Sábado, 30 de Abril de 2011

A globalização transformou o rosto do futebol contemporâneo de forma inegável. Mas ainda há pérolas e diamantes escondidos que o grande público desconhece. O trabalho dos observadores mudou com o tempo mas a sua essência permanece igual. Eles são a alavanca de qualquer projecto desportivo de sucesso. E ás vezes, sem que o pensemos, ditam as modas do futuro. São os rostos invisiveis neste circo mediático. Olhar para o futuro agora é uma missão quase impossível. Menos para eles...

 

 

 

Uns clubes precisam de vender. Outros têm dinheiro para comprar. Assim se fazem os negócios. Mas no mundo da bola há negócios e negócios.

Nem todas as instituições podem gastar 100 milhões de euros num só homem, por muito que seja o melhor. Ou, já que estamos, 200 milhões em quatro, porque há que pagar as contas no fim do mesmo. Nem todos os clubes são o Real Madrid, a mais conhecida instituição internacional à hora de por o dinheiro sobre a mesa. Mas nem todos são o Athletic Bilbao que praticamente produz tudo o que consome e que compra ocasionalmente jogadores num circulo tão restrito que nunca há espaço para muita imaginação. São duas filosofias dispares. No meio está a normalidade. E, já sabemos, há normalidades e normalidades.

O papel do observador, o popular olheiro, é hoje mais importante do que nunca. A lei Bosman mudou o rosto do futebol europeu e, por arraste, ditou também as mudanças a nível mundial. Revolucionou o futebol sul-americano que se tornou numa fábrica de exportação constante, abriu ao mundo o mercado africanos e deu forma ao mercado asiático. Sem a lei Bosman hoje, talvez, muitos dos grandes jogadores não europeus que actuam no Velho Continente ainda estariam nos seus países de origem. Todos sabemos que o desaparecimento das limitações de jogadores não nacionais não se limitou a destroçar o futebol de formação europeu. Fez com que o dinheiro chegasse a países que sempre viveram na raia do negócio futebolístico. E, por arraste, levou os olheiros a terras impensáveis há vinte anos atrás. O que antes passava por um trabalho tranquilo de observação local e regional transformou-se numa labor global. Todos os grandes clubes sabem que têm de ir mais além. A internet e as telecomunicações encurtaram as distâncias e todos os treinadores têm as suas particulares dvdetecas de exibições prometedoras. Mas o cheiro do terreno continua a ser fundamental e os voos encheram-se de enviados especiais de todas as espécies prontos a descobrir, como os antigos exploradores, a nova rota para a Índia.

 

Nesta nova dimensão poucos clubes souberam lidar com os novos tempos como o Manchester United.

Rever cada jogada de Javier Hernandez é um elogio constante ao trabalho de prospecção de um clube de primeiro nível mundial que ainda se importa com o trabalho dos seus olheiros. Porque, não nos enganemos. O Barcelona apoia-se na sua "cantera", recrutando miúdos também noutros pontos do Mundo muito cedo mas depois empapa-os de "barcelonismo" e depois só volta a mergulhar no mercado para gastar boas quantias ou para tapar buracos na estrutura local. Daniel Alves, Zlatan Ibrahimovic, Yaya Touré ou Ronaldinho, Etoo, Deco e Giuly não foram, propriamente, descobertas de olheiros mais informados que outros. E o mesmo se aplica a outros gigantes como Inter, AC Milan, Real Madrid ou Bayern Munchen. A chegada de Carlos Queiroz foi fundamental mas a visão de Alex Ferguson ditou essa nova filosofia dos Red Devils. Que lhe permitiu reconstruir as suas equipas até à exaustão.

Javier "Chicharito" Hernandez é um grande jogador, destinado a grandes momentos. Mas já o era há um ano atrás quando o serviço de olheiros do Man Utd se decidiu a apostar nele de forma imediata ignorando a petição do Chivas de ficar com o avançado um ano mais. Jim Lawler, chefe dos olheiros do United, recebeu vários relatórios dos olheiros locais. Ficou tão impressionado que decidiu passar um mês no México a vê-lo jogar em pessoa. E não admira ninguém que à posteriori se soubesse que, como ele, também passaram pelo radar Guardado, Dos Santos, Vela e Barrera, outras promessas locais desconhecidas então no Velho Continente.  Depois do o estudar ao detalhe, Lawler aprovou a contratação recomendando a Ferguson que se antecipassa ao Mundial, onde se esperaria que o jovem acabaria por brilhar. E assim foi. Nisto tudo, o que realmente surpreende é a capacidade de adaptação do mexicano que evitou assim seguir o exemplo de outras descobertas espantosas da equipa de observadores dos ingleses. Esses são os mesmos que pescaram Diego Forlan, Giuseppe Rossi, Gerard Piqué, Nemandja Vidic, Anderson (com quem já tinham um pré-acordo quando este chegou ao FC Porto), os irmãos da Silva e, claro, Cristiano Ronaldo. Todos eles chegaram a Old Trafford por valores irrisórios comparativamente com a sua situação actual. Alguns afirmaram-se de imediato (Vidic), outros precisaram de tempo (Ronaldo) e outros, pura e simplesmente, não aguentaram a exigência e foram brilhar para outras paragens (Rossi, Forlan, Pique), provando que o trabalho de observação tinha sido perfeito. Hernandez destaca talvez pela sua rápida adaptação e pelo seu preço ridículo o que faz dele, já, a mais bem sucedida contratação da era Ferguson. Não é que tenha o mesmo valor de Schmeichel, Cantona, van Nistelrooy, Rooney ou Ronaldo, mas tem potencial para o lograr e já o demonstrou com juros. É o espelho de um trabalho bem feito.

Os olheiros que o clube inglês tem nos quatro cantos do Mundo têm ajudado o técnico escocês a superar as sucessivas birras dos seus melhores jogadores (Beckham, van Nistelrooy, Ronaldo), sempre preparados para sair quando atingem a sua melhor forma. Com estes backups constantes, mesmo quando o dinheiro escasseia - e as finanças do clube há muito que estão no vermelho, literalmente - são fundamentais para que o Manchester United esteja perto de um feito histórico, só logrado por outro clube inglês: 3 finais da Champions League em quatro anos.

 

Muitos citam o trabalho de formação do Arsenal e a verdade é que a rede de observadores dos gunners inclui alguns dos melhores do mundo nisto da prospecção. O problema do clube londrino está na estrutura que não permite estabelecer uma ponta entre o presente e o futuro. Ferguson mantém consigo os seus braço-direito e dá espaço à afirmação dos mais novos. Wenger atira (porque é forçado, muitas vezes) os seus jogadores aos leões às vezes cedo demais. E paga o preço. São dois clubes com filosofias distintas mas com uma politica de prospecção muito similar, em tudo diferente aos modelos espanhóis e italianos que esperam sempre que outro clube actue antes, como um colchão. Em Itália é fácil ver o Napoli, Palermo, Fiorentina, Udinese e companhia arriscarem nos Cavani, Pastore, Jovetic, Sanchez e depois aparecerem em cena os grandes colossos que pagam mais do que deviam para os recrutar. Isso resulta também da legislação do Calcio que só permite a inscrição de um extra-comunitário por temporada. Mas também é um espelho da cultura do medo. Kaká, Coutinho, Vucinic foram sempre a excepção, nunca a regra. Essa filosofia mediterrânica, que se vive também em Espanha, França e Portugal, de que um clube grande só contrata jogadores de qualidade contrastada tem muito a ver com a realidade financeira de cada país. Clubes como o Sevilla ou o Villareal só podem chegar ao topo como o têm feito, com boas redes de olheiros rápidos a antecipar movimentos. Depois sabem que estão resignados a vender aos Madrid e Barcelona que esperam a sua hora para agir. A rede de olheiros do Barcelona é de tal forma desastrosa que os Henrique, Keirisson, Caceres, Giovannis e companhia sempre foram deixados em evidência, comparativamente com o produto local. Em Madrid, já se sabe, os milhões impedem que negócios como os de Marcelo ou Higuain se repitam. Durante anos ambos os jogadores, verdadeiras pérolas descobertas antes do tempo, sofreram o estigma de terem custado pouco para uma instituição habituada a pagar tanto. 

 

 

 

O futebol latino, uma vez mais, vê-se atrasado nesta corrida atrás das jovens pérolas. Portugal escapa, ligeiramente, pelas relações privilegiadas com a América do Sul mas, essencialmente, pela sua constante necessidade de vender. Em Inglaterra (e, a pouco e pouco, na Alemanha e Holanda, talvez os pioneiros nesta matéria) há tempo, paciência e dinheiro. Portanto não estranha que aí se concentrem também os mais hábeis observadores do Mundo. Nem todos acabam nas ilhas, que o problema da adaptação impede muitas vezes que pérolas de outras longitudes se afirmem na dura Premier, mas as suas referências estão lá, nas gavetas, para uma memória futura. Enquanto o sul da Europa paga o preço do sucesso, o futebol inglês paga para garantir o futuro. E paga menos. E ganha mais. E desfruta com Javier Hernandez com um sorriso nos lábios. Porque sabem que, lá no fundo, são capazes de ter razão.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 17:39 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Quinta-feira, 28 de Abril de 2011

noites assim. Noites que convidam à épica histórica. Noites que ensinam como se sonha. As memórias recentes de noites históricas não estavam tão perdidas assim na penumbra. A contundente vitória do FC Porto frente ao Villareal não dita apenas o destino provável de uma eliminatória. Não permite apenas sonhar com uma final histórica para o futebol português. Permite entender que o jogo é mais do que um jogo, que a épica é sempre algo mais do que uma ilusão.

Quando Falcao colocou a bola num recanto de tal forma escondido ao olhar perdido de Diego Lopez, o estádio do Dragão sentiu o fim do peso de uma memória. Durante anos os adeptos azuis e brancos viveram com a mitica vitória frente á AS Lazio. Foi o inicio da era Mourinho, como se conhece, e abriu as portas do reinado europeu dos dragões. Nunca mais, nem na corrida para Gelsenkirchen, houve tanta emoção durante 90 minutos. Até hoje. Precisamente até ao golo de Cani. Um belo golo de uma grande equipa, como sempre demonstrou ser o Villareal, que estava a ser mais perigosa e mais certeira nas poucas ocasiões que o jogo permitia. Um golo que matou uma primeira parte equilibrada onde o FC Porto dominou com a bola mas em que o perigo era do celebre Submarino Amarelo espanhol. E que lembrou Claudio Lopez, esse argentino endiabrado que abriu o sonho dos adeptos da Lazio. E dos portistas também. Sem o saber.

Depois nunca mais houve luta. Cinco torpedos, cinco verdadeiros tiros ao alvo que afundaram um sólido submarino, uma equipa perfeitamente colocada no terreno de jogo mas que não teve oxigénio e cabeça para aguentar a avalanche ofensiva dos locais. Guarin e Moutinho, dois verdadeiros dínamos no miolo, permitiram estender a teia que amarrou por completo o talento de Cazorla, Valero e Bruno. E depois surgiu Falcao. Talvez o melhor ponta de lança puro do ano no futebol europeu. Talvez um dos jogadores mais determinantes do futebol actual, o colombiano destroçou com o seu timing perfeito o Villareal. Um penalti ganho e convertido de forma eximia, escondendo fantasmas recentes. Um gesto técnico primoroso, depois de mais uma lição de superioridade física de Hulk, que os espanhóis nunca souberam controlar, e dois cabeceamentos tão certeiros como o outrora mítico Jardel. Tudo noite de fantasmas antigos, tudo noite de evocações de glórias passadas. E tudo numa noite de um imenso sentido histórico. Não pelo provável apuramento mas pela dimensão da autoridade de uma equipa que há um ano apenas vivia na amargura de um fim de ciclo quase inevitável.

 

André Villas-Boas é, sem dúvida, o mentor desta rebelião. Deste grito de guerra.

A sua atitude ao intervalo transmitiu a tranquilidade que faltava e a motivação escondida. Se o Villareal controlou inicialmente o seu dispositivo táctico inovador - com Cristian Rodriguez mais como médio interior, abrindo a ala a Alvaro Pereira e abdicando assim do 4-3-3 habitual - com a pressão alta e asfixiante do segundo tempo não houve forma de lidar. A bola que na primeira parte circulava sem grandes pressas no segundo tempo lembrou-se de correr. E nunca mais parou. Velocidade, eficácia, garra, palavras de ordem de uma atitude que foi a base para a reviravolta.

Villas-Boas sabe do poder que a mente tem sobre os seus. Motiva-os como fazem poucos técnicos no futebol actual e o fantasma, outro, de Mourinho, é cada vez mais uma sombra distante. Quem diria.

Depois de humilhar, e o termo certo é esse, os russos do CSKA e Spartak de Moscovo, depois de bater, com esforço, sorte e eficácia o poderoso Sevilla, o Villareal parecia ser um desafio á altura. E esta equipa, ao contrário do que diz o resultado - mas também por isso - é uma grande equipa e soube estar como tal no Dragão. A táctica de Garrido funcionou e a equipa soltou-se cedo da pressão do FC Porto para explorar as falhas de marcação defensiva que a linha de quatro bem avançada deixava atrás. O golo de Cani parecia indicar tudo aquilo que se viveu á posteriori. Com o valor a dobrar do golo, o clube português sabia que precisava de mudar. E mudou. Não no esquema táctico, não nos interpretes, nem sequer na atitude. Mas na forma de olhar olhos nos olhos o rival. Hulk encarou, Falcao moveu-se, Guarin e Moutinho circularam e a bola nunca mais se sentiu cómoda nos pés dos espanhóis. Um, dois, três, quatro, cinco. Contas fáceis de fazer, contas habituais nesta corrida europeia. Contas de uma equipa que não conhece limites. Em Portugal, comprovadamente. Na Europa, inequivocamente. Independentemente do que espera os lusos no Madrigal - um clima fantástico mas que sentirá certamente a grandeza da tarefa - a épica remontada, essa lembrança de Sevilla, começa a sentir-se de forma cada vez mais intensa. Porque se os saudosos ainda se lembram dessa equipa como a cumbre da era Mourinho, o seu falso discípulo, André Villas-Boas, terá de viver com a sua própria sombra a partir de agora porque já não á volta atrás. A história, a do jogo, a que realmente conta, já tratou de guardar-lhe um lugar especial. A Europa, essa dimensão estrutural de um jogo ás vezes perdido em picardias nacionais, há muito que desconfia e agora sabe bem de que matéria se faz este renovado FC Porto.

 

Em Dublin, se a tendência se confirmar, a festa será portuguesa. Seja o Braga, seja o Benfica, "uma noite portuguesa, com certeza", é um facto consumado que a presença do FC Porto foi ganha a pulso, tal como há oito anos atrás. E se a Europe League não é a Champions League, porque está claro que não o é, três dos semi-finalistas têm praticamente garantido o lugar na elite europeia em 2011. Um forte aviso de que há outra face do futebol europeu para lá dos Clásicos, das polémicas e da confusão emocional em que se tornou a prova rainha da UEFA. E entre os três nenhum pode assinar uma época tão memorável como o FC Porto. Com dedo do mestre André, com a atitude de uma cultura desportiva, com um sonho que não esquece fantasmas antigos...com um conceito de épica que é o mesmo que dá sentido ás cores da História. 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 22:01 | link do post | comentar | ver comentários (17)

Quarta-feira, 27 de Abril de 2011

É mais do que uma doce ironia que a equipa por todos aplaudida como a referência do futebol europeu tenha aberto caminho para a glória europeia graças a tudo menos ao seu jogo de toque. A vergonhosa exibição arbitral no Santiago Bernabeu não definiu apenas a primeira-mão. Não condicionou totalmente a segunda mão. É mais do que isso. A UEFA mandou claramente a sua mensagem. Este Barça é, verdadeiramente, intocável!

José Mourinho lembrou Stanford Bridge. E com razão. Mal imaginava ele (ou talvez não) o que lhe esperava.

O mundo do futebol, entregue á calculada - até nisto - explosão de raiva de Pep Guardiola, passou ao lado a polémica decisão arbitral. Pedro Proença foi deixado de lado pela condição de compatriota do polémico setubalense (o que não impediu que um espanhol estivesse, e muito bem, no outro jogo onde actuaram três compatriotas) e para o seu lugar chegou um dos árbitros mais polémicos e criticados da Bundesliga. Um árbitro que, publicamente, professou a sua admiração pelo Barcelona (uma perigosa novidade que pode criar tendência) e por Messi. Um árbitro com uma péssima avaliação no seu próprio campeonato eleito para o jogo mais escaldante do ano. O critério UEFA voltou a ficar evidente.

A arbitragem de Wolfgang Stark não definiu o jogo. Confirmou essa tendência assustadora que tem o clube catalão de controlar o futebol europeu do campo aos escritórios. Se no relvado o Barcelona é imenso, imenso, fora dele é-o também. E mais quiçá!

Stark inventou uma expulsão certeira. Não só porque sem Pepe o Real Madrid ficou com dez durante uma fatidica meia-hora. Como também condicionou, automaticamente, o jogo da segunda volta. A falta do português sobre Alves existe, é clara e passivel de admonestação. Mas uma expulsão directa e cirúrgica não tem outra explicação possível que não o condicionamento total do clube merengue. Juntando a isso, se mais cabe, Stark decidiu igualmente expulsar Mourinho, voltando a condicionar a segunda ronda e a reacção merengue. Isso num jogo onde os jogadores blaugranas, uma vez mais, puseram e dispuseram passando totalmente ao lado dos comprometedores cartões. Messi, Busquets, Pedro, Villa, Alves, Mascherano, todos eles merecedores de admonestação, algum inclusive de expulsão por acumulação, e todos eles sãos e salvos. Missão cumprida.

 

Não foi uma novidade e em muitos sectores já se adivinhava algo do género.

A ascensão de Guardiola e do seu proclamado Pep Team - uma maravilha da arquitectura futebolistica, repito - começou naquela polémica eliminatória frente ao Chelsea de Guus Hiddink. Um Chelsea ultra-defensiva que soube antecipar o que fariam Inter e Real Madrid nos anos seguintes. E que só caiu depois de um golo nos instantes finais, um verdadeiro tiro no escuro de Iniesta, e depois de várias expulsões e penaltys perdoados com profunda amizade aos jogadores do Barcelona. Uma arbitragem histórica nos anais do futebol europeu que marcou tendência futura ao mesmo tempo que abria a lata de recordes dos culés.

No ano seguinte, uma vez mais, o Barcelona voltou a sentir o apoio da UEFA quando era mais necessário. Nessa altura a expulsão de Thiago Motta depois do enésimo teatro de Sergio Busquets, um notável médio, um péssimo jogador, podia ter feito ao Inter o que a arbitragem de Ovebro fizera ao Chelsea. Mas a vantagem do Inter era real e providencial e nem um golo, outra vez, nos suspiros finais, impediu os italianos de quebrar um enguiço histórico. Mas ficou o aviso, a tendência não ia mudar. Em 2011 o Arsenal sentiu-o na pele quando Robbie van Persie sofreu o vermelho mais ridículo da história da competição quando ambas as equipas lutavam taco a taco por um lugar nos quartos de final. E depois de massacrar brilhantemente o Shaktar Donetsk a noite de Madrid que relembrará as aziagas arbitragens de Leaf e Ellis, os árbitros ingleses que a UEFA designou em 1961 para terminar com o reinado de Di Stefano e companhia nos palcos europeus. Entre essa noite e esta, 50 anos depois, muito passou. Mas o resultado acaba por ser o mesmo. Contra 10, e uma equipa moralmente desmotivada, o Barcelona matou o jogo com dois golos excelentes de Leo Messi, até então desaparecido da ribalta. E matou a eliminatória de forma contundente. Particularmente porque o próximo jogo está assegurado de antemão, afinal é preciso fazer as coisas bem. Irónico é que os admiradores confessos desta equipa que a catalogam com uma facilidade insultante como a melhor de todos os tempos se encolham quando lembrados que a mesma formação que desenvolve o tiqui-taca com equipas mais humildes ou, digamos, tacticamente menos preparadas, seja incapaz de marcar nos jogos importantes enquanto a sombra não entra em acção. Foi assim em 2009, foi assim em 2010 e voltou a ser assim em 2011. Sempre com rivais distintos, sempre com o mesmo padrão de comportamento. Coincidências assim, puramente, não existem.

 

O Barcelona continua a ser uma grande equipa, com a bola nos pés a melhor do Mundo e uma das mais entusiasmantes de sempre. Mas cada vitória ganha desta forma lança uma profunda sombra sobre o seu real valor. Nenhuma meia-final da máxima prova europeia acabou sem polémica e os blaugrana acabam por ser, tristemente, os protagonistas. A expulsão de Pinto, ao intervalo, mostra o estado de espírito dos seus jogadores. A atitude dos colegas no terreno de jogo, a quem tudo é permitido, com uma reverência quase tocante, não deixa margem para dúvidas. O cinismo do Pep Team é proporcional ao talento dos seus artistas. E quando a balança está desnivelada, dentro e fora de campo, o futebol deixa de ser uma competição e passa a ser muito pouco. A história tratará de o comprovar, como sempre faz... 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 21:30 | link do post | comentar | ver comentários (69)

Terça-feira, 26 de Abril de 2011

O rei Kenny escolheu-o pessoalmente como sucessor e durante algumas temporadas parecia claro que estava ungido para tornar-se numa lenda viva do futebol inglês. Mas a decadência do Liverpool e o naufrágio do Newcastle passaram factura e pouco a pouco a Old Albion começou a esquecer-se de um dos maiores génios da sua longa história, um pássaro chamado Peter.

 

 

 

Quando Dalglish trocou o relvado de Anfield pelo mesmo banco por onde andaram Fagan, Paisley e Shankly tornou-se claro que faltava uma referência no ataque dos Reds. Não havia alternativas no balneário para render aquele que foi, muito provavelmente, o mais completo jogador da história do clube. E muitos acreditavam que nem fora de Anfield o consagrado "King" Kenny poderia fazer o mesmo que Paisley logrou com ele quando Keegan partiu para Hamburgo no final dos anos 70. Mas foi precisamente ao lado da velha glória que Dalglish descobriu o seu homem. O Newcastle tinha acabado de subir de divisão e na equipa do Norte pontificava um jovem de 22 anos que já tinha andado pelo Canadá e por Old Trafford, sem fazer muito barulho. Dalglish ficou com ele debaixo de olho durante duas temporadas e quando percebeu que a coisa era séria (e que a concorrência apertava) apostou forte. E ganhou.

Peter Beardsley assinou pelo Liverpool a 14 de Julho de 1987. Uma data difícil de esquecer.

Foi um recorde e levantou dúvidas. Afinal a grandeza do clube de Anfield não se podia encaixar no pequeno projecto regional que era, ainda, o Newcastle. E apesar de já ser internacional (Beardsley esteve na equipa mundialista de 86), o pequeno avançado estava longe de ser uma estrela. Mas não chegou só. Na mesma semana o técnico, desejoso de repetir o titulo ganho na sua primeira temporada como treinador-jogador, apresentou John Barnes e John Aldridge que formariam um dos trios de ataque mais letais da história do futebol moderno. Sem Dalglish e Rush havia suspeitas que a equipa não estaria ao mesmo nível. Os números provaram outra coisa.

 

Beardsley rapidamente explodiu e tornou-se num dos ídolos da velha Kop.

O seu estilo de jogo, incisivo, técnico e com um potente disparo, foi deixando marcas jornada após jornada. O entendimento com o gigante Aldridge e o supersónico Barnes deram uma profundidade de campo a um conjunto que pode ser visto como um dos mais completos da história do beautiful game. Ninguém imaginava ao principio mas o ritmo demoníaco daquele conjunto Red nascia, muitas vezes, do cérebro de xadrez de Beardsley. A equipa esteve perto da dobradinha mas naquela mítica final frente ao Crazy Gang do sempre criticado Wimbledon a oportunidade de fazer história esfumou-se. Beardsley emergiu claramente como o rosto vivo da nova geração de internacionais ingleses, a viverem ainda o lastre do afastamento das competições europeias. Tornou-se impossível medir o sucesso do conjunto de Dalglish com outras equipas de elite da época, como o Madrid de Butrageño, o Milan de Sacchi, o FC Porto de Artur Jorge, o PSV de Hiddink e o Napoli de Maradona. Mas em Inglaterra a superioridade era inquestionável. Só as lesões (de Rush), os desastres (de Hillsborough, momento que marcou talvez o final da era Red) e o mais puro azar (sob a forma do pontapé de Michael Thomas no último minuto do Liverpool vs Arsenal de 1989) permitiram que o titulo escapasse ao conjunto de Beardsley. Mas, mesmo com a derrota, a sua aura mágica aumentava e na final da FA Cup frente ao eterno rival, o Everton de Howard Kendall, mais uma vez "Beardsie" foi fundamental. Era o principio do fim da história de amor.

Com o regresso de Rush e o adeus de Aldridge, o escocês Dalglish abdicou do espectacular 4-3-3 por um 4-4-2 mais convencional e Beardsley foi perdendo espaço para deambular pelo terreno de jogo. Começou a ver mais jogos desde o banco e sem oportunidades de brilhar na Europa (a suspensão do Liverpool prolongou-se até 1992) o peso da frustração era claro. A explosão mediática à volta de Gascoine também não ajudou. No final de 1991 trocou Anfield Road por Goodison Park. Os adeptos da Kop, em lugar de apupar o traidor, aplaudiram-no de pé no seu regresso. Ele era há muito uma lenda viva.

 

 

 

O final da carreira de Beardsley, depois da passagem pelo Everton, significou um regresso às origens. Keegan recuperou-o para o seu novo Newcastle ao lado de Ginola, Ferdinand, Cole, Shearer e Asprilla e apesar da idade não permitir as mesmas espantosas corridas pelo miolo, o seu estilo ajudou a definir a magia de uma das equipas mais admiradas da década de 90. O Newcastle não venceu um único troféu mas entrou no coração dos adeptos que puderam, por uma última vez, admirar o talento do pássaro rebelde do Tyneside. Quase esquecido, Beardsley ganhou a pulso o estatuto de jogador legendário. Friamente olhando para números, romanticamente deixando-se seduzir pelos movimentos surdos no tapete verde, é difícil encontrar um jogador inglês ao seu nível nos últimos 30 anos. Beardsley foi o génio de quem os ingleses aparentemente se esqueceram...



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 14:52 | link do post | comentar

Sexta-feira, 22 de Abril de 2011

À quarta foi de vencida. Nem os dias de glória de Stanley Matthews, nem as gestas épicas dos anos 70... foi preciso esperar muito tempo, talvez demasiado, para que finalmente o Stoke City conseguisse um velho objectivo: marcar presença no mitico Wembley. Já não é o estádio das Twin Towers mas para os adeptos encarnados isso é o de menos. Para eles será sempre uma tarde de festa, a doçura da primeira vez...

 

 

 

A primeira vez foi no último ano do século XIX. Mas já então o Derby County era equipa suficiente para tirar-lhes o gosto da final. Stanley Matthews ficou-se pelos Quartos de Final no periodo do pós-guerra e teve de migrar a norte, a Blackpool, para saber o que era uma final da FA Cup. Em 1970 o Arsenal precisou de um segundo jogo para livrar-se dos tenazes jogadores do Stoke que tinham empatado a duas bolas no primeiro encontro. Um ano depois nova tentativa, novo fracasso, cortesia, quem senão, dos Gunners outra vez com segundo jogo à mistura. Parecia que a gaffe era eterna. Até que chegou 2011, esse ano inesquecível na história do modesto clube do coração de Inglaterra, um clube sem titulos de renome mas com um passado de respeito nas diferentes categorias do futebol britânico. Era um duelo inesquecível e foi um jogo memorável. No final dos 90 minutos o Stoke City tinha deixado para trás mais de um século de desilusões. Finalmente era finalista da mais antiga competição de clubes do Mundo.

O Wembley recebeu os preliminares e deu boa sorte à equipa treinada por Tony Pullis. O resultado não engana ninguém. Um 5-0 nestas coisas da FA Cup impõe respeito, especialmente se o rival está por cima na tabela classificativa da liga. E o Bolton não é osso fácil de roer, provado muitas vezes ao longo do ano pelos mais insuspeitos dos rivais. Mas não tiveram coração para os de Stoke on Trent. Matthew Etherington, eterna promessa por cumprir, abriu as hostes cedo. Walters fechou-as perto do fim, o seu segundo golo num jogo que viu ainda Huth e Jones celebrarem entusiasticamente uma tarde histórica. Já sabiam que o rival seria o Manchester City, a equipa dos petro-dólares. Mas importava muito pouco. O bilhete de volta à meca do futebol inglês já estava comprado. A corrida começou apaixonadamente.

 

O Stoke caminha tranquilamente na metade baixa da tabela da Premier League. É uma equipa humilde.

Fortemente criticada por Arsene Wenger, sempre pronto a queixar-se de um rival que lhe rouba pontos, pelo seu estilo de jogo defensivo, o Stoke é uma armada bem organizada e com a faca na boca. Pullis tem aguentado as dificuldades económicas do clube com espirito estoico e coração de leão. O seu conjunto mistura a veterania de Sorensen, Etherignton, Carew, Fuller ou o mitico Rory Delap com muita juventude. Pennat, Walters, Jones e claro, o inquebrantável Shawcross. O médio centro, capitão e alma da equipa, é o espelho do conjunto. Guerreiro, muitas vezes a roçar a loucura, Shawcross tornou-se num dos primeiros jogadores do clube a chegar à selecção. Mas também ficou conhecido por provocar várias lesões largas e complicadas a colegas de profissão. Ele, como o Stoke, é uma faca de dois gumes.

Nesse 4-4-2 rigido e que aposta na velocidade e eficácia destaca-se a táctica dos longos lançamentos laterais de Rory Delap. O jogador criou escola com os seus quase centros com as mãos para o coração da grande área. A eficácia é discutível, afinal não foram assim tantos os golos que gerou, mas a ideia é original e bem britânica. O fisico sobrepõe-se à técnica.

Com o Brittania Stadium como um dos fortins por excelência da Premier, os Potters, alcunha do clube, conseguiram aguentar-se na máxima categoria desde a promoção ganha em 2008. A equipa caminha num tranquilo 13º posto com 38 pontos, a onze do último posto europeu (do Liverpool) e com um colchão de cinco pontos para a linha de água. O calendário até ao final da época não apresenta grandes desafios e é de esperar que a equipa se mantenha, um ano mais, entre os primeiros do futebol da Old Albion. Mas as atenções estão agora viradas quase exclusivamente para o duelo do Wembley com uma equipa, o Manchester City, que há 40 anos que não vence um trofeu. Depois de tantos milhões investidos, numa prova de tanto prestigio, os Citizens terão de ser considerados como favoritos. Mas os Potters não sabem render-se e já na época passada coube a eles eliminar a equipa azul da prova. Este ano, na Premier, o duelo entre ambos resultou num agridoce empate nos últimos momentos. É esse o espirito que o David quer recuperar nessa luta contra o poderoso Golias.

 

 

 

Passe o que passar no Wembley e história já está feita em Stoke. A equipa chegará sem pressão e com a ilusão de um grupo de adeptos que há uma década vivia no desespero das categorias baixas da prova. Os guerreiros de Pullis fizeram mais do que todas as figuras históricas do passado do clube. Entre eles e a eternidade estão 90 minutos, uma bola e onze guerreiros pagos a peso de ouro. Para eles isso serão meros detalhes, a batalha está marcada...



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 11:05 | link do post | comentar

Quarta-feira, 20 de Abril de 2011

Um dia, numa tertúlia organizada pelos Cahiers du Cinema, o então critico Jean-Luc Godard surpreendeu a mesa afirmando que o "travelling é uma questão de moral". Uma frase nuclear para entender a filosofia do movimento Nouvelle Vague, essa sensação de superioridade moral que Godard sentia que acompanha o seu trabalho e os dos restantes elementos do movimento. O futebol contemporâneo podia perfeitamente reunir-se à mesa e ouvir algo similar. "A posse de bola é uma questão de moral"! Em Barcelona tentam vender essa superioridade intelectual mas o futebol está repleto de muitas morais...

 

 

 

Há uma histeria colectiva no ar. Irrespirável por certo.

Talvez o mesmo grito surdo que tinha rasgado os ouvidos de tantos no passado. O futebol está repleto de espartanos. De bárbaros. De egípcios preguiçosos. Mas há só uma Atenas. Uma reluzente capital da razão, do conhecimento, da verdade absoluta. Barcelona quer ser a Atenas do futebol mas para sê-lo antes tem de convencer o mundo que todos somos bárbaros, espartanos, persas, egípcios e ignorantes. E que devemos contemplar e adorar a luz da razão sem queixume. Os ensinamentos de Sócrates, Platão, Aristóteles são hoje as palavras de Cruyff, Xavi ou Rexach. Claro que Guardiola, nisto, não é como Temistocles, arrogante até ao fim.

Essa histeria que Can Barça propaga ganhou adeptos na imprensa. O jogo bonito, o tiki-taka inventado por um cronista espanhol já falecido, que a morte outorga esse sentido poético às coisas, parece que irrompeu do nada nas pernas dos culés. E que se tornou no seu  producto exclusivo. Ninguém consegue entender a verdade a não ser eles da mesma forma que o champagne não é champagne senão cava. Alguns estão lá perto. Arsenal, Dortmund, Villareal...mas mesmo estes, em confrontos directos, são indignos da verdadeira luz. Ouvir hoje Xavi Hernandez, talvez o melhor jogador espanhol da história, é algo profundamente comovedor. A roçar o ridículo. O centro-campista que pauta o jogo da escola blaugrana quer emergir como o arauto dessa verdade absoluta e impoluta. Depois de cada jogo sobe ao púlpito e discursa com a fleuma de um orador ciceriano. Fala dos indignos, das tácticas violentas e desproporcionadas, da ignorância e fraqueza humana e intelectual do rival e da superioridade moral de uma ideia de que só ele, e os que são como ele, podem falar com total propriedade. É fácil ouvir os seus sequazes com o mesmo discurso, mesmo os mais traquinas Alves, Valdés e Busquets, que passam tanto tempo nos palcos dos anfiteatros atenienses, perdão, barceloneses, que ganham dotes interpretativos especiais. Essa mensagem ganha eco com a imprensa, sempre com sede de semi-deuses, e do público que em geral come o que lhe dizem para comer e não protesta. Não pensa. E pior de tudo, não tem memória. Cruyff fala na sua posse de bola como Godard falava dos seus travellings. Com ele a câmara era uma arma. Com Cruyff a bola também. A Nouvelle Vague resultou curiosa, teve um ligeiro sucesso comercial e depois matou-se a ela mesma com uma série de sofríveis filmes que terminaram com o enterro de uma ideia. Mas a intelegentzia, a critica, continuou a adorá-la e aos seus herdeiros. Em Barcelona logrou-se o mesmo. Por muito mal que seja a performance ela será adorada porque assim o diz o senhor. Ou a razão iluminada, que por aqueles lados acaba por ser o mesmo.

 

Esses atenienses, como os do passado, estão de tal forma isolados que vivem numa concha, alheios ao resto do Mundo.

Talvez, no meio de tudo isto, Guardiola seja aquele que melhor percebe esta realidade. Afinal, ao contrário dos seus, ele correu mundo e ouviu antes de agir. Ouviu Bielsa, ouviu Capello, ouviu Sacchi, ouviu Van Gaal, ouviu Ferguson, ouviu..pasme-se, Mourinho. E percebeu que como na vida também o futebol tem muitas morais. E nenhuma é superior à outra. A moral da bola, a moral do espaço, a moral do golpe, a moral do homem, a moral da defesa, a moral de... Um sem fim de narrativas com o seu passado, presente e futuro. O futebol inglês que dominou o futebol europeu durante tantos anos nunca precisou da moral de Cruyff para atingir o brilhantismo. A mágica geração italiana dos princípios dos 60 e mais tarde, do final dos anos 80 e princípios da década seguinte fez da posse de bola algo supérfluo se o espaço era ocupado devidamente. E essa sua moral também, hellas, triunfou. Talvez Cruyff se lembre dessa longa notte em...imagine-se, Atenas. Esses 4 golos sofridos foram em si uma lição de moral. Há travellings que têm de parar em algum momento.

Falava Godard ao ver Hiroshima, Mon Amour, essa bela obra inaugural da filmografia de Alain Resnais. Podia falar Cruyff do último Real Madrid vs Barcelona que hoje à noite se repete, pela segunda vez em quatro tentativas de evangelização. Porque, não nos enganemos. O Barça já não joga futebol: evangeliza. Educa o futuro. Quando Messi chuta a bola contra os adeptos rivais, ri e depois muda por completo a expressão facial, está a evangelizar. A fazer com que o Mundo acredite que o seu semi-Deus actual (como já foram Ronaldinho, Rivaldo, Figo, Ronaldo, Romário...todos não-catalães, todos mercenários da nova Atenas) é incapaz de cometer tal acto. É tudo um engano, tudo um erro de percepção. O "Messias" caminha sobre as águas mas nunca terá tanta humanidade em si para perder a cabeça como, digamos, um falso Ronaldo.  E para calar bocas, as paredes dissolvem-se, o discurso muda e começamos a ouvir o chavão, sempre o mesmo eterno chavão. O de melhor equipa de todos os tempos.

Será que alguém nas redações realmente perdeu todo o seu tempo a ver todas as equipas da história? Será que uma equipa em actividade pode comparar-se a projectos fechados e focalizados no seu próprio tempo e espaço. O Liverpool do final dos anos 70 não foi também a melhor equipa de todos os tempos? O Real Madrid do final dos 50? O AC Milan de Sacchi? O Inter de Herrera? O Manchester de Busby ou o de Ferguson valem? Lá Maquina do River? O Ajax de Michels?E as selecções da Hungria, Austria, Brasil, Alemanha, Uruguai, Argentina, França, Holanda? Que fazer com todas essas equipas que nasceram, cresceram, morreram e tudo sem evangelizar. Eram espartanos, bárbaros, egípcios ou persas? Não nos deixam saber.

Falamos de uma equipa cujos feitos em titulos se reduzem a conceitos básicos do futebol contemporâneo, feitos que nem sequer destoam do seu historial particular ou do país em geral. Falamos de um estilo de jogo que também não inventou nada. O Dream Team de Cruyff já tinha aplicado o modelo de rondo central. O Milan de Sacchi já tinha instrumentalizado o poder da pressão defensiva. E Messi não inventou a posição de falso-avançado. Foi um tal Hidegkuti, em Wembley, num mitico Inglaterra-Hungria. Mas não digam a ninguém, serão queimados como hereges.

 

 

 

Ao poderoso Barcelona cabe hoje mais um duelo com os violentos espartanos. Uma equipa que não sabe jogar futebol porque não bascula lateralmente durante hora e meia à procura que o rival se canse, adormeça como a ler um livro de Proust, e abra espaços na defesa. Não, ai dos espartanos que gostam dos quatro toques antes do grito de guerra. Os espartanos italianos e ingleses migraram para Madrid e plantam cara à inigualável Atenas. Por essa Europa fora os demais bárbaros, persas e egípcios esperam a sua hora. Também eles são evangelizados à distância com essa filosofia do toque curto, do futebol lateral, do teatro dos seus interpretes e da eficácia de uma equipa que precisa de fazer quatro vezes mais passes para chegar ao mesmo objectivo que o rival: o golo, afinal o que realmente importa nisto do futebol. Mas não digam a ninguém, não contrariem a palavra do senhor. Sentem-se no sofá e recebam o evangelho blaugrana, sintam-se inferiores porque a vossa equipa não tem a capacidade intelectual de João César Monteiro. Afinal a moral deles, dos que têm a luz, é essa. Fazer sentir todos os outros nas trevas. Até que surgem flamantes dispostos a iluminar o mundo e resgatá-los desses espartanos e desse passado vergonhoso de um desporto que ensinou Camus a ser Homem.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 04:42 | link do post | comentar | ver comentários (38)

Terça-feira, 19 de Abril de 2011

Pode uma actriz porno revolucionar um clube de futebol? Talvez não, mas a febre de futebol que assaltou o clube mais pequeno de Valência está intimamente ligado com os atributos fisicos de uma celebridade erótica do país vizinho. Maria Lapiedra prometeu apoiar com tudo o pequeno Levante e os jogadores responderam com um novo alento. A equipa passou do último posto a lutar pela Europa em três meses.

 

 

 

Quando foram goleados pelo Real Madrid por 8-0 (num jogo a contar para a Copa del Rey) muitos dos adeptos levantinos olharam cabisbaixos para o chão. A sua equipa não tinha sido apenas trucidada por um clube que não conseguira marcar um golo no duelo ligueiro, logo à terceira ronda. Havia algo na atitude dos jogadores que não entusiasmava a afficion. A descida na tabela até chegar ao último posto classificativo parecia antecipar uma certa despromoção. O Levante, que há dois anos tinha conhecido o mesmo caminho sem pagar os salários aos jogadores, estava uma vez mais perto do abismo. Nem a vitória honrosa numa segunda volta morna parecia mudar a mente dos adeptos, já resignados. O segundo clube de Valencia, clube onde jogou Cruyff, clube que imitou o equipamento do poderoso Barcelona quando irrompeu nos anos 70 como uma sólida alternativa regional aos Che, era consciente do seu destino.

E então chegou ela. Maria Lapiedra. Polémica como poucas, atrevida como nenhuma. Não há nada no corpo da actriz que o mundo ainda não tenha visto. Os seus filmes porno são sobejamente conhecidos em Espanha, as suas produções fotográficas também. É capaz de caminhar nua em directo num programa de televisão sem medo a reprimendas e falsas moralidades. Sente-se bem com o seu atrevimento e o público masculino espanhol sente-se bem com a sua fisionomia paga a preço de ouro pelo seu marido e productor porno que lhe deu um apelido que antes pertenceu a outra rainha do sexo espanhol agora casada com um jornalista desportivo especializado no...Real Madrid.

Lapiedra não é de Valencia, provavelmente não é de nenhum sitio. Mas declarou a sua simpatia pública pelo clube. E decidiu ir mais longe. Apoiar os últimos da tabela na sua fútil luta pela manutenção. Organizou um ensaio fotográfico erótico onde tapou algumas selectas partes do corpo com a bandeira do Levante. Os adeptos do clube responderam em massa e o calendário tornou-se omnipresente na cidade. Chegou ao clube, que não teve nenhuma relação com a senhora, e inspirou Luis Garcia. O jovem técnico decidiu motivar os seus jogadores à antiga. Encheu o balneário de posters da actriz e utilizou-a como imagem motivadora para uma equipa desalentada. Não havia nada de Lapiedra que não tivesse sido já visto. Mas os jogadores devem ter ido mais além. Porque desde esse dia o Levante não voltou a tropeçar.

 

Talvez seja exagero pensar que uma colecção de posters possa fazer milagres mas o Levante que no Natal era último agora está a dois pontos da Europe League. Trepou furiosamente na classificação não fazendo prisioneiros pelo caminho. Derrotou rivais directos, fez do seu Ciutat de Valencia um fortim. E bateu o pé aos primeiros, com atitude e garra. Uma equipa que não se mexeu no mercado de Inverno, talvez já a pensar na condenação, e que despertou com os golos do insuspeito Caicedo. O mesmo que em Alvalade confundiu os adeptos com a sua falta de aptência pelo golo, na costa mediterrânica transformou-se num devorador de defesas e guarda-redes. Marca jornada sim, jornada não e não golos quaisqueres. Golos de belo efeito, golos determinantes.

A veterania do plantel, uma fraqueza para muitos, tornou-se numa virtude. Luis Garcia, técnico da nova geração que começa a substituir os nomes mais veteranos do futebol espanhol, é visto como o principal artifice desta mutação. Um motivador único que soube explorar bem a moral dos seus e as falhas dos demais. Não há nenhum nome sonante num plantel onde sobrevivem Ballesteros, Javi Venta, Valdo, Del Horno e Munúa mesclados com a juventude de Xavi Torres e Jefferson Montero, filhos da cantera de Barça e Villareal. 13 dos 25 jogadores do plantel estão por empréstimo. Não há dinheiro para mais. E os milhões da Europa aí à porta. Um sonho que nem os próprios valencianos conseguem sequer imaginar. A concorrência é muito dura (Sevilla, Bilbao, Atlético, Espanyol, Mallorca...) mas só houve duas equipas com melhor pontuação nesta segunda volta que os granota: Barcelona e Real Madrid.

Sob o mote "La Unión es la Salvacion" o clube deu um murro na mesa. O conjunto está, matematicamente, salvo e tem de jogar nas duas últimas rondas com Barcelona e o eterno rival, Valencia. Antes enfrenta-se a Atlético, Bilbao e Gijón, rivais directos. A reviravolta começou na ronda 21, numa vitória por 2-0 frente ao Getafe, então em postos europeus. Depois um triunfo agónico, mas justo, em casa do Villareal e vitórias claras frente a Almeria, Osasuna, Espanyol, Deportivo, Málaga e Hércules. Pelo meio apenas três empates e uma derrota, no Bernabeu. Um percurso praticamente imaculado que levou a equipa do 20º ao 9º posto. Com 36 golos marcados, quase um por jogo, e 42 sofridos. É na veia goleadora que a equipa peca e aí os golos de Caicedo são chave. Quase um exclusivo da salvação do colectivo que se inspira pelas noites com essas fotos que deixam pouco espaço para a imaginação.

 

 

 

O Levante pode sonhar, um ano mais. Para a próxima época talvez o corpo da celebridade não seja suficiente para manter-se entre os maiores. Luis Garcia inevitavelmente será cobiçado pelos grandes e a maioria dos jogadores voltarão ao seu clube de origem. Um projecto arrancará do zero e muitos nem se lembrarão que houve um dia em que alguém colou a fita-cola um poster gigante em cima do quadro das tácticas. Um poster que pode ter valido uma salvação. Ás vezes também é preciso acreditar nisso...


Categorias: ,

publicado por Miguel Lourenço Pereira às 09:08 | link do post | comentar

Sexta-feira, 15 de Abril de 2011

Nunca uma região geográfica dominou de forma tão clara as provas europeias patrocinadas pela UEFA. Dos oito semi-finalistas europeus, seis encontram-se na Peninsula Ibérica. Um feito histórico que confirma a tendência dos últimos anos. O futebol europeu volta a deslocar-se, progressivamente, para o sul. E Espanha e Portugal podem passar um mês de Maio em plena festa.


Depois dos resultados das primeiras mãos era expectável. Mas apesar de tudo não deixa de ser uma doce realidade.

Portugal colocou pela primeira vez na sua história três equipas numa meia-final europeia, garantindo à partida um lugar na final. Que pode ser lusa a 100% se o intruso espanhol não estragar a festa. Na prova rainha da Europa os espanhóis garantem também um lugar na final, um mano a mano histórico entre os seus dois gigantes. Final contra um representante do norte da Europa. Seja o Manchester United seja o Schalke 04, um alien nesta história. Uma história europeia e ibérica. Histórica.

Em 2010 houve quatro equipas do norte contra quatro equipas do sul da Europa nas semi-finais das duas provas. Um ano antes, em 2009, o dominio do norte europeu era ainda evidente. Mas as coisas começam, progressivamente, a mudar.

Já houve finais europeias com clubes do mesmo país. Espanha (por duas vezes), Inglaterra (por duas vezes), Itália (por duas vezes) e Alemanha (por uma vez). Mas um dominio tão grande de uma zona geográfica nas duas provas europeias, isso sim é inédito. O dominio dos ingleses na Champions League nunca se viu acompanhado pelas performances dos seus clubes na Europe League (ou a defunta Taça UEFA). A melhor era do futebol italiano, a meados dos anos 90, foi a única que se aproximou a esta realidade. Mas, mesmo assim, estamos a falar de seis clubes de dois países desportivamente muito diferentes. Se Barcelona e Real Madrid deveriam ser, à priori, presenças naturais a esta altura da competição (e o Barça soma mais um record com quatro semi-finais consecutivas) já o feito das equipas lusas é ainda mais louvável. Duas equipas procedentes da Champions League confirmam uma tendência habitual da segunda prova da UEFA. Tanto Braga como Benfica vieram da prova rainha e um dos lugares em Dublin é para eles, sim ou sim. O outro será para as duas melhores equipas do torneio numa verdadeira final antecipada. Duas equipas que não puseram os pés na Champions deste ano mas que certamente marcarão presença na próxima época. O seu nivel é esse, futebolisticamente e estruturalmente. O Villarreal é um dos projectos futebolisticos mais fascinantes do futebol europeu. Sem os milhões na liga dos milhões ontem alinhou oito jogadores da sua formação a que juntou pérolas resgatadas aos grandes (Diego Lopez, Rossi e Borja Valero) do futebol europeu. Destroçou a duas mãos o Twente, provável futuro campeão holandês. Antes já o tinha feito a Bayer Leverkusen e Napoli, segundos de Alemanha e Itália. Uma demonstração de força que encontra rival à altura. O FC Porto de André Villas-Boas.

Depois do esperado titulo nacional a ambição europeia. O clube da Invicta aplicou uma goleada histórica em duas mãos a um russo saído também da Champions League e está a três jogos de repetir o feito logrado na última vez que passeou por esta prova. O que significaria uma final 100% made in Portugal, um êxito conjunturla que não deve tapar os graves problemas do futebol luso.


Do outro lado da barricada estão Braga e Benfica. Ambos chegam a esta altura da época por méritos próprios e caminhos distintos.

O Benfica sofredor, como sempre, esteve com um pé fora da prova até que Luisão acalmou os nervos de Jorge Jesus. O PSV acabou por ser manso demais (como PSG e Stutgart antes) e não teve argumentos para o conjunto luso. O Benfica regressa a uma meia-final europeia 21 anos depois. Até aos anos 70 era a segunda equipa do futebol com mais presenças nessa fase da prova rainha europeia. Depois a longa agonia. Que uma presença em Dublin pode acalmar. Já o Braga tem, provavelmente, a maior quota de mérito dos semi-finalistas. É o Schalke 04 desta prova, salvas as devidas distâncias económicas e desportivas.

A equipa de Domingos Paciência bateu o Liverpool agónicamente e soube sofrer em Kiev e Braga para eliminar o ambicioso Dynamo ucraniano. Com as suas conhecidas limitações - ontem Paulo César teve de ser lateral direito - o Braga matou todos os fantasmas que rodeiam o seu projecto e as capacidades do seu técnico. Chegam tão longe como o histórico Boavista do inicio da década - que então caiu aos pés do Celtic de Glasgow e falhou uma final 100% made in Porto. Contra o Benfica, rival que conhecem bem, e com um ambiente europeu sem os habituais condicionantes da arbitragem portuguese adivinha-se um duelo extremamente equilibrado. O melhor certamente seguirá em frente.

Um sonho que persegue igualmente o Schalke 04. Mas os alemães são matreiros e no único duelo do norte da Europa sabem que o Manchester United desta época não tem o mesmo glamour de outros tempos. Emular o feito do Bayer Leverkusen é o objectivo de Raúl e companhia. O espanhol gostaria de rever o seu ex-clube, mas a verdade é que o Barcelona parte como favorito. Espanha tem certamente presença garantida em Londres. Os campeões e o seu eterno rival jogam quatro vezes em três semanas (Liga, Taça e meias-finais) e todos os jogos valem mais do que se possa imaginar num país dividido até ao tutano entre merengues e culés. Se o vencedor do Villareal vs FC Porto é o máximo favorito em Dublin todos sabem que quem saia vencedor deste duelo fracticida também entra como grande favorito pelo velho Wembley.


No meio deste dominio português da Europe League destaca-se, uma vez mais, a ausência do Sporting. O último clube português a marcar presença numa final europeia começa a perder corrida nessa luta emocional pelo titulo de "grande". O passado no futebol vale menos do que se imagina e face à afirmação europeia de Benfica, à consolidação da superioridade do FC Porto e ao arrojo do projecto do SC Braga, os leões têm de reagir. Até lá podemos ficar com um pequeno sabor de como seria uma eventual Liga Ibérica. Com algum intruso pelo meio...



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 08:43 | link do post | comentar | ver comentários (6)

Nunca uma região geográfica dominou de forma tão clara as provas europeias patrocinadas pela UEFA. Dos oito semi-finalistas europeus, seis encontram-se na Peninsula Ibérica. Um feito histórico que confirma a tendência dos últimos anos. O futebol europeu volta a deslocar-se, progressivamente, para o sul. E Espanha e Portugal podem passar um mês de Maio em plena festa.

 

 

 

Depois dos resultados das primeiras mãos era expectável. Mas apesar de tudo não deixa de ser uma doce realidade.

Portugal colocou pela primeira vez na sua história três equipas numa meia-final europeia, garantindo à partida um lugar na final. Que pode ser lusa a 100% se o intruso espanhol não estragar a festa. Na prova rainha da Europa os espanhóis garantem também um lugar na final, um mano a mano histórico entre os seus dois gigantes. Final contra um representante do norte da Europa. Seja o Manchester United seja o Schalke 04, um alien nesta história. Uma história europeia e ibérica. Histórica.

Em 2010 houve quatro equipas do norte contra quatro equipas do sul da Europa nas semi-finais das duas provas. Um ano antes, em 2009, o dominio do norte europeu era ainda evidente. Mas as coisas começam, progressivamente, a mudar.

Já houve finais europeias com clubes do mesmo país. Espanha (por duas vezes), Inglaterra (por duas vezes), Itália (por duas vezes) e Alemanha (por uma vez). Mas um dominio tão grande de uma zona geográfica nas duas provas europeias, isso sim é inédito. O dominio dos ingleses na Champions League nunca se viu acompanhado pelas performances dos seus clubes na Europe League (ou a defunta Taça UEFA). A melhor era do futebol italiano, a meados dos anos 90, foi a única que se aproximou a esta realidade. Mas, mesmo assim, estamos a falar de seis clubes de dois países desportivamente muito diferentes. Se Barcelona e Real Madrid deveriam ser, à priori, presenças naturais a esta altura da competição (e o Barça soma mais um record com quatro semi-finais consecutivas) já o feito das equipas lusas é ainda mais louvável. Duas equipas procedentes da Champions League confirmam uma tendência habitual da segunda prova da UEFA. Tanto Braga como Benfica vieram da prova rainha e um dos lugares em Dublin é para eles, sim ou sim. O outro será para as duas melhores equipas do torneio numa verdadeira final antecipada. Duas equipas que não puseram os pés na Champions deste ano mas que certamente marcarão presença na próxima época. O seu nivel é esse, futebolisticamente e estruturalmente. O Villarreal é um dos projectos futebolisticos mais fascinantes do futebol europeu. Sem os milhões na liga dos milhões ontem alinhou oito jogadores da sua formação a que juntou pérolas resgatadas aos grandes (Diego Lopez, Rossi e Borja Valero) do futebol europeu. Destroçou a duas mãos o Twente, provável futuro campeão holandês. Antes já o tinha feito a Bayer Leverkusen e Napoli, segundos de Alemanha e Itália. Uma demonstração de força que encontra rival à altura. O FC Porto de André Villas-Boas.

Depois do esperado titulo nacional a ambição europeia. O clube da Invicta aplicou uma goleada histórica em duas mãos a um russo saído também da Champions League e está a três jogos de repetir o feito logrado na última vez que passeou por esta prova. O que significaria uma final 100% made in Portugal, um êxito conjunturla que não deve tapar os graves problemas do futebol luso.

 

Do outro lado da barricada estão Braga e Benfica. Ambos chegam a esta altura da época por méritos próprios e caminhos distintos.

O Benfica sofredor, como sempre, esteve com um pé fora da prova até que Luisão acalmou os nervos de Jorge Jesus. O PSV acabou por ser manso demais (como PSG e Stutgart antes) e não teve argumentos para o conjunto luso. O Benfica regressa a uma meia-final europeia 21 anos depois. Até aos anos 70 era a segunda equipa do futebol com mais presenças nessa fase da prova rainha europeia. Depois a longa agonia. Que uma presença em Dublin pode acalmar. Já o Braga tem, provavelmente, a maior quota de mérito dos semi-finalistas. É o Schalke 04 desta prova, salvas as devidas distâncias económicas e desportivas.

A equipa de Domingos Paciência bateu o Liverpool agónicamente e soube sofrer em Kiev e Braga para eliminar o ambicioso Dynamo ucraniano. Com as suas conhecidas limitações - ontem Paulo César teve de ser lateral direito - o Braga matou todos os fantasmas que rodeiam o seu projecto e as capacidades do seu técnico. Chegam tão longe como o histórico Boavista do inicio da década - que então caiu aos pés do Celtic de Glasgow e falhou uma final 100% made in Porto. Contra o Benfica, rival que conhecem bem, e com um ambiente europeu sem os habituais condicionantes da arbitragem portuguese adivinha-se um duelo extremamente equilibrado. O melhor certamente seguirá em frente.

Um sonho que persegue igualmente o Schalke 04. Mas os alemães são matreiros e no único duelo do norte da Europa sabem que o Manchester United desta época não tem o mesmo glamour de outros tempos. Emular o feito do Bayer Leverkusen é o objectivo de Raúl e companhia. O espanhol gostaria de rever o seu ex-clube, mas a verdade é que o Barcelona parte como favorito. Espanha tem certamente presença garantida em Londres. Os campeões e o seu eterno rival jogam quatro vezes em três semanas (Liga, Taça e meias-finais) e todos os jogos valem mais do que se possa imaginar num país dividido até ao tutano entre merengues e culés. Se o vencedor do Villareal vs FC Porto é o máximo favorito em Dublin todos sabem que quem saia vencedor deste duelo fracticida também entra como grande favorito pelo velho Wembley.

 

 

 

No meio deste dominio português da Europe League destaca-se, uma vez mais, a ausência do Sporting. O último clube português a marcar presença numa final europeia começa a perder corrida nessa luta emocional pelo titulo de "grande". O passado no futebol vale menos do que se imagina e face à afirmação europeia de Benfica, à consolidação da superioridade do FC Porto e ao arrojo do projecto do SC Braga, os leões têm de reagir. Até lá podemos ficar com um pequeno sabor de como seria uma eventual Liga Ibérica. Com algum intruso pelo meio...



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 08:43 | link do post | comentar | ver comentários (3)

Quinta-feira, 14 de Abril de 2011

A muitos surpreende a vitoriosa campanha europeia do Schalke 04 de Raul e companhia. Mas apesar de ser a primeira semifinal da Champions League na história do clube, houve uma época em que os mineiros de Gelsenkirchen faziam parte da nata europeia. Nos anos 30 o futebol espectáculo do Schalke ajudou a definir as bases do futebol alemão do pós-guerra e transformou os seus heróis em ícones da resistência do povo germânico.

 

 

 

Chamaram-lhe "Schalker Kreisel".

E definiu o estilo de futebol de toque que começava a ganhar cada vez mais adeptos no centro da Europa. O estilo de jogo de combinação - primitivo comparado com os padrões de hoje mas enormemente avançado para a época - que se foi forjando na equipa do Schalke nos anos 20 marcou um antes e um depois na história do futebol alemão. Até então o país tinha vivida à sombra de um futebol rápido e de contacto, praticado iminentemente pelas equipas do sul.

Kurt Otto moldou uma equipa feita só com jogadores da casa, muitos deles mineiros e filhos de mineiros da cidade industrial de Gelsenkirchen. Uma equipa que procurava a troca de bola em lugar das habituais cavalgadas rumo à área contrária. E que encontrou no talentoso Fritz Szepan e Ernst Kuzorra, os seus grandes interpretes. Filhos de emigrantes polacos, como tantos outros na cidade, as duas grandes estrelas do futebol alemão do pré-guerra, talvez os jogadores europeus mais completos da sua época - a par de Meazza e Sindelaar - Szepan e Kuzorra deram um brilho especial o jogo de toque dos azuis reais. A equipa começou a crescer em meados dos anos 20, com a chancela do presidente Fritz Unkel, um dos grandes impulsionadores do projecto local. Rapidamente passaram a dominar a Gauliga, a liga da zona do Rhur, a mais forte das ligas regionais alemãs. Uma série de contratempos foram adiando o esperado titulo inaugural do Schalke.

Aliado ao sucesso do clube ficou o nascimento do mítico Glückauf-Kampfbahn, um dos estádios mais frenéticos do futebol teutónico durante largas décadas. O público local transformou os jogos em casa do Schalke em meros trâmites (o clube não perdeu um jogo em casa nos 11 anos seguintes até ao irromper da guerra) e rapidamente a equipa começou a disputar as finais nacionais. Em 1929, um ano depois da inauguração do estádio, chegou o primeiro titulo regional. Mas foi preciso esperar cinco anos até o domínio do futebol do oeste se transformasse em domínio nacional.

 

Quando tudo indicava que o maravilhoso futebol do Schalke 04 ia terminar com o a supremacia do Stuttgart e Nuremberga, a liga alemã surgiu em cena e baniu o clube durante um ano. O motivo? O pagamento de salários elevados aos seus melhores jogadores, algo impensável num país que lidava tão mal com o conceito do profissionalismo que só nos anos 60 a Bundesliga foi oficialmente fundada como uma liga profissional. Quase 30 anos depois das restantes grandes competições europeias. Por essa altura a Alemanha já tinha até um titulo mundial ganho por falsos amadores. Como eram todos os elementos do Schalke 04.

Por isso só em 1934 a equipa pode finalmente desfrutar do seu primeiro campeonato. Uma época inesquecivel em que ao génio de Szepan e Kuzorra se juntaram outros elementos chave. A final disputada em Berlim confirmou o génio de Bornemann na defesa, Zajons e Urban nas alas e Rothard no eixo do ataque. O Schalke venceu por 2-1 o Nuremberg mas esteve a perder por 1-0. Parecia que a malapata ia seguir quando Szepan, como só ele sabia fazer, marcou o primeiro e inventou o segundo em apenas dois minutos. Os dois que faltavam para o jogo chegar ao fim.

O triunfo iniciou uma saga de vitórias praticamente incontestáveis até ao arranque da II Guerra Mundial. No ano seguinte a vitima foi o Stuttgart, derrotado num festival de golos por 6-4. Por essa altura o técnico já era Hans Schmidt, sucessor do genial Otto e fiel continuador da sua filosofia de jogo curto de toque e desmarcação, algo que se tornara já na moda europeia graças à popularidade do Wunderteam austríaco de Hugo Meisl. Depois do hiato em 1936, dois novos títulos nacionais consecutivos e um dominio que se prolongou até 1941, ultimo ano das competições oficiais antes da entrada na fase determinante da guerra. Durante toda a década o Schalke manteve-se fiel não só ao seu estilo futebolistico mas também à sua filosofia local. O clube protegeu muitos dos seus jogadores judeus durante a perseguição do regime nazi e ajudou os seus melhores jogadores a evitarem a temida frente oriental ao serviço do exército. Muitos deles serviram em bases aéreas em solo alemão, privilegio de poucos. O final da era de glória do Schalke significou um parêntesis na evolução do próprio futebol alemão. O clube tinha sido a base ideológica do jogo teutónico apesar das reservas do seleccionador Otto Nerz que não apreciava o estilo relaxado e de toque de Szepan e Kuzorra. O segundo foi afastado da selecção sem apelo nem agravo. O primeiro viveu uma década de altos e baixos. Mas estava em campo no dia em que a Alemanha se apaixonou pelo seu jogo. Em Breslau, num desafio contra a Dinamarca, o polémico Nerz finalmente alinhou os seus melhores jogadores, incluindo a espinha dorsal do Schalke 04. A equipa venceu por 8-0 - a sua maior vitória até então - e o onze que marcou o verdadeiro inicio da Mannschaft ficou conhecido como Breslau Elf.

 

 

 

Com o pós-guerra o Schalke 04 entrou num periodo de crise da qual nunca recuperou totalmente. Voltou a vencer, uma vez mais, o titulo alemão mas quando a Bundesliga finalmente arrancou o clube começou a perder-se pelos postos do meio da tabela. Depois da surpreendente vitória da Taça UEFA, em 1998, o conjunto alemão volta a estar nas bocas do mundo. Muitos lembram-se já do Bayer Leverkusen. Em 2002 também disputou a meia-final com o Manchester United e do outro lado havia um Barcelona vs Real Madrid. Muita coincidência. Sob o espirito do Schalker Kreisel, sonhar está permitido.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 10:39 | link do post | comentar

.O Autor

Miguel Lourenço Pereira

Novembro 2014
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1

2
3
4
5
6
7
8

9
10
11
12
13
14
15

16
17
18
19
20
21
22

23
24
25
26
27
28
29

30


Ultimas Actualizações

Toni Kroos, el Maestro In...

Portugal, começar de novo...

O circo português

Porta de entrada a outro ...

Os génios malditos alemãe...

Últimos Comentários
Thank you for some other informative web site. Whe...
Só espero que os Merengues consigam levar a melhor...
O Universo do Desporto é um projeto com quase cinc...
ManostaxxGerador Automatico de ideias para topicos...
ManostaxxSaiba onde estão os seus filhos, esposo/a...
Posts mais comentados
69 comentários
64 comentários
47 comentários
arquivos

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

.Em Destaque


UEFA Champions League

UEFA Europe League

Liga Sagres

Premier League

La Liga

Serie A

Bundesliga

Ligue 1
.Do Autor
Cinema
.Blogs Futebol
4-4-2
4-3-3
Brigada Azul
Busca Talentos
Catenaccio
Descubre Promesas
Desporto e Lazer Online
El Enganche
El Fichaje Estrella
Finta e Remate
Futebol Artte
Futebolar
Futebolês
Futebol Finance
Futebol PT
Futebol Total
Jogo de Área
Jogo Directo
Las Claves de Johan Cruyff
Lateral Esquerdo
Livre Indirecto
Ojeador Internacional
Olheiros.net
Olheiros Ao Serviço
O Mais Credível
Perlas del Futbol
Planeta de Futebol
Portistas de Bancada
Porto em Formação
Primeiro Toque
Reflexão Portista
Relvado
Treinador de Futebol
Ze do Boné
Zero Zero

Outros Blogs...

A Flauta Mágica
A Cidade Surpreendente
Avesso dos Ponteiros
Despertar da Mente
E Deus Criou a Mulher
Renovar o Porto
My SenSeS
.Futebol Nacional

ORGANISMOS
Federeção Portuguesa Futebol
APAF
ANTF
Sindicato Jogadores

CLUBES
Futebol Clube do Porto
Sporting CP
SL Benfica
SC Braga
Nacional Madeira
Maritimo SC
Vitória SC
Leixões
Vitoria Setúbal
Paços de Ferreira
União de Leiria
Olhanense
Académica Coimbra
Belenenses
Naval 1 de Maio
Rio Ave
.Imprensa

IMPRENSA PORTUGUESA DESPORTIVA
O Jogo
A Bola
Record
Infordesporto
Mais Futebol

IMPRENSA PORTUGUESA GENERALISTA
Publico
Jornal de Noticias
Diario de Noticias

TV PORTUGUESA
RTP
SIC
TVI
Sport TV
Golo TV

RADIOS PORTUGUESAS
TSF
Rádio Renascença
Antena 1


INGLATERRA
Times
Evening Standard
World Soccer
BBC
Sky News
ITV
Manchester United Live Stream

FRANÇA
France Football
Onze
L´Equipe
Le Monde
Liberation

ITALIA
Gazzeta dello Sport
Corriere dello Sport

ESPANHA
Marca
As
Mundo Deportivo
Sport
El Mundo
El Pais
La Vanguardia
Don Balon

ALEMANHA
Kicker

BRASIL
Globo
Gazeta Esportiva
Categorias

a gloriosa era dos managers

a historia dos mundiais

adeptos

africa

alemanha

america do sul

analise

argentina

artistas

balon d´or

barcelona

bayern munchen

biografias

bota de ouro

braga

brasileirão

bundesliga

calcio

can

champions league

colaboraçoes

copa america

corrupção

curiosidades

defesas

dinamarca

economia

em jogo

entrevistas

equipamentos

eredevise

espanha

euro 2008

euro 2012

euro sub21

euro2016

europe league

europeus

extremos

fc porto

fifa

fifa award

finanças

formação

futebol internacional

futebol magazine

futebol nacional

futebol portugues

goleadores

guarda-redes

historia

historicos

jovens promessas

la liga

liga belga

liga escocesa

liga espanhola

liga europa

liga sagres

liga ucraniana

liga vitalis

ligas europeias

ligue 1

livros

manchester united

medios

mercado

mundiais

mundial 2010

mundial 2014

mundial 2018/2022

mundial de clubes

mundial sub-20

noites europeias

nostalgia

obituário

onze do ano

opinião

polemica

politica

portugal

premier league

premios

real madrid

santuários

seleção

selecções

serie a

sl benfica

sociedade

south africa stop

sporting

taça confederações

taça portugal

taça uefa

tactica

treinadores

treino

ucrania

uefa

todas as tags

subscrever feeds