Domingo, 27 de Fevereiro de 2011

Enquanto os estádios na África do Sul começam a ser deixados ao abandono, a FIFA começa a olhar com séria preocupação para a próxima sede do seu cobiçado Mundial. Faltam três anos para o Brasil receber o mundo do futebol mas os problemas acumulam-se, as soluções escasseiam, os números não quadram e o fantasma de uma substituição de última hora é algo bastante real...

 

 

 

Primeiro foram os problemas com o mítico Maracanã. Depois a guerra entre a FIFA e a prefeitura de São Paulo que ameaça deixar a maior cidade da América Latina sem um único jogo do Mundial de 2014. Agora é tudo o resto. O Mundial do Brasil ainda não arrancou e já está nas bocas do Mundo. Pelo pior motivo. A FIFA aprendeu a lição da África do Sul e sabe que tem pouca margem de manobra. Os estádios sul-africanos que não foram vendidos a empresas privadas estão, como o Soccer City, ao abandono. Literalmente. Pode o mesmo cenário voltar a repetir-se?

Tudo indica que sim. O Brasil, histórico do futebol como nenhum outro país, é também um quebra-cabeças logístico e financeiro para a FIFA. Apesar de emergir de forma cada vez mais clara como uma nova potência mundial, a corrupção local e os graves problemas estruturais de um país que pisa o acelerador agora para recuperar o atraso de muitos anos complicam, e muito, a organização de um torneio tão complexo como um Campeonato do Mundo. E os problemas nem são as distâncias entre sedes nem mesmo a imensa criminalidade que abunda nos principais centros urbanos do país. Hoje em dia é o próprio esqueleto do torneio, as suas principais instalações, que se encontram no ponto de mira. E sem estádios não há jogos, sem jogos não há Mundial. A CBF, controlada pelo omnipresente Ricardo Teixeira - para muitos um forte candidato à sucessão de Sepp Blatter - distribuiu contratos, favores e dinheiro. Mas o retorno tem sido praticamente nulo. Os prazos já estão a ser largamente ultrapassados e actualmente, das 14 cidades-sede, só duas podem prometer ter tudo a tempo para o Mundial. A própria organização da Taça das Confederações - marcada para Junho de 2013 - está em equação já que nenhum dos dois estádios que parecem cumprir todos os requisitos (estar prontos até Janeiro do mesmo ano) têm dimensão suficiente para albergar os jogos entre os campeões continentais de selecções. Cuiabá (no Mato Grosso) e São Salvador da Baía são as únicas cidades que têm seguido à risca os prazos, mas até elas já apresentam significativas derrapagens nos orçamentos. Mas são cidades pequenas dentro do organigrama FIFA e isso levanta vários problemas.

 

Os casos mais sérios que a organização do torneio tem de resolver centram-se em São Paulo, Brasilia e Curitiba.

No caso paulista há uma real possibilidade da cidade ser retirada definitivamente do calendário. Nem o Morumbi, nem o Paceambu nem o Antárctica, os três estádios mais emblemáticos da cidade, têm condições para albergar um jogo do torneio e os seus donos não têm demonstrado o mínimo interesse em melhorar os recintos. A própria prefeitura - a câmara municipal local - não está disposto a fazer um esforço financeiro para trabalhar nas profundas reformas que todos os recintos necessitariam. Ricardo Teixeira anunciou em Junho que a cidade estava oficialmente fora dos seus planos mas nem a FIFA nem o governo estão interessados em perder uma cidade de 20 milhões de um torneio da magnitude de um Mundial. Será provável que em última análise a situação seja desbloqueada mas os prazos apertam e a cidade corre contra o relógio.

Já a capital vai receber, de longe, o maior investimento individual num recinto, o Mané Garrincha, que será ampliado a 70 mil espectadores. Mas as obras estão paradas por ordem do tribunal federal que detectou várias irregularidades nos contratos. Uma situação que se repete por todo o país e deixa a nu a corrupção omnipresente em todo o esquema organizativo do torneio. Curitiba, por outro lado, está em stand-by. Há um estádio - o Arena da Baixada, do clube local, o Atlético Paraneense - mas o dono está pouco interessado em estar dois anos sem casa e, ainda por cima, ter de desembolsar una quantia que triplica o seu orçamento anual. Os governos estaduais e locais estudam criar uma bolsa de apoio financeiro mas as obras são profundas e nunca estariam prontas antes de 2013.

Casos graves mas que não caminham sós. Em Manaus, no coração do Amazonas, nem o aeroporto local nem o estádio receberam ainda o investimento previsto porque o banco federal bloqueou o aval por falta de garantias. Situação em tudo similar ao que se vive em Fortaleza, Natal e Belo Horizonte - que ambiciona a receber o jogo inaugural caso São Paulo esteja oficialmente fora. Já o Rio de Janeiro - que com a Copa América em 2015 e as Olimpíadas em 2016 terá um triénio repleto de eventos - vive em suspenso as obras de melhora no mitico Maracanã. Mas os atrasos são evidentes e o dinheiro escasseia. A isso alia-se o problema dos acessos, com sucessivos atrasos nas melhoras dos aeroportos locais. Demasiados senãos para deixar boas perspectivas para o futuro.

 

 

 

A FIFA e a CBF têm dois anos para apresentar seis estádios (de 14) prontos para albergar a Taça das Confederações e um ano mais para ter tudo a postos para o Mundial. Se em casos anteriores a FIFA já foi forçada a correr contra o relógio, os problemas no Brasil são mais profundos e passam por estruturas locais, alojamento, transportes, segurança e, acima de tudo, tentar escapar de uma sombra de corrupção que pautou a candidatura desde o primeiro dia. 64 anos depois o Mundial pode voltar a visitar a terra de Vera Cruz. Mas muitos começam a perguntar-se se a visita valerá realmente a pena...


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Sábado, 26 de Fevereiro de 2011

Antes do infame 11/09/01 há muito que as "Twin Towers" estavam presente no vocabulário futebolístico. Pelas torres que albergavam o mítico Wembley. Mas, principalmente, pela dupla mais letal do futebol inglês da década de 90. Só jogaram juntos dois anos mas foi suficiente para entrar para a história do futebol britânico. Definiram uma época em Old Trafford e foram, talvez, o último grande dueto atacante da história do Manchester United.

 

 

 

Quando Dwight Yorke confessa que o seu despertador matinal consistia numa chamada matinal bem disposta de Andrew Cole, torna-se fácil perceber os inúmeros sorrisos cúmplices que as câmaras de televisão captaram entre ambos durante os anos em que vestiram a mesma camisola.

A letal parceria Yorke-Cole era, sobretudo, uma dupla compenetrada até ao mais mínimo detalhe. Não era só a parecença física (daí o nome por como ficaram conhecidos) e a forma de jogar. Era como se entendiam.

Durante duas épocas (1998/1999 e 1999/2000) era recorrente ver passes entre ambos na zona de ataque sem sequer se preocuparem em ver onde o outro estava no terreno de jogo. Não era necessário. Há muito que o sabiam. Uma relação que não foi construída nos treinos diárias mas sim fora do centro de estágio. Cole e Yorke eram, sobretudo, parceiros. E no relvado jogavam como se estivessem num jogo de amigos. Relaxados, compenetrados e sempre com um sorriso. Uma dupla letal que Alex Ferguson montou para fazer esquecer o fantasma de Eric Cantona. E que lhe valeu uma época de sonho onde nenhum titulo foi deixado de lado. Os (muitos) golos de Yorke e Cole, as muitas assistências entre ambos (com a preciosa ajuda de David Beckham e Ryan Giggs) abriram caminha ao histórico Treble de 1999 e ao titulo de 2000. E quando os heróis de Old Trafford falhavam, sempre havia Solsjkaer e Sheringham, os suplentes de luxo que decidiam jogos, para rematar o dia. Eram dias felizes para os red devils.

Quando a dupla se desfez - em 2001, ano em que Yorke caiu em desgraça com Ferguson pela sua polémica razão com a modelo Jordan - o Manchester United ressentiu-se. Yorke ficou, mas a chegada de van Nistelrooy significou menos minutos de jogo para o caribenho. Cole foi vendido ao Blackburn Rovers - apesar dos protestos dos adeptos - e rapidamente se assumiu como a nova estrela da equipa, guiando os rovers à vitória na League Cup, com golo determinante incluído. No Verão de 2002 o seu amigo Yorke juntou-se-lhe uma vez mais e a velha dupla voltou a brilhar no Lancashire levando a equipa de volta às competições europeias depois de uma década de ausência.

 

Dwight Yorke sempre foi um avançado muito especial.

Corria como poucos dianteiros no futebol britânico e tinha um sentido posicional exímio. Despontou ao serviço do Aston Villa em 1990 depois do manager dos villains, Graham Taylor o ter descoberto numa tour realizada pelo clube em Trinidad e Tobago. Com 19 anos a sua adaptação foi lenta e durante muito tempo Yorke actuou longe da sua posição natural. Mas em 1995 começaram a chegar os golos e durante três anos disputou até ao final o prémio de melhor marcador da Premier League. No Verão de 98, e depois de um ano marcado pelo titulo do rival londrino Arsenal, Alex Ferguson, ainda orfão de um líder depois do abandono do futebol a finais de 97 de Eric Cantona, decidiu sacar do livro de cheques. Juntou o tobaguenho a um leque de reforços certeiros (Stam e Blomqvist) para atacar o titulo. 

Em Old Trafford o já veterano (28 anos) dianteiro encontrou a sua alma gémea: Andrew Cole.

Cole tinha-se tornado numa estrela por direito próprio do futebol inglês depois de fazer parte da grande equipa do Newcastle United, liderada por Kevin Keegan, que começava a dar nas vistas. Produto da formação do Arsenal, Cole era um avançado móvel e extremamente eficaz que combinava bem com o futebol-champange de Peter Beardsley e o ritmo veloz de Asprilla e Ginola. Subitamente, em plena corrida dos magpies pelo titulo, o clube não resistiu a uma oferta milionária . Cole chegou, viu e venceu e mostrou-se rápido a combinar com Cantona e Sheringham, os seus parceiros de ataque nos anos seguintes. Mas com Yorke o feeling era outro. Era especial. Desde o primeiro jogo juntos, em Setembro de 1998 que se notou que havia algo que relembrava as grandes duplas atacantes da história do clube como Law-Charlton ou Hughes-Cantona. Uma compenetração que foi rapidamente correspondido com golos (Yorke marcou 23, Cole marcou 19) e com exibições antológicas como os jogos em Barcelona, Milão e Turim que marcaram a caminhada para a noite histórica que deu o segundo titulo europeu ao clube. Nessa noite os heróis foram outros, mas as "twin towers" voltaram a ser um pesadelo para a defesa bávara. No final do momento 93 já tinham entrado na história.

 

 

 

A história do futebol está eternamente marcada por grandes parcerias. E é sempre dificil encontrar dois jogadores que transpareçam no relvado a boa disposição que os acompanha no dia a dia. Num futebol (principalmente o inglês) marcada por vedetismos, wags, problemas financeiros e uma boa dose de marketing, é sempre uma boa noticia quando o olhar cúmplice e relaxado de dois jogadores de alto nível garantem ao espectador a certeza de que os próximos 90 minutos serão de um espectáculo garantido. As "Twin Towers" fizeram sonhar mais do que um adepto. No fim de contas talvez tenha sido essa a sua maior conquista.



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Quinta-feira, 24 de Fevereiro de 2011

A dinâmica é irreversível. O futebol alemão está mais vivo do que nunca. Revigorado com a confirmação de que a barragem psicológica está, definitivamente, ultrapassada. A partir de agora a Bundesliga já é, oficialmente, a terceira liga mais importante do futebol europeu. O ranking da UEFA coroa uma irresistível ascensão preparada ao mais mínimo detalhe durante os últimos dez anos. Qual é o limite da Bundesliga?

 

 

 

Se a vitória do Internazionale, na final de Madrid em Maio, privou a Alemanha do primeiro troféu europeu em 9 anos, a desforra na noite passada do Bayern é, infinitamente, mais importante. Espelha a força de uma nação que soube ressuscitar das cinzas e plantar cara às grandes ligas europeias. O Calcio, que há quinze anos atrás era, unanimemente, a liga mais importante da Europa, sofreu mais um duro golpe. Apesar do triunfo in extremis do Inter de Mourinho, poucos em Itália acreditavam que a Serie A teria capacidade de aguentar o terceiro lugar do ranking europeu, o último que permite a entrada de 4 equipas na Champions League (mais 3 na Europe League). E tinham razão. A debacle da Sampdoria , Palermo e Juventus na segunda prova da UEFA obrigavam os restantes clubes italianos na prova a vencer todos os jogos - e ambas as competições - para resistir ao assédio germânico. Depois de Tottenham e Shaktar terem aberto a cova, coube ao Bayern a honra de sepultar o caixão. Serie A è piu sul podio...

Apesar de haver múltiplas razões para a queda desportiva da liga italiana (que a meados dos anos 90 era a rainha da Europa e que durante essa década teve mais representantes nas três finais europeias do que as ligas espanhola e inglesa juntas) é a espantosa afirmação da Bundesliga que marca esta mudança de rumo. A partir de 2012/2013 os alemães terão quatro vagas na Champions League onde, este ano, contam na fase a eliminar com dois dos três representantes (o Werder Bremen caiu na fase de grupos). Um êxito histórico mas previsível se atendermos à brutal diferença de números do campeonato alemão com os seus principais rivais europeus. A inversão começou a ganhar forma em 2006. A Itália, acabada de sagrar-se campeã do Mundo, saía também de um escândalo interno profundo (o Moggigate) que mudou definitivamente o rosto das equipas de top. Sem Juventus ou Fiorentina como representantes europeus, os italianos somaram nessa época (onde, curiosamente o AC Milan até se sagrou campeão da Europa) 11.928 pontos, a terceira melhor marca. Mas os alemães estavam a ganhar terreno, chegando a uns históricos 9.500, ultrapassando a Ligue 1 francesa, até então a quarta prova europeia. No ano seguinte, 2007/2008, os italianos somaram apenas 10.575 pontos contra os 13.500 dos alemães, segundos apenas atrás dos ingleses (que ocuparam os dois postos da final da Champions League e três dos semifinalistas). Quando 2008/2009 acabou, a Bundesliga voltou a recuperar terreno com 13.666 face aos 11.375 italianos. Mas foi em 2009/2010 que os alemães chegaram a números históricos (18.083) coroando-se como o pais com mais pontos somados ao longo da época e muito distantes dos 15.428 dos italianos (quartos na classificação geral após o titulo europeu do Inter). A nova temporada, que ainda vai a meio, limitou-se a servir como estocada final. A vantagem é tal que os alemães estão mais perto do segundo posto na tabela (da Liga espanhola que corre o risco de perder a maioria das suas equipas em prova nesta ronda) do que do calcio italiano.

 

 

 

 

 

Mas o que está por detrás desta profunda recuperação de uma liga que só foi, consensualmente, a mais forte da Europa durante um curto período dos anos 80?

O ranking da UEFA que corou a Bundesliga entre 1978 e 1982 como a liga mais forte do futebol europeu (numa altura em que o ranking contava para muito pouco) baseia-se na distribuição de pontos obtidos (que variam entre vitórias, empates, rondas ultrapassadas e competições ganhas) pelas equipas presentes nesse ano nas provas europeias como representantes de um país. Quanto mais equipas estão, menor é o lucro se as performances ficarem aquém da expectativa. Um cenário que Portugal viveu igualmente depois das brilhantes campanhas europeias de FC Porto e Boavista no inicio da década terem dado três equipas na Champions League à liga lusa (então quotada como a sexta liga europeia). Mas os fracos resultados do número exagerado de representantes lusos nas provas europeias comparativamente com a qualidade real da Liga Sagres significou a soma acumulada de um baixo quoficiente (sétimo no ranking em 2007, oitavo em 2008, décimo em 2009) que levou a uma inevitável queda na classificação que só se alterou com um regresso ao sexto posto final na época passada. A Serie A experimentou o mesmo problema. Enquanto que o AC Milan mantinha-se no topo da elite europeia, as performances de Inter, Juventus, Fiorentina, AS Roma, AS Lazio, Udinese, Sampdoria, Genoa, Palermo ou Napoli eram, sucessivamente, decepcionantes.

Enquanto isso os alemães, com seis equipas em prova mas com resultados gerais muito superiores, conseguiam trepar na classificação mesmo sem somar um único titulo (contra os dois italianos). As campanhas regulares de Bayern Munchen, Stuttgart, Schalke 04 ou Werder Bremen foram fundamentais para a soma de pontos. Mas se o ranking é a confirmação oficial, a realidade é que o estatuto de liga top há muito que ninguém discute ao futebol alemão.

Depois de uns anos 90 para esquecer - com problemas organizativos, falta de público nos estádios, dificuldade em gerir o fluxo de equipas e jogadores que vinham da liga da antiga-RDA - a Federação Alemã de Futebol propôs-se, no inicio dos anos 2000, a mudar profundamente a estrutura do futebol alemão a nível de clubes e de selecções. Uma mudança que demorou o seu tempo a concretizar-se e que ganhou um reforço substancial com a realização do Mundial 2006 que provou que o país centro-europeu estava no caminho certo.

 

A uma alteração profunda nas infra-estruturas (com o perfeito pretexto do Mundial) houve também uma alteração de mentalidade.

Os clubes alemães começaram a apostar seriamente na formação, incentivando os mais novos a desenvolver habilidades técnicas que vinte anos antes seriam impensáveis. Ao mesmo tempo começou uma significativa - e profunda - assimilação da forte imigração presente na Alemanha, seguindo o exemplo francês algo que foi sempre negado, por exemplo, a espanhóis e portugueses durante os anos 70 e 80. Com esse novo leque de jovens talentos começaram-se a construir equipas extremamente interessantes - Hoffenheim, 1860 Munchen, Dortmund, Leverkusen, Stuttgart e, sobretudo, Werder Bremen - que plantaram cara às grandes potências históricas, particularmente o Bayern que viveu entre altos e baixos durante toda a década. O público, agradado com as novas condições e - sobretudo - com a nova distribuição horária (para o qual ajudou muito a profunda melhora nos contractos televisivos num país onde toda a liga é dada em canais por pago) voltou aos estádios e permitiu em três anos aos clubes alemães igualarem os ingleses como os que apresentam melhor percentagem de espectadores por jogo. 

As multidões respondiam também à profunda melhora da qualidade de jogo e à nova mentalidade ofensiva que jovens treinadores como Schaff  Klinsmman ou Magath traziam às suas equipas. E com a profunda recuperação financeira germânica e a melhoria dos contractos com patrocinadores e televisão - num modelo que emulou o sucesso da Premier League - chegou também dinheiro fresco aos cofres dos clubes que souberam gastá-lo bem, criando equipas que funcionavam como um mixto do melhor da formação com nomes de grande talento e futura projecção. As chegadas de Arjen Robben, Franck Ribery, Diego, Ruud van Nistelrooy, Luca Toni ou Rafael van der Vaart deram outro glamour a uma liga que perdia, a pouco e pouco, a predominância germânica. Se é sabido que os jogadores alemães não gostam de sair do seu país natal (o que permite à Bundesliga manter quase exclusivamente a nata de uma selecção de top) a chegada de jovens promessas centro-europeias, sul-americanas e asiáticas e a inclusão de jovens de minorias étnicas locais (particularmente turcos, espanhóis e africanos) funcionou como um cocktail de primeira elevando, profundamente, o nivel médio qualitativo das equipas de uma liga que preferiu, contra toda a expectativa, manter-se com 18 clubes. Uma aposta que - aliada à pausa de Inverno, sabiamente administrada com uma organização de calendário exemplar - reforçou ainda mais a competitividade do torneio. Ano após ano o nível subiu e a Europa deixou de poder ignorar a profunda mutação do futebol alemão.

 

 

 

Uma mudança profunda e que veio para ficar. Os muitos torneios juvenis ganhos por selecções e equipas alemães garantem um futuro promissor. A perda de algumas figuras mediáticas é constantemente contrabalançada com a chegada de outros nomes sonantes. As performances dos clubes alemães na Europa não enganam e a qualidade de jogo da Mannschafft só encontra rival no igualmente maturo futebol espanhol. Apesar das distâncias serem ainda significativas - e da Liga BBVA não estar a passar pela mesma crise que o calcio - será curioso ver até que ponto o futebol alemão pode aproximar-se ainda mais do topo europeu e disputar a hegemonia do velho continente a ingleses e espanhóis. Para um país dinâmico e competitivo por natureza, o céu é sempre o limite.



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Segunda-feira, 21 de Fevereiro de 2011

Estar a vencer por 3-0 e perder o jogo num encontro da Serie A é um feito tão impio que a bancada giallorossi seria incapaz de esquecer se tivesse de voltar a ver Claudio Ranieri. O técnico não terá esse problema. Demitido, depois de dois anos onde falhou sempre todos os objectivos, voltará a começar do zero. Longe do Olímpico que já soa com a nostalgia dos voos de Vicenzo Montella, o eterno L'Aeroplanino.

 

 

 

Vincenzo cresceu a ver aviões.

A sua cidade natal, Pomigliano d´Arco, albergou o primeiro aeroporto da Campânia e diariamente os céus azuis da pequena localidade a norte do Vesúvio eram rasgados pelos aviões que levavam na bagagem os sonhos de glória dos mais novos. Vincenzo cresceu com os aviões e quando, aos 20 anos, se começou a erigir numa estrela por direito próprio do Calcio, lembrou-se deles. E voou. De braços abertos no ar a cada golo comemorado.

L´Aeroplanino tornou-se num dos avançados mais eficazes da história da AS Roma. Mas a sua aventura começou antes. O admirador de Careca (que tentava imitar nas pequenas ruas dos subúrbios napolitanos) começou a jogar aos 16 anos no modesto Empoli. Daí deu o salto para o Genoa e em 1996 cometeu o "crime" de mudar-se para a Sampdoria. Ao serviço do conjunto azzurri tornou-se num dos goleadores habituais da Serie A até que a despromoção dos genoveses e o convite dos romanos o fez mudar-se de novo para sul, para o coração de Itália.

Em Roma encontrou-se com um jovem Francesco Totti e um certeiro parceiro de ataque, Marco Delvechio. Um tridente letal que começou, rapidamente, a fazer estragos. A chegada de Zeman (e de Batistuta) foram relegando Vincenzo para o banco para com Fabio Capello chegou o resgate e a glória. Montella estreou-se pela squadra azzura, foi ao Europeu da Bélgica-Holanda onde se sagrou vice-campeão da Europa e em 2001 foi fundamental na conquista do histórico Scudetto. O terceiro dos gialorosso no meio, como era de esperar, de muita polémica.

Fez parte dessa equipa de sonho com Zago, Cafu, Antonio Carlos, Emerson, Zebina, Delvechio, Candela, Tommasi, Totti, Cassano e Batistuta, a última que fez os adeptos da Roma voar como os aviões que o pequeno Vincenzo via quando era pequeno. Uma nostalgia que já tem 10 anos.

 

A carreira de Montella, como a de quase todos os jogadores daquela equipa, foi descendo progressivamente até se estancar. E chegar ao fim.

O dianteiro abandonou em 2009 os relvados e começou a trabalhar como técnico das equipas jovens romanas. Não está preparado para o desafio que o aguarda mas numa era onde o modelo Guardiola faz escola, muitos são os presidentes que caem na tentação de entregar os clubes a técnicos novos, sem grande historial e com uma forte ligação emocional aos seus clubes. E Montella preenche esses requisitos.

A sua performance como técnico juvenil não é sobresselente mas também não compromete. E permite-lhe conhecer bem a cantera de um clube que tem pouco dinheiro para investir no mercado. A equipa actual vive sem grandes figuras individuais e, paradoxalmente, sem coesão colectiva.

A derrota frente ao Shaktar - esperada face ao que se vinha vendo da equipa orientada por Ranieri - e o colapso frente ao Genoa espelham bem a mentalidade de uma equipa que se vai abaixo facilmente. Ao mínimo sopro de vento.

Totti já não é o líder carismático capaz de inspirar as bancadas e os colegas. Menez e Vucinic aparecem ocasionalmente e Adriano foi, como se esperava, um imenso erro. O dianteiro Montella terá, primeiro, de trazer ordem a uma defesa desastrada (Mexés, Burdisso, Cassetti e Juan têm tido um ano para esquecer) e depois ordenar a construção de jogo de uma equipa sem sistema nem modelo. Descompensada nos flancos, sobrepovoada no miolo, este conjunto gialorrossi precisa rapidamente de um tónico em forma de vitórias para não voltar, perigosamente, aos dias em que namorava mais com a despromoção do que com o titulo. E se Ranieri cometeu a proeza de deitar um titulo borda fora com um final de época periclitante no ano passado, a Montella vai-se lhe pedir, sobretudo, que mantenha vivo o sonho europeu, seja trepando lugares na liga (ou não tropeçando na tabela, pelo menos), seja operar um milagre na fria Donetsk. Algo que, como jogador, fez mais de uma vez.

 

 

 

Com os voos do pequeno Vincenzo a AS Roma viveu uma segunda juventude. Com o inexperiente dianteiro sentado nos bancos, os directivos romanos querem uma injecção de confiança mais do que resultados imediatos. Vincenzo Montella é uma aposta a longo prazo. Porque cai bem com os adeptos. Porque é barato. E porque os seus voos fazem soltar a imaginação de um povo que joga com os pés mas também com a mente...



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 14:47 | link do post | comentar

Sexta-feira, 18 de Fevereiro de 2011

Quatro equipas na fase a eliminar da Europe League. Quatro equipas com legitimas aspirações a seguir em frente. Mas também, quatro equipas que sentem na pele cada vez mais a diferença entre a sonolenta Liga Sagres e o ritmo competitivo no resto da Europa. Os resultados foram melhores que as exibições e o ritmo de jogo deixou a nú, uma vez mais, as gritantes debilidades do futebol português.

 

 

 

Sem equipas na fase final da Champions League (pela primeira vez desde 2003), o futebol português encontrou na Europe League o escaparate perfeito para salvar a imagem no estrangeiro e, inevitavelmente, para coleccionar pontos no ranking UEFA. Cercado por russos, ucranianos, romenos e holandeses, os portugueses sabem que cada resultado é chave para decidir os futuros milhões que podem (ou não) entrar nos cofres dos primeiros três classificados da prova nos próximos anos. Mas o que fica claro, depois da primeira mão destes 16 avos de final da segunda prova da UEFA, é que as equipas portugueses têm um longo caminho a precorrer se querem, realmente, sentir-se parte da elite.

O problema deste futebol luso não são tanto os resultados. É a qualidade de jogo. Uma inevitável diferença com o resto da Europa que só ganha forma quando as equipas são forçadas a sair desse casulo que é a Liga Sagres. O mesmo que permite dar uma imagem de uma equipa imbatida (FC Porto) ou de uma equipa que, segundo o seu treinador, "mete medo" (SL Benfica) e que não se vê no relvado quando o rival do outro lado está habituado a outras rotinas, outros ritmos, outra postura.

Se ao Sporting de Braga, destroçado pelas vendas no mercado de Inverno, há pouco que apontar na sua excursão polaca - uma equipa em pausa de Inverno e a jogar num estádio sem o minimo de condições - aos "três grandes" fica claro que a exigência europeia deixou a nu as principais debilidades de cada quadro. O Lech Poznan de Jose Maria Bakero já tinha deixado uma óptima imagem na fase de grupos (vergou a Juventus e aguentou o ritmo do Manchester City) e aproveitou bem o efeito casa para colocar-se em frente da eliminatória. E o Braga é, sabe-se, uma equipa em processo de reconstrução apressado e com muitas dificuldades em lidar com a presença em duas competições ao mais alto nivel a esta altura do ano. A tipica "malaise" das equipas médias lusas que é já um mal crónico e sem solução à vista. Enquanto a Liga Sagres for um poço não-competitivo, os jogadores dos clubes portugueses nunca estarão preparados para dar o seu melhor duas vezes à semana durante largos meses de um ano. Portugal é, assim mesmo, uma quadratura de circulo.

 

Mas se os bracarenses são, apesar de tudo, uma equipa pouco habituada a estas andanças, o mesmo não se pode dizer dos "grandes".

Mais do que os bons resultados logrados (particularmente a vitória fora de portas do FC Porto), ficou claro que em nenhum dos jogos houve superioridade. A Europe League desta época é, provavelmente, a edição mais equilibrada dos últimos anos com as equipas que chegam da Champions League a perder protagonismo face àquelas que já arrancaram a prova na fase de grupos. Villareal, Napoles, PSG, Liverpool, Manchester City, Zenit St. Petersburg, CSKA Moskva, Lille ou Dynamo Kiev - quase todos eles em posições cimeiras nas suas ligas domésticas - são perfeitos exemplos dessa realidade. E são, todos elas, equipas que jogam em alta rotação, num ritmo competitivo forte e onde o espaço para os erros é minimo. Nenhuma delas se cruzou, de momento, com as equipas lusas, mas os duelos prometidos para a próxima ronda deixam antever dificuldades suplementares. Porque contra adversários do mesmo nivel (ou teoricamente inferiores), nenhum dos três conjuntos portugueses se soube impor.

O SL Benfica entrou mais assustado do que com vontade de "dar medo" ao modesto Sttugart, que luta verdadeiramente para não ser despromovido na Bundesliga (onde não é inédito que um campeão recente caía de divisão). E sofreu para dar a volta ao marcador. Um golo sofrido nestas condições é um perigo e os encarnados têm um mau historial com equipas alemãs, sempre mais fortes mentalmente por muito que sejam tecnicamente inferiores. O Stuttgart não é um colosso europeu. Mas nem o era o Schalke 04, nem o era o Hapoel Tel-Aviv e a nenhum dos três conjuntos soube o Benfica impor a sua lei. Domesticamente os números da equipa de Jorge Jesus são impressionantes, desde a humilhação sofrida no Dragão. Mas nesse reino doméstico, onde tudo parece fácil, onde os rivais existem mas não ripostam, cria-se uma ilusão falsa de superioridade moral que no relvado se desploma. Este Benfica sabe que tem de subir uns degraus mentais e competitivos para manter um ritmo adequado aos palcos europeus.

Uma rotina que tem, desde há muito, o FC Porto. E no entanto, o clube português com maior sucesso na Europa nas últimas três décadas paga o mesmo preço que o seu eterno rival. Um grupo de apuramento acessivel e uma série de jogos domésticos imbatido criou a ilusão de superioridade nos azuis e brancos. O Sevilla, o mais forte dos rivais das equipas lusas nesta ronda, vive talvez a sua pior época em mais de meia década. E no entanto soube, mais do que uma vez, encostar os dragões às cordas. Valeu o desacerto defensivo hispanelense, a eficácia dos azuis e brancos e um pouco desse ADN europeu que o Dragão não esqueceu. Mas o jogo do FC Porto, que em Portugal se assemelha a uma ópera, na Europa perde brilho. Passes falhados infantilmente, erros defensivos, planteis curtos e muito individualismo à mistura são marcas transversais às equipas lusas e que podem significar um preço alto de mais a pagar na Europa.

O Sporting sabe-o bem. É uma equipa que nos palcos europeus nunca conseguiu, nem nos seus melhores momentos, sacar bons resultados. Espelho evidente do próprio desconcerto interno que sempre pautou a história leonina. Um empate em Glasgow é um bom resultado. Uma exibição sofrivel frente a um Rangers que vive a mesma realidade dos clubes portugueses - liga fraca, sem concorrência real - deixa a nú a inoperância do futebol luso mesmo quando defronta um "igual".

 

 

 

É expectável que o grosso, senão mesmo a totalidade, do contingente luso siga em frente. Mais dificil é imaginar que consigam ultrapassar os rivais seguintes, clubes já de outro patamar, de outras ligas mais habituadas a lidar com rivais de alto nivel competitivo, com outra disciplina táctica e com dinheiro suficiente para contratar jogadores de perfil mais elevado. Um clube português pode vencer uma competição europeia? Claro que sim. O FC Porto demonstrou-o em 2003 como se fazia. Mas dois anos depois o Sporting provou também que nem com tudo a favor o ritmo mental dos clubes lusos se sente cómodo nos grandes palcos europeus. Com o crescimento das ligas do leste europeu (Russia, Ucrania, Roménia, Turquia), muitas vezes a golpe de livros de cheques, transformando em titulos (exceptuando a Roménia, os três paises venceram na última década, pelo menos 1 titulo europeu) o investimento realizado, cada vez mais fica a nu a fragilidade desportiva e económica de uma liga histórica que vive fechada em si mesma e que muitas vezes não percebe que quando atravessa a fronteira entra num Mundo onde tudo sucede duas vezes mais depressa.



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Quinta-feira, 17 de Fevereiro de 2011

Ontem, pela primeira vez na sua curta e bem sucedida carreira, Guardiola deu a sensação de sentir uma brisa de medo a passear diante de si no relvado do Emirates Stadium. E entregou o jogo e talvez a eliminatória a uma equipa que estava amorfa e que se manteve de pé, estoicamente, graças ao génio e esforço de Jack Whilshire. O médio foi a grande diferença do Arsenal do ano passado para este, uma equipa sem medo de faltar ao respeito ao icónico Barça.

 

 

 

Talvez não seja casualidade que Pep Guardiola ainda não saiba o que é ganhar um jogo a eliminar da Champions League fora de casa.

Aqueles que sugerem que o técnico catalão, apesar de funcionar perfeitamente no seu clube do coração, teria dificuldade em trabalhar noutros cenários, têm aqui um argumento a seu favor. E já lá vão sete jogos (Lyon, Munique, Londres por três vezes e Milão) O mesmo se pode dizer do genial Leo Messi que, pela sexta vez saiu de Inglaterra sem marcar um golo. O ano passado compensou-o com a notável performance em Camp Nou. E é a isso que os blaugrana sempre se agarram. O seu feudo intransponível, onde ninguém praticamente consegue marcar mais do que um só golo, tem garantido o estatuto de favorito ao campeão espanhol. Mas a sua fragilidade fora de casa ficou, uma vez mais, a nu. E, pela primeira vez, também as opções do seu mentor.

Guardiola decidiu o jogo no momento em que retirou David Villa - autor do único golo e um dos mais lutadores no ataque - e lançou Seydou Keita para fechar o miolo e aprofundar ainda o mais o jogo de toque curto na linha média. Até esse momento a equipa catalã tinha sido, sem dúvida, a melhor sobre o terreno. Depois de um arranque fulminante do Arsenal, avisado pela meia-hora inicial do duelo do ano transacto (talvez a melhor primeira hora da história do futebol), o Barcelona tomou conta do jogo e começou a predicar a sua filosofia: passa e dá, passa e dá, passa e dá, rondo, rondo, rondo...até à exaustão alheia.

A defesa do Arsenal, claramente o seu sector mais débil, procurou jogar adiantada, criando um vácuo entre a bola e o jovem polaco Scezseny, uma das grandes promessas de Ilsington. Espaço aproveitado por três vezes pelo ataque blaugrana. Messi falhou duas vezes, Villa não perdoou. Só a labor de Jack Whilshire - 19 anos, para quem se esqueça - tapava os buracos deixados por um Cesc Fabregas apático e um Alexander Song de cabeça perdida. No ataque, depois dos raios iniciais, nem Nasri nem Walcott encontravam espaços para combinar com van Persie. O jogo era mais lento, mais pausado, mais aborrecido do que o ano transacto. Mas isso ao Barça preocupava pouco, jogava com o seu ritmo.

 

E depois veio o medo, ou pelo menos o mais parecido a isso que se viu sair da mente do Seny catalão.

Trocar o 4-4-3 ofensivo por um mais defensivo, com Iniesta escorado a um flanco (no outro andou, sempre desaparecido, Pedro) e Messi a vir buscar a bola aos pés de Xavi na linha de meio-campo, deu ar a um Arsenal agónico. O francês Wenger - até então tão apático como o seu capitão no terreno de jogo - lançou Arshavin e Bendtner para alargar o campo e a jogada surtiu efeito.

Se até então o Barcelona tinha procurado as laterais para desatascar o jogo central onde Whilshire, quase só, aguentava com Xavi e Iniesta, o Arsenal procurou precisamente o mesmo espaço para fazer a diferença. Clichy - apagadíssimo como sempre - encontrou van Persie que disparou sem hipóteses para um Valdés incapaz de imaginar que o genial holandês encontraria o buraco da agulha. Poucos minutos depois foi a vez de Fabregas encontrar Nasri que soube esperar e iludir a defesa blaugrana, entregando a bola para um Arshavin em movimento de apoio que não hesitou em bombardear para o 2-1. Uma reviravolta inesperada mas que honrava à única equipa que procurou atacar na segunda parte. O Barcelona preferiu gastar menos oxigénio e segurar o resultado e perdeu o norte. Messi, numa das suas noites mais desastradas, nunca conseguiu fazer a diferença e nem Maxwell nem Alves tiveram arte para abrir o campo e encontrar espaços na defesa gunner.

No entanto, a diferença, chamou-se Whilshire. O jovem internacional inglês o ano passado estava em Bolton, a madurar. Este ano apresentou a face do Arsenal que há muito não se via. Olhou nos olhos de Xavi e não lhe mostrou o respeito serviçal que o génio de Terrasa encontra. Deparou-se com o génio de Iniesta e soube como travá-lo com movimentos simples. E, no meio de tudo, soube encontrar forças para apoiar as rápidas transições ofensivas de Nasri, Walcott e Arshavin. Foi um verdadeiro pulmão no miolo e uma botija de oxigénio moral para um clube que se empequenecia sempre que o destino o fazia defrontar a sua particular nemésis europeia. Depois de seis jogos (2000, 2006, 2010), finalmente uma vitória. Uma vitória de Pirro, se os gunners não souberem repetir, pelo menos, a mesma atitude da meia hora final no dia 8 de Março. O golo de Villa pode valer ouro e é nesse tipo de situações que os blaugrana se sentem realmente cómodos.

 

 

 

Com Fabregas a pensar, provavelmente, no seu futuro em Can Barça, o futuro do Arsenal pareceu mais risonho do que nunca. Whilshire está preparado para recolher o testemunho (como fez o catalão com Henry há quatro anos) e pautar o ritmo do futuro projecto de Wenger, agora sem tantas restrições financeiras para trabalhar o mercado. Uma equipa extremamente jovem (23 anos de média) e com uma garra inaudita (terreno até hoje reservado, em Inglaterra, a Chelsea e Man Utd), este Arsenal pode sonhar com legitimidade. Mas sabe que vai mergulhar numa cova de leões de uma equipa celestial que se sente bem melhor quando está acompanhada pelo seu coro de querubins nesse santuário divino que se chama Camp Nou



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 11:28 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Quarta-feira, 16 de Fevereiro de 2011

Milão é uma cidade cinzenta iluminada no Inverno pelo branco do cume dos Alpes e pela cor que os mais ousados estilistas pintam na sombra da sua célebre passarela. É uma cidade sem rasgo e com uma história de conflictos suficientes para explorar em largas sessões de psicanálise. Acima de tudo é, hoje em dia, uma cidade desencontrada. Como Gattuso. Como o AC Milan. Como o próprio Calcio.

 

 

 

Joe Jordan foi um dos primeiros jogadores britânicos a dar o salto à liga italiana. Nunca foi uma estrela,mas deixou uma grata recordação como profissional dedicado numa época em que a cidade de Milão estava longe de ser o centro do futebol italiano. Gennaro Gattuso é um simbolo do futebol italiano que poucos admiram e muitos não querem ver. A popular Frikipedia diz que o médio de 33 anos joga na posição de "assassino centro". Ontem, num jogo feio, sujo e violento, "Gattu" pareceu lembrar-se mais das suas origens, a agreste Calabria no sul de Itália, do que no prestigio internacional de um clube que pode ostentar mais titulos do que nenhum outro clube no Mundo, salvo o Real Madrid.

Mas este AC Milan há muitos anos que deixou de ser o clube de Rivera, Baresi, Maldini ou van Basten e passou a ser o clube de Gennaro Gattuso.

Uma realidade que tem vindo a ganhar força à medida que passam os anos e o clube perde as suas referências. Hoje dificilmente encontrarão algum jogador do plantel do clube milanês que se lembre de ver Jordan jogar como rossonero. E isso que foi algo que sucedeu há sensivelmente três décadas. A memória perde-se num clube entregue a si mesmo e sem um rumo certo.

Talvez a culpa nem seja de Gattuso, jogador que ontem, em pleno duelo europeu (ele que tem duas Champions League, 1 Mundial, 1 Intercontinental e uma Serie A, a única do clube na última década) contra o Tottenham Hotspurs, simplesmente foi igual a si mesmo. Foi o AC Milan que mudou. E drasticamente. Há 20 anos ocupava o lugar hoje exclusivo do Barcelona: a grande referência mundial. Em 2011 é apenas o lider de uma liga que não vence há sete anos e uma equipa de segunda linha europeia que, segundo a maioria dos analistas, teve a sorte do seu lado nas três finais europeias que disputou na última década (venceu duas).

 

Não é coincidência que o mesmo dia em que Gattuso perdeu a cabeça (outra vez), Silvio Berlusconi tenha visto a sua prender-se ao cadafalso (outra vez). O primeiro-ministro italiano é, ainda, a máxima referência do AC Milan. Foi ele que resgatou o clube das sombras, em meados dos anos 80, e foi ele que financiou o renascimento de um clube que tinha caído em segundo plano desportivo após a era dourada de Nereo Rocco. Mas à medida que a politica se tornou no palco central da vida de Berlusconi, o AC Milan foi perdendo gás e classe.

O homem que deu a Sacchi e Capello alguns dos melhores jogadores da história do futebol europeu, há muito que se esqueceu do clube, entregando-o ao seu braço direito, o servil Galliani, uma especie de Gattuso dos escritórios. Gente sem memória, sem classe e sem saber estar que tornaram os rossonero num bicho raro no futebol europeu deste século. O AC Milan até ganha (menos do que imaginamos) mas já não sabe como. Perdeu a estrutura que tinha e tentou prolongar até idades incompreensiveis a carreira dos seus últimos simbolos. Mesmo a chegada de Allegri, um técnico novo e com novas ideias sobre o jogo, perdeu força à medida que as incorporações foram dando ao clube a forma de um grupo instável, sem preparação e sem classe. Cassano, outro troublemaker profissional do Calcio, alia-se a Robinho e Ibrahimovic, jogadores pouco conhecidos pela sua graciosidade, num tridente ofensivo futebolisticamente atractivo mas institucionalmente desastroso. A carta branca dada a Gattuso e Ambrosini (particularmente quando não está, como ontem, Pirlo) faz o resto. O jogo com o Tottenham só foi mais um num longo historial de bocejos desportivos. Mesmo sendo lider da Serie A, ninguém reconhece esta equipa como uma potência futebolistica. E ninguém a respeita. Como a Gattuso. Como a Berlusconi. Como ao Calcio.

O futebol italiano viveu nos últimos anos momentos de glória, da vitória ao Mundial da Alemanha aos triunfos europeus dos dois clubes de Milão num espaço de quatro anos. E no entanto os estádio continuam vazios, os melhores jogadores continuam longe da "Bota", as arbitragens continuam sobre suspeita e a qualidade de jogo vai diminuindo à medida que os trequartistas e os fantasistas dão lugar ao músculo e à força. AC Milan, Napoli, AS Lazio e Inter - o quarteto da frente da liga - jogam todos de uma forma agressiva, dura até, e sem grande espaço para a criatividade. Vitórias in extremis, dois ou três talentos individuais escudados por exércitos pretorianos, é essa a dura realidade de um campeonato que vive tão de cabeça perdida como o capitão do AC Milan. Gattuso é o que é e o que sempre foi e como ele a história conta pelas centenas os bons jogadores que souberam ser, acima de tudo, destruidores. Mas não é Berlusconi, sabe reconhecer erros e pedir perdão. E também sabe, certamente, que a imagem que dá é a imagem que dá o seu clube e o seu país no mundo do futebol.

 

 

 

Um Tottenham esforçado, dinamico e veloz representa o que de melhor tem o futebol inglês. Um Milan desinspirado, violento e oportunista espelha tudo o que de mau se encontra no Calcio. A mão de Gattuso no pescoço de Jordan é a mão de Berlusconi no pescoço do povo italiano. E é a mão do Calcio no pescoço dos adeptos. Sem controlo, desorientados, sem saber como reagir, todos perdem a cabeça, soltam a mãos e mergulham nas páginas mais deprimentes da história de um país que não se pode compreender sem uma bola nos pés.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 11:07 | link do post | comentar | ver comentários (4)

Segunda-feira, 14 de Fevereiro de 2011

O futebol sabe ser ingrato com os seus filhos mais pródigos. Hoje termina um capitulo fundamental, que marcará uma página da história do jogo. Mas parece ser apenas mais uma vírgula no meio de tanto histerismo por assuntos menores. Ronaldo Nazário, provavelmente o protótipo do avançado ideal, o mais completo jogador pós-maradoniano, disse basta. O Mundo já lhe virou as costas há demasiado tempo para se recordar da verdade e há muito que preferiu esquecer a lenda do único Aquiles que trocou a armadura por umas chuteiras e desafiou a ordem dos astros do universo futebol.

 

 

 

Para muitos amantes do futebol, o golo de Diego Armando Maradona à Inglaterra, no Mundial de 86, define uma época. Esses serão, provavelmente, os mesmos que se lembram bem daquela fria noite de Compostela quando um jovem brasileiro de 20 anos decidiu meter o mundo no bolso e dar um salto no tempo. Depois daquele momento histórico - que, matematicamente, serviu de pouco - passou a haver um antes e um depois de Ronaldo. O "Fenómeno" era, de facto, fenomenal. Hábil na gestão dos tempos, veloz como um felino, o seu instinto goleador enganava os analistas que se surpreendiam ao vê-lo começar as jogadas na linha de meio-campo. O seu poder de explosão e a facilidade de associação lembrava, e muito, o argentino caído em desgraça. No Mundial dos EUA, el Pibe despediu-se envergonhado. Sem jogar um minuto, Ronaldo esperava a sua hora. Já tinha sido o rei do Brasil, num ano memorável ao serviço do Cruzeiro. E já tinha confirmado, acima de tudo, a sua fácil adaptação ao futebol europeu. Com o PSV mediu-se ao melhor Ajax pós-Cruyff e, mesmo assim, pareceu inimitável. Mas também frágil e humano, dolorosamente humano.

Pelé sofreu lesões que o mantiveram em serviços minimos em dois Mundiais. A Maradona até uma perna lhe partiram e tanto Cruyff como Di Stefano, Platini, Messi ou Cristiano Ronaldo já sofreram agruras sérias provocadas pelos mais acérrimos rivais. Mas nenhum jogador de futebol foi tão vitima do seu próprio corpo como Ronaldo Luis Nazário de Lima. Um Deus de um jogo que o revelou como Mortal. A especulação faz parte da vida e hoje é legitimo pensar que, não fosse o seu corpo frágil, Ronaldo poderia ter sido mais do que o maior avançado dos últimos cinquenta anos. Poderia ter sido perfeitamente o maior jogador do Mundo.

 

Parou dois longos e deprimentos anos na sua estadia em Milão. As lesões contraídas ao serviço do neruazurri impediram-no de dar um salto qualitativo quando em melhor posição se encontrava para superar a barreira histórica deixadas por Pelé e Maradona. Depois do ano mágico ao serviço do Barça onde ganhou tudo menos a Liga (a desforra tardaria seis anos), o Inter era um profundo desafio. No primeiro ano esteve a um penalty do titulo, o mesmo que ficou por marcar naquela tarde seca contra a Juventus de Ancelotti. Depois veio o corpo e as dores de alma. As dores da nunca bem explicada desaparição no relvado do Saint-Dennis na final contra a França. Desse misterioso jogo pode-se retirar a essência fantasmagórica que acompanhava a carreira de um jogador completo a todos os niveis. O Mundial de França provou o que de melhor havia naquele Ronaldo. Quatro anos depois, o mesmo cenário exemplificou algo único: a transformação absoluta de um jogador de elite num outro jogador de elite, totalmente oposto.

As lesões destruiram o jovem explosivo e irreverente que tinha marcado um antes e um depois no futebol mundial e reinado, só, como único jogador global pós-Maradona. Em 2002 havia já Zidane, Figo, Beckham (todos futuros colegas naquele projecto megalómano de Florentino Perez). Mas nenhum como ele. Nenhum tão completo e com um espirito de sobrevivência tão agudo. Ronaldo reinventou-se, abdicou da velocidade em prole da colocação, aguçou os dentes frente à baliza contrária e assinou o Pentacampeonato brasileiro com o mesmo padrão de genialidade de Pelé. O titulo mundial, esse corolário, confirmou uma carreira sem igual que na Europa bebeu poucos titulos (como Maradona, nenhuma Champions League, por exemplo) mas que soube desfrutar plenamente da sua segunda etapa, agora de branco, com quilos a mais e vontade a menos. Em Madrid o segundo Ronaldo, esse sósia trabalhado do primeiro, foi assassino quando era necessário e displicente quando se pedia compromisso. Confirmou-se, se era preciso, como um jogador único, mas o mundo tinha perdido o interesse. Queria a novidade, a novidade dos Ronaldinhos, dos Messi, dos Cristianos e prodigios posteriores. O marketing funcionou contra ele depois de o ter ajudado a tornar-se num mito (os anuncios Nike com Ronaldo definiram, em boa parte, o fenómeno global do futebol na segunda metade dos anos 90 e o poder das marcas num jogo universal). O Brasil, com todo o seu atractivo, funcionou como um retiro progressivo de um atleta com muito futebol nos pés mas já sem forças para manter o nivel corporal. Ronaldo não podia aguentar com o ritmo europeu e mostrou manifestas dificuldades para encontrar a forma no mais pausado futebol sul-americano. O corpo, como disse, não aguentou. Tinha sofrido demais, talvez mais do que muitos desportistas de elite juntos. E o Mundo não percebeu que cada golo do brasileiro depois daquele calvário era, acima de tudo, um soco no destino. Um soco que van Basten, por exemplo, não soube dar. Um soco que só os maiores dos maiores (Pelé, Maradona) teriam sido capazes de desferir sem perder a pose.

 

 

 

Os ses e os senões comandam a vida e o destino. Ronaldo é, sem dúvida, o avançado mais completo da história do futebol se pensamos que Pelé e Maradona souberam sempre ser mais do que isso. E que Di Stefano e Cruyff eram, cada um ao seu estilo, jogadores totais. Mas quando se pensa nesse quinteto de maravilhas e se procura o ás que falta, que saltem os nomes de Zidane, Messi, Cristiano Ronaldo, Platini ou Beckenbauer soa um pouco a falso. Soa a esquecimento, propositado ou não, esquecimento daqueles arranques, esquecimento daqueles slaloms, esquecimento daqueles remates, esquecimento daqueles suspiros antes do golpe definitivo. Esquecimento de um rei que pareceu sempre ter de pedir a coroa emprestada e que mais do que um diamante forrado numa bola de couro, é uma gota de divinidade que mergulhou num corpo frágil, qual Aquiles, para mostrar ao mundo que os Deuses também são Mortais.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 16:06 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Quinta-feira, 10 de Fevereiro de 2011

Hoje os investidores estrangeiros são os únicos capazes de injectar dinheiro em projectos desportivos, muitas vezes, absurdamente estagnados. Petro-dolares, rupias indianas, rublos russos, tudo vale. No entanto, o modelo dos magnatas com dinheiro, ilusões mas muito pouca paciência não é novo e no passado deixou as suas vitimas. Poucas terão tido o mesmo impacto mediático do que o Matra Racing Paris. Durante dois anos tentou comprar o sucesso. Falhou e caiu na penumbra do esquecimento...

 

 

 

Quando em 1981 o milionário francês Jean-Luc Lagardére se juntou a Daniel Filipachi para comprar o espólio do grupo de revista Hachete, brincou com os amigos comentando que só lhe faltava mesmo comprar um clube de futebol. O homem que relançou a revista Elle era já então dono de uma imensa fortuna, graças à sua posição na empresa Matra (com considerável sucesso no automobilismo). Por essa altura, gastava essencialmente o seu dinheiro na grande paixão da sua vida, os cavalos de corrida. Mas o futebol também lhe tocava na alma e na cidade-luz de Paris não havia uma equipa que apoiar. O PSG vivia a sua primeira década, rodeado de incertezas, e a ideia começou a matutar na mente do empresário. Quatro anos depois comprou o quase extinto Racing Club Paris, um dos primeiros grandes do futebol gaulês que tinha caido praticamente no anonimato nos anos do pós-guerra. O clube estava na Ligue 2, lutando por sobreviver. Lagardére colocou o dinheiro à disposição da direcção com um objectivo claro: fazer do Racing um colosso europeu.

Começou assim a subida ao céu do clube azul e branco. O presidente conseguiu o apoio da Matra e mudou oficialmente o nome do clube para Matra Racing Club, o primeiro caso de uma instituição desportiva europeia que viu o seu nome alterado para incluir uma designação comercial. Um nome que se assemelhava, e muito, ao já usado pela empresa na sua etapa na F1 e que levantou suspeitas sobre o real interesse de Lagardére num negócio com muitos "ses". O projecto, no entanto, começou a dar os seus frutos. Em 1986 o clube venceu o titulo da segunda divisão do futebol gaulês e chegou, pela primeira vez em largas décadas, à elite. Era preciso dinheiro para permitir ao Matra - então alvo de uma imensa campanha de marketing nas revistas e jornais do grupo Hachette - competir com os maiores da época (o Bordeaux de Jacquet, o Marseille de Goethels ou o Monaco de Wenger). E com o dinheiro chegaram as estrelas.

 

Recém-coroado campeão europeu, o português Artur Jorge foi o primeiro a ser seduzido pela ambição de Lagardére.

Trocou a cidade do Porto pelo conforto de uma vida de luxo em Paris com um recorde milionário para qualquer treinador à época. O objectivo era vencer a prova que o tinha coroado num prazo de quatro anos e para tal chegaram ao modesto Stade des Colombes, nomes à altura. O alemão Piere Litbarski e o uruguaio Enzo Francescoli juntaram-se aos gauleses Pascal Olmeta, Luis Fernandez ou um jovem David Ginola. Mais tarde chegariam ainda o holandês Sonny Silooy, o uruguaio Ruben Paz e o camaronês Eugene Ekéké.

Artur Jorge pediu tempo para formar um onze ganhador - ainda estavamos na época em que só podiam jogar três estrangeiros - mas os resultados demoraram demasiado em chegar. A meio da temporada 1987/1988, o Racing Matra andava perdido na segunda metade da tabela, apesar do talento indiscutivel dos seus artistas, particularmente Francescoli, que confirmou as suspeitas que tinha deixado ao serviço da selecção do Uruguai e que mais tarde inspiraria a Zidane. A segunda volta foi bastante melhor, com a equipa a trepar até ao sétimo posto mas, mesmo assim, fora das provas europeias e a onze pontos do primeiro lugar. O dinheiro de Lagardére começou a desaparecer e os ingressos das bilheteiras do diminuto estádio parisino (7 mil pessoas) e do contracto televisivo eram insuficientes para arcar com os salários principescos das principais estrelas. Artur Jorge partiu (ele que voltaria a Paris para cumprir o seu sonho de campeão com o PSG dois anos depois) e o director desportivo, René Hause, tomou o seu lugar. Mas sem dinheiro, também Francescoli e Litbarki se foram, sem deixar grandes saudades, para brilhar em Marselha e Colónia, respectivamente. E a equipa ressentiu-se em demasia. O projecto começou a desmoronar-se e a equipa terminou a época seguinte num decepcionante 17º posto, salvando-se por um golo da despromoção. Para a Matra e para o seu presidente, era demais. Lagardére demitiu-se, vendeu a sua parte do clube e levou a Matra consigo, deixando o clube em estado de bancarrota. Os melhores jogadores da equipa saltaram do navio em movimento e apesar de ter chegado à sua única final da Taça em 1990, rapidamente a equipa caiu nos escalões do futebol amador francês, onde ainda milita. O dinheiro de Lagardére foi desviado para a France-Galop, empresa especializada em desportos hipicos e nunca mais se aventurou no mundo do futebol.

 

 

 

O projecto do Matra Racing Paris é um aviso a navegantes. Hoje, num mercado mergulhado em negócios obscuros e milionários que entram e saiem com demasiada facilidade, a nefasta gestão do pequeno clube parisino que quis dar um passo maior que a própria sombra podia transferir-se a um qualquer desses clubes com gestões milionárias. O fracasso do Portsmouth inglês, as dividas de West Ham United, o quase desaparecimento do Deportivo Alavés são apenas reflexos desse episódio. Quando o dinheiro quer comprar o sucesso, muitas vezes o único que acaba por conseguir é comprar o fim...lenta e dolorosamente.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 21:12 | link do post | comentar | ver comentários (6)

Terça-feira, 8 de Fevereiro de 2011

Viveu profundamente a metamorfose do futebol alemão, ferido no orgulho menos pela guerra e mais pela ascensão estética dos seus grandes rivais do centro europeu. Esteve em dois dos momentos chaves da história do futebol europeu, sempre do lado que a história preferiu esquecer. Mas o homem que engoliu a "Laranja Mecânica" merece bem o seu lugar na história de um jogo que também ajudou a moldar.

 

 

 

Quando o árbitro britânico Graham Taylor apitou para o final do encontro que marcava o fim do Mundial de 74, os alemães deitaram as bandeiras aos céus em delirio. O resto do Mundo olhou estupefacto. Como era possível que a selecção, consensualmente considerada não só como a melhor do torneio mas também como uma equipa que tinha marcado um antes e um depois do jogo, tivesse caído de forma tão clara aos pés de outra equipa. Essa outra equipa era a RF Alemanha. A selecção, já se sabe, a Holanda. A equipa que o mundo aprendeu a amar profundamente e que entraria para a história, efectivamente, como a percursora do jogo moderno. Só um homem, provavelmente, podia entender a importância daquela vitória. Helmut Schön, então seleccionador alemão, tinha estado sentado no banco - como adjunto - 20 anos antes, em Berna, quando o mesmo cenário colocou um fim às ambições da equipa dos mágicos magiares. A vitória da RFA então sobre a Hungria foi, para os anos 50, o mesmo que a mesma vitória dos germânicos, diante da Holanda, para o futebol da década de 70. O dedo de Schön esteve em ambas. Personagem extraordinário, ele foi quem definiu o ritmo e o espirito de sobrevivência, da metamorfose do futebol alemão ao largo da segunda metade do século XX.

Como ajudante de Sepp Herberger, pertence ao ex-jogador do Dinamo Dresden, a táctica de marcação homem a homem ao mentor do jogo hungaro, Hidgekuti. Vinte anos depois, os seus onze jogadores exploraram bem os espaços deixados pelo estilo de jogo veloz e móvel da mitica "laranja mecânica". Dois triunfos históricos que definiram o futebol europeu, marcando num primeiro caso, o último suspiro do WM. E no segundo, a vitória do 4-4-2 sobre o mais anárquico 1-3-3-3, imposto por Michels.

 

O destruidor de mitos, como poderia ser conhecido, nasceu em Dresden no lado oriental alemão e jogou largos anos pelo Dinamo local, chegando a internacional na equipa que viveu os dias mais sombrios do futebol germânico. Ao serviço da Mannschaft conheceu Herberger, eleito seleccionador no pós-guerra, e tornou-se no seu braço direito depois de em 1952 ter sido eleito, interinamente, seleccionador do Sarre, provincia independente alemã do pós-guerra. Farto de viver na recém-criada RDA, desertou pelo arame farpado que dividida a cidade e rumou a Munique. Com o seu mentor, em 1954, teceu uma teia à equipa hungara de Gustav Sebes, alinhando uma equipa propositadamente débil no primeiro jogo, na fase de grupos, onde foram goleados, para depois apresentarem-se na máxima forma no jogo decisivo. Uma tarde perfeita para Rhan, Seeler, Walker e companhia e que significou o primeiro titulo futebolistico da então RFA. Acima de tudo, foi a vitória do parente pobre do futebol centro-europeu. Os alemães tinham crescido a ver os elogios do mundo ao jogo dos austriacos de Meisl nos anos 30 e aos hungaros de Sebes na década de 50. Mas nem o Wunderteam, nem os Magiares chegaram a vencer um titulo mundial, e os alemães sim.

A vitória foi tão importante para a federação da RFA que Herberger e Schön tornaram-se intocáveis. O primeiro seria seleccionador nos dois Mundiais seguintes - onde a RFA foi absolutamente relegada para um terceiro plano - e Schön ficaria com o posto a partir do fracasso do Euro 64, quando se cumpriam 10 anos da glória de Berna. Prometeu uma nova atitude e demonstrou-o rapidamente. Em Inglaterra chegou até à final, graças a um 4-2-4 móvel, com Beckenbauer como elemento nuclear na transição defesa-ataque. Quatro anos depois, no México, só a lesão do capitão e o cansaço acumulado impediu os alemães de aguentarem o ritmo da Itália. Mas em 1972 ninguém os conseguiria parar. Schön tinha adoptado, finalmente, o 4-4-2, inspirando-se na série de talentos que emergiam entre Munique e Monchenlagdbach. Deu a batuta do jogo a Netzer, apostou na eficácia de Heynckhes e Muller e transformou Beckenbauer no lider, recuando-o para a posição de libero, onde o Kaiser estava destinado a comandar o jogo. A vitória no Europeu, frente à URSS, foi o inicio da grande era do futebol alemão. Dois anos depois, com o Mundial organizado em solo germânico, a responsabilidade era máxima e o sucesso mediático da Holanda de Cruyff, aliado à derrota inicial com a vizinha RDA (no único jogo entre as duas Alemanhas da história) minou a confiança dos adeptos. Mas o seleccionador tinha as suas ideias. Abandonou o virtuosismo dos jogadores do Borussia e apostou na velocidade e força d consagrando Holzenbhein, Bonhof, Overath e Grabowski atrás do possante Hoeness e do ágil Muller. Os alemães chegaram merecidamente à final e no jogo decisivo começaram a perder desde o primeiro minuto. Mas souberam controlar os ritmos, explorar os erros defensivos da linha mais recuada dos Orange e antes dos 45 já tinham dado a volta ao marcador. Uma vitória histórica, que só Schön seria capaz de explicar.

 

 

 

O homem que definiu o gene competitivo dos alemães ainda seria finalista vencido do Euro 76 (o tal penalty de Panenka) e só uma má performance na Argentina, dois anos depois, o motivaria a deixar um posto que conhecia de memória. Mas a sua herança competitiva e táctica ficou, de tal forma que o conjunto orientado pelo seu adjunto, Jupp Derwall, repetiu os ensinamentos de Schön até à exaustão quando venceu o Europeu de 80 e marcou presenças na final de 82. Seria um dos seus melhores alunos, aquela cuja ruptura mais lhe custou, que levaria as suas ideias um pouco mais longe para devolver a Alemanha aos titulos mundiais: um tal de Beckenbauer.



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