Sexta-feira, 30 de Setembro de 2011

No ambiente fervilhante da Oktoberfest anual há poucos sítios no Mundo mais interessantes para se estar do que no coração da Baviera. Numa das zonas mais tradicionais e poéticas da sempre pragmática Alemanha há um fenómeno subterrâneo que começa a ganhar vida própria. Depois de anos e anos de ódio colectivo o (bom) futebol está a transformar o Bayern Munchen num clube que as pessoas realmente apreciam. Será que o Hollywood FC tem os dias contados?

 

A Alemanha vive dias complexos.

Motor da recuperação económica europeia, sofre com os erros alheios. Lider há muito do projecto europeu, é incapaz de entender o seu papel num grupo repleto de dicotomias. E no meio, depois de várias décadas, os alemães, já suficientemente confusos, deparam-se com o novo fenómeno que chega de Munique. Um Bayern entranhável.

Desde há largos anos que o futebol alemão está a viver um admirável mundo novo. Uma metamorfose que se começou a gestar, precisamente, quando o Hollywood FC vivia os seus últimos dias de glória. A alcunha da imprensa teutónica é antiga e remonta aos finais dos anos 70, época em que o clube bávaro se transformou no ódio por excelência de qualquer adepto alemão que gostasse de futebol. O Bayern ganhava - quase sempre - mas havia sempre algo que justificava o triunfo. E nunca era o seu real valor.

As festas, a vida de milionários dos seus jogadores e dirigentes, o papel de figuras controversas como Beckenbauer, Hoeness, Rummenige, Mathaus, Effenberg ou Oliver Kahn foram perpetuando essa imagem de clube aristocrático, conflictivo e profundamente autista. Um clube onde o dinheiro parecia importar mais do que o jogo, em que os resultados valiam mais do que os projectos. Uma imagem mentirosa - já lá vamos - mas que ficou profundamente enraizada no sentimento comum. O Bayern era, dentro e fora da Alemanha, um dos papões do futebol, impossível de admirar quando mais de gostar ao adepto neutral. As vitórias nacionais, de dois em dois anos, os triunfos por essa Europa fora, sem esse jogo bonito, agudizaram o mito. Nem as derrotas imprevistas contra rivais que pareciam, a principio, equipas inferiores (Aston Villa, FC Porto ou Manchester United) pareciam criar algum tipo de comiseração. Qualquer derrota do Bayern era uma vitória do futebol. Ponto.

 

Mas essa imagem hoje está longe da realidade.

Nesta nova Alemanha o clube de Munique conseguiu, finalmente, começar a mudar a tendência.

Claro que esse fenómeno não é ainda omnipresente. Que o digam os adeptos do Schalke 04, incapazes de perdoar a mudança de Manuel Neuer, um jogador que chegou a Munique debaixo dos assobios dos adeptos de ambos lados. Esse papel de papão no mercado de transferência interno ajudou a criar a lenda de um clube preparado para asfixiar os rivais directos a peso de ouro. Mas quando a equipa começa a apostar definitivamente na formação e no mercado internacional, os alemães têm cada vez menos pretextos para odiar os vermelhos do sul.

Jupp Heynckhes, ele próprio um homem respeitado no futebol alemão apesar do seu passado como técnico bávaro (essencialmente por ter sido dispensado por duas vezes por Uli Hoeness), ajuda a criar esse clima. O herdeiro de Louis van Gaal - técnico sempre polémico onde que quer passe - ajudou a acalmar algumas das vozes criticas oferecendo aquilo a que muito poucos estão habituados: ver o Bayern jogar muito, muito bem.

O arranque do clube na Bundesliga tem sido apaixonante. Depois de uma derrota no encontro inaugural frente ao Borussia Monchengladbach (equipa onde Heynckhes brilhou como jogador) os bávaros não voltaram a perder e lideram comodamente a classificação. Mais ainda, as vitórias têm sido solventes, apaixonantes e profundamente meritórias. Abandonando o modelo suicida de van Gaal na sua segunda temporada (a que ajuda, de certa forma, a ausência de Robben) o novo técnico apostou num 4-3-3 em que Ribery e Muller apoiam Mario Gomez de forma directa com Kroos e Schweinsteiger soltos no miolo - apoiados pelo ucraniano Tymotschuk - a funcionar como interiores ofensivos sempre que a equipa tem a bola nos pés. A consistência defensiva, pecado no mandato do holandês, com Rafinha e Boateng como incorporações determinantes, ajudou a libertar as ânsias atacantes dos de Munique que contam, a estas alturas, com 21 golos marcados e apenas um sofrido (em sete jogos). Na Champions League a equipa voltou a dar uma demonstração de autoridade naquele que é, sem dúvida, o "Grupo da Morte". Depois de praticamente humilhar futebolisticamente o Villareal em Espanha, os homens de Heynckhes vergaram um Manchester City incapaz de transformar o seu cartel de estrelas numa equipa de topo europeu num duelo intenso no Allianz Arena. Um duelo que Gomez, o homem do momento na capital da Baviera, mais uma vez decidiu.

 

Curioso nisto tudo é que a fama do Bayern não deixa de ser contraditória com a própria essência do clube. Um clube que resistiu, como poucos, à influência Nazi no futebol alemão. Um clube que pagou o salário completo a um jogador que sofreu um grave acidente pouco depois de assinar o contrato com a entidade até terminar a duração do mesmo. Um clube que só a partir de finais dos anos 60 entrou no grupo dos ganhadores e que desde então adoptou no terreno futebolístico os mesmos preceitos que estiveram por trás da própria ressurreição politico-económica da RF Alemanha. Hoje com a classe no terreno de jogo e a elegância fora dele, o Bayern Munchen transformou-se num caso sério de superação mediática. Talvez seja mesmo verdade, talvez o Hollywood FC seja só mais um mito pretérito numa Alemanha reinventada.



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Quarta-feira, 28 de Setembro de 2011

Longe vão os dias das brincadeiras de Ruud Krol, capaz de deixar emudecido um imenso e apaixonado Santiago Bernabeu. Hoje um duelo europeu entre Real Madrid e Ajax Amsterdam (treze troféus em conjunto) é apenas uma noite europeia qualquer. Uma noite em que o modelo de futebol que levou ambas as equipas à grandeza mundial se esconde por debaixo de um tímido tapete verde à espera de voltar a ver os malabarismos de um génio pretérito qualquer...

A vitória do Real Madrid esconde, pela enésima vez, o mutismo futebolístico da equipa mais cara da história.

A obsessão constante pela vitória, doença crónica de um clube que encontrou em José Mourinho o melhor exemplo humano da farsa moral de uma instituição, ameaça com destroçar os resquícios de jogo que fizeram da Castellana uma rua temível, do Santiago Bernabeu um palco de sonho. Hoje vencer o Ajax Amsterdam é um triunfo tristemente menor, um triunfo sem sabor especial, longe desses duelos históricos capazes de definir um antes e um depois. Numa fria noite de Março de 1973 os holandeses visitaram o Bernabeu. Iam a caminho da sua terceira vitória consecutiva na prova. A equipa da casa há mais de uma década que não sentia o sabor da vitória, mas o seu peso moral no futebol europeu era inquestionável. Mas quando Cruyff, Neeskeens e Krol começaram a tocar na bola, todos no estádio souberam que viviam numa espécie de viagem no tempo em que o passado era cada vez mais distante e o futuro se tinha transformado num absoluto presente.

Hoje o futuro futebolístico do Real Madrid é um tremendo ponto de interrogação e o passado uma memória esquecida por debaixo da pedra dura e seca que cimentou as bases do mais bem sucedido clube de futebol do Mundo. O sucesso e as ideias aqui caminham em lados opostos da imensa Castellana, desencontrados de forma constante e quase irreconciliável. O futebol bate à porta mas ninguém o deixa entrar, sob falsos aspectos morais de triunfos a qualquer preço, de marketing puro e duro e, sobretudo, de uma equipa de trabalho que preferiu procurar os atalhos em vez de descobrir onde dava a avenida principal.

 

Um 3-0 enganador, como quase sempre, que deixa o Real Madrid na sua habitual euforia de optimismo.

Frente a um Ajax menor, moral e desportivamente. A equipa de Frank de Boer tem a intenção mas peca por falta de engenho, talento e, sobretudo, dimensão. Sem Luis Suarez foram campeões, pela primeira vez em largos anos, mas também perderam o toque de magia que os distinguia numa liga holandesa que, ano após ano, vai perdendo esse dom de mágica irreverência que sempre teve. Este Ajax é pequeno, pequeno demais para o seu próprio escudo, e não é o discurso populista e ideológico de De Boer, agarrando-se ao ideário cruyffiano, que irá resgatar um clube histórico mas, hoje, sem armas nem ideias.

Por isso mesmo é ainda mais penoso seguir noventa minutos vazios de futebol. Noventa minutos em que a bola, órfã, pedia a gritos que alguém se lembrasse que ela existia, mais do que para simular provas de atletismo. O Real Madrid abdicou, de forma definitiva, de jogar à bola. Optou pelo atalho do contra-golpe como uma perigosa constante que já deixou de forma declarada, a nu, todas as suas debilidades. Contra o Levante e o Racing Santander, equipas a quem há que saber jogar com a bola nos pés, que os espaços sabem guardar eles, os merengues foram tão inofensivos como um cachorro de pastor alemão. Contra aqueles clubes que, moralmente, são forçados a procurar a bola, mesmo sem a encontrar, o cachorro mostra os dentes e solta todo o seu pedigree.

Em lances rápidos o Real Madrid é a equipa mais perigosa do mundo. Lances que se parecem mais a ensaios de rugby, com corridas furiosas e celebrações histéricas do que, propriamente, a um jogo de futebol. A bola não se move pelo terreno de jogo, não se sente cómoda. É forçada a sprintar, a voar por cima da relva. Não há outra ideia, não há outro argumento. Xabi Alonso, talvez o melhor pensador de jogo fora do hemisfério Barcelona no futebol espanhol, é forçado a zarandear a bola de um lado para o outro, como um limpa pára-brisas humano. A velocidade do tridente ofensivo, incapaz de jogar de forma pausada, faz o resto. O golo inaugural é o exemplo perfeito da classe limitada deste projecto mourinhiano. Um projecto que em dois anos preferiu contratar e potenciar jogadores que gostam de entender o jogo como uma corrida de felinos. Kaká, potenciado pelo contra-golpe milanês e transformado num ídolo sem sentido. Karim Benzema, jogador de soberana classe que se entende melhor com a bola em alta velocidade do que com os momentos de necessária pausa e reflexão. O desborde louco e descontrolado de Angel Di Maria. A verticalidade com classe - mas tantas vezes sem pausa - do genial  (e subaproveitado) Mezut Ozil. E o protótipo humano da máquina futebolística, sem magia de improvisação, de Cristiano Ronaldo. Entre eles, salvo o ausente argentino, alinharam-se para conjugar um excelente movimento colectivo a alta rotação que define, sem nenhum reparo, a identidade futebolística de uma equipa de futebol que gosta de jogar sem bola. 

 

No final todos ficam contentes até ao próximo desaire. O projecto Florentino Perez 2.0, perdão, o projecto José Mourinho, vive eternamente no limbo, necessita a sua dose de adrenalina semanal, dessa histeria desportiva que não leva a lado nenhum. A bola pede que a acariciem, que a saibam sentir, mas há uma constante e eterna negação em procurar formas mais evidentes e claras de sentir-se superior. O Real Madrid actual supera-se ao negar-se, triunfa esquecendo-se desse gesto de Krol. A bola, que nos pés desse louco holandês se sentia cómoda suficiente para brilhar com luz própria, emudece quando a fazem suar como um recruta em exercícios militares. No fundo já nem sabe sequer se está a viver uma noite especial. Quando sobe ao relvado do Bernabeu é apenas mais uma noite europeia qualquer...



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Sexta-feira, 23 de Setembro de 2011

Dez anos depois a liderança da liga espanhola volta a pertencer ao Bétis. Uma volta completa numa década de alegrias e tristezas, de extase e desespero, consumadas na sofrida vitória sobre o Zaragoza que deixou o conjunto andaluz só na frente de um campeonato que diziam ser coisa de dois. Heliopólis está em festa mesmo sabendo que provavelmente segunda-feira o lider seja outro. Mas quem desce aos infernos sabe bem o preço a pagar por ser o melhor nem que seja por breves instantes.

Um golo de penalti do português João Tomás colocou o Real Bétis de Juande Ramos à frente da Liga Espanhola.

Isso ocorreu há 10 anos, uma tarde de Outubro de 2001. Há muito tempo. Foi a última vez em dez anos que os béticos souberam o que era liderar uma prova que já venceram previamente. Nessa época o Bétis era, ainda, uma forma a ter em conta. Rivalizava directamente com Deportivo e Valencia na perseguição directa ao duo da frente. Dias de glória para um clube que desfrutava da amargura do Sevilla FC, então relegado à Segunda Divisão, e sobretudo da bonança prometida pelo polémico presidente Ruiz de Lopera.

A chegada de Denilson, un recorde para a época, abriu um perigoso precedente que o clube bético não soube manejar. O brasileiro dos regates impossíveis desiludiu desde o primeiro dia e acabou por ser o nigeriano Finidi a carregar com o peso do clube às costas. Uma relação de amor que tapava graves problemas estruturais de uma instituição que vivia debaixo do controlo férreo de Lopera, capaz de renomear o estádio Benitto Villamarin com o seu próprio nome para estupefação da familia bética. Como os resultados acompanhavam a megalomania do presidente, com presença histórica na fase de grupos da Champions League incluida, os adeptos limitavam-se a assobiar para o lado e a desfrutar do momento.

O preço a pagar viria depois.

 

Uma década é muito tempo na vida de qualquer clube. Mas os béticos, por muito que desfrutem agora desta éfemera liderança, sabem qual é a sua luta. Vêm de um longo e angustioso interregno na Liga Adelante e o medo de voltar a cair no poço é tão profundo que ninguém se atreve a celebrar. Heliópolis vive num estado kafkiano em que a realidade parece a mentira e a mentira corre o risco de tornar-se sempre no real.

Em quatro jogos a equipa venceu todos os encontros disputados, o único clube a lograr o pleno. Mas esses 12 pontos são apenas um terço do que necessitam quando chegar Maio. O objectivo do Bétis continua a ser a manutenção e o seu treinador, o sagaz Pepe Mel, não se cansa de o referir. Ele é um homem que percebe de frustrações.

Há duas épocas esteve perto de lograr um milagre com o modestissimo Rayo Vallecano e falhou a promoção no último dia. Saiu, debaixo de uma ovação, e aceitou o desafio de reerguer um Bétis já então em luta consigo mesmo, ou seja, em luta com a herança de Lopera. Destituido o presidente, saneadas as contas, pagas as dividas, era preciso apostar no futebol para trocar as misérias da liga de prata pelos milhões da liga das estrelas. A pressão foi constante do primeiro ao último dia mas Mel, consciente do que significa lutar por subir, manteve o plantel em forma. Apoiou-se no génio de Emaná, no talento de Ezequiel, na classe de Casto e nos golos certeiros de Pereira e Castro e sobretudo, no bom jogo. Ficou claro que a sua equipa tinha algo especial quando teve o todo o poderoso contra as cordas numa inconsequente segunda mão dos Oitavos de Final da Copa del Rey que esteve bem perto de se converter num maior pesadelo da carreira de Pep Guardiola.

Assegurada a promoção, o alivio. Agora, talvez, a incerteza.

O clube, sem dinheiro, soube mover-se no mercado sem cair nos gastos que precipitaram o seu final. A era de ouro do Villamarin acabou há muito e a nova gestão tem consciência que apesar do nome, hoje o Bétis não tem condições para ombrear com Valencia, Sevilla, Atlético de Madrid ou Villareal, equipas à bem pouco tempo do seu campeonato. O processo será longo e custoso mas este arranque surpreendeu até os mais positivos. As chegadas de Matilla, Santa Cruz, Jefferson Montero e Salva Sevilla dão mais profundidade a um plantel já de si equilibrado e brilhantemente gerido. O calendário ainda não se complicou para os béticos mas as importantes vitórias contra rivais directos na luta pela despromoção abrem a porta a um ano mais tranquilo do imaginado. Pepe Mel não conseguirá nunca acreditar nisso.

 

Talvez segunda-feira o todo poderoso Barcelona já tenha apanhado os béticos e o Valencia escapado como lider isolado. Ninguém se surpreenderia num campeonato onde a ineficácia do Real Madrid e os erros defensivos do Barcelona têm servido para paliar uma situação de claro duopólio. No meio desta luta titânica equipas como o Bétis têm pouco espaço para brilhar, para aparecer, para ser capa. Os festejos no Villamarin da passada noite relembram que o futebol é, ainda, um jogo de grandes e de pequenos, de ilusões e sonhos contra as evidências e os fados. O Bétis até pode descer, e esta crónica imaginada debaixo do calor angustioso de Sevilla perderá todo o sentido. Mas há uma brisa fresca que rasga a Giralda e permite sonhar aos verdiblancos. O viejo Béti continua a ser muscho Béti...e há coisas que simplesmente não mudam!


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Segunda-feira, 19 de Setembro de 2011

Na época onde brilhavam Pelé, Charlton, Eusébio, Kopa ou Suarez, o mundo de futebol vivia uma das eras mais brilhantes. No entanto o Mundo parecia ter-se esquecido que um dos seus mais finos e exímios executantes passou aqueles anos de espectáculo preso num gulag siberiano. Ainda hoje, meio século depois, o mundo do futebol continua sem querer saber de um génio que revolucionou o futebol russo. Chamava-se Eduard Streltsov.

 

Os seguidores do campeonato russo perguntar-se-ão porque será que o Torpedo de Moscovo - um dos clubes mais humildes da capital hoje nas ligas amadoras - tem às portas do seu estádio uma estatua de um jovem jogadores de nome aparentemente desconhecido. Na mágica selecção de 1960 da URSS que venceu o primeiro Europeu em Paris brilhava Yashin nas redes, mas o grande maestro do futebol soviético estava na realidade bem longe dali. Quem o viu jogar nunca duvidou em catalogá-lo como o mais completo futebolista da história do futebol russo. Chamavam-lhe o "Pelé russo" pela forma como irrompeu e rapidamente se afirmou na URSS de então. Tinha 19 anos quando liderou a magistral selecção soviética que venceu a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Sydney de 1956. O jovem nascido em 1937 nos arredores de Moscovo tinha-se estreado dois anos antes pelo seu clube de sempre, o Torpedo. No seu primeiro ano como profissional logrou chegar ao sétimo posto na votação do Ballon D´Or. O seu drible vistoso e a eficácia goleadora (apontou 100 golos em 200 jogos disputados na liga) deram rapidamente nas vistas e Streltsov tornou-se rapidamente na estrela do bloco de leste. A fama era tal que ainda hoje o passe de calcanhar tem o seu nome no futebol russo. Símbolo de uma geração que procurava desatar-se das amarras sociais, tornou-se num ícone para os adeptos mais jovens e para os descontentes com o regime. O seu sucesso significava a derrota dos clubes apoiados pelos elementos mais destacados do aparelho politico-social da URSS de então.

 

Nas vésperas do Mundial de 1958, onde a equipa soviética era uma das favoritas, o KGB abordou Streltsov e incitou-o a deixar o modesto Torpedo por um dos dois grandes clubes de então, o Dynamo (do próprio KGB) ou o CSKA (do exército). Reforçando a sua dedicação ao clube de sempre o jogador recusou, mesmo depois de o próprio Yashin ter sido enviado pela Federação a sua casa para demovê-lo. O não teve graves consequências. O jogador foi suspenso da selecção indefinidamente e semanas depois um dirigente do Partido Comunista, cuja filha tinha sido rejeitada pelo então sex-symbol do futebol russo, mandou-o prender sob a acusação de violação. Sem provas o caso arrastou-se pelos tribunais até que o KGB surgiu de novo em cena e na prisão convenceu Streltsov a confessar, prometendo que seria absolvido e que poderia incorporar-se aos colegas da selecção que estavam a poucos dias de partir para a Suécia. O jogador aceitou o pacto mas acabou por ser condenado e enviado para um gulag na Sibéria. Aí passou sete longos anos. A URSS decepcionou no Mundial mas venceu o Europeu de 1960 e o mundo do futebol, então rendido aos grandes craques ibéricos e brasileiros, esqueceu-se do mago russo.

 

Em 1965 acabou o período de cativeiro e um debilitado Streltsov foi solto pela policia. O Torpedo reincorporou-o de imediato ás suas fileiras e apesar de ter perdido a velocidade e poder de explosão que tinha aos 21 anos - quando foi encarcerado - ainda tinha talento nos pés. Nos cinco anos seguintes tornou-se de novo no melhor jogador russo tendo mesmo logrado o feito de levar o pequeno Torpedo ao titulo de campeão em 1965. Foi dois anos consecutivos jogador do ano e voltou à selecção se bem que sem o brilho de antes. Nessa segunda etapa tornou-se ainda mais letal na área marcando uma média de 20 golos por ano. Aos 33 anos, por problemas de saúde, deixou definitivamente os relvados afastando-se imediatamente da ribalta. Faleceria em 1990, vitima de cancro, depois de vários anos onde sofreu o resultado dos dias no campo de concentração onde esteve preso. Nunca falou sobre essa etapa e mais tarde soube-se que continuava vigiado e ameaçado pelo KGB para manter-se na sombra. Após a sua morte tornou-se num símbolo da Rússia pós-URSS e hoje em dia é uma figura reabilitada no futebol russo. No entanto a esmagadora maioria do mundo continua a desconhecer o génio irreverente do herói do gulag.



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Quinta-feira, 15 de Setembro de 2011

O tornozelo a sangrar de Cristiano Ronaldo tornou-se na triste imagem da semana europeia. Traços de um jogo que se metamorfoseou nas últimas duas décadas para acabar com a repetição de imagens como esta mas que, no caminho, se transformou em mais um choque de egos, entidades e maneiras de ver o jogo. Os artistas reclamam mais protecção, os puristas defendem a essência milenar do jogo e Platini falou em proteger, talvez exclusivamente, a Messi. Os protegidos do futebol são, cada vez mais, os alvos a abater.

Ronaldo é um tipo polémico por essência.

Tem esse condão de cair mal a quase toda a gente menos à sua mãe e à namorada de turno.

Acontece. Como ele muitos antes. Como ele muitos depois. Maradona não andou longe, quem aguentava Hugo Sanchez e Romário, que dizer de Oliver Kahn ou Steffen Effenberg e como se lembram hoje as pessoas de figuras como Eric Cantona ou Bernd Schuster?

Para Cristiano Ronaldo isso não seria problema, certamente, não fosse por esse tornozelo sangrento. Um tornozelo cosido no balneário do Dynamo Zagreb com três pontos e que o impedirá de jogar, como mínimo, a próxima semana. Um tornozelo, claro, que sofreu as consequências de um jogo duro e permissivo do meio campo da equipa croata (que fez uma excelente exibição, deixando um superior Real Madrid à beira de um ataque de nervos). E que se tornou a imagem perfeita para esta luta dos protegidos do futebol.

Desde há vários anos para cá que se formou uma corrente pública que defende que os principais artistas do jogo - os que fintam, os que decidem, os mais bem pagos, ou seja, os que vendem - sejam considerados espécie à parte. As televisões, em primeiro lugar, sabem que se um jogador como Ronaldo, como Rooney, como Messi ou como Ribery se lesionam, as audiências baixam. As marcas que os apoiam também sofrem quando o seu producto estrela andante está sentado com o pé, o braço, o tornozelo ou o joelho entre algodões. Da preocupação financeira passou-se à persuasão da opinião pública, habituada a que os grandes sofressem na pele o peso da sua grandeza. A Maradona partiram-lhe a perna sem dó nem piedade. Eusébio, Pelé, Di Stefano, Cruyff, van Basten, Muller, Best, Rummenige, Ronaldo, Platini ou Laudrup sofreram algumas das mais brutais marcações de que há memória. Batistuta mal pode andar como consequência do estado dos seus joelhos depois de tantas lesões. E o público (e os jogadores, e os dirigentes) achavam a situação normal. Nunca ninguém ponderou essa protecção extra que talvez tivesse tido influência em momentos chave na história do jogo.

 

Essa politica de protegidos tem uma inspiração financeira, não cabe dúvida. Mas está respaldada por uma sociedade desportiva diferente há que subsistiu até aos anos 90. Hoje o espectador de estádio é um espectador de sofá e quer ver o melhor sempre. Não tem paciência para os códigos deontológicos de um jogo que começou como um conflicto quase tribal e que se desenvolveu durante o século XX como um desporto duro, mas leal. Hoje a dureza é contestada à mínima e a lealdade questionada em todos os momentos.

A FIFA e a UEFA, atentas à direcção para onde sopra o vento, fizeram eco desta nova dinâmica social e ainda este ano Michel Platini teve a audácia de reclamar aos árbitros protecção especial para Leo Messi. Pensaria só no argentino, reconhecidamente o seu jogador preferido. Pensaria em vários artistas usando o jogador do Barcelona como cabeça de cartaz? As palavras podem ser interpretadas de muitos sentidos mas o que é certo é que para a UEFA e para a FIFA há protegidos e protegidos.

Para muitos é uma questão de compleição física. Jogadores fisicamente mais bem preparados são ignorados pelo árbitro. Para outros é uma questão de carácter de quem sofre a falta e que antes dos lances já tem um historial de polémica com este ou com outro árbitro. A verdade é que o que sucedeu ontem em Zagreb não é novidade nem deixará de o ser. Principalmente porque é evidente que há jogadores (e clubes) cujos problemas institucionais com o organismo máximo do futebol europeu passam factura em momentos escalofriantes como se viveram ontem. O grito de Ronaldo quando sofreu a brutal entrada de Leko ouviu-se nos quatro cantos do Velho Continente. E no entanto o árbitro norueguês Oddvar Moen (que esteve correcto em quase tudo o resto, incluída a expulsão de Marcelo) olhou para o lado mesmo quando o sangue empapava a fita branca que rodeava uma meia vermelha, talvez prenúncio do que se viveria. Como é possível que um jogador a sangrar - prova mais clara, impossível - não suscite o minimo interesse da figura que coordena um jogo de alto nível só é explicável por esse conceito de "protegidos" de diferentes categorias que manejam organizações como a UEFA.

Ronaldo já sofreu na pele, há duas épocas, contra o Olympique Marseille, a dureza dos rivais e a impunidade outorgada pela UEFA. A mesma que apoia expulsões a jogadores que chutam bolas depois do apito, a árbitros que se queixam de situações e até mesmo a jogadores que nem tocam no rival antes mesmo de que qualquer choque se produza. Essa dualidade de critérios pode ser debatida até ao ponto em que um tornozelo a sangrar entra em cena. Ninguém duvidou quando Maradona rebolava pelo Camp Nou depois da brutal entrada de Goikotxea. Ninguém olhou para o lado quando Zidane agrediu Materazzi na final de um Mundial. E ninguém vê um jogador entrar de forma mais dura sobre Messi, Xavi ou Iniesta sem sofrer uma duríssima admoestação. No entanto jogadores como Wayne Rooney, Frank Ribery, Zlatan Ibrahimovic, Hulk, Bastian Schweinsteiger (trucidado por um Marchena expulso (só) à sétima falta consecutiva no duelo de ontem) e o próprio Ronaldo, apesar de artistas da bola, não entram nesse leque eleito pela UEFA e consagrado pelas arbitragens nas provas europeias dos últimos anos. Mais ainda, as palavras do extremo português, de longe o jogador menos querido pela UEFA de Platini,  podem valer-lhe a ele uma suspensão. Enquanto isso Leko, que já foi um bom médio e que agora se arrasta, penosamente, pelo campo, poderá jogar contra o Lyon sem reservas ou recriminações.

 

Quando o futebol se joga na rua não há protegidos. Quando o futebol se joga nos escalões de formação também não. Durante quase um século anónimos gladiadores e estrelas globais sofreram o mesmo trato (que o diga Ronaldo Nazário ou Diego Maradona, por exemplo) e poucas vozes se levantavam em contra. O poder do dinheiro mudou o rosto do jogo de muitas formas e esta politica de protegidos é só mais um espelho desse apetite voraz de espectáculo de elites onde há intocáveis milionários e jogadores de segunda e terceira. Mas essa mutação até podia fazer sentido, no contexto actual, se fosse extensiva a todos os jogadores de elite. E não apenas a uns poucos. A impunidade da acção de Leko sobre Ronaldo além de grave é reincidente e, sobretudo, um convite a que para lá dos gritos, insultos e provocações, o jogador do Real Madrid (como Rooney, como Ribery, como Sneijder...) se torne num alvo claro de jogadores que encontram no golpe a única forma de quebrar o talento. Ronaldo tornou-se no anti-futebol para a esmagadora maioria dos adeptos e das instituições, de árbitros a dirigentes. No lado oposto do espelho Messi continua a ter carta branca, ditada pelo próprio presidente da UEFA e confirmada por três anos de arbitragens europeias de penoso nível, para escapar aos mais duros do jogo. Uma dualidade que só faz sentido num mundo bipolar e profundamente inclinado como o que vive hoje o futebol europeu, um futebol que oscila entre carniceiros da velha escola e génios com escolta policial.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 11:13 | link do post | comentar | ver comentários (15)

Segunda-feira, 12 de Setembro de 2011

Podeum torneio da magnitude da Champions League tornar-se numa prova aparentemente previsível? Um medo que assalta muitos adeptos do melhor futebol europeu em vésperas do arranque da mais importante competição de clubes do mundo. Ninguém questiona que a edição de 2011/12 será, um ano mais, um duelo do FC Barcelona contra o mundo. Mas essa hegemonia blaugrana coloca em risco a própria natureza competitiva de um torneio que, desde 1990, conhece um novo vencedor a cada ano que passa. Será o ultra-elogiado Barcelona capaz de lograr este ano o que esteve perto de conseguir em 2010?

Exceptuando talvez o grupo composto por um trio de vencedores da Europe League (FC Porto, Zenith, Shaktar) e o duelo de um quarteto de legitimos aspirantes às rondas finais (Bayern Munchen, Napoli, Villareal e Manchester City), poucas surpresas se esperam de uma fase de grupos tranquila, sem grandes duelos à vista. A previsibilidade da Champions League é, cada ano que passa, uma evidência preocupante.

Os critérios da UEFAtornaram-se obsoletos na medida em que condicionam de forma clara e profundamente negativa o valor desportivo do torneio em prol da sua imensa vertente financeira. Os rankings de clubes, as regras de clubes dos mesmos países em grupos do mesmo dia de jogos (terças e quartas) e a constante omnipresença de, pelo menos, uma vintena de equipas, transformaram a fase de grupos da prova num longo e monótono monólogo desportivo com final previsível e profundamente aborrecido. Porque o futebol organizado pela UEFA começa a ser, sobretudo, uma feira de vaidades onde o jogo jogado perde sentido.

Surpresas haverá sempre mas provavelmente mais por demérito dos favoritos no papel do que pela qualidade dos rivais. Das pequenas formações que aterraram na liga dos milhões pouco haverá que esperar de Viktoria, APOEL, Brugge, BATE, Otelul e Trazbonspor.Talvez os suiços do Basel FC (cuidado com esse pequeno génio chamado Shaquiri) ou os croatas do Dynamo Zagreb possam oferecer uma versão original, longe dos velhos clichésque antecipam vitórias certas, goleadas hipotéticas, pontos confirmados antes sequer do apito inicial. Serão a enorme excepção à regra de um torneio que, ano após ano, é cada vez mais dos "mesmos", os que nas ligas nacionais fazem o dinheiro suficiente para trepar um escalão acima na prova continental. Potencias futebolísticas - que não económicas - como são FC Porto, Olympique Lyon, Shaktar Donetsk, Zenith, Villareal, Napoli, Lille, Dortmund, Valencia ou Arsenalsão a alternativa ao domínio evidente de quem sabe que esta fase é um mero trâmite que há que encarar com respeito mas sem grande temor. Ou alguém imagina, de uma maneira ou de outra, uns Oitavos de Final sem os clubes deManchester, o anfitrião Bayern Munchen,o dueto milanês ou os hiper-favoritos Barcelona e Real Madrid?

 

Cada vez mais a fase de grupos da Champions League serve como uma dura confirmação de que entre o trigo e o joio a diferença é grande e mede-se por muito mais do que pontos. Se o sorteio destinou alguns duelos interessantes entre a classe média europeia (Benfica-Basel, Lyon-Ajax, Valencia-Leverkusen, Marseille-Dortmund, Lille-CSKA, Zenit-Shaktar) isso foi apenas porque o sorteio, tudo menos limpo, ou pelo menos, transparente e digno dessa mensagem de fair-play, garantiu a eterna repetição de duelos vistos e revistos, ano após ano. Man United-Benfica, Real Madrid-O. Lyon, Barcelona-AC Milan são apenas exemplos de um jogo com os dados viciados à partida.

Talvez por isso fazer hoje previsões sobre o que irá suceder até Dezembro é um jogo fútil. Haverá grandes momentos, resultados surpreendentes e no final algum que outro convidado surpresa ganhará o direito de passar da pista de dança geral à sala VIP. Mas isso não engrandece uma prova que parte com um reduzido leque de vencedores à partida que, quase nunca, falha.

Imaginar uma final em Munique, no próximo mês de Maio, sem um Barcelona ou Real Madrid,hoje por hoje os mais completos planteis do planeta futebolistico, é quase uma utopia que só um destino caprichoso pode ignorar. Talvez o outro finalista saia de duas cidades, Milão e Manchester, onde sobrevivem os últimos sobreviventes desse domínio ibérico. De um Manchester United especialista em renascer a um Citydesejoso de mostrar serviço - na Premier League já ninguém tem dúvidas que este projecto é sério - a um Inter que se quer reencontrar com o fantasma de Mourinho sem os golos de Fórlan (a prova viva de que em multinacionais ainda há gente muito incompetente em cargos de máxima importância) acabando num AC Milan que tem os nomes mas não tem o esqueleto.

São seis equipas, duas delas nem sequer estarão nas meias-finais e sabendo que a final é em Munique (e os bávaros gostam de receber bem) e que Abramovich quer (muito) quebrar a sua malapata, há que juntar Bayern e Chelsea a um lote de oito. Sem espaço para os Shaktar, Zenit, FC Porto, Lyon, Benfica, Napoli, Arsenal, Dortmund...Sem espaço real?

Talvez um que outro, capricho do sorteio que se siga que não pode colocar ingleses contra ingleses, italianos contra italianos ou espanhóis contra espanhóis, nem vencedores de grupos contra vencedores de grupos (outra vez esse sorteio limpo), mas que começará seguramente a filtrar os bons dos melhores, os maus dos menos maus. Um sorteio onde a elite europeia confia que estejam os de sempre, os que geram dinheiro com as televisões, os que enchem estádios, os que mais contribuem ao enriquecimento financeiro do jogo...mesmo que desportivamente os jogos sejam tão mornos como uma tarde de domingo à beira rio vendo a corrente descer.

 

No meio deste jogo é difícil imaginar uma final em Maio sem o superlativo FC Barcelona. Os homens de Guardiola querem à muito emular o feito do AC Milan de Sacchi,a última equipa a vencer a prova em dois anos consecutivos (numa altura em que bastavam nove jogos para ser campeão). E têm todas as condições para lográ-lo, incluindo o ámen da instituição que rege o torneio europeu e que já demonstrou estar, como tantos outros, rendido ao génio superlativo desta equipa de sonho. Mas como não há melhor negócio do que o negócio que se revela imprevisível ao olho do grande público, há quem sinta que essa dobradinha pode ser impossível neste mundo em que mais do que o futebol é o dinheiro que vale. O dinheiro que chega, mais depressa, de um novo vencedor do que propriamente à enésima consagração dos melhores entre os melhores. Há muito tempo que a Champions League deixou de ser a liga dos campeões para ser a liga dos milionários. De há alguns anos para cá é óbvio que para lá dos milionários a prova é também a liga dos milhões que o futebol gera, não do futebol que entusiasma milhões. Os adeptos do Viktoria Plizen, do Dynamo Zagreb ou doOtelul não se importam. A gestão salomónica de Michel Platinipermitir-lhes-á verem em primeira mão a Messi, Ronaldo e Rooney em suas casas. Para esses milhões a Champions League ainda é isso. Para os outros é só mais um jogo de onze contra onze em que no final quem ganha é sempre a UEFA.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 15:17 | link do post | comentar | ver comentários (6)

Sexta-feira, 9 de Setembro de 2011

Durante largos anos o Europeu de Futebol foi considerado de forma unânime como a mais complexa e dificil competição de selecções. Este Junho isso sucederá pela última vez. As habituais manobras politicas de Michel Platini garantem que a partir de 2016, e do "seu" Europeu, nada voltará a ser como dantes no futebol internacional europeu. Mas é mesmo este tipo de Europeu que queremos?

 

Durante década e meia aos Europeus de futebol iam apenas as selecções de elite, o top 8 que representava la creme de la creme do futebol europeu.

Por isso equipas como Inglaterra, Espanha, França, Itália, Holanda, Portugal ou URSS eram, de tempos a tempos, ausências sonantes. Não havia espaço para todos. A queda do muro de Berlim e o desmantelamento da Europa de Leste quase que duplicou as associações federadas na UEFA e Leonardt Johansson percebeu que era inevitável aumentar o número de equipas na fase final do torneio. Inglaterra 96 abriu as hostilidades e de um total de 52 federações sairam 16 finalistas. Um número que duplicava o modelo anterior mas que, mesmo assim, garantia que o futuro podia albergar sempre uma que outra ausência surpreendente. Que o digam os ingleses (2008) ou os russos (2000).

Este modelo agradou a tudo e todos. As televisões agradeceram o aumento do número de jogos e receitas com a publicidade. Os paises organizadores o número de visitantes e as federações a possibilidade de aceder a uma prova habitualmente exclusiva da máxima elite europeia. Todos estavam de acordo que, num leque de cinco dezenas de países, este era um número que permitia filtrar muitas selecções que não faziam mais do que número na própria fase de qualificação para o torneio.

Mas esse modelo que tanto sucesso logrou nas suas quatro edições (falta a quinta, este Verão) tem as horas contadas. Graças a monsieur Platini, claro. O presidente da UEFA trazia esta ideia no bolso e defendeu-a durante a campanha eleitoral da sua surpreendente vitória há quatro anos atrás. Uma vitória conseguida graças aos votos dos países pequenos e médios que em troca pediam mais protagonismo. A primeira decisão foi ampliar o leque de equipas nas provas europeias para esses países. A segunda foi reformular o aclamado modelo dos Euros.

 

A táctica é velha. Platini aprendeu com Blatter, maestro neste tipo de jogadas.

O suiço era o braço direito de João Havelange quando este precisou dos votos das confederações mais pequenas nas eleições de 1978 para  manter-se no alto cargo da FIFA. A decisão de Havelange foi simples. Ampliar o Mundial de 16 para 24 países, distribuir vagas entre africanos, centro-americanos e asiáticos e reequilibrar a balança de poder das potências europeias, sempre desconfiadas do poder crescente do brasileiro. Em 1994 Josep Blatter repetiu a jogada, com o apoio do presidente ainda em funções, e patrocinou a ampliação do Mundial de França para 32 selecções. Platini, responsável pela organização do evento, passou a ser o homem de confiança do suiço depois do torneio e durante anos prepararam em conjunto o assalto do gaulês à sede da UEFA. A táctica preferida de Platini foi posicionar-se junto das federações sem poder histórico - quase todas apoiavam Johansson de forma categórica - mas cujos votos somados podiam fazer a diferença. E aí se começou a desenhar o novo modelo do torneio.

Depois de vencer as eleições o gaulês conseguiu fazer com o Europeu o mesmo que com a Champions League, agradar a gregos e troianos. Depois de patrocinar um Europeu nos emergentes países do leste, entregou o torneio seguinte de bandeja à sua França natal (contra a candidatura turca, favorita, a quem tinha prometido apoio na sua pré-campanha, e a italiana que apresentava argumentos mais sólidos que os franceses) enquanto piscou o olho aos mais pequenos anunciando a passagem a um modelo de 24 equipas. Um modelo que funcionou em quatro Mundiais e deu mais de um quebra cabeças à FIFA. Implica a criação de seis grupos de quatro em que se apuram para os Oitavos de Final (uma novidade) os primeiros, segundos e os quatro melhores terceiros. Muitas contas, muitos dramas e, sobretudo, muitas jogadas de bastidores (como a do mitico Alemanha-Austria de 1982) esperam os adeptos de futebol daqui a cinco anos. Mas, sobretudo, muda por completo a natureza do torneio.

Actualmente a UEFA conta com 53 associações onde se incluem países como Lieschenstein, Andorra, San Marino, Malta, Luxemburgo, Azerbeijão.. Isso significa, grosso modo, que metade dos países que hoje disputam as vagas de forma apaixonante até ao fim, estarão na prova. Basta olhar para o quadro actual das equipas que lutam para ainda marcar passagem para o torneio realizado na Ucrânia e Polónia. O sistema de qualificação permitiria a qualificação de todas as equipas em primeiro, segundo e terceiro lugar nas fases de qualificação. Isso incluia Bélgica, Arménia, Estónia, Bósnia Herzegovina, Israel, Hungria, Noruega, Escócia, Montenegro, Irlanda, Sérvia, Dinamarca, Républica Checa, Roménia, Suiça ou Grécia. Países que, agora, entre eles, disputam apenas três vagas.

Se haverá quem defende que uma maior abertura a nações com menos história mas com uma imensa ilusão de marcar presença nestas provas só pode beneficiar o futebol europeu, haverá quem relembre que presenças surpresa como as da Letónia em 2004, Escócia em 1996 ou as anfitriãs Bélgica (2000) e Austria (2008) deixaram evidente que há uma clara diferença entre a primeira e a segunda divisão europeia...quanto mais com a terceira. O torneio passará a sofrer do mesmo estigma dos Mundiais, com uma primeira fase sem grande tensão (mas com muita polémica garantida) e os jogos mais significativos guardados para o final. Platini importa-se pouco com os adeptos e muito com a sua popularidade junto daqueles que garantiram agora a sua renovação. O torneio garantirá mais beneficios às empresas que vivem do futebol, trará mais emoção a países historicamente deslocados do eixo central do futebol europeu e, sobretudo, fará da fase de qualificação um mero trâmite para o top 12 dos países europeus (que também agradecem). No meio quem perde é o futebol. A exigência e paixão de uma competição intensa e imprevisivel desde o primeiro dia desaparece. Algum dia poderá haver um Europeu com 32 equipas, com 20 automaticamente qualificadas por posição no ranking? Não se surpreendam!


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publicado por Miguel Lourenço Pereira às 12:04 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Terça-feira, 6 de Setembro de 2011

Enquanto a imprensa catalã celebra o regresso às origens de Pep Guardiola, o técnico de Santpedor reafirma-se de forma definitiva como um técnico de futuro, um técnico capaz de marcar um antes e um depois na história do jogo. Para Guardiola o sistema é mais importante que o desenho e aproveitando ao máximo a geração perfeita do ADN blaugrana o seu último passo mais do que uma volta atrás é um salto em frente. Guardiola matou o ponta de lança e deu o passo em frente que muitos ousaram mas nenhum logrou conseguir.

Contra um fraquíssimo Villareal (fantasma do que foi na época passada) foi uma delicia voltar a ver o Camp Nou empolgado com um 3-4-3.

O desenho táctico que Johan Cruyff demorou quatro anos a implementar antes de poder desfrutar quatro anos mais do seu sucesso tinha já sido metamorfoseado pela rigidez táctica de Louis van Gaal antes de cair no esquecimento. Naturalmente, desde 2002 que as defesas de 3, esse ousado experimento que lançou para a ribalta Carlos Billardo a meados dos anos 80, desapareceram do mapa. O Brasil de Scolari foi, de certa forma, o canto do cisne de um desenho que era mais um 3-5-2 do que um 3-4-3 puro, cruyffiano. A herança da escola do Futebol Total (o quarto elemento do meio campo - o eterno número 4 - herdou o papel do libero michelsiano) desapareceu debaixo da capa de verticalidade ofensiva de Frank Rijkaard e, sobretudo, da tremenda eficácia dos desenhos magnificos de Guardiola.

Portanto muitos podiam pensar que o regresso ao 3-4-3 seria um sinal de que Pep, esse filho pródigo do cruyffianismo, pretendia emular o mestre não só em títulos mas também em estilo. Comparação irreal. Não só porque os títulos já foram superados mas, sobretudo, porque o estilo das equipas de Guardiola supera em todos os sentidos (eficácia, estética, rigor defensivo, conceitos de pressing e posse) a cartilha do Dream Team. Um regresso ao 3-4-3 numa equipa marcada, sobretudo, pelas baixas do sector defensivo, foi sobretudo um aproveitamento de recursos (e que recursos) que o plantel dispõe no último terço do terreno de jogo. Algo que se voltará a ver, inevitavelmente, e sobretudo nos jogos em casa. Mas que está longe de ser o desenho que mais entusiasma e que marcará a carreira de Guardiola como um técnico de excepção. Se o 3-4-3 pertence a Cruyff (e de que maneira), a Guardiola poderá analisar-se no futuro o seu papel indiscutível de pai do 4-6-0. O desenho táctico que matou o ponta-de-lança, o desenho táctico da próxima década.

 

Ninguém imaginava nos anos 50 que o extremo, o jogador da escola de Matthews, Garrincha ou Gento alguma vez pudesse desaparecer do mapa. Era a época da passagem do caduco WM ao 4-2-4 (e mais tarde ao 4-3-3) e o grande sacrificado dessa metamorfose táctica acabou por ser o herói da multidão. Sem tempo para pensar, sem espaços para arrancar em velocidade, os extremos foram forçados a abandonar a linha de fundo pelas diagonais, os centros no limite pelos passes para a entrada da área, o jogo vertical pela horizontalidade.

No Brasil e Inglaterra a metamorfose tardou, no primeiro caso pelo tempo e espaço que ainda hoje se concedem as equipas, no segundo pela teimosia histórica em inovar. Mas quando o resto da Europa começou a adaptar-se a essa mudança surgiu, progressivamente, outra extinção impensável. Talvez a Itália de 1970 já estivesse a anunciar o fim do 10. Talvez a metamorfose do Futebol Total, a colectivização do posicionamento táctico, tivesse deixado pistas suficientes para antever que duas décadas depois o artista vagabundo e solitário seria asfixiado até à exaustão, até tornar-se numa ave rara, dependendo de personagens sui generis como Juan Roman Riquelme para subsistir na mente dos mais novos.

Talvez por isso hoje muitos se escandalizem com a ideia de um futebol sem ponta de lança. Afinal é o golo a linguagem do jogo, o objectivo suprema, o santo Graal que todos buscam (uns mais que outros). Mas essa imagem histórica dos gigantes de área, dos predadores letais, começa a desvanecer-se progressivamente precisamente quando o pressing defensivo de Sacchi ensinou as equipas a encurtar o terreno de jogo até à linha do meio-campo. A mudança da lei do fora de jogo, o pressing defensivo e, sobretudo, o ritmo de jogo alto característico do final dos anos 90, começaram a dar o toque de finados para um jogador que foi, até então, exemplar único (e altamente sobrevalorizado) em qualquer equipa. Cruyff entendeu-o e começou com Romário o que hoje Guardiola logrou de forma definitiva com Messi. A diferença? O ADN blaugrana.

Guardiola não foi o primeiro técnico a tentar fazer do 4-6-0 uma realidade. Tanto Alex Ferguson como Luciano Spaletti tentaram recriar o esquema no terreno. No caso dos Red Devils o desenho parecia um vulgar 4-5-1 mas na realidade o papel de Rooney era o de falso dianteiro. O inglês recuava, puxando consigo a marcação e abria espaços para Ronaldo, Tevez, Giggs, Scholes, Hargreaves/Park/Anderson ou Carrick, explorarem. Também a Roma tentou emular o mesmo modelo com Totti de falso dianteiro, cercado por Vucinic, Perrota, Mancini e Tadei apoiados por De Rossi. Mas foram tímidas tentativas. Guardiola transformou a ideia em realidade.

 

Ajudou, é certo, o trabalho do técnico a excelente colheita de jogadores made in La Masia.

Guardiola conhece, encarna melhor dizendo, o ADN blaugrana como nenhum outro jogador. Encontrou à sua chegada veteranos de guerra com quem jogou (Xavi, Puyol), confirmações da era Rijkaard (Valdés, Iniesta) e lançou jovens que conhecia bem como Busquets, Pedro a que se juntou o repescado Piqué. Mas foi sobretudo Messi quem se transformou no jogador nuclear do primeiro Pep Team e que provocou a profunda metamorfose táctica de um 4-3-3 mais convencional (dois avançados abertos, um ponta de lança apoiados por dois interiores e um médio mais recuado) num claro 4-6-0.

Messi foi criado na Masia como um filho mais e bebeu desde cedo a filosofia local, tanto como Pique, Fabregas, Xavi ou Iniesta. A sua condição de estrangeiro é apenas circunstancial e isso nota-se cada vez que o número 10 veste a camisola da albiceleste. Ali ele é mais estrangeiro do que no seu Barça. La Pulga cresceu na Masia como extremo e foi aí que Rijkaard o posicionou, como o outro lado do espelho do genial Ronaldinho. Mas como Cruyff, Di Stefano, Pelé ou Maradona, o argentino é um jogador livre, sem posição fixa. A sua velocidade, finta, capacidade de reacção, determinação e, sobretudo, a sua capacidade de ler o jogo a uma velocidade laudrupiana transforma-o num jogador completíssimo que encaixa em qualquer desenho, em qualquer situação. Especialmente se quem o rodeia joga e pensa à mesma velocidade que ele.

Guardiola compreendeu isso de uma forma clara e depois de um ano transicional - e de uma aposta falhada em Ibrahimovic, incapaz de dar à equipa a mobilidade exigida - decidiu transferir o jogo de Messi para o miolo, reestruturando o carrossel ofensivo blaugrana. Com Messi no meio como receptor e emissor o técnico pode montar um quinteto de falsos médios, falsos avançados, capazes de manter a bola, imprimir o ritmo e encontrar os espaços necessários para controlar e dominar cada jogo.

Busquets e Keita consagram-se como os médios de controlo (muito mais do que Mascherano, mais eficaz quando joga como central adaptado). Xavi e Iniesta continuaram a ser eles próprios, interiores incisivos e letais com os seus passes a régua e esquadro e a sua fome de bola (poucas duplas na história tiveram tanta qualidade) e Pedro e Villa foram transformados em falsos extremos. Jogam colados à linha de fundo como fariam Garrincha ou Best, mas usam a sua velocidade, precisão no remate e leitura de jogo para estrangular as defesas contrárias. Eles abrem o campo para as diagonais dos interiores e fecham-no para asfixiar e cercar as defesas. Nunca jogam no ataque como figuras estáticas, nunca ficam muito longe da última linha defensiva quando defendem. No meio Messi, sem ordem que não seja a de criar o caos, um verdadeiro rebelde com causa, capaz de encontrar nos interiores, nos extremos ou nos laterais ofensivos, parceiros para dar e receber em dois, três toques rápidos, subtis e plenos de intenção. A mecanização de movimentos, depois de anos e anos de treino permitiram aos jogadores blaugranas criarem um entendimento único (por isso se entende o grande arranque de época de Fabregas e Thiago e a progressiva, mas mais lenta e individualista, adaptação de Alexis) e ao seu técnico abdicar definitivamente da figura do ponta de lança. Na filosofia de Guardiola não pode haver jogadores estáticos, incapazes de jogar em equipa. Se até Valdés é mais libero que guarda-redes como poderia haver um dianteiro que não fosse ao mesmo tempo extremo, médio e até mesmo defesa?

 

Inevitavelmente o ponta de lança continuará presente em equipas que privilegiam o jogo directo, que preferem o jogo aéreo contradizendo o velho dito de Brian Clough de relva nas nuvens. Mas à medida que o futebol se torna num jogo cada vez mais complexo, físico e intenso, o modelo blaugrana torna-se na evolução natural de algo que já a Hungria de Gustav Sebes anunciava, há mais de 50 anos. Naturalmente em Can Barça reuniram-se as condições (modelo implementado, tranquilidade institucional, classe dos jogadores, génio da equipa técnica) necessárias para aplicar o 4-6-0 com uma taxa de sucesso inquestionável. E mesmo isso não garante, como dissemos ao inicio, que perante rivais mais encerrados a aposta num modelo mais ofensivo como um 3-4-3 seja mais prática. Mas o passo dado em frente é inevitável. Na final da Champions League de Wembley o posicionamento de Messi (mas também de Pedro e Villa...os três marcadores) deixou a defesa do United desenquadrada por não saber a quem (e como) marcar. Chamam-lhe o "falso nove" mas a realidade vai mais longe. Mais do que recuar o nove o que o 4-6-0 de Pep consegue é involucrar no movimento ofensivo de concretização todo o acordeão do meio-campo, o que permite a Fabregas, Thiago, Iniesta ou Xavi estarem tão ou mais perto do golo que Villa, Pedro ou o próprio Messi. A função de atacar deixa de recair sobre um homem só para passar a ser coisa de muitos, permitindo uma constante superioridade em qualquer zona do terreno de jogo. E a história do futebol ensinou-nos que os mitos são homens mas quem faz a diferença são sempre as equipas



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 17:23 | link do post | comentar | ver comentários (14)

Segunda-feira, 5 de Setembro de 2011

Uma semana depois da derrota mais dolorosa, Arséne Wenger parece um treinador muito mais tranquilo do que seria de supor. O técnico do Arsenal foi seriamente contestado por um sector bastante forte dos adeptos gunners mas soube reagir com a prontidão que se esperava. Depois de mais de dezasseis anos à frente do clube londrino, Wenger continua a ser um homem que deixa sensações contraditórias. O francês soube reeducar o gosto futebolístico dos filhos do "boring Arsenal" mas continua a ser contestado pela falta de resultados. É o preço pagar por ter sabido esconder os graves problemas de um clube que há largos anos está longe da elite britânica.

Parecia uma gralha. Um erro gráfico talvez.

8-2 não seria realmente um 0-2? Não se teriam os senhores enganado? Quantos adeptos não devem ter pensado isso - e muito mais - quando se conectaram para saber do resultado do histórico confronto de Old Trafford entre gunners e red devils. Os que viram o jogo, no entanto, levaram com a crua realidade em directo. Uma realidade enganadora mas, não por isso, menos dolorosa.

Quando David de Gea parou o penalty de Robbien van Persie o jogo estava ainda tremendamente equilibrado apesar do 1-0. Como se de uma espécie de cerco se tratasse, esse foi o momento em que a fortaleza cedeu. O plus de confiança transformou o jogo ofensivo do Man Utd (foram oito, podiam ter sido doze) e descaracterizou por completo um Arsenal que, em momentos, se assemelhava mais ao Brighton and Hove do que à equipa que tem marcado presença de forma consecutiva entre a elite europeia na última década. Num dia inspirado de Wayne Rooney, Ashley Young, Nani, Phil Jones, Tom Cleverley ou mesmo Anderson pouco mais havia a fazer. Para piorar mais a situação - ou justificando-a, em parte - os gunners jogavam contra o eterno rival repleto de baixas da máxima importância. Só isso justificou a estreia de Alex Chamberlain, os minutos de Coquelin, Jenkinson e Traoré e a falta de critério colectivo de um onze orfão do talento de Nasri e da cerebralidade de Fabregas

Sem os seus dois maestros (e sem Vermaelen, Sagna, Gibbs, Whilshere ou Song) era fácil de imaginar que o Arsenal seria derrotado por um Manchester há largas semanas a evidenciar que Ferguson conseguiu reerguer, uma vez mais, das cinzas, um clube a quem muitos estão mais do que fartos de passar a extrema unção.

8-2 foi um resultado tremendo mas Wenger é um pragmático. Sabe que o jogo pode ter deixado uma marca profunda nos adeptos, mesmo naqueles mais fiéis que contradizem o discurso do resultadismo, mas aos jogadores transmitiu a ideia de que, no máximo, perderam-se três pontos e um confronto directo difícil de igualar. Nada mais. Uma derrota aparentemente previsível nos seus cadernos e que, simplesmente, acelerou o inevitável. Três dias depois o Arsenal mostrou-se hiper-activo no fecho do mercado com as chegadas do veterano Meertesacker, os talentosos  Benayoun e André Santos e o homem que terá por obrigação liderar a carga do meio campo, o espanhol (ironia das ironias) Mikel Arteta. Quatro nomes a que se podiam ter juntado outras (Cahill do Bolton, Gotze do Dortmund, Hazard do Lille), não fossem as ofertas dos gunners rejeitadas sem qualquer opção de negociar.

 

Se Wenger já montou e desmontou equipas de alto standing é difícil pensar que o alsaciano perdeu a habilidade de repetir o feito.

Até porque o Arsenal pós 2008 é tudo menos uma equipa de top. Em 2006 a equipa chegou ao mais alto. Uma final de Champions League, a única espinha ainda atravessada no historial do clube e do técnico. Desde dois anos antes que o clube não vencia um troféu doméstico e desde então a razia foi in crescendo. À medida que os artífices dessa campanha foram deixando o clube, as caras novas foram incapazes de manter o ritmo. Mas, sobretudo, e isto para um homem como Wenger é fundamental, a balança do poder financeiro da Premier mudou drasticamente as regras do jogo.

Quando o clube decidiu gastar todas as fichas numa só jogada não foi capaz de prever o que o fenómeno Abramovich seria capaz de fazer ao futebol inglês. Estávamos em 2003, o ano em que se forjou a lenda dos Invencibles, e ao Manager foi-lhe dito que o dinheiro para transferências iria acabar durante os anos seguintes. Todos os rendimentos do clube seriam redirigidos para a construção (e pagamento) do novo estádio, o Emirates Stadium, ele também uma petição expressa de Wenger, cansado de ver um Old Trafford com 75 mil almas contra as 32 mil que abarrotavam o velho Highbury. Economista, apaixonado das finanças e gestor de elite (basta ler Moneyball para entender como Wenger mudou o rosto do futebol moderno), o técnico gaulês traçou um plano de futuro que contradizia em grande parte o que tinha feito nos anos anteriores. Apostou nas camadas jovens do clube (reforçadas por contratações de promessas em todo o planeta graças a uma aplicação informática que lhe permitia estudar em detalhe características chave nos jogadores mais interessantes que os seus olheiros descobriam), apostou em jogadores desconhecidos do grande público e, sobretudo, apostou em reduzir a carga salarial do plantel.

Simon Kuper defende (e no meu entender, correctamente) a teoria de que é o que um clube gasta em salários o que determina o seu real posicionamento no mercado e nas expectativas que pode ter. No arranque da década o Arsenal era o clube que mais gastava em salários, só ultrapassado pelo Manchester United. Uma década depois o clube caiu para um sétimo lugar por detrás de United, Chelsea, City mas também Aston Villa, Tottenham ou Liverpool. Sairam os pesos pesados, os mais novos cobram relativamente pouco comparado com os de outros clubes e sempre que um jogador com o perfil, digamos, de Nasri (o caso de Fabregas é muito especial) quer renegociar o contrato em alta, o clube prefere vender. Essa politica marcou a segunda etapa do técnico no clube e de certa forma os seis anos sem titulos ou os 8-2 em Old Trafford apenas espelham essa realidade. O Arsenal não tem poder financeiro para competir pelo titulo. Nem sequer pela Champions League. Hoje, tecnicamente, os gunners são uma equipa de Europe League e têm-no sido nos últimos anos. Mas a boa gestão de Wenger, o seu estilo de jogo, as grandes descobertas do técnico foram mantendo o Arsenal acima do esperado, dando a ilusão de poder que realmente não tinha. O clube nem pode gastar 40 milhões num jogador nem sequer - e isso é o mais problemático - gastar as fortunas em salários anuais que recebem os mais bem pagos, os jogadores de top. Uma realidade que começa a mudar agora. Mas só agora. Agora porque o clube acabou de pagar o estádio (seis anos depois). Agora porque o clube pode voltar a investir. E agora que o inferno passou, agora que o clube pode voltar ao seu rumo depois do mais difícil, agora Wenger perde a confiança?

 

O certo é que Arsene Wenger continua a ser o santo e senha para a maioria dos gunners. E com todo o sentido. O "boring Arsenal" de George Graham venceu títulos mas nunca convenceu ninguém. Wenger venceu títulos também mas sempre encantou, mesmo nas mais cruéis derrotas, até ao mais imparcial dos adeptos. Tacticamente é um treinador de top mas é como gestor de recursos - humanos e financeiros - que o seu papel na história está assegurado. Transformou o Arsenal numa potência real e deixou as bases de futuro para um projecto sólido e sustentável. Sem o dinheiro de sheiks ou magnatas, sem o background económico do Man Utd (que antecipou em 15 anos tudo o que os restantes clubes fazem hoje) conseguiu dar luta até ao fim ano após ano. Ninguém pode dizer que 2011/12 vai ser diferente. Arsene já nos surpreendeu outras vezes no passado. O desafio é difícil mas se há alguém que se sente estimulado por jogar contra as expectativas é o homem em que os gunners ainda confiam.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 11:04 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Uma breve pausa na programação habitual, que segue dentro de momentos, para dar conta de uma nova colaboração do Em Jogo com outro projecto online que procura analisar e estudar o fenómeno futebolistico português ao mais alto nível. Deixo-vos com as boas vindas da direcção editorial do projecto Futebol Portugal!

 

"Caros leitores, fazemos parte de um projecto que pretende mudar a blogosfera.


Tendo como base o lado positivo do jogo, abordando categorias diversas (análise táctica, scouting, história, estádios, estatística, arbitragem, direito desportivo, finanças, notícias, etc), e contando com uma equipa que reune os melhores bloggers de futebol, e elementos com profunda ligação profissional a este desporto.


O Futebol Portugal procura mudar o paradigma do relato do fenómeno desportivo em Portugal, apresentando duas características pouco vistas até hoje: qualidade e independência de pressões corporativas.
O web-site estará ainda a passar por algumas modificações gráficas, mas temos já um conteúdo assinalável para que o leitor possa dedicar a sua atenção.


Um abraço e até ja!"

 

Não se esqueçam de aparecer, a visita vai valer a pena!

 

 


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publicado por Miguel Lourenço Pereira às 08:51 | link do post | comentar

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