Terça-feira, 29 de Março de 2011

Quem conhece a natureza do futebol espanhol desde as suas raízes sabe bem que o jogo popularizado pela brilhante Roja nos últimos três anos é a antítese da alma hispânica. Espanha conseguiu os títulos e a glória que sempre buscou a partir do momento em que deixou de ser ela mesma e passou a emular, passo a passo, a mentalidade de jogo holandesa. No futebol não há nada novo a inventar e comparar a evolução da equipa que deu forma ao Futebol Total com a selecção do país vizinho é como olhar para o reflexo num espelho. A Roja podia ter sido Orange e ninguém teria dado por isso...talvez só mesmo os espanhóis!

 

 

 

Rondo, rondo, rondo.

Quem ouve Xavi Hernandez, o maestro da selecção espanhola e o mais completo futebolista dos últimos anos, é forçado a guardar esta palavra espanhola no seu vocabulário. O equivalente ao nosso "meinho", esse exercício quase infantil, mudou por completo o rosto do futebol espanhol. Começou na Catalunha - como sucedeu nos anos 20 com a primeira versão grande versão da Roja, algo que a história centralista procurou esquecer - e hoje é o santo e senha do país. E o motivo de admiração do mundo. Mas o rondo de Xavi é tudo menos espanhol. Aliás, o rondo de Xavi é a antítese do futebol espanhol. É profundamente metódico, organizado, criativo e veloz, características difíceis de encontrar na mentalidade desportiva de um país que olha para um desafio como vê uma tourada, à procura do lado esteta e da vitória triunfal em ombros alheios. Esse mítico rondo que definiu um modelo de criativos que hoje compõe a estrutura base da campeã da Europa e do Mundo chegou tarde a Espanha. Chegou com Johan Cruyff. O mago feiticeiro da Holanda dos anos 70 foi também o responsável directo pelo renascimento do futebol de toque, de ataque, romântico, paralelamente em duas realidades. Quando arrancou a sua carreira como técnico, no seu amado Ajax, lançou os princípios que iriam definir o renascimento do futebol holandês e que durou até ao inicio desta década. Responsável primeiro das gerações que encantaram o mundo de 1988 a 1998, Cruyff voltou a mostrar aos holandeses o que faz deles especiais. Essa paixão pelo toque curto, pelo passe lateral, pela basculação sem perdas de bola. Esse gosto pela velocidade da bola (e não do homem) tornou-o também o pai fundador do Barcelona moderno. Até 1988 o clube catalão viva mais da fama de vitima do franquismo do que dos seus (poucos) títulos. Com Cruyff tudo mudou. O rondo chegou aos treinos, as equipas de formação de La Masia passaram a seguir os mesmos ensinamentos aplicados às estrelas do Dream Team e a pequena La Masia passou a formar, desde a sua origem, as peças do futuro. Essa mentalidade, desenvolvida por Rinus Michels nos anos 60, marcou um antes e um depois na história do futebol moderno. Mas em Espanha ninguém lhe ligou muito, nem quando o técnico pregou aos peixes de Barcelona em 1972. Enquanto a Holanda deslumbrava com o seu futebol mágico, com laterais ofensivos, falsos pontas-de-lanças, extremos bem abertos mas incisivos e médios criativos, em Espanha ainda se apostava na fúria. E não era, como muitos dizem, um exclusivo do duro futebol basco. O Real Madrid dos "yé-yés" ou dos "Garcia", as equipas que sucederam à constelação de estrelas de Di Stefano e companhia também preferia "hecharle huevos" a pensar o jogo. E do Barcelona, mesmo com génios tácticos como Michels ou Menotti, era mais fácil esperar jogos frenéticos e desorganizados do que um futebol estético. O futebol espanhol sempre foi um futebol de raça mais do que de talento. De tal forma que hoje em dia - e até Xavi  (com as excepções de Suarez, Butrageño e Guardiola) - todos os grandes nomes do país passam por ser figuras raçudas mais do que jogadores talentosos: Quini, Raul, Santillana, Gordillo, Camacho, Michel, Rexach, Hierro, Luis Enrique, Martin Vasquez, Peiró, Aragonés... 

 

A grande transformação cruyffiana marcou um antes e um depois na história do futebol espanhol.

Quando o Barcelona deixou de ser o Barcelona para passar a ser a versão holandesa do clube catalão tudo mudou. Cruyff impôs as suas normas e os seus métodos e apesar dos altos e baixos na sua polémica gestão a ideia germinou. O futebol espanhol vivia um significativo atraso comparativo com outras nações europeias (e pouco condizente com o estatuto da sua liga, sempre mais depressa apoiada em figuras estrangeiras do que em valor local) e começou a trabalhar na recuperação. A cantera, antes um conceito mais económico do que técnico, passou a fazer sentido. Particularmente em zonas onde o nacionalismo valora, profundamente, o produto local. Athletic Bilbao e Barcelona deram um passo à frente. A lei Bosman fez com que os clubes de Madrid dessem um passo atrás. Curioso é pensar que são dois técnicos formados e criados na capital que melhor souberam entender os ensinamentos do holandês. Aragonés e Del Bosque não são grandes treinadores no sentido táctico ou mediático do termo. As suas carreiras são longas e cheias de altos e baixos. Mas a forma como o primeiro interpretou os ventos de mudança e o segundo soube controlar a transição geracional é louvável. Porque estavam a lutar contra o que eles próprios defenderam durante a sua etapa como atletas e primórdios como jogador.

Ver jogar as equipas de Aragonés (principalmente Atlético Madrid e Barcelona) e Del Bosque (no Real Madrid) e encontrar traços de similaridades com esta Espanha é tempo perdido. Não os há. Essas equipas eram assumidamente espanholas na sua paixão pela fúria, pelo ataque continuado e pela desorganização táctica no sector defensivo. Mas em 2007 Aragonés entendeu que o 4-4-2 espanhol, que tantos fracassos acumulara, tinha perdido definitivamente a validez como ideia. E olhou para trás. Provavelmente para os jogos de Cruyff, não como técnico, mas como jogador. Se há alguma equipa que alguma vez se tenha parecido àquela Holanda é esta Espanha. Talvez os interpretes estejam uns furos abaixo individualmente (Villa não é Cruyff, Iniesta não é Resenbrink, Ramos não é Surbieer, Capdevilla não é Krool, Xabi Alonso não é Rep, Puyol não é Haan e Busquets não é Neskeens). Mas o sentido colectivo está lá. As transições coordenadas, a troca de bola fluida e constante, em movimentos laterais que permitem procurar espaços e desgastar, ao mesmo tempo, o rival e, sobretudo, a fluidez ofensiva entre o quinteto de meio-campo e o dianteiro, permitem-nos traçar essas similaridades. Espanha pensa o jogo como uma equipa holandesa. Não só "aquela" mas todas as que se seguiram. Se a Espanha jogasse de laranja e cada jogador da meseta castelhana tivesse um van como prefixo ninguém se estranharia. Talvez por isso catalogar o sucesso da Espanha como sucesso da ideia de futebol espanhol é, não só abusivo, como um erro. Não há nada de novo nos jogos da Roja que não tivesse sido posto em prática há 40 anos. Há melhoramentos (principalmente na faceta defensiva) e coisas a melhorar (esta Espanha continua a dominar pouco os extremos, algo de que Aragonés abdicou totalmente com um quinteto de "bajitos" - Silva, Cesc, Xavi, Iniesta, Cazorla - e que Del Bosque procura timidamente recuperar com Pedro) mas a filosofia de jogo é similar. Mais até do que a do próprio Barcelona que soube inculcar as próprias características autóctones ao jogo de Cruyff e os ensinamentos que Guardiola recebeu de Capello e Sacchi na sua estadia transalpina. Esse seu Barça é talvez ainda mais Total que a equipa capitaneada pelo seu mentor. 

 

 

 

Não podia ser mais irónico que a consagração da Espanha holandesa tenha surgido frente a uma Holanda que renegou, desde o primeiro dia, tudo o que faz parte da sua bíblia futebolística. O killer-instinct que faltou à Holanda nos Mundiais anteriores (e em três deles foi a melhor equipa do torneio) tornou-se excessivo com a formação que viajou até à África do Sul. Essa falta de classe deixa, se cabe, ainda mais a nu a aproximação mental e estética dos espanhóis à mentalidade neerlandesa. Os nomes são profundamente espanhóis, os físicos não enganam, mas o jogo que Iniesta lança no tapete verde não se vê na planície manchega de Fuentalbilla mas sim na verdejante Volendam muitos quilómetros a norte. O passe de Xavi não existe na tradição futebolística de Terrasa, mas há muito que faz parte do abecedário dos parques infantis de Amesterdam. A Espanha dos moinhos de D. Quixote transformou-se na Espanha dos moinhos de vento holandeses. Os adeptos sabem, lá no fundo, que esta equipa é tão estrangeira como qualquer outra. Mas acabar com uma fome de títulos de meia século não tem preço, mesmo que o que há que pagar seja a própria identidade futebolística de um país. Esta Espanha é temível e sê-lo-á na próxima década porque, precisamente, há muito que deixou de ser Espanha e passou a ser a ideia concreta de um pensamento abstracto cor-de-laranja.



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Segunda-feira, 28 de Março de 2011

Começa a ser dificil ignorar o imenso talento de Neymar. E no entanto apetece. Apetece esquecer que ali existe um imenso potencial artistico que, aplicado na dose certa, pode resultar num jogador extraordinário. Tudo porque Neymar tem representado um papel para o qual não há futuro. Robinho já o viu e até grandes como Ronaldinho sentiram-no na pele. Neymar vive uma encruzilhada perigosa. Pode vir a ser um grande jogador ou um grande artista. E a balança que não se decide...

 

 

 

Em 2014 o Mundo vai exigir ao Brasil o que não logrou em 1950. O que não consegue há nove anos (serão 12 então). O titulo Mundial.

Sem Ronaldinho, sem Kaká e sem qualquer referência histórica, a geração do escrete canarinho de 2014 está orfã de um lider. Mano Menezes, o hábil seleccionador que se prepará para o torneio com o peso do Mundo nos ombros, sabe-o bem. Faz provas, experimenta, procura a originalidade mas está refém. Refém de um campeonato desvalorizado, sem chama. Refém da migração precoce dos seus melhores jogadores jovens. Refém do poder mediático das estrelas passadas de moda e forma fisica (e mental). Mas, sobretudo, refém de jogadores que teimam em esquecer a faceta profissional do futebol. Jogadores que continuam a preferir a festa, o dinheiro, as mulheres e o espectáculo inconsequente ao treino, à disciplina, ao sentido táctico...jogadores como Neymar.

O médio ofensivo do Santos é uma pérola imensa, talvez a maior que o futebol brasileiro tem em mãos desde a ascensão de Ronaldinho Gaúcho no Grémio. Nem Kaká, nem Robinho, nem Pato conseguiram tanto em tão pouco tempo. E os três também tiveram pouco tempo para se apresentar ao Brasil. Aos poucos jogos como profissionais já tinham um bilhete de avião para a Europa no bolso. Neymar há ano e meio que encanta o Brasil. No horário de São Paulo. É o lider criativo do Santos mas, sobretudo, é o espelho do jogador de rua que os brasileiros tanto apreciam. Mas é, também, o seu maior inimigo. Anda com correntes de ouro, telemóveis de última geração, penteados copiados dos catálogos que chegam de Miami e rotinas que pouco condizem com um profissional. É também o herdeiro de um estilo de jogador muito habitual no Brasil. O que não acredita na organização e na disciplina. Insulta o seu treinador com facilidade, recusa-se a comemorar golos dos colegas quando lhe apetece e, acima de tudo, é incapaz de jogar para o colectivo quando tem a possibilidade do brilho individual. Um jogador destructivo mas com um talento tão grande que o Brasil se arrisca a deixar-se cair nas suas mãos. Antes do tempo.

 

Pelé tinha 17 anos quando chegou ao escrete mas era, já então, um profissional imenso. Garrincha não, mas a sua jovialidade além de ser resultado da sua inocência mais do que a sua presunsão não teria funcionado hoje como sucedeu entre 1958 e 1966, os seus anos de ouro. Ronaldo foi adulto muito cedo e viveu o sacrificio como Romário e Ronaldinho nunca souberam fazer. Por isso ainda há no Brasil quem olhe um pouco de lado para a sua figura. O público brasileiro gosta do espectáculo pelo espectáculo mas também não suporta perder. É como Neymar. O delicioso jogador brilha num campeonato feito à sua medida onde o defesa para para se deixar driblar e não faz falta para não receber o olhar reprovador dos seus próprios adeptos. O talento de Neymar teria mais dificuldades em encantar na Europa como Robinho descobriu. Em Espanha, Itália e Inglaterra o avançado nunca logrou parar o tempo e os rivais com a mesma facilidade com que serpenteava o relvado curtinho do Brasileirão. Talvez por isso, talvez por essa licção aprendida pelos grandes que ainda hoje não sabem o que fazer com este tipo de jogadores, Neymar continua no Brasil. E não está só. Paulo Henriques (Ganso), Casemiro, Ciro, Kleber, Dentinho, Óscar, Tinga e tantos outros talentos precoces inspiram o mesmo tipo de desconfiança que Neymar. Mas é deles que o Brasil depende. Ou pior, quer depender.

Menezes sabe que não tem o leque de jogadores que Scolari, Parreira e Zagallo tiveram para chegar ao topo. Nem de longe nem de perto. Hoje o Brasil tem sérias dificuldades para montar um plantel competitivo para disputar com Espanha, Alemanha, Argentina e Holanda a supremacia mundial. Não tem um jogador determinante como Messi, um modelo de jogo claro como o dos espanhóis ou um colectivo forte e habituado a jogar junto há largo tempo como germânicos e holandeses. Apesar de receber o Mundo, este escrete está muito longe da imagem romântica que inspira receio nos rivais. Para Menezes entregar a batuta da geração de 2014 a um jogador como Neymar, tão problemático como genial, diz bem do desespero que vive uma nação habituada a impor o seu ritmo e lei. Entre médios trabalhadores, jogadores a trabalhar na chamada classe média europeia (que grandes brasileiros actuam nos principais clubes da Europa com a excepção de Dani Alves, Alexandre Pato ou Marcelo?) e essas conflituosas promessas vive o futuro dos campeões dos campeões. Um jogo de expectativas perigoso que pode jogar contra a ideia de supremacia moral que sempre pareceu acompanhar as estridentes camisolas amarelas.

 

 

 

Neymar, no meio de tudo isto, continua a deslumbrar no relvado e a preocupar fora dele. O seu estilo dandy é inconfundivel, traz a marca do jogo de favelas e da habitual esperteza do desenrascanço brasileiro. Mas o "chico-espertismo" do brasileiro hoje não funciona num planeta futebol habituado a encontrar rapidamente o antidoto para cada veneno. E Neymar, como outros antes dele e muitos certamente depois, encanta mas não traz consigo um efeito surpresa. Nem na classe nos pés nem nos problemas fora do campo. É uma bomba-relógio que só ele mesmo poderá desactivar e um problema para os dirigentes dos grandes clubes europeus. Ter nos ombros o peso de um país pode fazer com que a bomba se active antes do tempo. Ou que se desactive permanentemente. Uma encruzilhada que tem em suspenso o Brasil. Dele depende a ilusão do futuro e a eficácia do presente. E o tempo, já sabemos, fugit!



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Sábado, 26 de Março de 2011

O Bayern Munchen é o clube mais odiado da Alemanha. Talvez um dos mais impopulares da Europa. É entendido como um clube cinzento desde que Uli Hoeness chegou à cupula directiva, a finais dos anos 70. Por diversas vezes o polémico Uli tentou mudar essa imagem negativa mas quase nunca conseguiu. Agora parece ter desistido de vez. Só assim se entende o regresso do senhor Cinzento, Jupp Heynckes, à bela Munique.

 

 

 

Heynckes era um jogador que dava pouco nas vistas. Marcou muitos golos ao longo da sua carreira, especialmente quando recebia os passes perfeitos de Gunter Netzer no mágico Borussia Monchengladbach a meados dos anos 70. Pouco mais. A partir da década de 80 começou a sua carreira como treinador. Manteve o low-profile que o caracterizava. Esse cinzentismo concreto que tanto dano fez à imagem dos alemães por esse mundo fora em Heynckes ganha proporções quase mitológicas. Os seus êxitos como treinador nunca foram dignos de grande registo - salvo talvez a história Champions League ganha pelo Real Madrid em 1997 - porque a sua imagem nunca transmitiu qualquer tipo de empatia. Sem ser um motivador ou inovador táctico, pouco espaço sobrava a Jupp para ser reconhecido como um grande técnico. Passou a ser apenas um bom profissional o que na Alemanha, não nos esqueçamos, é tudo menos uma aspecto negativo. Aliás, todo o contrário.

Talvez por isso Jupp Heynckes se voltará a sentar num banco que conhece demasiado bem. É a sua terceira etapa no clube de Munique, algo pouco usual nos dias que correm mas que foi prática durante largos anos no futebol europeu. Depois de dois bons anos com o Bayer Leverkusen - a equipa que, como Heynckes, tem fama de nunca ganhar nada - os bávaros olham para ele como a figura ideal para seguir o trabalho de um técnico que não podia ser mais oposto ao alemão: Louis van Gaal.

O holandês polémico encontrou em Munique um clube com uma estrutura perfeita mas sem paciência para o seu estilo. Desenvolveu ao máximo uma formação que estava adormecida desde o aparecimento, em 2004, de Lahm e Schweinsteiger, e apostou num futebol fluido, atacante e dinamico. Talvez o melhor que o clube com mais titulos na história do futebol alemão apresentou desde a sua época dourada nos anos 70. Mas a sua falta de pragmatismo e o seu caracter irrascível serviram também para cavar a sua sepultura. Hoeness, o homem que fez do Bayern Munchen una máquina desportiva perfeitamente afinada, entendeu que o clube precisava de alguém com perfil baixo para endireitar os problemas de disciplina e atitude do balneário. Alguém na velha escola de um dos seus mentores, Udo Lattek.

 

Lattek chegou em 1970 a Munique herdando uma equipa aperfeiçoada até ao mais minimo detalhe pelo histórico Branko Zebec.

Ao leme dos bávaros, então a viver a sua era dourada com Muller, Maier, Breitner, Schwarzenbeck e Beckenbauer no onze, o técnico aplicou uma boa dose de pragmatismo táctico ao futebol espectáculo que a equipa exibia com Zebec. Conseguiu o feito histórico de vencer três ligas consecutivas a que juntou uma Champions League, a primeira do clube. Era um técnico disciplinador, directo com os jogadores mas sem grande vontade de inovar tacticamente. Numa era em que o Monchengladbach (de Heynckes) brilhava, o Bayern vencia. Em 1975 o técnico foi despedido e mudou-se, precisamente, para o eterno rival dos encarnados onde venceu mais duas ligas e uma Taça UEFA. Depois de passar pelo Barcelona, sem grande sucesso, voltou ao Bayern Munchen já com o seu protegido Uli Hoeness (tinha sido ele quem lançara Hoeness na sua primeira passagem no clube) como directivo. Voltou a vencer três ligas consecutivas e acabou por sair em 1987, depois da derrota com o FC Porto na final da Champions League. E é aí onde entra Heynckes na história.

Jupp tinha sido jogador de Lattek na sua etapa com o Borussia e tinha-se tornado num dos seus mais ferventes discipulos. Quando o técnico abandonou os bávaros pela segunda vez recomendou Heynckes como o seu sucessor. Hoeness fez-lhe caso e contratou o jovem treinador que já tinha sucedido a Lattek no Borussia em 1979. Heynckes foi recebido com alguma suspicácia em Munique, que esperava um técnico mais flamante e motivador (o sonho dos adeptos era o então seleccionador alemão, Franz Beckenbauer) mas os titulos ganhos entre 87 e 91 tornaram o dianteiro numa figura respeitada. Mas nunca querida. Nem pelos jogadores nem pelos adeptos. A sua saída foi tão pouco contestada que muitos imaginavam que Heynckes dificilmente voltaria a treinar um clube de elite na Bundesliga. Mas enquanto o Bayern entrava na sua década mais desastrosa (muito por culpa de maus negócios do directivo Hoeness mais do que pela labor dos técnicos que se seguiram), o perfil tranquilo e calmo de Heynckes tornou-se popular. Em Espanha conheceu vários sucessos ao serviço de Athletic Bilbao, Tenerife e Real Madrid. A partir daí começaram os falhanços. Benfica, Schalke 04 e Monchengladbach foram erros de cálculo mas a sua associação com Rudi Voeller no Leverkusen deu-lhe de novo prestigio na Bundesliga. De tal forma que, quando Jurgen Klinsmann - o técnico popular e flamante dos adeptos - foi abruptamente despedido em 2009, foi a Heynckes que Hoeness recorreu para acabar a liga.

 

 

 

Ao técnico não lhe ofereceram a renovação, apesar de ter logrado a classificação para a Champions League que permitira ao seu sucessor, Louis van Gaal, chegar à final de Madrid um ano depois. Dois anos depois as portas do Allianz Arena voltam a abrir-se para o homem cinzento, o técnico que poucos directivos gostam de contratar mas a quem muitos se encomendam em horas de aperto. De Jupp Heynckes ninguém espera futebol de ataque, jogadores jovens a estrearem-se com a camisola vermelha ou conferências de imprensa polémicas. Mas a sua eficácia em Munique é tal que dificilmente Uli Hoeness não se imagina já no próximo ano a festejar mais um titulo no seu longo mandato directivo. Que começou, precisamente, no ano em que Jupp trocou a bola pelo caderno de notas. E acinzentou um pouco mais o futebol germânico.



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Quinta-feira, 24 de Março de 2011

Quando em 1965 os Beatles apresentaram ao mundo o album Revolver, a história da música moderna nunca mais voltou a ser o mesma. O conjunto de Liverpool tinha encontrado a sua alma e depois de vários albuns que soavam ao mesmo que se podia ouvir em qualquer sitio arrancaram para uma série de trabalhos inovadores e originais. Até ao fim. O seu nome ficou para a posteridade. Os das (muitas) restantes bandas não. Ao saber reciclar-se e inovar, os Beatles entenderam como se contorna a neurose da vitória, uma doença que abala fortemente o mundo do futebol. Os projectos desportivos têm vida curta e não sabem como encontrar a sua alma. Apagam e começam do zero. E a neurose vence. E a imortalidade vai-se.

 

 

 

O grande Ajax dos anos 70, aquele que deu azo ao conceito de Futebol Total, nasceu numa tarde fria de 1966. Dezembro para ser mais preciso.

O então modestissimo clube holandês, profissionalizado há um par de anos, derrotou o Liverpool inglês por 5-1. Com quatro golos na primeira parte. O público não conseguia acreditar. Bill Shankly também não. A equipa foi eliminada pelo modesto Dukla de Praga na eliminatória seguinte. E só três anos depois chegaria à sua primeira final (perdida por 4-1 ante o AC Milan). E só cinco venceria a primeira de três consecutivas. Durante esse periodo Rinus Michels, que herdou a mentalidade ofensiva de Vic Buckingham e uma fornada de jogadores maravilhosos capitaneados por Johan Cruyff, foi-se reinventando. Uns anos foi a defesa, outros o ataque, até que chegou ao conceito Total. Um projecto que tardou cinco anos até funcionar a todos os niveis. Uma eternidade para o futebol de hoje que, como todos, quer tudo já. O imediatismo tomou conta da sociedade e transformou o desporto num paciente neurótico crónico. Vencer deixou de ser o consagrar de uma ideologia, de uma escola, de um grupo. Passou a ser uma verdadeira neurose médica.

Como aquele conjunto ajaccied, também o Liverpool de Shankly começou a desenhar-se na Second Division, quando o escocês chegou e impôs o seu método e abriu passo ao Boot Room. Daria ao clube de Merseyside 20 anos de glória, mas Shankly nunca venceu uma Taça dos Campeões Europeus. Tratou, simplesmente, de preparar o caminho. Hoje a nenhum técnico lhe é permitido tanto. Os clubes, salvo raras excepções, pensam que a vitória é a única justificação. Esquecem-se de que há três ou quatro provas a disputar e muitos que as disputam. Os vencedores são a excepção, não a norma. E nunca poderá haver mais excepções do que normas. Pena ninguém se dar conta.

O Real Madrid era o clube de moda nos anos 50 quando a televisão resgatou o futebol do mundo da rádio. As gerações de então cresceram a admirar os "merengues" e clubes de moda nos anos 70 como Leeds e Monchenlagbach, mudaram o equipamento para o branco impoluto para reencarnar o espirito do clube de Madrid. Mas hoje o histórico vencedor de 9 Champions League vive num estado frenético e catatónico de dificil cura. A cada ano que passa sem titulos a histeria toma controlo da Castellana. O Real Madrid não aprendeu nunca a perder. Não aprendeu nunca a ter paciência. A confiar no tempo. Treinadores, presidentes, jogadores vão-se sucedendo em catadupa sem deixar uma marca de futuro impressa. Milhões e milhões de euros depois, os directivos do clube branco esquecem-se do mais importante: que só pode ganhar um e nunca é o mesmo quem ganha. Alguns, simplesmente, vivem num planeta à parte.

 

Se o Real Madrid é a epitome do futebol actual, desesperado pelo agora, incapaz de pensar no amanhã, o Barcelona tornou-se no exemplo perfeito da excepção. Do clube que ultrapassou a sua neurose pela vitória. E que assim conseguiu, finalmente, começar a ganhar. Olhar para o palmarés do Barça até 1990 dá pena. Pequeno demais para um clube tão importante. O vitimismo catalão criou amigos em todo o Mundo e dessa solidariedade social viveram os blaugranas até chegar Cruyff. O holandês soube unir o que de melhor tinha a escola holandesa (o pressing, o futebol de toque, as transições) e a escola catalã (a raça, o querer) e moldou a primeira equipa da cidade Condal a ter um sucesso real. Mas precisou de anos de derrotas para lá chegar. O Pep Team começou a moldar-se com a primeira derrota de Cruyff no banco do Barcelona. Ou, se quisermos, entre a tristeza da final perdida de Sevilla contra o Steaua (o vitimismo blaugrana no seu melhor) e aquela tarde de glória do Ajax em 1966. Os processos maduraram, a vicória deixou de ser tão importante. E o tempo ganhou o seu espaço. Hoje o Barcelona, mais do que um projecto consolidado, é um projecto filho de outros projectos consolidados. Preparado para perder, sabendo como ganhar. Todo o contrário do seu eterno rival que nunca soube lidar com a neurose da vitória.

Se o Barça é a excepção (como o Arsenal de Wenger ou o Manchester de Ferguson), a regra continua a ser a monotona postura das direcções que acreditam constantemente no começar do zero. O Sporting de Braga, a viver a sua era dourada, ameaça cair nesse erro deixando sair Domingos Paciência, um técnico que aproveitou a boa onda do projecto desportivo do clube (bem gerido desde a chegada de Salvador) para levá-lo a outro patamar. Recomeçar do nada apenas porque o sucesso interno não se reproduziu é o maior erro que pode cometer o conjunto bracarense. O Braga deve entender que o resultado de 2010 é a excepção. Para tornar-se norma tem de se tornar excepção mais vezes. E para ser excepção tem de haver anos onde a norma se imponha. Mais claro impossível. 

O Benfica, por outro lado, tem uma oportunidade de ouro de seguir um modelo que nunca funcionou na Luz, outro clube nervoso, como o Real Madrid, que lida mal com as derrotas mas pior com as vitórias. Quando a depressão da derrota é substituida pela euforia das vitórias, e dos titulos, o clube perde o norte. E esquece-se da realidade em que convive. Deixar partir Jesus, por muito polémico que o técnico possa ser, será sempre um erro porque o amadorense tem a vantagem de ter o tempo do seu lado para moldar um projecto de longo prazo. Mas para isso os adeptos e directivos têm de aprender a lidar tanto com o medo de perder como com a neurose de ganhar. Nenhum clube vence tudo todos os anos por muita demagogia que imprensa, directivos e equipas técnicas tentem vender. Quando superarem essa fobia, estarão no caminho certo, o mesmo que percorre o FC Porto há largos anos. O clube das Antas escolheu o presidente como figura central, em lugar do técnico, mas aprendeu a conviver com as vitórias. Talvez por isso nos anos em que elas, com naturalidade, não aparecem, nunca há tanto drama nem guerra civil entre os seus. Apenas a compreensão de que os ciclos são feitos de altos e baixos e não de circulos perfeitos. Uma licção que mais ninguém em Portugal parece ter aprendido e que será fundamental para que o futebol português possa crescer.

 

 

 

Olhar para os projectos falhados de Real Madrid, SL Benfica, SC Braga, ou qualquer outro clube contemporâneo, é como seguir uma das muitas bandas que, desde os anos 60, se repetem nas listas de vendas. Um êxito pontual, aqui e ali, e muitos singles atirados directamente para o esquecimento. A norma diz-nos que assim será sempre. Os Beatles tornaram-se únicos porque souberam ser iguais a si próprios e mesmo nos momentos de maior fracasso pareceram estar no controlo da situação. Yellow Submarine não está à altura de Revolver, mas abriu passo a Sg Peppers Lonely Hearts Club Band ou The Beatles, as suas obras-primas. Da mesma forma que o Barcelona de Antic, por exemplo, é um oásis num projecto que conta com Cruyff, Robson, van Gaal, Rijkaard e Guardiola no seu best of. Bandas históricas, como clubes com projectos de futuro, sempre souberam lidar com a neurose da vitória. Eles são a excepção. Será que algum dia poderão tornar-se na norma?



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Terça-feira, 22 de Março de 2011

Quando a época arrancou os analistas preveram uma temporada tranquila, possivelmente culminada com um posto europeu. A realidade é bem diferente. O clube do principado mais famoso do mundo está à beira do precipicio. Em sete anos passaram de disputar a Champions League a olhar bem de perto para o fantasma da despromoção. O AS Monaco está em estado critico.

 

 

 

Quando Ludovic Giuly saiu lesionado, aos 22 minutos de jogo, na histórica final de Gelsenkirchen, poucos imaginaram que a partir daquele momento a vida do AS Monaco iria entrar numa espiral negativa com um potencial final dramático. O monegasco - o único em toda a equipa do Principado dos carros desportivos, casinos, corridas desportivas e filhas da realza polémicas - era a alma do conjunto montado habilmente por Didier Deschamps. Sem ele os restantes jogadores tornaram-se presa fácil para a ave de rapina que era o FC Porto de Mourinho. E a equipa não estava, propriamente, composta por pesos plumas. Patrice Evra, Sebastian Squillaci, Jerome Rothen, Hugo Ibarra, Emanuel Adebayor, Fernando Morientes ou Dado Prso. A derrota por 3-0, a maior numa final europeia desde a vitória do AC Milan diante do Barcelona por 4-0 uma década antes, deixou feridas. E precipitou o êxodo dos craques da equipa. Giuly, o porta-estandarte, rapidamente passou para o Barcelona. Ibarra voltou ao Boca Juniores, Rothen voou para Paris, Evra e Adebayor atravessaram o canal da Mancha rumo a Manchester e Londres, respectivamente, e Morientes continuou a navegar pelo mundo no seu exilio da Castellana. Sem jogadores sonantes, também Deschamps desistiu de levar o clube à glória e o principado viu-se orfão.

A equipa deixou a luta pelos postos europeus e mergulhou numa profunda depressão. Seis treinadores em quatro anos não ajudaram a dar à volta á situação e pela primeira vez em muitos anos o AS Monaco correu o grave risco de descer de divisão. Os dias de glória de Wenger e Deschamps pareciam cada vez mais distantes.

 

Em 2008 houve uma séria tentativa de mudar o rumo do clube.

A nova direcção, coordenada pelo banqueiro local Ettiene Franzi, entendeu que o futuro de um clube de uma cidade tão pequena e sem poderio financeiro para competir com os grandes da Ligue 1 tinha de passar pela formação. O clube passou a comprar jogadores extremamente jovens e a baixo custo, dando-lhes tempo para crescer. O projecto pareceu começar com o bom pé e depois das chegadas do coreano Park Chu-Young e do norte-americano Freddy Adu, houve quem acreditasse num ressuscitar muito semelhante ao da era Deschamps. Que o técnico no comando fosse o brasileiro Ricardo Gomes, central campeão pelo PSG e uma figura altamente respeitada no futebol francês, era outro bom sinal. Mas o tempo joga sempre contra a juventude e Gomes não resistiu à pressão dos resultados. O seu substituto, o histórico Guy Lacombe, não teve melhor sorte e a equipa acabou nas mãos do desconhecido Laurent Banide, antigo jogador da equipa e treinador das camadas jovens com um largo percurso pelo futebol árabe. Uma aposta que pretende emular o efeito Wenger (também ele técnico de camadas jovens com experiência no continente asiático, no seu caso o Japão), mas que até agora não tem dado frutos. O AS Monaco está na ante-penultima posição do campeonato, a última por debaixo da linha de água. E a situação é dramática. O conjunto monegasco tem menos três pontos que o AJ Auxerre (outro histórico que este ano até disputou a Champions League), menos quatro que o modesto Valenciennes e menos cinco que o Nancy, os restantes clubes nesta luta. Atrás de si segue o RCD Lens, a apenas um ponto. E o relógio continua a contar. Faltam dez jornadas para o final da prova e o calendário dos Rouges et Blanc não é nada fácil. A equipa de Banide tem de jogar com os três primeiros (Lille, Rennes e Lyon), as surpresas Sochaux, Saint-Etienne e Montpelier e o PSG. E também com Nancy, Arles e Lens, rivais na luta pela despromoção. O jogo final, que pode ser decisivo, é no Louis II contra o Olympique Lyon. Quase nada.

 

 

 

E no entanto ao olhar para o plantel da equipa para esta época há algo que convida à esperança. A politica de recrutamento do clube conseguiu juntar um conjunto de grandes promessas do futebol europeu e não só. Ao coreano Chu-Young, um dos porta-estandartes do seu país, juntam-se hoje os gauleses Coutadour, Appiah, Mendy, Ruffier, Makengo e também os africanos Nkolou, Mongongu, Malonga, Gosso, Lolo e Haruna. Uma equipa com imenso potencial que terá de saber sofrer neste sprint final de temporada se não quer cair na segunda divisão do futebol gaulês, algo que não sucede desde meados dos anos 70. O principado sofre como nunca mas ainda há luz ao fundo do túnel.


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publicado por Miguel Lourenço Pereira às 15:27 | link do post | comentar

Sexta-feira, 18 de Março de 2011

Conta-se que uma vez um reputado jornalista do L´Equipe, de visita ao Rio de Janeiro, viu-se confrontado com a pergunta de quem era, para ele, o melhor jogador do mundo. O homem sorriu e respondeu "Edson Arantes do Nascimento". O brasileiro que lhe fez a pergunta ficou com ar de espanto e não evitou o comentário "Pô, você nunca viu jogar Pelé?". Independentemente de nomes, apelidos, alcunhas e titulos, o mundo do futebol conheceu vários craques e lendas, mas nunca nenhum jogador chegou tão longe, tão perto da eternidade, do que um rapaz que não gostava que lhe chamassem Edson.. A história imortalizou-o com outro nome, mas no meio de tanta genialidade, que importam os nomes? 

A história é feita de episódios curiosos. Como o de Dondinho, jogador fracassado que se dedicou a treinar a equipa onde o filho e os amigos jogavam. Ou o dia em que, então um rapazinho com saudades de casa, se preparava para sair a meio da madrugada do lar do Santos, onde vivia, e abandonar o sonho de ser futebol. Foi apanhado pelo porteiro e voltou atrás, engolindo as saudades e lançando as bases para a era mais memorável de todo o futebol brasileiro. Fez toda a sua carreira desportiva de elite no Santos, clube que o acolheu quando ainda era um miudo de bairro. Foi o primeiro a perceber o potencial mediático da liga americana e durante alguns anos actuou no New York Cosmos. Teve dezenas de jogos de despedidas e recebeu múltiplos galardões como o maior futebolista da história. No Brasil chamam-lhe Rei, para muitos é o Deus do Futebol. Titulos ou episódios, marcos históricos ou galardões. Tudo isso se torna redutor quando o tema em questão se chama Pelé.

 

Avaliar a marca na história de Pelé não se faz apenas pelos três Mundiais que conquistou. Ou pelas vitórias conseguidas pelo Santos no Brasil, América Latina e nas Taças Intercontinentais. A marca de um génio capaz de dominar o jogo do primeiro ao último segundo com a sua capacidade fisica (apesar da sua pequena estatura, 1m70) e garra. Falar de Pelé é falar de poesia, de drama, de tragédia ou épica. Dos dribles fantásticos capazes de eclipsar o próprio Garrincha, rei do regate. Dos seus saltos nas alturas, onde era capaz de ir buscar bolas impossíveis e torna-las em golo. Dos seus malabarismos diante dos guarda-redes. Ou do seu pontape, forte, seco, colocado, indefensável. Falar do futebol de Pelé é redutor porque Pelé é o próprio futebol. Aos 17 anos sagrou-se campeão do Mundo na Suécia, marcando dois golos na final numa equipa onde não estava previsto que fosse titular. E chorou. Como o menino que era. Doze anos depois era o homem na plenitude máxima das suas potencialidades que fez gato sapato de cada equipa que se passava diante do escrete canarinho. Do guardiã checo, impressionado pela ousadia de Pelé em rematar atrás da linha do meio campo. Do "portero" uruguaio que caiu no drible do melhor golo do mundo que não o foi. Ou da defesa italiana que ainda hoje tenta entender como foi possível ao craque brasileiro rasgar por completo uma equipa impenetrável. Falar de Pelé é falar do Santos e do melhor periodo do futebol do Brasil, da forma como esmagou o SL Benfica do amigo Eusébio. Ou o AC Milan de Rivera. Falar de Pelé é falar de magia em estado puro. É falar de futebol! 

Pelé começou a jogar no Santos como falso ponta de lança. Explodiu aos 15 anos na equipa titular e com um golo. A primeira vitima de Pelé chamou-se Cubatao. A primeira de tantas outras (1283 golos oficiais em 1367 jogos disputados) que se habituaram a ter de conformar-se com cair de pé perante a armada santista do Rei. Aos 17 anos fez parte da equipa mágica do Brasil que conquistou o primeiro mundial, oito anos depois do "Maracanazo", apesar da polémica convocatória e da lesão que arrastou no inicio do torneio. Quatro anos depois já era o melhor jogador do mundo, liderando o Santos à conquista de multiplos campeonatos paulistas e torneios Rio-Sao Paulo, as grandes competições brasileiras da época.

As vitórias nas primeiras edições da Copa dos Libertadores levou o Santos a disputar a Taça Intercontinental onde derrotaria tanto o SL Benfica como o AC Milan, consagrando um homem que no entanto teve de sofrer na pele as lesões que quase o afastaram do Mundial de Chile 62 (só jogou os dois primeiros jogos) e que o destroçaram no Inglaterra 66 (com a implacável marcagem dos defesas bulgaros e portugueses a deixarem o craque k.o.) mas que mesmo assim não minimizaram a lenda. Apesar disso este foi o seu periodo aureo no Santos, onde militavam os melhores jogadores brasileiros da época. Uma equipa de sonho que explorou o melhor momento de forma de um Pelé cada vez mais decisivo e goleador.

 

Durante os anos 60 resistiu-se sempre saltar para a Europa, como tantos sul-americanos, e quando chegou o Mundial de 70, então com 29 anos, para muitos era uma estrela em queda livre. Surpreendendo mais de meio mundo, o homem que meses antes estava fora da selecção, liderou a melhor equipa que alguma vez pisou um relvado a conseguir o seu mais brilhante triunfo. No final, em ombros no Azteca, percebeu que tinha logrado a perfeição e farto de tantas digressões e provas secundárias onde alinhava para que o Santos cobrasse o cachet,  começou a preparar a sua saída em alta. Primeiro deixou o escrete pela segunda vez (em 1966 tinha-se retirado e esteve três anos sem jogar pelo Brasil) e quatro anos depois o clube da sua vida. A imagem de Pelé aproveitou o filão televisivo, o potencial mercado norte-americano e o delirio que desatava no Brasil a sua presença. Ao contrário dos seus geniais colegas de equipa (Nilton Santos, Didi, Vavá, Zagallo, Garrinhca, Tostão, Gerson, Rivelino, Jairzinho), Pelé soube manter-se sempre na crista da onda e imortalizou a sua imagem mesmo diante daqueles que nunca o viram jogar de tal forma que até Romário disse um dia que o futebol devia levar o seu nome..

 

Tornou-se no primeiro icone futebolistico mundial. E mais do que Rei, tornou-se em Deus. Um Deus que antes foi um rapazinho de lágrimas nos olhos. O mesmo rapazinho de sotaque mineiro que, quando era pequeno e acompanhava o pai Dondinho aos treinos, ao chamar pelo guarda-redes da equipa e amigo do pai que se chamava Bilé pronunciava mal o nome e acabava por ditar a sentença que marcaria o futuro do jogo...Pelé.



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Quarta-feira, 16 de Março de 2011

Contra as expectativas o Bayern Munchen perdeu no Allianz. Contra as expectativas o Internazionale não deixará o ceptro europeu de ânimo leve. Contra as expectativas viveu-se um jogo imenso no plano táctico e emocional. Face à inexpressividade de Louis van Gaal a reviravolta neruazurra define-se em três palavras: Leonardo, Júlio César e Crença...

 

 

 

Nos instantes finais do jogo da primeira volta no estádio Giuseppe Meazza o brasileiro Júlio César errou. Um gesto raro e desafortunado que deu a Mario Gomez e ao Bayern um golo de ouro.

Desde o Mundial da África do Sul que aquele que muitos consideram o melhor do Mundo na sua posição, não está bem. Não está seguro. Ao sair do estádio, Júlio César deixou o carro e preferiu ir a pé até casa onde chegou já era alta a madrugada. Reflectiu. Mas quando Robben destroçou Chivu e Ranocchia e disparou um dardo envenenado, a bola voltou a escapar-lhe das mãos, Gomez voltou a aparecer e parecia que ele estava destinado a ser o culpado do final do reinado europeu do Inter. Mas não. Com Júlio César as coisas não funcionam assim.

O "imperador" de Milão olhou desesperado para o chão, gritou "merda" do fundo da alma e ajeitou a armadura. Não voltou a fraquejar. O Bayern até marcou um segundo (erro da defesa desta vez que deu a Muller um golo fácil demais) mas o brasileiro foi um herói. E nele começou a histórica reviravolta, algo que os italianos têm a que se agarrar depois de saber que a sua Serie A foi, definitivamente, suplantada pela Bundesliga. A gesta estóica do Allianz entrará, seguramente, na galeria dos grandes jogos europeus do clube. Porque chegou com desvantagem (algo que não sucedeu na campanha de Mourinho) e porque o golo inaugural de Eto´o ao minuto 4 foi rapidamente desactivado pelos bávaros. Aos 20 minutos de jogo havia um mundo entre o Inter e o apuramento. Os alemães, que tinham sido superiores em Milão, onde jogaram praticamente só contra o avançado camaronês, tinham o jogo e a eliminatória controlados. Para outro Bayern isto teria sido mais do que suficiente. Para esta equipa descrente não. Ambas as formações ofereceram um espectáculo mais atractivo que a final da Champions em Maio passado. Mas os italianos voltaram a mostrar ter uma garra especial para os grandes momentos. Van Gaal esteve estático como uma estátua de Fidias durante todo o jogo e errou. Do principio ao fim. A sorte parecia bafejá-lo, como sucedeu contra a Fiorentina e contra o Man Utd no ano passado. Mas não. O seu Ajax tinha sido a última equipa a dar a volta a uma eliminatória europeia com um resultado adverso de 0-1. O testemunho está entregue.

 

Júlio César foi determinante. Parou com as mãos as melhores oportunidades dos bávaros (os golos foram puras carambolas).

Muitas vezes só ante o perigo, o brasileiro não perdeu os nervos e despertou a equipa. Despertou Leonardo. O técnico é uma lufada de ar fresco num clube que sofreu durante largos meses o estilo obsessivo de Rafa Benitez, mais preocupado com a sombra de Mourinho. O antigo jogador do AC Milan é diferente. Ligou ao português para pedir conselho, ganhou o coração dos jogadores e recuperou o espírito guerreiro dos campeões da Europa. A sua recuperação na Serie A é impressionante, particularmente se temos em linha de conta que não conta há muito com o melhor Milito. Uma reviravolta na Europa sem a eficácia de um goleador como Pazzini, a sua arma secreta em Itália, um êxito rotundo. Porque Leonardo tem a mesma equipa que tinha Mourinho (com a importante chegado do jovem Rannochia, um Cannavaro em potência) mas um ano mais velha. E sem a mesma fome. Ou isso pensavam. A atitude dos jogadores neruazurri, a sua crença a evocar os dias de Mourinho, foram nucleares no duelo com os pacíficos germânicos. Se em individualidades o Bayern em ganhava, em individualismos o Bayern perdeu. Robben, Ribery, Muller e Schweinsteiger são jogadores de top, tremendos. Mas não souberam combinar, abrir espaços. associar-se. E matar o jogo. Entregaram as armas demasiado cedo e van Gaal leu o jogo demasiado tarde. O meio-campo macio alemão precisava mais de Kroos, um jogador com critério, do que Altintop, mais um velocista. Um erro que abriu caminho à vitória de Leonardo. No banco.

O técnico milanês emendou a palma e colocou Sneijder no miolo (tinha andado desaparecido pela esquerda), onde realmente mata um jogo. Com passes e golos. O seu remate, indefensável, concluiu a melhor jogada do encontro. O atrevimento de Coutinho, uma aposta arriscada que resultou, desequilibrou a defesa, Eto´o fez - outra vez - de pivot e o holandês empatou o encontro. Faltava pouco tempo, mas a balança estava já muito desequilibrada. O Inter chegou, uma e outra vez, e o Bayern perdeu a concentração. Pior, perdeu a bola. Não soube aguentar o jogo, não soube parar, pensar, pausar. Permitiu o jogo de ida e volta e num desses movimentos, outra vez Coutinho, outra vez Eto´o e agora Pandev, esse lutador de sumo futebolístico, rasgaram a história. O 4-3-3 de Leonardo, com as linhas bem mais avançadas e Sneijder no miolo e Coutinho e Pandev abertos nas alas, apoiados por Nagamoto e Maicon, foi suficiente para rasgar o macio 4-2-3-1 esquema táctico de van Gaal. O Bayern Munchen caiu merecidamente porque nunca soube pensar para lá do momento. E o reinado do holandês está destinado a acabar em tragédia depois de ter roçado o céu.

 

 

 

Luiz Gustavo, Breno, Pranjic e Robben apagaram-se cedo. Ribery lutou só e Gomez continua a ser um avançado capaz do melhor e do pior. Júlio César estava lá para o parar. Leonardo para ordenar as peças. A crença fez o resto. O Inter continua a sua luta contra o tempo. Sabe que é quase impossível revalidar o titulo. Mas não está disposto a cair sem lutar. Eles são, outra vez, os underdogs desta Champions. E isso torna-os ainda mais perigosos.



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Segunda-feira, 14 de Março de 2011

O terrivel drama que vive o Japão coloca em cheque uma prova disputada a milhares de quilómetros de distância. A Copa America arranca a 1 de Julho e os organizadores do torneio não sabem ainda se contarão com a presença dos convidados nipónicos. Um problema que levanta de novo o debate sobre a estrutura da mais antiga prova de selecções do Mundo.

 

 

 

A CONMEBOL conta com dez países membros.

Os históricos Brasil, Argentina e Uruguai e ainda Chile, Bolivia, Paraguai, Equador, Peru, Colombia e Venezuela. Não há margem de manobra para mais. Com a reestruturação da Copa America, nos anos 80, chegou o conceito de nações convidadas. Uma situação impensável em qualquer outro torneio continental mas que na América do Sul parece ter adeptos. Afinal, é dificil gerir um torneio curto com dez equipas, número que atrapalha qualquer matemática classificativa. O convite inicial teve por base critérios geográficos. A necessidade de juntar duas selecções às dez da confederação fez os organizadores recorrerem às vizinhas Caraíbas e à CONCAF. O México, grande potencia regional, era um convidado quase obrigatório e mais tarde a particiapção dos clubes mexicanos nas provas continentais de clubes da CONMEBOL selou um acordo táctico que serve perfeitamente a ambas as partes apesar de alguns momentos tortuosos e resolvidos com muita diplomacia. O México - que não deixa de ser uma potência desportiva superior à esmagadora maioria dos rivais do sul - chegou por duas vezes à final da prova, deixando a entender que o conceito de um torneio sul-americano começava, forçosamente, a perder sentido. A sua presença nas últimas dez edições fizeram dele um habitué que transformou um torneio regional em algo forçosamente maior. Aos mexicanos juntaram-se ao longo dos últimos anos outros rivais da CONCAF, dos Estados Unidos ao Canadá passando por Costa Rica e Honduras. Apesar de equipas com passado (e presente) mundialista, em nenhum dos casos lograram brilharetes exibicionais dignos de entrar nos registos. O máximo que os norte-americanos conseguiram foi um 4 posto, em 1995, na ressaca do Mundial dos Estados Unidos. Nada mais. Por isso não estranhou, a principio, que a CONMEBOL procurasse novos desafios. Soltas as amarras da divisão regional equacionou-se convidar selecções africanas e até mesmo europeias, nomeadamente Portugal e Espanha, as potências ibéricas. No final o convidado foi o Japão. E o conceito Copa América colocou-se eternamente por debaixo de um gigantesco ponto de interrogação.

 

Os nipónicos estrearam-se em 1999 no sorteio.

Na altura vinham do seu primeiro Mundial (o França 98) e preparavam-se para receber a elite do futebol três anos depois. Foi um convite de cortesia que correspondeu a uma educada recusa dos EUA. Os japoneses - que até têm uma significativa colónia de emigrantes na América do Sul, particularmente no Brasil - acabaram últimos do seu grupo com apenas um ponto, um empate frente à Bolivia, também ela eliminada da prova. Apesar de desportivamente se mostrarem longe do nivel do outro convidado - o México - e da maioria das selecções do continente, as sensações da organização foram positivas.

Depois de um hiato de uma década, por onde passaram vários conjuntos da CONCAF, o convite repetiu-se para a edição de este ano, a disputar a partir de 1 de Julho na Argentina. Os motivos são evidentes. A organização regional do norte da América tem-se esforçado por fazer da Gold Cup, o seu torneio de selecções, uma prova respeitada. E pressionou as suas federações a manterem-se fieis ao seu compromisso continental. Só o México destoará como seria de prever. Face a essa falta de candidatos, a América do Sul voltou-se para o Japão. Mas o desastre que abateu o país do Sol Nascente ameaça deixar o torneio sem um dos seus intervenientes, a apenas quatro meses de arrancar a prova. O Japão oficialmente não anunciou a sua retirada, mas com a liga suspendida e os problemas que terão os nipónicos num futuro próximo será dificil honrar o compromisso. Os rivais do norte terão a Gold Cup em datas demasiado próximas e poderão acabar por enviar uma equipa de segundas linhas, algo que ninguém quer. E convidar selecções europeias ou africanas, com a época já planeada, é um risco bastante grande. Mas será que faz realmente sentido a Copa América continuar a funcionar nos mesmos moldes?

O torneio regenerou-se em 1987 depois de uma longa estagnação e descubriu o formato quadrangular - e por isso precisou dos países convidados - e a organização de dois em dois anos. Mas o que os sul-americanos nunca pensaram realmente foi na possibilidade de unir esforços, de forma definitiva, com as nações do norte de um continente que nem está realmente separada a não ser pelas mãos do homem. As relações entre países do norte e sul da América sempre foram boas - basta ver o espaço caribenho - e haveria a possibilidade de realizar um torneio em lugar de dois. Afinal a Guiena Francesa e o Suriname, que se encontram a norte do Brasil, estão inscritas na CONCAF. Juntar duas federações continentalmente unidas e com vários projectos em comum seria um grande passo para o desenvolvimento do futebol em toda a América. Um torneio com fase de qualificação - algo que não existe hoje em dia - e com mais nações participantes (16 como o actual Europeu ou 24 como as que marcarão presença no torneio europeu a partir de 2012). Uma lufada de ar fresco numa prova que não deixa de ser repetitiva e cada vez um producto menos atractivo até para os próprios adeptos locais.

 

 

 

Na Argentina 2011 todos estarão de olho em Leo Messi. Mas não saberemos até Maio se os japoneses irão defrontar o pequeno génio de Rosário na sua primeira grande oportunidade de se redimir diante dos seus de anos de exibições contestadas por tudo e por todos. Mas mesmo que o Japão consiga mais um pequeno grande milagre, a América devia aproveitar este momento para pensar mais além e preparar-se para o futuro. E o futuro passará sempre por uma união, a todos os niveis, com os seus vizinhos do norte. É uma inevitabilidade que o tempo acabará por confirmar, tarde ou cedo...



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 15:44 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Sexta-feira, 11 de Março de 2011

Poucas equipas jogam tão bem na Ligue 1 como o modesto Sochaux. Uma verdadeira revolução dos pequenos e jovens liderada pelo ritmo frenético e criativo de Marvin Martin, o anti-diva do futebol gaulês. Numa época em que a França procura rapidamente limpar as feridas do corte geracional com a sua idade dourada, muitos acreditam que é Martin o porta-estandarte de uma nova vaga de jogadores que ainda sobem ao relvado pelo prazer de jogar.

 

 

 

Não deixa de ser um miudo de 22 anos. E relembra-o constantemente. Joga a consola, compra roupa nas lojas mais acessiveis e usa orgulhosamente nas costas o número 14, o mesmo do seu "arrondisement", o bairro social onde cresceu em Paris. É um filho da capital que, como tantos outros, teve de ir buscar a sua sorte na provincia. Apesar da sua profunda paixão pelo PSG - era um adepto fervoroso que não perdia um jogo - hoje a sua equipa joga mais a sul e pode mesmo roubar aos parisinos um posto na Europe League da próxima época. E graças aos seus momentos de magia.

Marvin Martin é diferente. Ao contrário de Samir Nasri ou Yohan Gourcouff, os ungidos herdeiros de Zidane que ainda não deram o salto definitivo, nunca quis viver sobre o estrelato de grandeza. É ambicioso como poucos mas sabe que a sua carreira seguirá as etapas naturais que o próprio Zizou ou o alemão Ozil, com quem tanto lhe comparam ultimamemte, foram queimando. Prestes a ser convocado pela primeira vez por um Laurent Blanc que já reconheceu que vê nele algo "distinto", Martin continua a ser o miudo de bairro que desfruta tanto do jogo como quando corria as ruas do seu bairro com a bola colada aos pés. Em Sochaux, terra da Peugeot que criou e patrocina ainda hoje o clube local, é uma estrela. Mas para o resto da França ainda é um relativo desconhecido. Um pais onde as equipas da provincia ainda criam pouco impacto na comunicação social e que se divorciou da selecção depois do triste espectáculo que viveu na África do Sul. É dificil imaginar Martin no papel do rebelde Anelka.

 

No miolo do terreno de jogo sente-se em casa. Pauta o ritmo de jogo, acelera, desmarca, finaliza.

É um jogador completo a quem só o fisico parece travar para dar o salto para outro nivel. Os olheiros dos grandes clubes da Europa nunca o tiveram debaixo do radar. Fizeram mal. Com o técnico Francis Gillot tornou-se num must see do futebol europeu. Em Sochaux, onde chegou em 2002 com apenas 14 anos, cresceu. Juntamente com o franco-argelino Ryad Boudebouz, Sloan Privat e Geoffrey Tulasne tornou-se no menino dos olhos do clube da cidade. As saídas de Jeremy Menez e Mevult Erdinç, dois amigos com quem partilhou horas de jogos de consola, e do veterano Stephane Dalmat fizeram com que o técnico lhe entregasse batuta da equipa. A aposta funcionou. O Sochaux, que na época passada esteve perto de ser despromovido, é agora o quinto classificado da Ligue 1, colocado nos postos europeus e a poucos pontos da Champions League. É também a equipa que melhor futebol pratica, se nos esquecermos por um momento do Lille de Rudy Garcia. E isso não é um mero acaso.

O ritmo de Martin é fundamental para que o jogo de passe e toque dos jovens amarelos funcione. Martin começou a marcar e a assistir como nunca este ano e a sua parceria com a dupla de atacantes, os também jovens Ideye Brown e Modibo Maiga, funcionou. O Sochaux não é só uma das equipas mais jovens do torneio. É também das mais eficazes. 

É expectável que a estância do jovem em Sochaux não dure muito. A chamada de Blanc à selecção confirmará a sua consagração nacional e isso, hoje em dia, significa que os falcões europeus estarão de olhos bem abertos. O exemplo de Ozil, resgatado ao Werder Bremen por apenas 17 milhões de euros pelo Real Madrid está bem vivo. E com o mercado em sérios problemas, é previsivel que jogadores jovens e baratos como Martin sejam verdadeiras pérolas preciosas. Além do mais, o estilo de jogo de toque popularizado pelo Barcelona, e onde Xavi brilha por cima dos demais, fez os clubes voltarem a interessar-se por um tipo de jogador que, segundo o próprio médio catalão, parecia estar em vias de extinção.

 

 

 

A verdade é que Marvin Martin tem todas as condições para triunfar. Não tem pressão, tem talento e faz parte de uma raça de jogadores rara e altamente cobiçada. O seu sucesso actual em Sochaux é apenas o primeiro capitulo de uma história que no final poderá perfeitamente tornar-se num fabuloso destino para o filho mais ilustre do banlieu 14.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 15:40 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Quarta-feira, 9 de Março de 2011

muito tempo que o futebol ucraniano começou a mandar sérios sinais de que se prepara para liderar o grupo da chamada "segunda divisão europeia". O apuramento histórico do Shaktar Donetsk recupera a herança da escola ucraniana do Dynamo Kiev lobanovskiano e deixa várias pistas para entender porque é que a Ucrânia tem de começar a ser levada mais a sério no seio do futebol europeu.

 

 

 

No final da próxima Primavera o mundo do futebol vai estar muito pendente do que suceda na Ucrânia. E não é graças a nenhuma equipa local.

O Europeu de Futebol 2012 será a consagração definitiva (e oficial) da rapidíssima evolução do futebol ucraniano desde o desmembramento da União Soviética. Se a Rússia cumprirá o seu sonho de albergar um Mundial seis anos depois, a associação com os vizinhos polacos permitirá aos ucranianos receberem a elite europeia em alta. Os problemas organizativos e de infra-estruturas eram esperados, até pelo próprio Michel Platini, mas a organização do torneio - o último com 16 equipas - espelha bem o crescimento do leste europeu, dessa segunda divisão a que pertencem também russos, romenos e gregos (e igualmente Portugal, Holanda, Suiça, Bélgica e Escócia do outro lado do continente) e que começa a ganhar outro pedigree nos palcos europeus. Uma realidade que não é nova mas que parece cada vez mais cristalina.

E o Shaktar Donetsk tem muita culpa nesta transformação. Ou melhor, o seu dono, o milionário Rinat Akhmetov.

Numa época em que o Dinamo Kiev parecia estar disposto a fazer da liga do recém-criado estado ucraniano o seu couto privado, surgiu este pequeno clube da segunda cidade do pais para contrariar o monopólio do exército de Lobanovsky. Na história da URSS o Shaktar não deixou marca ao contrário do seu grande rival, líder em títulos nacionais, taças e provas europeias conquistados durante os cinquenta anos que durou o bloco soviético. O Dynamo de Kiev, particularmente a partir dos anos 70, não só asfixiou todo o futebol ucraniano mas também serviu de farol para todo o leste europeu. Falhou o grande titulo (a Taça dos Campeões Europeus que Steaua e Estrela Vermelha, equipas do bloco conseguiram vencer) mas definiu uma era e um estilo. Em 1999 esteve perto de fazer história, como campeão ucraniano, e conseguiu chegar às meias-finais onde disputou, até ao último segundo, o acesso à histórica final de Barcelona com o Bayern Munchen. Depois, o abismo. Do Dynamo e da Ucrânia. que falhou sucessivos apuramentos para Euros e Mundiais até 2006 quando dispunha de uma geração de primeiro nível. Isto é, até chegar o homem dos milhões da SCM Holding e um dos herdeiros da oligarquia soviética. 

 

Em 1996 Akhmetov comprou o Shaktar Donetsk e declarou publicamente que iria fazer tudo para quebrar o monopólio do rival de Kiev.

Demorou seis anos. Em 2002 o clube laranja chegou ao primeiro titulo dos cinco que sumaria nos anos seguintes, incluindo o da passada temporada. O dinheiro de Akhmetov foi investido no plantel mas, essencialmente, na melhoria das infra-estruturas do clube. Criou uma Academia inaugurada em 2000 para os jovens ucranianos que procuravam uma alternativa à estrita escola do Dynamo. Os resultados começaram a surgir poucos anos depois e hoje a base do futebol jovem ucraniano depende em muito do labor dos técnicos jovens do Shaktar. Chygrinski, Krystov, Rakytitsky, Rat e Pyatov são exemplos dessa seiva de talento que aliada à sábia prospecção do mercado brasileiro, serviu para montar uma equipa segura atrás e criativa à frente. Mircea Lucescu, o mais prestigiado entre os técnicos romenos, foi encarregue a partir de 2004 de montar um clube ganhador, não só a nível doméstico. Mais uma vez, quase a um ritmo preciso de relógio suíço, o staff técnico demorou apenas cinco anos em cumprir o prometido. A vitória em Istambul da última edição da Taça UEFA frente ao Werder Bremen confirmaram o ressurgir do futebol ucraniano e a entrada do Shaktar na elite europeia. Pela porta grande.

A vitória sobre o AS Roma - depois de vencer um grupo onde pontificava o Arsenal - foi apenas a consagração aos olhos do ocidente do imenso potencial do futebol ucraniano. Vitória na Cidade Eterna e humilhação aplicado no novo e belíssimo Donbass Arena, inaugurado para ser uma das estrelas do próximo Europeu, assente num esquema táctico fluido e extremamente dinâmico. A força do leste (Srna-Chygrinski-Rakytisky-Rat-Hubschmann-Mkhitaryan) e o talento da esquadra brasileira (William-Jadson-Douglas-Adriano) suplantaram o querer mas não poder dos italianos. Futebol rápido, criativo no último terço e profundamente disciplinado na medular, não é surpresa que o Shaktar tenha conseguido o seu melhor resultado de sempre na Champions. Surpresa é que não vá mais longe ainda.

 

 

 

A ascensão do Shaktar é apenas a ponta do icebergue. Com o Dynamo Kiev aparentemente ressuscitado na Europe League (uma nova boa geração, um ritmo competitivo alto de Schevchenko, numa segunda juventude) há uma série de novas equipas na Liga ucraniana prontos para imitar o sucesso dos laranja. Com a ajuda dos seus próprios mecenas - todos ávidos de seguir o exemplo de Akhmetov e preparados para capitalizar o mediatismo do próximo Euro - Dniepr, Metalurg, Metalist, Karpaty e Chornomorets estão na linha da frente para mostrar que a liga ucraniana está preparada para assumir a liderança da "outra Europa".



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 11:16 | link do post | comentar

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