando aterrou em Munique. O seu compatriota Louis van Gaal entendeu que o génio de Frank Ribery e a arte da improvisação de Robben funcionava melhor virando o mundo ao contrário. Trocou-os de extremo, soltou o diabo Muller e logrou uma época quase perfeita. Robben topou-se com o seu antigo mentor, José Mourinho, e o seu amigo Wesley Sneijder, e no regresso aos céus de Madrid sofreu a mais dura das suas derrotas. Na altura já lhe profetizaram o adeus aos grandes momentos europeus mas dois anos depois eis que aí anda ele, outra vez, á solta, com sonhos de desforra com a história.

A meia-final entre o Chelsea e o Barcelona pode relembrar as polémicas arbitrais recentes. O jogo entre Real Madrid e Bayern Munchen tresanda a futebol por todos os poros. Os merengues foram vitimas da máquina assassina de Franz Beckenbauer e Gerd Muller em 1975 e depois a Quinta del Buitre voltou a sentir na pele o difícil que é defrontar os bávaros na década de 80. Nos últimos dez anos o jogo entre merengues e germânicos tornou-se um clássico da Champions com vencedores para todos os gostos. Para Robben nao é só um reencontro com Madrid e com Mourinho. É uma divida que tem consigo mesmo.

Do jovem que explodiu no Groningen em 2002 sobra pouco. A sua passagem pelo PSV (naquela extraordinária equipa de Guus Hiddink) e depois pelo Chelsea amadureceram o seu jogo e mostraram-no ao mundo como o melhor jogador brasileiro depois de Ronaldinho. Apesar de Robben ser tao branco e holandes como Mark van Bommell, o seu espírito de sambódromo no relvado marco a diferença num Chelsea tantas vezes hermético e trouxe esse toque de classe a uma Holanda sempre bela mas poucas vezes pragmática. A ironia do destino fez com que fosse ele a falhar diante de Iker Casillas o golo que valia um Mundial. A ironia do destino fez com que fossem dele as oportunidades que Julio César mais problemas teve em anular nessa final europeia de Madrid. Esse fantasma, como os concertos interrompidos de Charlie Parker, fazem a Arjen sentir-se como um órfão dos grandes flashes, dos que definem carreiras. O seu espírito competitivo nao lhe permite ser recordado com as mãos agarradas ao joelho ou com a bola a roçar a luva do guarda-redes contrário em lugar de beijar as redes do rival. Comparar-lhe com Messi parecia, em 2007, um elogio ao argentino. Hoje sabemos que se tornou numa maldição para o holandês. A história e os amantes do jogo não têm sido justos com este génio irreverente que eleva o futebol à condição de arte undeground sempre que arranca nessa dança de cadeiras onde sabemos no final que ele nunca ficará de pé.

 

Fazer jogos com o que seria se é algo extremamente humano e todos os que ouviram Davis e Parker sabem que uma vida mais regrada e uma alma menos pesada do mítico Bird poderia ter sido suficiente para a história o julgar, lado a lado, ao grande ícone do jazz. Mas isso talvez também tivesse retirado essa pitada de genialidade que sempre fez de Parker alguém profundamente distinto dos demais. Robben caminha sobre as mesmas águas turvas, perde-se igualmente nos seus pesadelos e no entanto, quando ressuscita por um segundo, é tão grande como qualquer outro. Cresce sobre a relva, olha para dentro das redes e pinta a bola com a assinatura. Depois, já todos sabemos onde ela vai acabar. 



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Sexta-feira, 13 de Abril de 2012

Não acreditar no poder psicológico de uma troca de treinador é não conhecer o futebol como um profundo fenómeno humano. O jogo faz-se de rotinas, de estados de ânimo e, sobretudo, de sensações. O tapete verde espelha o trabalho semanal e mescla o talento genuino com a profunda necessidade de dar um sentido grupal ao colectivo. O sucesso desportivo do Sporting de Sá Pinto no final de temporada explica bem essa realidade e deixa igualmente no ar a legitima dúvida sobre o efeito a longo prazo de uma vitamina de sucesso imediato.

Problemático como jogador, lider como técnico.

Sá Pinto não é o primeiro que, sentado no banco, lê os problemas com a experiência de quem os causou tantas e tantas vezes no passado, para depois analisá-los com a frieza do presente. Johan Cruyff foi talvez um dos jogadores mais conflictivos da história do jogo e o seu papel como treinador espelhou perfeitamente a sua maturidade táctica e humana. Conciliou egos irreconciliáveis e formou uma das melhores e mais bem sucedidas equipas da história. É dificl pensar que este Sporting chegue a esse nível, mas os últimos dois meses com o portuense ao leme de Alvalade têm transformado a equipa verde e branca na revelação da época. Sem ter sequer o quarto lugar assegurado, como se torna isso possível?

Essencialmente o Sporting vive há vários anos a dramática situação de ser um histórico no nome, com as respectivas ambições, mas uma equipa desestruturada da cabeça aos pés para sobreviver num mundo da alta competição onde um rival dá aulas sobre organização desportiva e o outro investe quantidades incomportáveis para manter o ritmo. Ao Sporting desta época, honestamente, não se podia pedir o mesmo que a Benfica e FC Porto porque nem a nova directiva nem a nova equipa técnica, de Domingos Paciência, tinha armas para lutar de igual para igual. 

Um plantel radicalmente novo, um novo lider e uma nova gestão desportiva exigem um pensamento a longo prazo. 

Mas o Sporting é o que é também porque a nivel de gestão tem uma profunda tendência ao desespero imediato e depois de uma série de tropeções que não espelhavam tanto a forma de jogar da equipa mas sim a incapacidade de coordenar tantas caras novas em tão pouco tempo, a Domingos foi-lhe aberta a porta da rua. O enésimo técnico na última década a sofrer do espirito de hara-kiri leonino podia até suspeitar que o final de temporada seria sempre melhor, nem que seja pelo maior entrosamento entre treinador e equipa, e entre os veteranos e as novas incorporações. Mas o papel psicológico da novidade no futebol tem um poder dificil de negligenciar. São raras as vezes que uma troca de técnico empeora uma situação e quando isso sucede, está claro que há problemas tão graves, dentro e fora do balneário, que não há capacidade humana para superar. Domingos podia alegar que sabia perfeitamente o que Schaars, Elias, van Wolfswinkel, Capel ou Izmailov podiam trazer á equipa no final do ano e que as baixas no sector defensivo em jogos importantes não o ajudaram. Mas sofreu o fatalismo do imediatismo futebolistico que talvez para ele seja mais dificil de compreender depois de se ter formado como jogador no clube mais estável do futebol português e ter atingido o zénite como técnico no clube mais paciente da actualidade na Liga Sagres.

 

Sá Pinto não trouxe ao Sporting um radicalismo técnico ou uma profunda remodelação táctica que possa justificar uma alteração tão significativa de comportamento por parte dos jogadores. A antiga glória do velho Alvalade conta praticamente com os mesmos nomes que o seu antecessor e mesmo o dispositivo táctico continua a ser o mais parecido possível a um 4-3-3 que priveligia a velocidade nos flancos e a segurança nas transições no miolo.

A vitória futebolistica, à parte do resultado, frente ao rival da Luz foi um espelho desse ideário, adaptado especialmente ás caracteristicas de jogo de um rival sem alma (sem Aimar) e sem cérebro (Jesus, outra vez). Elias engoliu um Rodrigo que se sente mais cómodo à frente. Schaars e Matias Fernandez, com mais preocupações defensivas, controlaram os tempos e deram, quase sempre em condições, as poucas bolas que tiveram nos pés por mais de dois minutos ao veloz ataque liderado por Izmailov e Capel. O resultado foi curto para as oportunidades mas foi o fiel reflexo do pragmatismo de um Sá Pinto que sabe com que conta e, sobretudo, com quem conta. Trocar André Santos ou Carriço, membros habituais na medular, pelo jogo mais fisico e curtido de Elias foi algo com que um Jorge Jesus mais preocupado em fazer bluff com os centrais disponíveis não conseguiu entender. Talvez o técnico encarnado tenha sofrido do mesmo mal de Roberto Mancini, outro treinador que não pensou ser possível perder em Alvalade e que acabou por não encontrar forma de ganhar face à teia defensiva mas com objectivos claros nas transições que o técnico montou na dupla eliminatória e que repetiu, com mais autoridade, num confronto dificilissimo contra um Metalist que pode, daqui a poucos anos, ser um novo Shaktar Donetsk.

Sá Pinto encontrou a motivação do balneário, talvez espelho do seu caracter bem distinto ao do seu antigo colega de selecção nacional, e as condições ideais para triunfar. Sem a pressão dos resultados, a época está praticamente ganha com uma histórica semi-final, apenas a segunda em vinte anos na história do clube nas provas europeias, e com um quarto lugar que não deve escapar, apesar da notável época de outro velho amigo do ex-jogador do Salgueiros, o técnico Pedro Martins.

Mas da mesma forma que Sá Pinto resultou melhor do que se esperava como solução urgente numa situação caótica é preciso imaginar como será o seu trabalho a médio e longo prazo. Paulo Bento chegou numa situação distinta (no arranque da época) e aguentou-se mais do que seria imaginável mas sempre com serviços minimos numa época em que o Benfica ainda não era um rival à altura do FC Porto de Jesualdo Ferreira. Depois do enorme investimento do último defeso cabe pensar que o plantel do Sporting não pode sofrer muitos ajustes no Verão e que esta será a base de trabalho de Sá Pinto. A diferença de qualidade com os rivais directos continua lá, a profundidade de banco ainda é justa e a formação leonina, sempre capaz de resolver problemas, não parece estar tão fina como em anos anteriores.

 

Ultrapassado o papel emocional do regresso do filho pródigo, agora pede-se a Sá Pinto que seja mais treinador do que apenas gestor humano. O final de temporada será sem dúvida um teste à emocionalidade do clube leonino mas é a preparação para uma nova época sem Champions League e com a expectativa alta que deve preocupar o técnico, dirigentes e adeptos do Sporting. Se o clube de Alvalade souber encontrar a dose certa de paciência que tanto lhe tem faltado, Ricardo Sá Pinto pode encontrar o habitat perfeito para desenvolver-se como técnico. No entanto, se o seu talento se manifestar apenas em situações de alto risco emocional, o futuro leonino continua a ser demasiado cinzento. 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 13:42 | link do post | comentar | ver comentários (4)

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