Domingo, 31 de Julho de 2011

A ressaca do sucesso do escrete canarinho no Mundial de 1970 durou uma década. Até 1980 o Brasil andou sem rumo, perdido entre o sucesso individual de 70 e a certeza de que essa geração tinha-se tornado num mito irrepetivel. Telé Santana encontrou a chave do futuro e desenhou um sistema capaz de emular o modelo de jogo das camisolas amarelas de Pelé e companhia. O Quadrilátero Mágico brasileiro tornou-se a chave da europeização do futebol brasileiro até aos dias de hoje, mas na sua concepção foi um último piscar de olhos a uma realidade mitológica que nunca mais ninguém foi capaz de repetir.

O golo de Carlos Alberto que culminou o triunfo mais espectacular de uma equipa na final de um torneio internacional marcou o fim de uma era.

Não só a geração de 70 era única no talento e na entrega como as condições em que se formou o projecto de Zagallo acabaram por se revelar tremendamente circunstanciais e, portanto, irrepetíveis. Um Mundial de altitude que asfixiou, à partida, qualquer ideia de pressing que começava a tornar-se popular na Europa e, sobretudo, um Mundial onde as equipas, pela última vez, prestaram mais atenção ao homem e menos ao espaço. O 4-2-3-1 que Zagallo desenhou para albergar tantos génios só funcionou porque nenhum dos rivais que o Brasil encontrou, nem mesmo a Itália, se preocuparam minimamente em aplicar um pressing eficaz. Gerson, Clodoaldo, Pelé e Rivelino tiveram a eternidade nos pés e tempo e espaço para desenvolver o seu melhor futebol. Mas esse espirito livre e romântico do jogo já tinha os dias contados antes do Mundial e depois o desmoronar do projecto brasileiro acabou por ser inevitável. O Mundial de 74 confirmou a mudança de guarda no histórico duelo com a Holanda e quatro anos depois o Brasil esteve perto de chegar à final de uma forma timida e absolutamente imerecida. Tanto Zagallo como Coutinho continuavam a acreditar que os individuos superavam o sistema mas ambos tentaram instituir um sistema europeizado que acabou por ir contra o próprio modelo de jogo individual dos seus principais astros. Numa década onde a qualidade do futebol brasileiro decaiu, a selecção foi incapaz de aguentar o futebol mais musculado, temporizado e, sobretudo, pressionante, dos conjuntos europeus. Parecia inevitável que o Brasil procurasse uma fórmula que permitisse recuperar o tempo perdido. Mas havia também uma imensa nostalgia com os dias gloriosos do Tri que ninguém queria perder. Telé Santana, então maestro do Fluminense, chegou a Espanha em 1982 com o modelo ideal na sua cabeça. Um modelo que não funcionou mas que iria forçosamente condicionar o futuro do futebol brasileiro nos 30 anos seguintes.

 

O Quadrilátero Mágico de Santana resumia os principios da geração de 70 (jogam os melhores jogadores com total liberdade) com a aplicação do ideário do Futebol Total (pressing, movimentação no terreno de jogo, verticalidade e velocidade).

O sistema táctico idealizado pelo brasileiro acentava num claro 4-2-2-2 abdicando totalmente do jogo de extremos, uma ideia já defendida por Maslov e Ramsey nos anos 60 e que Zagallo adaptou ao transformar dois avançados, Jairzinho e Rivelino, em falsos extremos. Em 1982 o futebol brasileiro tinha uma grande variedade de médios centro e uma profunda escassez de dianteiros de renome. Em lugar de emular Zagallo, o técnico nacional optou por dar total liberdade a Sócrates e Zico, com Serginho e Éder à frente e Toninho Cerezo e Dirceu como médios mais recuados. As alas eram entregues a dois laterais rápidos, na escola de Nilton Santos, Leandro e Júnior que tinham a função de abrir o campo e cercar as defesas contrárias. Um modelo que garantia pressing no miolo com um quarteto de luxo, dois dianteiros móveis (que só jogaram porque Careca, lesionado, e Dinamite, fora de forma, não estavam em condições) e laterais ofensivos. O plano resultou na fase de grupos (com Falcão a "roubar" o posto a Toninho) e a vitória clara sobre a Argentina deu a sensação de que a equipa tinha encontrado o equilibrio necessário. Não foi assim.

Contra a Itália o sistema bateu o individuo e marcou o fim de uma era. O Brasil nunca soube controlar os tempos do jogo, viu-se prejudicado pela concentração massiva de jogadores no meio-campo e deixou as alas abertas às investidas de Cabrini e Tardelli. A derrota significou o fim do futebol-arte brasileiro (nunca mais repetido a esse nivel) e reforçou a ideia da europeização do jogo. No entanto, o 4-2-2-2 manteve-se como o santo graal. Quatro anos depois Santana repetiu o esquema e voltou a fracassar frente a uma equipa com um esquema táctico similar, a França, nos penaltys. Em 1990 Carpeggiani decidiu emular o billardismo argentino e fracassou ainda mais estrepitosamente levando o seu sucessor, Carlos Alberto Parreira a regressar ao 4-2-2-2. Com Jorginho e Branco nas alas, Dunga e Mauro Silva no miolo, Bebeto e Romário no ataque e atrás de si uma dupla móvel de criativos, Zinho e Mazinho. Uma equipa sem brilhantismo mas com a eficácia europeia que faltou aos génios de 82. O sucesso do Quadrilatero levou Zagallo, o homem que tinha liderado a geração de 70, a não mudar no esquema para 98, trocando Romário por Ronaldo e Zinho e Mazinho por Rivaldo e Leonardo. A equipa brasileira voltou a uma final mas saiu derrotada, por uma França que soube anular o 4-2-2-2 ocupando o meio-campo de forma mais organizada num 4-5-1 letal. Scolari voltou ao billardismo (e com sucesso porque, tal como o argentino, contou na frente com um jogador inspirado, Ronaldo) mas Parreira decidiu recuperar o Quadrilatera para o Mundial de 2006. Um erro absoluto porque emulou o ideário de 1982 (grandes jogadores, total liberdade, desorganização táctica) e não o de 1994. O falhanço levou os brasileiros a questionar a eficácia de um modelo que, para o bem e para o mal tinha moldado o futebol brasileiro mas quando Dunga decidiu repetir a dose em 2010, com Robinho e Fabiano diante de Kaká e Elano que por sua vez jogavam com Melo e Gilberto a proteger a medular, o Brasil entrou em desespero. O insucesso da campanha do escrete canarinho significou também o fim do Quadrilatero. Mano Menezes entendeu que não havia nenhuma possibilidade de alterar o ciclo vicioso sem abdicar de uma profunda mutação táctica. O técnico apostou num 4-2-3-1, recuperou o jogo de extremos com Robinho, Neymar ou Lucas e na figura solitária do ponta-de-lança, tão de voga na Europa. Mas nem isso lhe valeu, talvez por culpa mais dos rostos do que, propriamente, do sistema.

 

A metamorfose táctica do país que inventou o 4-2-4, explorou o 4-3-3 e consolidou o 4-2-2-2 continua agora numa normalização com o resto do planeta futebol em que o homem passa a ser apenas parte da engrenagem táctica. A falta de tempo e espaço no futebol de alta competição acabou com o espirito malandro dos grandes "malandros" brasileiros que durante anos fizeram a delicia do público. Hoje não há tempo nem paciência para fenómenos individuais se não existe antes e depois uma forte contundência colectiva. O Brasil, o mais individualista dos amantes do futebol, ainda não conseguiu verdadeiro unir método e homem num só esquema. Perdeu a magia de antes, a eficácia de antes e o ritmo cadente de titulos de antes. O que ainda não perdeu foi o sonho utópico de juntar a mestria dos génios individuais com as necessidades tácticas do futebol moderno. Talvez algum dia o escrete canarinho descubra o que todos já desistiram de procurar...



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Quinta-feira, 28 de Julho de 2011

Desde 2001 que a Bretanha não celebra um titulo mas o futebol bretão vive um dos seus mais brilhantes momentos. Três equipas na próxima edição da Ligue 1 - mais do que qualquer outra região histórica - e um antigo campeão a fazer de tudo para conquistar o titulo da Ligue 2, os bretões começam a ganhar preponderância mediática numa competição que até agora tem vivido da constante luta Norte-Sul. Os ventos do Atlântico puxam o futebol gaulês para a sua zona mais recôndita.

 

Há poucas regiões em França com um sentimento autonómico tão forte.

A Bretanha não foi a última conquista do estado central parisino mas foi uma das mais dificeis e ainda hoje os bretões gostam de relembrar que entre eles e os franceses modernos há uma distância que nunca desaparecerá verdadeiramente. Talvez quem se passeie pela costa recortada e escarpada, pelas cidades austeras e frias e sinta o vento do Atlântico com mais força do que em qualquer outra zona do país, entenda essa paixão que os bretões têm pela sua terra. Desportivamente a zona da Bretanha tem um historial mais ligado ao fenómeno do rugby francês do que, propriamente, ao futebol. No entanto o desporto-rei tem a sua quota parte de adeptos na região e esses sabem que vivem uma época muito especial para o seu futebol regional. O seu grande porta-estandarte, Nantes, cidade que partilham com a zona do Loire mas que historicamente foi a capital do reino bretão, agoniza na Ligue 2, dez anos depois de ter sido o último clube da região a sagrar-se campeão. Foi antes da ditadura do Sul (Lyon, Bordeaux e Marseille) e da resposta do Norte com a notável campanha do Lille OSC. Hoje o Nantes perdeu aquele sentimento de superioridade moral que o acompanhava sempre que desfilava pela região. Mas o clube atlântico encontrou sucessor à sua altura.

Nenhuma região gaulesa concentra tantos clubes num espaço tão reduzido como a Bretanha. A este o clube da capital, o Rennes, é o projecto desportivo mais bem sucedido na era pós-Nantes. Nunca logrou o titulo mas nos últimos anos tem marcado presenças sucessivas no topo da cabela disputando os lugares europeus sem nenhum complexo de inferioridade para os rivais do resto do país. A ocidente, quase a roçar o limite do hexágono, a pequena cidade de Brest, histórico porto gaulês que foi o simbolo militar da resistência da região contra o poder parisino e, mais tarde, nas guerras travadas por Richelieu e Luis XIV. Um pouco mais a sul, quase na desembucadora do magnifico Loire, surge o porto de Lorient. Um dos mais exitosos fenómenos desportivos gauleses dos últimos anos, o Lorient chegou à Ligue 1 para ver e vencer e rapidamente se estabeleceu como uma das grandes revelações do torneio.

 

O que une os três projectos bretões é bem mais daquilo que os separa.

Apesar do recente sucesso desportivo de Rennes e Lorient, ambos clubes são geridos de forma austera e disciplinada. O exemplo do Nantes, e da sua péssima gestão financeira, lançou o alerta e hoje não há quem pense que qualquer um dos três clubes possa seguir o mesmo caminho. Comprar barato, apostar na formação local, recrutar alguns dos mais jovens jogadores que despontam em Clairefontaine e, sobretudo, vender bem e na hora certa, tem sido a chave para a estabilidade de três clubes que representam o melhor da gestão organizada que tomou controlo nos últimos anos do futebol francês.

O sucesso do Lorient, um caso exemplar, deveu-se em grande parte à descoberta de Kevin Gameiro. O jovem avançado, de origem portuguesa, foi pescado ao Strasbourg quando o clube alsaciano caiu no poço da Ligue 2. A partir daí os seus golos valeram vitórias, pontos e muito dinheiro aos cofres do Lorient. Mas não foi caso único. Antes dele passaram pelo clube internacionais como Gignac, Cissé, Gourcouff ou Keita, hoje todos eles figuras incontestáveis do futebol internacional. Actualmente o clube conta com um leque de jovens promessas recrutadas a clubes vizinhos como Quercia, Paquet-Monnet, Koné e Coutadeur e as perspectivas para a próxima temporada são altamente positivas. Ninguém exclui que o conjunto de Christian Gourcouff, pai da estrela do Lyon, possa aspirar a algo mais do que o 11º posto conseguido na passada temporada.

O caso do Brest é ainda mais paradigmático porque o conjunto nortenho apenas disputou doze temporadas na Ligue 1 desde a sua fundação e todos esperavam que a equipa fosse a primeira despromovida na época que findou. Com um excelente trabalho táctico e um conjunto recrutado por meia dúzia de tostões, Alex Dupont conseguiu o impossível e logrou o 16º posto, dois acima da linha de água. Numa equipa sem figuras e estrelas para vender, a gestão financeira é levada ao extremo e o aproveitamento dos jogadores da casa um santo e senha que tem dado os seus frutos. Já o Rennes joga noutra liga. Frederik Antonetti sabe que os seus adeptos querem sempre algo mais e depois do 6º lugar na passada época há uma legitima ambição para atacar os lugares reservados à Champions League. Mas tudo é feito com cabeça. Com uma das melhores Academias do Mundo (de onde sairam Mvilla, Sow, Briand e companhia) o clube gasta pouco e bem em contratações e vende caro e melhor no mercado de transferências. Sem nunca ter ganho um titulo (ao contrário do Nantes que soma oito troféus da Ligue 1) ninguém duvida que o ano que vem pode correr bem melhor do que se possa esperar para o conjunto bretão.

 

Se o Midi tem sido habitualmente o eixo central do futebol gaulês, a verdade é que actualmente a costa sul tem vindo a perder a sua influência para o Norte industrial, para o Maciço Central e para a zona alsaciana. Todas estas regiões contam com três equipas na Ligue 1 mas nenhum desses fenómenos é tão surpreendente como o que acontece hoje em dia na Bretanha. Sem o poder financeiro das restantes regiões que lideram o top de representatividade, os bretões sobrevivem seguindo as mais elementares leis da gestão desportivo. Com o sonho local de recuperar a presença do Nantes entre os maiores clubes de França, o futebol na Bretanha começa a tornar-se um caso sério de sucesso no futebol francês.


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Sexta-feira, 22 de Julho de 2011

Sabe o adepto comum como se vive o futebol nos bastidores? Apesar da informação voar à velocidade da luz na era da internet e redes sociais ainda há muitas verdades escondidas habilmente em cofres fortes no meio das montanhas. Em FOUL! The Secret World of FIFA, o investigador britânico Andrew Jennings expõe ao público vários episódios que deixam a imagem da FIFA em serviços mínimos. Um livro fundamental para compreender que no mundo do futebol, às vezes, o futebol conta muito menos do que se imagina.

No meio da polémica sobre a reeleição de Sepp Blatter como presidente da FIFA, a leitura de FOUL! torna-se ainda mais pertinente.

Depois de denunciar a corrupção na Scotland Yard e no Comité Olimpico Internacional, o jornalista escocês Andrew Jennings passou oito anos a estudar a organização da FIFA. E o que descobriu não foi, de todo, uma surpresa. Antes de tudo, uma confirmação. Tal como sucedia no universo olímpico, também o órgão que gere o futebol a nível mundial surge neste retrato como um microcosmos de uma família mafiosa de um qualquer filme de Hollywood. A diferença é que a ficção hollywoodesca, no caso de FOUL! desaparece por detrás dos factos que Jennings enuncia.

Único jornalista considerado persona non grata por um organismo de prestigio internacional como a FIFA, Andrew Jennings é o rosto do programa Panorama e colunista do britânico Daily Mail. Actualmente mantem uma página web onde denuncia regularmente os elementos de corrupção que encontra nas principais organizações desportivas mundiais. E é também o maior pesadelo de Sepp Blatter.

Na obra, publicada pela primeira vez em 2006, Jennings expõe o presidente da FIFA como uma das personalidades mais corruptas da actualidade. Acusações de suborno, fraude nas várias eleições ganhas por Blatter, dinheiro resgatado dos cofres da FIFA para uso pessoal e, sobretudo, a criação de uma corte de subordinados que tem governado (ou melhor, desgovernado), o futebol mundial nos últimos anos, são apenas os pontos mais quentes. Mas dentro de um livro apaixonante, com um ritmo de novela policial e um tom mordaz profundamente britânico, Jennings vai ainda mais longe. Enumera datas, nomes, dados e valores que provam a teia de corrupção em que vive a FIFA desde a chegada de João Havelange ao trono do futebol mundial em 1974.

 

Ler FOUL! é, essencialmente, um acto de coragem. Coragem para acreditar que o fair play e a verdade desportiva são, sobretudo, mitos.

Descobrir como os Mundiais são atribuídos, de que forma os milhões e milhões de euros que passam pelas mãos da FIFA são distribuídos pelos homens de confiança do presidente e, sobretudo, como o adepto comum vive num mundo de fantasia quando pensa no universo futebol é uma leitura difícil mas necessária. A realidade dói sempre, mesmo aos mais cínicos, e saber como homens como Jack Warner, Bin Hamman (curiosamente as figuras-chave na última polémica de Blatter) Julio Grondona, Ricardo Teixeira e Michel Platini tecem as teias que asfixiam o futebol é fundamental para saber ler nas entrelinhas.

Jennings arranca a sua obra - com edição brasileira publicada recentemente - relembrando como a FIFA entrou no mundo do profissionalismo global e mediático com o apoio inequívoco das empresas Adidas, Coca-Cola e McDonalds (desde os anos 70 os patrocinadores oficiais do organismo) graças à mão do polémico João Havelange. Do mandato do brasileiro passamos à apresentação da figura de Blatter, o eixo central da pesquisa. Formado no meio pela Adidas, colocado na organização da FIFA por Horst Dassler, o suíço é descrito como uma figura tenebrosa, rasteira e profundamente corrupta. Jennings cita colaboradores, documentos oficiais e o próprio presidente da FIFA para tecer o retrato de uma figura que se assemelha mais a um "príncipe" de Maquiavel do que a um dirigente de uma organização desportiva. De Blatter a obra passa para uma análise mais certeira a outros elementos da sua habitual entourage (todos eles investigados pelas autoridades policiais ao longo dos últimos anos) e relembra casos como a falência da ISL, a compra de votos na atribuição dos últimos Mundiais, as polémicas decisões da FIFA em branquear a venda ilegal de bilhetes e os direitos televisivos das suas competições e a vendetta organizada pelo presidente contra as associações que, desde 1998, não têm apoiado as suas sucessivas candidaturas. FOUL! também passa ao outro lado do espelho e mostra um retrato certeiro, se bem que desalentador, daqueles que ousaram desafiar o império FIFA. Directivos de pequenas associações, jornalistas, figuras do sistema jurídico e empresas vitimas de fraude por parte de Blatter e companhia dão a sua visão sobre o reinado do suíço nos últimos 13 anos à frente dos destinos do futebol mundial.

 

Em suma, FOUL! é um livro sobre futebol que não dedica uma só linha ao desporto. Explora sobretudo o lado mais obscuro da mais poderosa organização mundial - com mais membros que a própria ONU - e a forma como o jogo jogado vive constantemente castrado pelas decisões dos directivos da FIFA em Zurique. O progressivo afastamento dos adeptos, a mediatização dos principais torneios, a corrupção, os crimes, as suspeitas, imagem negra e soturna de uma realidade que está aí mas que consegue permanecer debaixo do radar da imprensa diária. Mergulhar na obra de Andrew Jennings é, sobretudo, mergulhar no lado mais realista e nefasto do futebol. Mas também é um exercício fundamental para perceber como se movem as peças de xadrez da próxima vez que uma noticia aparentemente sem contexto se cruze com o seu olhar num qualquer pequeno almoço informativo.

 

 

A análise de FOUL! The Secret World of FIFA: Bribes, Vote-Ringing e Ticket Scandals abre uma nova secção no Em Jogo. Nos próximos meses analisaremos alguns dos mais importantes livros sobre o beautiful game publicados nas últimas décadas. Livros sobre táctica, ligas, corrupção, competições, jogadores, questões politicas, sociais e económicas que permitirão aos leitores conhecerem a fundo as distintas realidades de que vive o mundo do futebol.



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Terça-feira, 19 de Julho de 2011

Desde aquela tarde quente de 1958 que o futebol argentino vive numa encruzilhada moral sem solução à vista. O fantasma de La Nuestra continua omnipresente a cada mandato e nem profetas e messias são capazes de criar uma sensação de continuidade e estilo no jogo da albiceleste. A Argentina sofreu na carne a ousadia de Zubeldía e Billardo e a utopia de Menotti e Bielsa mas os hinchas das pampas continuam sem saber a que joga a sua amada Albi.

Na ditadura da sorte pouco há a fazer.

Um penalty acabou com o billardismo quando este já cheirava a mofo. Outro penalty impediu Pekerman de escapar com vida a um dos jogos mais tristes de que há memória da albiceleste. E outro penalty, o de Tevez, acabou pacientemente com o sofrimentos dos hinchas argentinos. Porque, como o abate de um animal moribundo, esta equipa da Argentina precisava que a deixassem partir em paz. A derrota menos dolorosa permitiu a Messi sair aplaudido, a Sergio Batista continuar com o posto e aos argentinos a continuarem a sua própria via crucis moral. Nem no seu próprio torneio se livram desse fantasma de mais de 50 anos.

A sociedade argentina é, por defeito, a mais freudiana de todas as sociedades. Um dos mais belos e mais fascinantes países do mundo, a Argentina é também um quebra-cabeças sem solução, um desenho de Mafalda sem resposta. E o seu futebol está deitado no divã da moralidade há meio século. Passa da depressão à euforia de forma vertiginosa e muitas vezes encontramo-lo submergido num estado quase catatónico. Passou do estupor moral da brutalidade à admiração colectiva de um futebol que se assumia de esquerda e de todos. Conceitos misturados como só os argentinos são capazes. De tudo, menos de responder a essa imensa dúvida moral e existencial que os azota há tanto tempo. A invenção do Cinco, esse sacrificado jogador que a partir de então teve de carregar o peso da organização da selecção encontrou o oposto na glorificação do Enganche, do Diez, o artista, o último pantomino. Uma posição que só existe, de forma pura, no vocabulário futebolístico das pampas desde os dias de Onega até à morte lenta e dolorosa do mítico Riquelme. Nesse Mundial de 1966 a Argentina descobriu o 5 (Rattin) e o 10 (Onega) mas, sobretudo, percebeu que o sistema e o individuo viviam (e viveriam) uma relação de amor ódio. 40 anos depois na Alemanha verificou-se, uma vez mais, o mesmo confronto moral. Pekerman vencia, estava perto de eliminar a anfitriã, e no momento da dúvida preferiu retirar o 10 (Riquelme) e lançar um segundo 5 (Cambiasso) para acompanhar o titular (Mascherano). Foi o confirmar da morte do sistema histórico que Maradona enterrou ao tentar transformar Lionel Messi num falso Enganche, e que Batista confirmou ao lançar o genial Javier Pastore para o anonimato do banco. Com uma equipa partida os argentinos olhavam para o herdeiro de Onega, Ardilles e Riquelme e desesperavam. A que joga realmente a Argentina?

 

15 de Junho de 1958. O dia que mudou o rosto do futebol argentino. Ponto final.

Nessa gloriosa tarde de sol o mito de La Nuestra chegou ao fim debaixo de uma estrepitosa goleada (6-1) imposta pela modesta Checoslováquia. Os argentinos chegaram à Suécia como campeões continentais, sem os seus "angeles de cara negra" mas com a sensação de superioridade que habitualmente destrói as grandes equipas. Foi o seu pior Mundial de sempre, rematado naquela tarde por um combinado checo que nem se apurou para a fase seguinte. Quando voltaram a casa os jogadores argentinos sofreram humilhação após humilhação e o país renegou a herança cultural da Nuestra, a mentalidade de futebol de ataque que arrancou na década de 20 e que se manteve vigente durante quase três décadas.

Com o final da era de ouro chegou a época das trevas. Osvaldo Zubeldía transformou-se no Fausto do futebol argentino. Vendeu a alma ao diabo, moldou o seu Estudiantes de la Plata numa máquina de vencer e destroçou por completo o ideário artístico dos albicelestes. Definiu o 4-4-2 como táctica base, com o 5 e 10 no miolo como elementos chave na balança mas, sobretudo, deu ao jogo dos argentinos esse carácter de dureza e violência que ainda hoje subsiste. As alfinetadas dos defesas, as entradas dos médios centros e a falta de escrúpulos dos dianteiros valeram vitórias mas, sobretudo, criaram escola. A Argentina nunca mais se esqueceu que há uma forma feia de ganhar e mesmo quando surgiu o Hurácan de Menotti, o profeta da beleza, houve quem renegasse do ideário ofensivo e socialista do mítico técnico de Rosário. Menotti, génio como poucos, defendeu um regresso às origens mas pelo caminho pescou em Zubeldía algumas das ideias que mudaram o rosto, definitivamente, do futebol albiceleste. A sua selecção de 1978 era uma verdadeira mistura entre o talento (e com Maradona de fora, bem longe do ideário corajoso do Brasil de 58 entregue a outro menino genial, Pelé) e a força bruta. Um ideário que podia ser socialista mas que se integrou à perfeição no ritmo dictatorial de Videla, nos treinos intensos, nas vitaminas tomadas até à exaustão e nas vitórias polémicas que levaram a equipa da casa até ao seu primeiro titulo Mundial.

Menotti devolveu o orgulho estético aos argentinos mas nunca soube retirar essa picardia zubeldiana. O fracasso do Mundial de 82, com Maradona perdido no esquema do seleccionador da mesma forma que Messi não se encontra cómodo hoje, abriu portas a uma nova mutação genético, um regresso a um passado recente. Com Billardo chegou a cara mais suja do jogo da albiceleste, o lado mais provocador e violento do verdadeiro herdeiro de Zubeldía. O homem que inventou o 3-5-2 transformou o jogo numa batalha, os seus jogadores em legionários e o seu maior talento individual, num guerreiro de proporções mitológicas. Maradona não venceu sozinho o Mundial de 1986 porque ao seu lado havia uma máquina bem oleada para o proteger, mas foi o único que soube transmitir um pouco de perfume futebolístico a um país que perdia rapidamente qualquer traço de conexão com o futebol arte que sempre se aplaudiu na cancha. Quatro anos depois a Argentina foi ainda mais violenta e ainda mais decepcionante, agora que Maradona, também ele, tinha perdido a sua faceta artística. Billardo foi-se mas Basile continuou o seu legado e nem Bielsa, esse louco, soube romper com o malefício ideológico. O seu 3-5-2 era diferente do utilizado pelo Narigón, entregue à classe dos seus melhores artistas, mas até estes tinham perdido a magia. Quando Riquelme, desaparecido em Berlim, foi substituído e no seu lugar não entrou Saviola nem Messi (nenhum deles um Enganche puro) percebeu-se que a Argentina tinha chegado a uma encruzilhada final.

 

Desde então o problema deixou de ser o sistema táctico (que passou do 4-2-3-1 ao 4-1-3-2 ao 4-3-3), do lote de jogadores ou do seleccionador de turno. Batista não sabe a que joga a sua Argentina tanto como qualquer hincha. É um problema mental que asfixia o futebol de um país perdido em mil e um problemas do qual o futebol é apenas mero espelho. Contar com a suma individualidade, como é Messi, não é suficiente porque há muito que para os argentinos, ao contrário dos brasileiros, o sistema se tornou mais importante do que o homem. Quando enterrou o espírito da La Nuestra a Argentina enterrou os seus Messis se estes não se vissem rodeados de um esquema que atirasse para o campo a garra, violência e determinação dessa era pós-zubeldiana. Ardilles encontrou-o em 1978, nesse acosso constante que foi o Mundial videliano, e Maradona sentiu-o a cada passo que dava pelos relvados do México. Hoje sem sistema, sem rumo e, sobretudo, sem saber a que joga, a Argentina continua a ser uma presa fácil. O futebol da individualidade há muito que sucumbiu ao futebol colectivo. Messi sabe-o melhor que ninguém porque o seu melhor rosto vê-se quando joga na equipa que melhor sabe trabalhar o espírito corporativo do jogo. A sul do rio La Plata a longa sessão no divã continuará, talvez por mais 100 anos de solidão...



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Sábado, 16 de Julho de 2011

Nas sondagens e listados oficiais sobre os grandes treinadores da história ele nunca aparece. Não surpreende. O desconhecimento na era da globalização é maior do que possa imaginar e o nome de Maslov continua a ser um mistério para muitos. O homem que definiu o futebol contemporâneo morreu sem nunca ter passado pelo passeio da fama, mas 50 anos depois o seu legado é cada vez mais evidente. Talvez nunca tenha havido um treinador tão influente na história do jogo...

A última vez dói sempre mais. A de Viktor Maslov como treinador do Dynamo Kiev deve ter doido mais ainda.

Narra Jonathan Wilson no seu essencial Inverting the Pyramid, que o técnico moscovito foi despedido no hotel de concentração do Dynamo Kiev aquando de uma viagem a Moscovo para defrontar o Spartak local. No final do jogo a equipa saiu do estádio num autocarro rumo ao aeroporto. Ninguém falava. A meio caminho o autocarro parou diante de uma estação de metro. Maslov foi convidado a sair. Baixou pesarosamente as escadas e acenou aos seus jogadores. Chorou. Nunca o tinham visto chorar.

A cena é real e significou um ponto final na carreira do mais influente treinador do futebol moderno ao serviço do clube que serviu de balão de ensaio para os seus esquemas futebolísticos. Maslov ainda viria a vencer uma Taça da URSS com o Torpedo de Moscovo, dois anos depois,  e um campeonato com os underdogs arménios Ararat Yerevan, mas a saúde débil já o minava por dentro. Em 1976 morreu na mais absoluta mediocridade e ninguém se lembrou dele durante anos até que alguns estudiosos começaram a analisar o jogo de trás para a frente e descobriram que este treinador a quem os jogadores chamavam carinhosamente de "Avôzinho", como é tão comum na Rússia a quem se tem um imenso respeito, tinha sido o mentor das grandes metamorfoses tácticas do beautiful game.

Maslov era, de certa forma, o oposto moral e emocional do seu sucessor em Kiev, o mítico Valery Lobanovsky. O que o ucraniano fez, partindo do principio cientifico, já Maslov o fazia, partindo do sentido comum que sempre orientou a sua carreira. Um técnico diferente a todos os niveis, o moscovita era conhecido por ser um dos entusiastas do modelo de auto-gestão. Consultava os jogadores para tudo e por várias vezes viu o capitão de equipa recusar que um jogador fosse substituído quando ele já tinha indicado ao suplente que se preparasse para entrar. Anos mais tarde, depois das acusações de falta de disciplina, os seus próprios jogadores vieram a público defendê-lo. Tratava-se apenas de uma mensagem que a equipa em campo recebia e respondia com a tranquilidade de que o jogo se ia resolver com os onze titulares. E sempre foi assim. Os seus registos em Kiev foram históricos e apesar da influência que detinha junto do Partido Comunista Ucraniano - que lhe permitia, entre outras coisas, recrutar vários jogadores de clubes mais pequenos com benefícios estatais - a forma como montou uma equipa capaz de desafiar o poder moscovita transformou para sempre o futebol soviético e estabeleceu as bases do que viria a ser o longevo mandato de Lobanovsky.

 

Pressing. Marcação à Zona. 4-4-2.

Palavras chave no vocabulário futebolístico de hoje mas que só existem no vocabulário desportivo a partir do momento em que Maslov as passa de um ideário em papel para o terreno de jogo. Durante os dez anos que medeiam a sua viagem ao Mundial da Suécia de 1958 e o zénite da sua equipa de Kiev, o técnico colocou em prática os conceitos que hoje fazem parte da bíblia de qualquer treinador.

Quando começou a treinar o Torpedo de Moscovo (na altura liderado pela estrela soviética Eduard Streltsov) decidiu aplicar o ideário táctico que viu na espantosa equipa do Brasil de Zezé Moreira. Entendendo, como poucos na altura, que o sucesso brasileiro dependeu, mais do que  Garrincha, Pelé e Vavá, no jogo de Didi e no posicionamento de Zagallo. Ao voltar a Moscovo começou a ensaiar um jogo de toque no meio campo abandonando progressivamente o ritmo vertiginoso do WM. O 4-2-4 foi o seu primeiro sistema táctico - um caso de precocidade na Europa - mas foi, sobretudo, o seu conceito de pressing, que revolucionou por completo a sua forma de analisar o jogo. Observando o espaço que os defensores deixavam a Streltsov, Garrincha ou Kopa, começou a trabalhar o treino de pressão. O seu quarteto defensivo, mais do que esperar pelos rivais, tinha instruções de avançar sobre eles, reduzindo o tempo de manobra do contrário. Com isso melhorou significativamente os registos de golos sofridos do conjunto moscovita, antecipando em muitas ocasiões oportunidades claras de golo. O seu sistema de pressing provocou um aceleramento do jogo e obrigou, por outro lado, a ter um meio-campo capaz de temporizar e controlar os registos de posse de bola com discrição. Maslov procurou durante toda a sua carreira a versão soviética de Didi, o homem que parava o jogo do Brasil quando todos aceleravam. No duro e rígido futebol soviético a sua missão era complicada e essa mutação táctica levou muitas vezes a situações em que a sua defesa se via forçosamente descompensada.

Em 1964, depois de oito anos em Moscovo, aceitou o desafio de orientar o Dynamo de Kiev ucraniano. Aí encontrou as armas que precisava para colocar em prática o sistema que vinha idealizando há muito. Para tal teve de livrar-se de algumas das estrelas da companhia (entre as quais o aclamado Valery Lobanovsky) e a principio a sua presença sofreu com a eterna desconfiança dos ucranianos face a um treinador que tinha feito toda a sua vida desportiva em Moscovo. Mas rapidamente a relação entre técnico e equipa atingiu níveis de imensa cumplicidade e quando Maslov começou a mexer as peças do xadrez, a equipa seguiu-o entusiasticamente. No seu primeiro ano abandonou o 4-2-4 brasileiro e inventou o que hoje conhecemos como 4-4-2. Dois anos antes dos Wingless Wonders de Alf Ramsey, o russo abdicou do jogo de alas, a quem acusava de não terem critério para funcionar no jogo colectivo, e colocou um playmaker puro (o seu Didi) atrás do duo de pontas de lança com três homens no apoio directo atrás de si. Para aprofundar ainda mais o seu sistema de pressing (que apurava com sessões de treino intensas, inusuais à época) começou a desenvolver um sistema de marcação à zona que obrigava os jogadores a estarem atentos ao espaço e não ao homem. Quando um jogador passava pelo seu marcador, para evitar um desgaste físico desnecessário e um desajuste táctico, este simplesmente deixava-o para o homem seguinte. A conjugação do pressing a meio campo, do trabalho de marcação implacável e, sobretudo, da temporização do jogo com a bola no pé, encurtando o espaço, Maslov definiu os conceitos que Rinus Michels adaptaria no seu Ajax e que entrariam no vocabulário comum como "Futebol Total". Com o seu Dynamo Kiev logrou os melhores registos, vencendo duas ligas soviéticas e desafiando os potentados europeus, apesar de ter caído, no seu melhor ano, frente ao Celtic de Glasgow que se sagraria campeão europeu depois de um duplo encontro intenso.

 

Se na marcação à zona o conceito foi emprestado (e aperfeiçoado do exemplo brasileiro) já a pressão alta e o 4-4-2 são exclusivos absolutos do homem que não foi entendido pelo seu tempo mas que, a médio prazo, abriu o caminho para a evolução táctica que o futebol iria forçosamente seguir. O ritmo de jogo e a ocupação dos espaço, hoje verdadeiro obsessão, era algo tido como supérfluo até que Maslov entendeu todo o seu potencial. A sua influência só se pode comparar a Jimmy Hogan e Herbert Chapman, definidores dos modelos de jogo continentais e britânicos nos anos 20. Enquanto o mundo se debate entre Mourinho e Guardiola, Sacchi e Cruyff, Menotti e Michels, Ramsey, Shankly, Busby e companhia, a verdade é que todos eles são um pouco melhor treinadores porque um dia o "Avôzinho" decidiu inventar o futebol moderno!



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Quarta-feira, 13 de Julho de 2011

Pode um clube prender um jogador como se fosse um centro de detenção? Em Itália sim. E Federico Marchetti sabe-o bem, muito bem. Um ano de calvário que chega ao fim. Um ano perdido numa carreira absolutamente promissora. Em Roma o guardião que a Itália aprendeu a ver como sucessor do mítico Buffon vai voltar a sentir-se futebolista. Mas nunca esquecerá a sua prisão na Sardenha. A prisão de um futebolista que ninguém quis denunciar.

Quando Buffon não aguentou mais com as dores nas costas que se arrastavam à semanas, Marcello Lippi mandou chamar o seu suplente.

Marchetti, Federico Marchetti, entrou em campo com a determinação dos grandes jogadores. De um jogador que conhecia bem a sombra de gigante que o esperava no momento em que Buffon deixasse o posto que lhe pertencia por direito próprio há quase uma década. Talvez não imaginasse que fosse tão cedo mas na sua vida as coisas nunca correram como previsto. A Itália realizou o seu pior Mundial de sempre mas a culpa não foi do guardião de 27 anos. Tinha-se estreado um ano antes com a Azzurra e depois só tinha disputado um total de cinco jogos. Era carne para canhão. Mas portou-se como um guerreiro. Saiu da África do Sul com a cabeça erguida e a cotação em alta. Não imaginava o pesadelo que o esperava.

Quando voltou de férias Marchetti deu uma entrevista que lhe ia mudar a vida. Depois de declarar que pretendia abandonar o Cagliari para juntar-se a um clube com outros objectivos (tinha a Sampdoria na cabeça), o guardião tornou-se persona non grata.

No primeiro amigável da temporada foi assobiado e acossado pelos adeptos locais. O presidente, o sempre polémico Massimo Cellino, anunciou que deixaria sair o jogador em público mas secretamente rejeitou toda e cada uma das propostas. Marchetti passou de estrela do Mundial a terceiro guardião atrás de Agazzi e Pellizoli, veteranos do clube. Treinou sozinho, ficou fora de todas as convocatórias e viu mesmo o técnico, Roberto Donadoni, convocar guardiões dos juniores na ausência de algum dos seus dois colegas da primeira equipa. Até 31 de Agosto forçou de todas as forças sair do clube com quem tinha assinado no ano anterior depois de chegar do AlbinoLeffe. Não conseguiu. A partir desse momento decidiu-se a enfrentar o clube na justiça. Demorou oito meses mas ganhou a batalha. Agora, em Roma, é um jogador livre.

 

Marchetti está habituado a cenários complexos.

Começou a carreira no Torino e depois de uns anos entre empréstimos exigiu que o clube o deixasse sair. Os granota não facilitaram a saída mas entretanto o clube faliu, foi despromovido e o guardião teve direito à carta de liberdade. Assinou pelo AlbinoLeffe, equipa da Serie B, e no segundo ano ao serviço da equipa venceu em 2007 o prémio ao melhor guarda-redes da segunda divisão italiana. As exibições chamaram a atenção do Cagliari que o lançou para a ribalta levando mesmo Buffon a elege-lo como seu sucessor natural. Depois de dois anos ao mais alto nível na Sardenha, chegou o sonho do Mundial. E o posterior pesadelo prisional a que foi sujeito.

O guardião sobreviveu em 2005 a um terrível acidente de automóvel. Viajava com três amigos e dois deles faleceram no acto tal foi a brutalidade do choque. Marchetti esteve entre a vida e a morte. Recuperou e aqueles que imaginavam que a sua carreira desportiva estava acabada dificilmente imaginavam que cinco anos depois ele seria o guardião de moda da Serie A. Depois do sofrimento e da luta contra a morte, Marchetti encarou o duelo com o Cagliari como uma questão pessoal. Denunciou o clube por mobbing laboral (como fizera Pandev com a Lazio há dois anos) e depois de julgamentos e recursos conseguiu uma choruda indemnização. O clube foi igualmente forçado a facilitar a transferência para a AS Lazio, clube que acaba de perder o internacional uruguaio Muslera. Depois de um ano parado muitos estão curiosos para ver até que ponto Marchetti se encontra em forma. No ano em que esteve fora do activo surgiram outras promessas das redes italianas do jovem Emiliano Viviano do Bologna a Salvatore Sirigu do Palermo sem esquecer Antonio Mirante do Parma.

 

A luta para a sucessão de Buffon aperta-se ainda mais num país com enorme tradição de guarda-redes de máximo talento. No entanto Marchetti terá um prazer especial caso volte a vestir a camisola da Azzurra. Pela segunda vez encontrou-se com um drama pessoal fortíssimo e pela segunda vez venceu. Certamente que a confiança com que entre em campo a partir de Agosto será difícil de igualar por qualquer comum mortal...

 



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Segunda-feira, 11 de Julho de 2011

Hoje cumpre-se um ano. Um ano do dominio imperial. O futebol espanhol vive a sua era mais dourada e como os célebres lanceiros de Tercios de Carlos V e Filipe II, são a inveja do Mundo. Em três anos Espanha soube onde tinha de tocar para revolucionar o futebol mundial. Uma supremacia incontestável de um modelo de jogo que faz escola e recolhe admiração em todo o Mundo. Um Império dominante, autoritário e sem fim à vista. Hoje faz um ano em que Espanha acreditou definitivamente em si mesma. Um ano sem maldições que quebrar. Um ano de glória.

Foi sofrido. Desnecessariamente sofrido. Injustamente sofrido.

O jogo violento dos holandeses deveria ter acabado antes, com o primeiro vermelho a De Jong ainda o árbitro não tinha apitado para o intervalo. Mas Howard Webb contemporizou e os holandeses abusaram. Fisicamente deram cabo dos espanhóis. Mentalmente nunca os conseguiram vergar. Casillas foi o salvador de sempre, com dois desvios providenciais. O mesmo que parou o penalty com o Paraguai, que defendeu o remate de Ozil com a Alemanha. Ele queria subir àquele palco com um sorriso desconhecido. Iniesta fez-lhe o jeito naquele seu estilo simplório e profundamente humano. Marcou o golo que fez 48 milhões de espanhóis chorarem de alegria (e muitos estrangeiros aplaudirem de admiração). Nessa noite Madrid esteve silenciosa. Na manhã seguinte nem um sinal de euforia, apenas a sensação de alivio. A sensação de quem não tem de olhar para os outros de cabeça baixa. Desde há um ano que Espanha é campeã do Mundo de futebol. E essa estrela, que jornais portam orgulhosos na capa, nunca ninguém lhes poderá tirar. Essa é a grande conquista histórica, a grande licção. O Império adormecido acordou e não tem nenhuma intenção de voltar a dormir. O Império espanhol onde o sol nunca se punha transformou-se no Império espanhol futebolistico. O dominio clubistico de Barcelona, o poderio mediático do Real Madrid, as vitórias europeias de Sevilla e Atlético de Madrid, a admiração à volta do modelo do Villareal, o triunfo das selecções de formação. E esse titulo Mundial.

Em três anos Espanha soube o que era sentir-se grande. De verdade. Emulou um feito só logrado previamente pela RF Alemanha. Em 2008 Luis Aragonés pegou numa equipa em que ninguém acreditava. De tal forma que o técnico estava despedido à partida. Pegou nesses bajitos e disse-lhes que a bola era dele e com a bola o que eles faziam mais ninguém era capaz de fazer. Fê-los, como disse Xavi Hernandez vezes sem conta, acreditar neles próprios. Quando a bola começou a rolar, Espanha acreditou. "Podemos" ouvia-se em todo o lado. E puderam mesmo.

Ao triunfo da geração de Aragonés, esse tiki-taka ofensivo, com um jogo pensado no miolo - onde só Senna tinha ordens para manter a casa limpa - e com um jogo sem extremos e muita troca de bola no miolo, seguiu-se a geração de Del Bosque. O histórico técnico do Real Madrid (a sua saída é ainda hoje uma das páginas mais negras da história do clube merengue) herdou o trabalho de Aragonés e aproveitou-se do trabalho de Guardiola. Recrutou Pedro, Busquets e Pique para uma equipa já de si de primeiro nivel. Soube ser o gestor de balneário que Espanha precisava. Ajustou tacticamente a equipa, deu-lhe equilibrio no miolo com as entradas de Busquets e Alonso por Senna e entregou a Xavi e Iniesta a batuta. Chegou sob forte pressão à África do Sul e com a derrota com a Suiça perdeu margem de manobra. Foi honesto com todos. "Agora temos de ganhar todos os jogos". E ganharam, até à final. Todos. E acabaram com a maldição espanhola.

 

O titulo mundial espanhol é incontestável e espelha bem a autoridade com que os ibéricos dominam o panorama internacional.

Mas é apenas o elemento mais mediático de uma realidade muito mais profunda e esclarecedora. Espanha está a viver agora o fruto de um fortissimo investimento realizado a partir dos anos 90. O sucesso das Olimpiadas de Barcelona trouxe um ar de modernidade a um país ainda atado aos tradicionalismos regionais e traumas dictactoriais. A fortissima aposta no turismo e no desporto abriram a Espanha ao mundo e o mundo a Espanha. Os jogadores encontraram centros de formação de primeiro nivel (com La Masia e Lezama à cabeça), os clubes viveram uma bonança finaceira única e o conceito de selecção comum começou a ganhar força face à disputa de poder clubistico que se vivia eternamente no balneário. Espanha apostou fortemente na educação dos atletas (e esse dominio é visivel em todos os desportos onde entra) e na sua mentalização para uma nova realidade. O grande triunfo espanhol é mental, de atitude. Acabou-se a "furia", acabou-se o muro das lamentações. Esta geração, a dos Xavi, Casillas e companhia, foi educada para vencer. E para vencer jogando bem, sendo fiel à sua identidade.

Foi um processo longo (um processo que Portugal também começou e depois desaproveitou) e trouxe alguns dissabores. Mas quando a ideia amadureceu, quando os primeiros filhos da nova Espanha chegaram à idade mental e fisica ideal, Espanha estava destinada a quebrar a malapata. Em 2008 a maldição dos Quartos, a maldição dos penaltys e a maldição de Itália chegaram num só jogo. Com frieza Espanha superou o desafio. Desde essa noite o país já sabia que seria campeão da Europa. Dois anos depois, na África do Sul, a derrota no jogo inaugural doeu mas permitiu aos jogadores (e a del Bosque) mostrar que o desnorte porque se guiou o desporto espanhol tinha desaparecido. Espanha tornou-se uma equipa mais pragmática, mais italianizada, sem perder o seu ideário táctico e foi superando equipas que se limitavam a defender e esperar, esperar e esperar...sem perder a paciência foi resolvendo os jogos, nos últimos minutos, aqueles onde as pernas falham mas a cabeça tem de estar desperta. O Império faz-se de soldados corajosos e generais astutos. Espanha juntou os ingredientes e transformou-se numa equipa praticamente invencivel.

Mas essa realidade, esse processo de crescimento, deixa antecipar uma hegemonia longa e autoritária. Não que Espanha vença todas as provas ad infinitum (que a este ritmo é possível). Mas que tenha criado os mecanismos para manter-se na elite competitiva mundial. O triunfo espantoso da Rojita, a selecção de sub21 com um superlativo Thiago secundado por um leque de jogadores que teriam lugar na maioria das selecções do Mundo, seguido dos sucessos recentes das selecções mais jovens, deixam antever que o processo de maturação segue por um bom caminho. Quando se vá Casillas haverá De Gea. Quando digam adeus Puyol e Capdevilla, há Botia e Monreal. Quando Xavi se reforme, está aí Thiago. E Martinez, Herrera, Muniain, Adrian, Mata, Deulofeu, Rafinha, Sergi Robert, Sarabia, Femenia, Iago, Montoya, Morata e quantos mais saiam dessa máquina de produção espantosa em que se tornou o futebol espanhol.

 

Depois de vencer Europeu e Mundial, o sonho agora é prolongar o ritmo de triunfos e alcançar uma hegemonia histórica. Nunca nenhum país conseguiu vencer três provas consecutivas desse calibre. E no próximo Campeonato da Europa o favoritismo espanhol é inquestionável. A equipa contará com os seus melhores jogadores na máxima forma, na idade perfeita. E como demonstrou o sucesso recente dos sub21, com um fundo de armário notável. O império espanhol ameaça prolongar-se pela eternidade. Sempre que a bola continua a fluir com naturalidade, os jogadores deixem de lado os egos de estrelas e o pastor de homens que é Del Bosque saiba manter a nau na direcção certa é impossível apostar contra esta equipa. Espanha vence, convence e ensina a cada jogo que disputa. Oferece variáveis de jogo, explora realidades opostas, encontra caminhos invisiveis e consagra-se com a humildade dos campeões. Como sucedeu com a França de virar de século e como a Alemanha dos anos 70 ninguém questiona uma superioridade tão evidente porque ver jogar Espanha é entender as multiplas realidades do futebol. Em 2012 não há maldições a quebrar. Há um império por eternizar. E de impérios os espanhóis entendem algumas coisas.



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Sábado, 9 de Julho de 2011

Depois de doze anos Marcelo Bielsa regressa à Liga Espanhola. Não deixou grandes recordações aos adeptos espanhóis mas mais de uma década depois o técnico argentino é uma das grandes novidades da Liga. Traz consigo os seus particulares conceitos de tempo e espaço e um estudo detalhado da realidade vizcaína. Herda uma equipa de primeiro nível com legitimas ambições. E um projecto rendido à sua aura de revolucionário futebolístico. Na liga de Guardiola e Mourinho ele é o verdadeiro foco de interesse.

Na conferência de imprensa de apresentação da candidatura de Josu Urrutia, o novo presidente do Athletic Bilbao, Bielsa falou durante hora e meia.

Os jornalistas apontaram num papel tudo o que ouviam do técnico argentino. E era muito. Bielsa falou de táctica, de sistema de jogo, de posicionamento defensivo, de temporização, de jogadores da primeira equipa internacionais e de jogadores dos juvenis. Falou com o conhecimento de causa que só um fanático do estudo e da perfeição pode ter. Falou com a naturalidade de um apaixonado que olha para um desajuste táctico com o mesmo olhar clínico com que um cirurgião olha para uma perna fracturada. Com essa sede de corrigir o errado e de mandar o paciente para casa.

Bielsa é um doutor do futebol como o foi Menotti, talvez o seu mentor ideológico. E a bola que rola, o seu eterno paciente. Uma bola que se estende por tempos e espaços que escapam à maioria dos treinadores. Das pessoas do futebol. Os jornalistas pareciam aborrecidos com o discurso do homem que promete revolucionar o futebol rígido e previsível do Athletic Bilbao. Numa conferência por webcam, directamente de Rosário, as palavras de Bielsa anunciavam um futuro brilhante, realidade desconhecida de um clube que continua a apostar numa forte mensagem politica e social. Aqui só jogam bascos!

No final do discurso houve tempo para perguntas mas pouca paciência para questões elaboradas. Bielsa deu-se conta e pediu desculpas aos jornalistas por ter sido uma maçada. Ele próprio sabe que fala através de um vocabulário que poucos entendem. Talvez só ele e Deus. Mas apesar das desculpas e dos longos e apaixonados discursos, o argentino foi o eixo central que deslocou a vida do Bilbao. O clube foi a eleições e quando todos esperavam a reeleição de Fernando Macua - presidente há quatro anos e responsável pelo renascimento desportivo do clube, com Joaquin Caparrós no banco - eis que o ex-jogador Josu Urrutia chega com o Che Guevarra futebolístico debaixo do braço. A vitória foi esmagadora. Todos têm particular interesse em ver Bielsa de novo em Espanha. De novo ao comando de um clube de futebol.

 

Os últimos doze anos do treinador funcionaram como um retiro espiritual desportivo.

O que Bielsa logrou no campeonato argentino é pouco conhecido na Europa mas mesmo assim um logro impressionante. Chegou do nada e levou o Newell´s Old Boys da sua Rosário natal (a mesma cidade de Che Guevarra, a mesma cidade de Messi) a dois títulos consecutivos e históricos. Depois tomou a herança de Carlo Bianchi no Velez Sarsfield (herança pesada) e levou o conjunto azul a um novo titulo. Um sucesso estrondoso baseado num modelo de jogo iminentemente ofensivo, apostando numa defesa de 3, um meio-campo com sucessivas trocas de posição e um voraz apetite pelas redes contrárias. Bielsa redefiniu de certa forma o futebol argentino, repescou a herança de Menotti depois dos anos em que imperou o billardismo com Billardo e Alfo Basile como principais símbolos. Não surpreendeu ninguém que em 1998, depois do fracasso que significou a eliminação da albiceleste nos Quartos de Final do Mundial de França, ele fosse o homem que toda a Argentina queria para o posto de seleccionador. Bielsa tinha estado em Espanha, a treinar o Espanyol, mas a experiência não tinha corrido bem e "El Loco" decidiu afastar-se do intenso futebol de clubes. Aceitou o desafio e depois de uma Copa América sofrida chegou o Mundial da Coreia do Sul. Bielsa e os seus eram os grandes favoritos. A obsessão do técnico era tal que levou mais de 200 vídeos para a concentração para analisar todas as equipas que se podiam cruzar no seu caminho ao mais mínimo detalhe. Não foi necessário.

Numa dessas conjugações improváveis, a Argentina ficou pela fase de grupo no seu pior Mundial de sempre. Nem Gallardo, nem Ortega, nem Aimar, nem Piojo Lopez, nem Kily Gonzalez, nem Veron, nem Batistuta, nem Crespo, a nata de uma geração irrepetível, foram capazes de inverter a tendência suicida da equipa que dominou todos os jogos e só ganhou um, o mais inconsequente de todos eles. Bielsa foi criticado mas, mesmo assim, ficou para provar que a sua filosofia era válida. Dois anos depois deu à Argentina o único titulo que lhes faltava, as Olimpíadas. Nesse ano chegou à final da Copa América e apurou a Argentina para Mundial. De um momento para o outro disse adeus, com sensação de missão cumprida. E deixou o pais orfão de um guru especial único. Passado um breve hiato temporal aceitou rumar ao Chile e começar a trabalhar do zero. Adaptou à selecção andina toda a sua filosofia e transformou a Roja numa equipa de ataque irresistível. Depois do Mundial da África do Sul saiu, por divergências ideológicas com a nova direcção da Federação. Abdicou de uma indemnização choruda e de um contrato milionário com o Inter. Para ele Bilbao é mais do que um desafio.

 

Bielsa é um desses treinadores que fazem a diferença. Pela forma como aborda o jogo, pelo sentido de inovação técnico-táctica que sempre preconizou desde os primeiros dias como treinador principal. Quando Guardiola se decidiu a ser treinador foi até Rosário onde esteve onze horas seguidas a falar de táctica com ele, bebendo cada ensinamento. Todos os jogadores reconhecem que com ele o seu conhecimento futebolístico supera o da média dos atletas treinados por homens mais convencionais. Bielsa é um homem de ideias, de projectos, de filosofias. Nunca foi um treinador de resultados e, no entanto, resultados é o que esperam os adeptos do Bilbao, equipa que tem com Martinez, Herrera, Muniain, Iraola, Iraizoz e Llorente no onze. Será fascinante entender a relação entre um dos treinadores mais especiais do Mundo e um clube que faz das suas particularidades, a marca da casa. Bielsa e Bilbao, uma conjugação imprevisível e absolutamente irresistível.



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Quinta-feira, 7 de Julho de 2011

De campeão da Europa a homem-anúncio. A carreira de Owen Hargreaves certamente não vai pelo caminho que o jogador canadiano podia prever há um par de anos. Estrela emergente do futebol inglês, primeiro internacional Pross sem nunca ter actuado em solo britânico, Hargreaves resumia em si as qualidades do médio de futuro. Mas o corpo pregou-lhe uma rasteira, o Manchester fartou-se de esperar e agora o You Tube é a sua única esperança.

 

No mundo globalizado em que vivemos não deveria surpreender que um jogador utilize as novas tecnologias para promocionar-se.

Quando esse jogador é uma figura contrastada e consagrada como Owen Hargreaves percebemos que o futebol é, de facto, um desporto sem memória. E sem piedade. Os problemas fisicos tremendos que o canadiano arrasta à vários anos fizeram o seu clube, o Manchester United, a perder a paciência. O contrato, assinado em 2007 por quatro anos (depois de 20 milhões pagos ao Bayern Munchen) chegou ao fim e ninguém no clube pensou sequer em prolongá-lo. Hargreaves, duplo campeão europeu, está desta forma no desemprego. E a tentar recomeçar do zero com uma ajuda do You Tube.

O jogador de 30 anos publicou no portal mais visitado do mundo uma série de videos onde ele é o protagonista. Sessões de treino, habilidades, movimentos de dificil execução, tudo vale para provar que o seu talento - ele que foi considerado a certa altura como um dos melhores médios da Europa - está aí. E que o corpo o vai ainda acompanhar por uns anos. O problema de Hargreaves foi sempre esse, a sua debilidade fisica. Um problema que começou a manifestar-se em Munique e que chegou a extremos desesperantes em Manchester. Como Michael Owen, até à pouco seu colega, de clube, ginásio e banco, pareceu sofrer do mesmo estigma mas, de certa forma, os avançados têm mais respeito por parte do clube. E Owen foi renovado, contra todas as expectativas. Quanto a Hargreaves, resta-lhe evocar as memórias de uma carreira inesquecível e encontrar um técnico que confie no talento e esteja disposto a arriscar em contratar um atleta com um historial de problemas fisicos assustador.

 

Em 2001 Hargreaves tornou-se no primeiro canadiano a sagrar-se campeão da Europa.

Na altura o jovem de 20 anos era uma das grandes promessas do Bayern Munchen de Ottmar Hitzfeld. O clube bávaro tinha-o descoberto a jogar num modesto clube canadiense e recrutou-o para a sua equipa de sub19. Rapidamente Hargreaves chamou à atenção pelo seu perfeito controlo de bola e um posicionamento imaculado. Com os alemães ganhou em disciplina, fisico e abnegação e tornou-se num futebolista de referência. Em Inglaterra não perderam a oportunidade e o sueco Sven-Goren Eriksen incluiu-o na convocatória para o Mundial de 2002. Era o primeiro jogador a actuar pela selecção inglesa sem nunca ter jogado nas ilhas. Apesar de ter nascido no Canadá, Hargreaves era filho de ingleses e galeses e desde o primeiro momento confirmou que actuar pelos Pross era uma ambição de carreira. Na noite em que Owen e companhia destroçaram os alemães por 1-5, em Munique, Hargreaves esteve presente. De alguma forma os colegas do Bayern Munchen nunca lhe perdoaram.

O jogador foi crescendo no onze do clube germânico e foram começando a aparecer as lesões. Em 2004 esteve vários meses de fora com problemas musculares. Em 2007 uma perna partida atirou-o para a solidão do banco de suplentes quando voltou a treinar-se com a primeira equipa. A longa estadia alemã estava perto de chegar ao fim. Mesmo com o historial de problemas fisicos, Alex Ferguson não hesitou em recrutar o brilhante médio centro para o seu projecto europeu. Com Anderson e Carrick, o já consagrado Hargreaves tinha a batuta de uma nova geração preparada para herdar o peso de Keane, Scholes e Butt. E o inicio pareceu prometedor. Na sua primeira época chegou o titulo europeu e a Premier League. Mas também voltaram os problemas fisicos que o perseguiram durante a restante estadia em Old Trafford.

Não é o primeiro jogador que procura o You Tube para vender-se nem sequer o primeiro jogador desempregado em desespero de causa, capaz de tudo para conseguir que um clube se interesse nele. Mas este é Owen Hargreaves, um jogador top que pagou bem caro o preço fisico que muitas vezes o futebol de alta competição cobra. Para os eternos admiradores do centrocampista é estranho vê-lo nesta situação. Para todos os que sabem que o futebol é um desporto sem piedade, talvez sem esperança mesmo para um jogador que está disposto a lutar até ao último suspiro por um regresso que talvez nunca venha a ocorrer.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 21:38 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Depois dos técnicos low-profile e da aposta na formação o Sporting procura uma fórmula mágia que permita recuperar o atraso considerável face aos seus historicais rivais na luta pelo titulo. O leão reinventa-se com os nomes responsáveis pelos últimos titulos de volta aos escritórios de Alvalade e com um técnico que quer vencer o seu primeiro titulo para confirmar-se, também ele, como um dos grandes de Portugal.

A Domingos Pacicência falta um titulo. Ao Sporting também, há muito tempo. Demasiado.

Hoje falar do Sporting é questionar a própria ideia de Três Grandes que fez parte da cultura do futebol português durante 80 anos. Afinal, os leões foram responsáveis pelo delapidar do seu projecto desportivo, pela falência do seu ideário económico e pela falta de ideias e projecção para colmar o imenso buraco que se abriu entre eles, o renascido SL Benfica e o constante FC Porto. Na última década os leões e as águias partilham o mesmo número de titulos (2 contra 7 do FC Porto) mas a distância emocional entre ambos os clubes nunca foi tão grande. Mesmo no largo hiato de 19 anos sem vencer um troféu, nunca o clube de Alvalade deu tantas mostras de impotência e desnorte. A saída de Paulo Bento, responsável em grande parte pelo paliar de uma situação que se agravava às escondidas dos próprios adeptos, precipitou a queda do clube. A ascensão do Braga, a emular o logrado pelo Boavista há dez anos atrás, condenou ainda mais os leões ao exilio de grandeza que sempre almejaram. A situação critica exigia medidas desesperadas. Um murro na mesa. Uma autêntica reinvenção.

Luis Duque, o homem por detrás do sucesso da era Dias da Cunha, tornou-se na aposta pessoal de Godinho Lopes, o presidente eleito em Abril que garantia, de certa forma, uma especie de status quo directivo longe de uma presidencia mais populista (e talvez mais interessada em conhecer o real estado das contas do clube). Num clube com problemas financeiros tão graves como aqueles que vive o clube verdi e branco é surpreendente descobrir que os leões são um dos clubes europeus mais activos no mercado de transferência. Sem os milhões do Málaga ou da Juventus, o Sporting já conseguiu os serviços de onze novos jogadores e esperam-se novidades nos próximos dias. O plantel à disposição de Domingos estará mais perto da casa dos 30 atletas do que dos recomendáveis 20 nomes. Um problema de escoamento que terá, forçosamente, de ser resolvido nos próximos dias e que dará tantas ou mais dores de cabeça à equipa directiva - onde também está Carlos Freitas, que o técnico conhece bem de Braga - do que a chegada de ilustres desconhecidos que o técnico leceiro terá de saber potenciar.

 

Depois de dois anos desportivos para esquecer Domingos Paciência surge como uma lufada de ar fresco.

Não tem o baixo perfil de Carvalhal, Couceiro e Paulo Sérgio e traz consigo a fome do primeiro titulo, algo que lhe escapou nas suas duas notáveis épocas em Braga. Domingos, técnico forjada na escola das Antas, traz também organização defensiva (a sua principal arma no Minho), inteligência de jogo e, sobretudo, a velocidade que tem faltado a um Sporting sempre previsivel, dependente e inofensivo.

Depois de anos e anos a apostar quase exclusivamente na formação (com incursões desastrosas no mercado internacional), o Sporting de Domingos terá pouco impacto do trabalho desenvolvido em Alcochete e será, sobretudo, um work in progress entre o técnico e as jovens promessas contratadas a um preço de mercado acessível (mas mesmo assim incomportável para um clube que, supostamente, vive à beira da bancarrota há largos anos).

Se Turan, Arias e Carrillo são promessas com muito caminho pela frente, já do bulgaro Valeri Bojinov, uma das grandes promessas do futebol europeu desde há vários anos e, sobretudo, de van Wolfswinkel espera-se golos. Especialmente no caso do holandês, que no modesto Utrechet rompeu as estatisticas com um faro de golo apuradíssimo. Poucos dianteiros na Europa se dão tão bem com as balizas contrárias como o dianteiro holandês o que numa equipa onde as restantes opções de ataque são Djaló e Postiga, dois dianteiros reconhecidos pela pouca atracção que têm com o golo, é de se agradecer. Mas se Domingos Paciência foi avançado (e dos bons) e sabe quanto vale um golo, a sua faceta de treinador tem evidenciado mais ainda o quão importante é não sofrê-lo. É na defesa que o nivel do Sporting deverá melhorar a olhos vistos. Evaldo, depois de uma época para esquecer, reencontra-se como o técnico que o potenciou. Onyewu e Rodriguez são duas figuras de peso para dar solvência e segurança defensiva a Rui Patricio (ou a Marcelo Boeck, se se confirmam os rumores da saída do jovem guardião para o Atlético Madrid). E a isso há que juntar ainda Daniel Carriço, capitão e eixo central do projecto leonino, que pode ocupar posições na defesa e meio-campo onde estará acompanhado por André Santos (outro dos poucos sobreviventes de Alcochete) e os recém-chegados Schaars, Rinaudo e Luis Aguiar (outro homem de confiança do técnico).

No processo de chegadas e saídas (que não deve ficar por aqui), a grande jogada da dupla Duque e Freitas está na relação com os elevados salários que alguns dos jogadores do projecto anterior auferiam. Pedro Mendes, Maniche, Abel, Zapater, Grimi e companhia têm guia de marcha e a sua troca por jogadores mais novos (e com salários bem inferiores) têm por objectivo reduzir directamente os gastos do clube com a carga salarial do plantel. Uma ideia que entra no espirito do fair play financeiro da UEFA mas que precisa de sucesso no terreno de jogo para funcionar.

 

O grande trunfo do Sporting está no seu próprio insucesso recente. Dos leões poucos esperam que bata a pé a um Benfica hiper-reforçado e um FC Porto que acaba de coroar-se como um dos reis da Europa. Talvez por isso - e provavelmente pela fortissima aposta na Liga Sagres em detrimento das provas a eliminar - este Sporting seja um sério candidato ao titulo 2011/12. Um projecto que procura reinventar-se entre juventude, velhas amizades e um ideário que se assemelha, mais do que nunca, á equipa que quebrou outro longo jejum, há doze anos atrás!



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 06:56 | link do post | comentar | ver comentários (2)

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