Chegando ao tramo determinante da época o duelo entre FC Barcelona e Real Madrid ganha nova dimensão com um expectável e multiplo reencontro nos meses que nos esperam. E enquanto o Barcelona começa a atingir o pico da sua extasiante temporada, o cansaço, fisico e mental, começa a tomar de assalto o Santiago Bernabeu. Espelho claro de quem optou por diferentes gestões dos tempos de jogo e que agora se encontra perante um dilema sem resolução aparente.
Em Camp Nou respiram futebol, alegria e dinamismo. As "manitas" repetem-se, com uma regularidade que faz lembrar os calendários dos anos 50, e a equipa que teve um arranque de época algo titubeante (principalmente diante dos seus), chega agora à parte da época que realmente conta com um pulmão cheio de ar e com energia suplementar nas pernas. Sem abdicar da equipa base, com ajustes pontuais e, sobretudo, posicionais, Pep Guardiola olha para os seus com um plus de confiança. Os processos estão assimilados, os jogos são controlados do primeiro ao último minuto e decididos, quase sempre, na primeira meia hora.
O Barcelona de Guardiola goleia porque quer golear. E isso parece evidente mas no futebol não o é, definitivamente. A maioria das equipas procura vencer e quando tem uma margem confortável, abranda o ritmo. Poupa as pernas, tranquilaza a respiração e gere os tempos. Este Barça é uma equipa que não sabe parar. Tem uma ansiedade absoluta em defenir o resultado no inicio do jogo porque sabe que é quando está em melhores condições fisicas para o fazer. Um 3-0 à meia hora de jogo é, muito dificilmente, reversível. E esse colchão permite depois abordar o jogo de outra forma. Dizer que os blaugrana só atacam é um erro, dizer que sabem como atacar não. Se as pernas de Messi, Pedro, Villa e companhia funcionam a todo o gás durante o primeiro tempo, depois a equipa faz com que seja a bola a funcionar no restante tempo de jogo. O Barcelona é tão boa equipa de ataque continuado como de contra-golpe. Joga com o campo aberto ao máximo, joga nos espaços abertos entre linhas e joga, sobretudo, com a psique do rival. Entrar a matar desde o inicio, procurar o golo imediato, retira o efeito de reação, destroi qualquer plano de organização e desmoraliza. Depois de meter o segundo ou terceiro golo uma equipa sabe que tem duas opções e o Barcelona sabe que a sua preferida, continuar a atacar, se vê facilitada porque o adversário está destruida psicologicamente por muito bem que se mantenha o fisico. Nessa gestão de tempo Guardiola não precisa de rotar. Usa Afellay, Keita, Mascherano, Bojan, Maxwell ou Thiago pontualmente mas nunca abdica, nem nos jogos mais pequenos, da estrutura principal. Porque são os que têm a licção melhor aprendida. Porque são os que inspiram mais medo ao rival (e isso conta tanto neste projecto guardioliano) e, sobretudo, porque são os que melhor sabem controlar os tempos de jogo. Messi hoje corre quando é necessário e a sua eficácia é tremenda. O mesmo se aplica a Villa e Pedro. O Barcelona marca muito mas, sobretudo, marca na maioria das ocasiões que tem. E isso é saber gerir um jogo de 90 minutos. E uma época de nove meses.
Ao lado da Castellana vive-se a situação oposta. O Real Madrid está de rastos e a época ainda vai a meio.
Os adeptos estão com Mourinho até ao fim mas muitos jornalistas foram escrevendo artigos queixando-se do que o técnico não fazia rotações e que a equipa podia sofrer, tarde ou cedo, o que em Madrid se conhece como "sindrome Queiroz". Em 2003/2004, com o português no banco, os merengues fizeram uma primeira volta excepcional mas ficaram sem oxigénio para a segunda e perderam com o Monaco na Champions League e a La Liga para o Valencia. O português contava com uma equipa ilustre mas não tinha banco, o mesmo que passa agora com Mourinho.
Olhar para os suplentes do Madrid pode deixar algum com uma depressão. Jogadores de nível médio como os Diarra, Granero, Albiol, Arbeloa, Gago, Leon e jovens como Canales, Mateos e Morata são as opções que o técnico tem para dar a volta a um jogo problemático ou rodar em encontros menos importantes. Depois há Kaká, a meio gás, e Benzema, única opção ofensiva desde a lesão de Higuain. Sempre que Mourinho cedeu, o Madrid desiludiu. Foi assim com o Murcia, o Levante, o Atlético, o Almeria...os suplentes não cumprem a mesma missão que as alternativas de Guardiola e a equipa ressente-se sem a descrição de Xabi Alonso, a velocidade de Di Maria, o regate de Ozil e a liderança de Ronaldo.
Mas o problema não é tanto o homem, mas sim o método. Este Real Madrid não tem um processo de jogo assimilado na equipa titular, quanto mais na equipa suplente ou nos jovens da filial. Ao contrário do Barcelona, que pode recrutar um jogador nos juvenis e ele sabe a sua posição e o seu trabalho na equipa principal, os merengues são uma jangada no oceano e andam ao sabor das ondas. Ora jogam em 4-2-3-1, ora em 4-5-1, ora em 4-6-0 ou, como nos últimos jogos (e ensaindo já os duelos com o Barça) em 4-3-3 com três jogadores de destruição no miolo.
Um problema que se adensa quando entendemos que o jogo do Real Madrid, electrico como seja, se baseia no erro do rival. O Barcelona joga igual, independentemente de contra quem seja, e é fiel ao seu estilo. Tanto o Bétis como o Almeria como o Madrid sofreram-na na pele em forma de cinco golos. Os da capital adequam-se a cada rival e jogam, essencialmente, na expectativa. E isso implica um jogo de maior desgaste.
O trabalho de meio-campo no Madrid resume-se a destruir e lançar o contra-golpe, para puxar as pernas dos laterais e extremos diante da defesa rival. O ataque está num constante estado acordiónico, recuando para fechar espaços para depois soltar-se em ataques viperinos. Sem descanso, a bola não rola, o que rola, e de forma sucessiva, são as pernas dos jogadores. E isso tem um limite. Ao contrário do Barcelona que abre o campo em largura mas encolhe ao máximo as linhas e com isso o desgaste, fazendo da bola a protagonista do seu jogo, o Real Madrid gosta de jogar com o campo na sua máxima largura e comprimento fazendo dos espaços, e não da bola, a alma do seu jogo.
O método de Mourinho é conhecido e a tradição do Barcelona também. Aí não há qualquer novidade. Se o método de um é tão válido como outro a verdade é que a diferença está na especificidade da liga espanhola. Qual campeonato escocês, Espanha deixou de ser uma liga aberta e vive num asfixiante duopólio. Mourinho, e os teóricos do futebol de transição e pressão, sabem que em provas longas as suas equipas vivem de altos e baixos. Quando os rivais sofrem também contratempos as condições ajustam-se. FC Porto, Chelsea e Inter perderam jogos no seu campeonato sem que isso colocasse em dúvida a sua superioridade porque os rivais também perdiam. Mas em Espanha o Barcelona não perde. Não porque é uma equipa perfeita, mas porque o fosso qualitativo entre os blaugranas (e merengues) é imenso com respeito ao resto do pelotão. E como o Barça não tropeça, o Madrid vive em constante tensão para não perder o comboio. Uma liga disputada nos duelos directos (como sucedeu nas últimas duas épocas) não permite respiro. E este Madrid precisa de oxigénio, particularmente porque a luta com o seu rival se estende à Taça (que os merengues não optam há quase duas décadas) e à Champions. Com o Barcelona ao seu ritmo, sem rival à altura e com fôlego para muito mais, o Real Madrid vive à beira do abismo. Precisa de aprender a gerir os seus tempos sem que isso signifique uma perda competitiva, como sucedeu em Almeria. E para isso precisa da bola. E artesões que a saibam manejar. Mas o seu plantel é um plantel virado para a velocidade. Por isso tanto desespero com o 9 goleador. Enquanto uns procuram jogadores que pensem o jogo, Mourinho sabe que a sua equipa não se adaptaria a um futebol pensado mas que benificiará muito de um killer que resolva quando as pernas comecem a falhar. Adebayor tem essa missão espinhosa em Madrid. Afellay terá tempo de sobra para fazer circular a bola em Barcelona. Duas visões diferentes de gerir, mais do que um jogo, uma temporada que promete ser muito longa.
Numa quente noite de Maio de 2002 os adeptos indefectíveis do Feyenoord Rotterdam cumpriram um sonho antigo. Voltaram a festejar um titulo europeu e logo no seu reduto de sempre. O De Kuip tinha acabado de cumprir 65 anos e engalanou-se para a festa local. Um dos momentos altos de um dos mais belos e históricos santuários do futebol europeu.
Como tantas outras catedrais desportivas, o nome oficial do reduto é o mesmo que o clube que ali disputa, quinzenalmente, cada encontro como se fosse o último. É por isso que ninguém conhece o Feyenoord Stadion, mas todos já ouviram falar do mitico De Kuip...ou melhor, da mitica "Banheira" (é essa a tradução literal da expressão holandesa). Um dos estádios arquitectonicamente mais belos do Velho Continente, o reduto sagrado do clube holandês comemora este ano 72 anos. Ao seu lado já estão a preparar o terreno para erguer o seu sucessor, que terá o inevitável nome de De Nieuwe Kuip. Antes que o tempo o apague e não fiquem apenas mais do que belas recordações, prestamos a devida homenagem a um relvado que já viu o melhor do futebol disputado na Europa ao longo das últimas décadas.
O estádio foi fundado em Maio de 1937. Inspirado pelo presidente de então do Feyennord, Leen van Zandvliet, o reduto nasceu de um projecto ambicioso de reconversão urbanistica da própria Roterdão. O clube queria algo grande e impactante e para tal contratou os dois melhores arquitectos holandeses da época, Johannes Brinkman e Leenerdt van der Vlugt, responsáveis então pela requalificação do maior porto europeu. Inspirados no Highbury Park - outro monumento já desaparecido - os arquitectos exploraram pela primeira vez a utilização de vários aneis sobrepostos. Um modelo que serviria de inspiração posterior para os estádios do Camp Nou, da Luz ou Santiago Bernabeu nos anos 50. Utilizando chapa e vidro os desenhadores construiram o projecto em tempo recorde e no dia da inauguração apresentavam à cidade um reduto capaz de acolher 64 mil pessoas. Depois do jogo inaugural da equipa da casa, a "Banheira" recebeu também um Holanda-Bélgica, derby intenso, e tornou-se a partir de então na casa oficial da selecção holandesa.
Com o crescimento da cidade e do clube no futebol holandês chegaram as grandes noites de futebol. Consumado como o grande holandês do pós-II Guerra Mundial, o conjunto vermelho e negro tornou-se rapidamente numa potência europeia. Nos anos 50 decaíu de forma mas com Ernst Happel no comando do onze local dominou por completo os anos 60, marcando presença regular nas últimas etapas da recém-criada Taça dos Campeões. Depois de várias tentativas o Feyenoord chegou à final da Taça dos Campeões em 1970. Pelo caminho ficou uma épica vitória por 2-0 diante do AC Milan na "Banheira", a primeira grande noite europeia do estádio. Curiosamente foi no reduto milanês que se disputaria a final. A praticar a primeira versão holandesa de Futebol Total, o conjunto de Roterdão bateu o Celtic Glasgow por 2-0 e sagrou-se pela única vez campeão europeu. Foi o culminar numa era dourada que imortalizou o já trintão estádio que receberia a partir daí várias finais europeias. Enquanto que o clube ganharia a Taça UEFA em 1973 para depois entrar num progressivo declineo, que coincidiu com a ascensão de Ajax e PSV, a fama do De Kuip foi aumentando.
Em 2000, já com sessenta e três anos e muitas obras de melhoria pelo meio, o estádio recebeu a final do Europeu de futebol. Uma decisão com profundo significado já que todos esperavam que o encontro decisivo fosse na Arena de Amesterdam, mais funcional e localizado na cidade número um do país das tulipas. Um orgulhoso triunfo para os locais que serviu para amenizar a dor de não ver a sua equipa subir ao mais alto do pódio. Até que chegou aquela mitica final. O Feyenoord há muito que estava afastado da elite europeia e não era favorito. O Borussia de Dortmund parecia ter tudo para vencer mas a magia do De Kuip fez o resto. Com 55 mil espectadores fanáticos nas bancadas a dupla Pierre von Hoijdkoonk e John Dahl Tomasson destroçaram a defesa alemã. A vitória por 3-2 significou o recuperar do nome do santuário apesar de que as celebrações foram ensombradas pela morte de Pym Fortyun, politico holandês e conhecido adepto do clube.
A partir dessa noite o De Kuip pareceu cair no esquecimento. A equipa baixou o seu nivel competitivo e foi então que se começou a falar em Roterdão na necessidade de criar um novo - e mais funcional - recinto desportivo. A decisão foi tomada pouco depois e está previsto que o novo estádio seja inagurado em 2015. Até lá cada segundo é pouco para desfrutar de um lugar repleto de magia e que é a quintessência do beautiful game...
Durante largas décadas o lado de lá da "cortina de ferro" foi um poço de mistérios e suspense que escondia surpresas inquetantes que deixavam sempre demasiadas perguntas no ar. Mas nenhuma realidade soube ser tão constante e enigmática como a aventura cientifica de um canalizador de Kiev que transformou o clube local no alter-ego desportivo do Bloco de Leste.
Nos dias cinzentos e obscuros da União Soviética era dificil escapar ao centralismo imposto por Moscovo.
No mundo desportivo, a realidade não era de todo distinta e o futebol soviético cresceu com alguns êxitos pontuais de clubes de terras distantes da praça vermelha (Lituania, Geórgia, Arménia, Ucrânia), mas eram as entidades da capital, bem distribuidas entre o poder dominante, quem impunha o ritmo de uma competição de que se sabia muito, muito pouco no Ocidente. O dominio quase asfixiante da capital chegou ao fim nos anos 70 e durante os últimos quinze anos de vida do império soviético, Moscovo tornou-se na excepção, em vez de se manter como a regra.
O motivo de tamanha desfaçatez com as autoridades do regime, um regime já de si caquético e a fraquejar claramente, começou a desenhar-se numa sala deserta da Universidade de Dniepre. Nas tardes de 1971, um antigo canalizador tornado treinador e um professor universitário com formação de cientista astrofísico passavam horas a procurar encontrar a fórmula cientifica certa para tornar um jogo conhecido pela sua imprevisibilidade, num facto consumado de rigidez matemática e cientifica.
Juntos, e durante anos, desenvolveram as suas teorias que depois foram passadas à prática. Programas computorizados, testes psico-técnicos dignos de cosmonautas e uma politica férrea de disciplina - tanto desportiva como humana - moldaram o grande caso de sucesso do futebol de leste europeu: o Dynamo de Kiev.
O aprendiz de canalizador em causa era Valery Lobanovsky. O seu ajudante, mentor do projecto que transformou o clube ucraniano no santo e senha do futebol soviético, o professor Anatoly Zelentsov. Juntos criaram o ideal do desportista comunista, mecanizado até ao limite.
Os treinos do Dynamo de Kiev não eram iguais aos das restantes equipas soviéticas. Antes de cada época o professor Zelentsov fazia os jogadores passar uma série de testes fisicos e psicotécnicos para controlar ao máximo a margem de erro que estes podiam cometer em cada jogo. Lobanovsky defendia que uma equipa que tivesse no final dos 90 minutos uma margem de erro entre os 12 e 15% seria invencivel. O problema estava em chegar a esses números, aparentemente sobre-humanos e, principalmente, incapazes de ser contabilizados e estudados. Os programas de dados, totalmente computorizados, estudavam as abilidades naturais dos jogadores e as suas reações ao treino fisico e psicológico. Os jogadores tinham não só de saber onde se movimentar como também eram forçados a memorizar todos os movimentos dos seus colegas. Como jogadores de futebol americano, os homens de Kiev sabiam durante os 90 minutos onde estaria cada um dos seus colegas a cada momento. Não havia espaço para a improvisação neste projecto. Mecanizados, adestrados e fisicamente preparados, os atletas de Lobanovsky tornaram-se máquinas no tapete verde. E passaram a dominar mais do que o futebol soviético.
No primeiro ano ao serviço do clube pelo qual jogou - em 1974 - Lobanovsky levou para casa o titulo, apenas o quarto do clube em quarenta anos de história. Venceria o troféu mais oito vezes até 1989. Pelo meio também ficaram as conquistas na Taça da URSS (seis no mesmo período) e os triunfos na Europa. Se o modelo parecia claramente funcionar no mercado interno (só uma bela geração do Dynamo Tiblissi e a habitual corrupção interna que permitiu pontuais vitórias do Dynamo e Spartak de Moscovo quebraram o reinado dos ucranianos) foi na Europa que Lobanovsky provou a eficácia da sua teoria. Em 1975 o Dynamo de Kiev, liderado pelo veloz e brilhante Oleg Blokhin, o primeiro jogador ucraniano a vencer o Ballon D´Or, destroçou os rivais até sumar a sua primeira Taça das Taças. Onze anos depois, em Lyon, repetiu a dose, com um claro 3-0 frente ao Atlético de Madrid. Um veterano Blokhin agora acompanhado pela geração mágica, moldada desde a raiz pelo técnico e liderada por Igor Belanov, consumou o triunfo europeu num ano dominado totalmente pelas equipas do Bloco de Leste. Faltou apenas a Taça dos Campeões, perdida em duas meias-finais, em 1977 e 1987, caindo aos pés de Borussia Monchenlagdbach e FC Porto, duas equipas onde primava...o virtuosismo individual.
O projecto de Lobanovsky não encontrou eco apenas no seu clube local. Seleccionador soviético durante dois periodos distintos, o técnico transformou uma titubeante selecção numa potencia mundial com performances brilhantes em 1986 e 1988, onde se sagrou vice-campeã europeia. Uma equipa composta, quase exclusivamente, por jogadores do seu Dynamo. Com a queda do Muro e a chegada da perestroika os atletas do velho lobo saltaram a cortina de ferro apenas para falhar totalmente no futebol ocidental. Nem Zavarov (Juventus), nem Mikailichenko (Sampdoria), nem Aleinikov (Rangers) nem mesmo Belanov, Ballon D´Or em 1986, (B. Monchenlagdbach), sobreviveram ao regime dictatorial e cientificamente calculado do seu mentor. Num futebol dinamico, colectivo mas com esboços constantes de individualismo, eles eram um grão de areia no meio do oceano. E naufragaram estrepitosamente. Tardou dez anos ao técnico em recriar um esboço do seu projecto original. Mas os Shevchenko e companhia já eram productos do futebol ocidentalizado. O experimento cientifico ficou escondido por debaixo dos ares da cortina, das pedras do muro, da bruma do tempo...um tempo onde foi soberano.
A saída de Darren Bent pode colocar em causa a espantosa época que se vive no Stadium of Light? Depois de uma primeira volta apaixonante, o Sunderland entra agora numa série de jogos fulcrais para confirmar se é realmente uma alternativa credivel aos rivais de sempre na luta pelos últimos postos europeus. A revolução silenciosa de Steve Bruce tornou o clube do nordeste num oásis de qualidade em terras de sua Majestade.
O antigo defesa de confiança de sir Alex Ferguson ficou irritado com Bent e com Gerard Houllier. E com razão.
Não só as negociações foram feitas nas costas do técnico como se mantiveram em segredo até ao último momento. O Aston Villa bateu o seu recorde, o Sunderland ficou a ganhar com uma caixa mais desafogada mas o técnico pergunta-se se a perda de Bent, aliada à inoportuna lesão do jovem Danny Welbeck, irá colocar em risco uma época até agora perfeita de um clube cinzento que fez do bom futebol de ataque o seu santo e senha para 2010/2011.
Bruce aposta claramente na filosofia ofensiva que Inglaterra parece que aprendeu a esquecer numa dimensão em tudo similar à do jogo do Tottenham de Redknapp. Um meio campo onde só milita um médio de contenção, o imensamente promissor Lee Cattermole, (e já capitão) pauta o ritmo balanceado para a frente dos vermelho e brancos. À sua frente, o futebol de toque e dá de Jordan Henderson, já internacional e uma imensa promessa do futebol britânico, encontrava até agora a conexão perfeita com um tridente composto por Wellbeck-Bent-Campbell.Todos atrás da grande referência deste projecto, o imenso Asamoah Gyan, talvez o jogador mais em forma do continente africano, se nos esquecermos por um pouco que existe um tal Etoo.
A relação de Bruce com o seu antigo mentor permitiu ao clube do nordeste manter uma relação próxima com o Man Utd. Daí chegaram não só os avançados Campbell e Wellbeck mas também o lateral Kieron Richardson, que pode fazer toda a ala num só sopro, hoje vice-capitão do conjunto.
Mas falar deste Sunderland é falar de profunda qualidade. Da veterania de Zenden e Malbranque ao promissor futebol do paraguaio Da Silva e do argentino Marcos Angeleri, o técnico nórdico conseguiu montar um esquema onde a fluidez ofensiva é o toque dominante.
A defesa, por onde andam também o irmão mais novo de Rio Ferdinand, Anton, o ex-internacional Titus Bramble e os promissores Onohuo e Turner, é a zona do campo mais frágil do conjunto do stadium of Light. Também porque o seu técnico prefere apostar no risco, sabendo que tem melhores possibilidades de singrar se a equipa actuar com a mente colocada no golo. Os tentos apontados pelo quarteto ofensivo, com o apoio de dois médios que jogam com tanto critério que destoariam facilmente em qualquer grande, são um cartão de visita imelhorável que faz desta a equipa revelação da primeira volta da Premier League.
Se todos os titulares se reservam para o quinteto da frente, a verdade é que a grande luta está no miolo com cinco equipas dispostas a tudo para ficarem com um lugar, o último posto europeu. Blackpool, Everton, Liverpool, Newcastle e Sunderland dão cor a este duelo mas apesar dos imensos talentos individuais dos dois conjuntos de Liverpool e da frieza táctica do recém-promovido Blackpool, é no duelo do norte que está concentrada toda a emoção. O Sunderland surge, mais do que nunca, com um projecto credível para instalar-se definitivamente no topo da tabela. Tem sólidas opções para cada posição, um técnico que gosta de arriscar e jogadores capazes de resolver jogos complicados com um golpe de génio. Bent era um desses nomes e a sua perda para um rival directo na luta europeia, um rude golpe. Substituido por Richard Fuller, ex-Stoke, outro avançaod de critério, o dianteiro não deixou muitos amigos. Mas pode deixar saudades se os golos do recém-chegado demorarem a entrar. E com eles a posição na parte alta da tabela dos Black Cats.
Seguir o campeonato inglês é seguir, principalmente, a luta das chamadas equipas de classe média. Com o dinheiro do Manchester City e a audácia do Tottenham dispostos a quebrar a hegemonia do Big Four, a luta pela sobrevivência no miolo do futebol inglês aperta-se mais do que nunca. Sem milhões para gastar mas com um projecto sólido, o Sunderland surge como uma ilha no meio do Oceano em plena tormenta. Cabe ao pequeno clube encontrar-se, uma vez mais, no coração da adversidade. Como no terreno de jogo, o único caminho é seguir em frente e com os olhos postos no golo. Na vitória. E na glória efémera.
Camisola fora dos calções para esconder a barriga. Olhar perdido no coração do tapete verde. Ar cansado. E, de súbito, um toque genial, um golpe de esforço, uma pitada de mestria e et voilá! Assim funcionava o homem que pautou o ritmo do futebol europeu durante grande parte dos anos 80. Quando viu que o fisico não lhe permitia aguentar as exigências do novo futebol, disse adeus. Atrás de si, a glória de uma era. E poucos que se lembravam da sua inoportuna barriga de sofá...
Giovanni Trapattoni berrava, vezes sem conta, a cada jogo da sua super-Juventus.
Durante meia década, os bianconeri foram a equipa italiana por excelência. Em titulos e estilo de jogo eram intocáveis e só nos palcos europeus pareciam ter dificuldades em impor a sua hegemonia. Mesmo assim, durante três anos consecutivos, marcaram presença em três finais. E só perderam uma, uma triste noite em Atenas. A cada jogo, "Il Trap" gritava sempre para o mesmo jogador. Pedia-lhe que corresse, que fechasse espaços, que ajudasse. Mas, a maioria das vezes, gritava em vão. Subitamente, o mesmo pequeno homem de orelhas quentes, arrancava com a bola nos pés e fazia magia. Decidia jogos, épocas. Era assim Michel Platini.
Fisicamente foi o último simbolo de uma era que desprezava a prepração fisica, cada vez mais importante à medida que os anos 80 vão abrindo passo à era do futebol de pressão total. Platini detestava treinar, detestava fazer exercicio e nunca conseguiu, ao largo da sua carreira, esconder uma visivel barriga pouco habitual num desportista de elite. Soltava a camisola, sempre justo e por dentro dos calções até então, para dissimular. Mas nunca conseguiu deixar o vicio do cigarro antes, durante e depois dos jogos. Nem as celebres jantaradas que Il Avvocato, Gianni Agnelli, fingia que não via, nas noites de Turim. Porque no terreno de jogo o pequeno Napoleão respondia. Não corria, para isso estavam os outros dizia sem pejo, mas decidia. Foi Capocanonieri três anos consecutivos. Muito para um número 10 que jogava ao lado de Boniek e Rossi. Foi o herói das grandes noites do clube. Livres directos executados à perfeição, penaltys nunca falhados mesmo quando a tensão era máxima, sprints endiabrados que deixava qualquer defesa de mãos na cabeça. Para Michel tudo servia. Tudo para maior glória. A sua.
Com a Juventus, por quem assinou em 1982 depois de se ter tornado na grande figura de um Mundial ganho, precisamente, por uma Itália repleto de jogadores da Vechia Signora, venceu tudo. Duas Serie A - com um intervalo pelo meio, cortesia do Hellas Verona de Preben Elkjaer Larsen - uma Copa di Italia, uma Taça das Taças (numa histórica final contra o FC Porto), 1 Taça Intercontinental (na sua noite mais brilhante, frente ao Argentinos Juniores), 1 Supertaça Europeia e a tão ansiada Taça dos Campeões. Nessa noite, no Heysel Park, os dois maiores artistas de ambos conjuntos, Platini e Dalglish, abraçaram-se. E perceberam para onde o futebol caminhava. Dois anos depois, ambos tinham, precocemente, pendurado as botas. Mas o francês tinha um curriculum invejável.
De 1983 a 1985 venceu de forma consecutiva três Ballon´s D´Or. O último em lográ-lo. E se muitos acusavam a publicação gaulesa France Football de chauvinismo, esquecendo-se de que eram os correspondentes nacionais que votavam,e não os jornalistas franceses, basta olhar para esses três anos e pensar no que se passava no panorama europeu de futebol. Principalmente naquele ano de 1984 em que Platini fez com a França o que Maradona emularia, dois anos depois, com a Argentina. Vencer uma prova praticamente sozinho.
O seu Euro 84 foi demoniaco. Marcou em todos os jogos, desde o encontro inaugural com a Dinamarca até à final e àquele golo mal sofrido por Arconada. Foi o melhor marcador do torneio e emendou-se depois daquela deprimente meia-final com a RF Alemanha no Bernabéu, dois anos antes. Alemanha que seria a sua carrasca dois anos depois em México. Três dias antes Platini falhara o primeiro penalty da sua carreira. Mas a França seguia em frente. Durante os 90 minutos o seu golo, frente ao Brasil romântico de Sócrates e companhia, tinha sofrido o seu último golo internacional. Ele que em 1978 se tinha estreada a marcar pela França frente à futura campeã, a Argentina. Era a época do Nancy, o seu primeiro grande amor. Depois chegou o Saint-Ettiene e a consagração gaulesa. Seis anos como simbolo máximo da Ligue 1 antes de aterrar no Calcio das estrelas. Em 1987, vendo como chegava o AC Milan de Sacchi e como brilhava o Napoli de Maradona, a Roma de Voeller e o Inter de Mathaus, o pequeno génio entendeu que já não podia esconder um fisico que não lhe permitia exibir-se ao mais alto nivel. E retirou-se, com uma simplicidade assombrosa, num jogo de estrelas frente ao seu grande rival individual da época, o inimitável Maradona.
Durante seis anos Michel Platini foi um jogador inigualável nos palcos europeus. A imprensa mediática nunca lhe deu a devida importância talvez porque metade do tempo elogiava o talento de Maradona e a outra metade criticava o estilo da Juve de Trapatonni. Foi o mentor do futebol-champange e exprimiu o melhor do futebol de toque curto na era que terminou com o dominio do futebol directo do norte da Europa. Inigualável nos relvados, falhou como técnico e emendou a mão como directivo. Agora na UEFA, é igual a si próprio. A barriga continua lá, maior ainda. O génio que brotava com tamanha facilidade das suas botas provavelmente também. Tudo em Platini tem um suave toque de mestria. E de pura eternidade...
Na Luz as formas sempre foram traiçoeiras e as suspeitas sobre a verdade desportiva um fantasma, que pairava sobre o tapete verde por onde brilharam alguns dos maiores jogadores da história do futebol luso, qual a desaparecida águia Vitória. A manobra da direcção encarnada para facilitar a passagem dos encarnados à próxima fase da Taça de Portugal resume toda a falta de ética que faz do futebol português um doente terminal com pouca esperança de recuperação.
O segundo melhor ataque do futebol português, enrabietado por uma série de vitórias consecutivas, media-se à segunda melhor defesa da prova numa eliminatória atrasada da Taça de Portugal. Como ultrapassar tão espinhoso obstáculo sem suar em demasia?
A resposta encontrou-a, antes de Jorge Jesus, a direcção encarnada. Dias antes do duelo da tão propalada "festa da Taça" a imprensa especializada começou a anunciar o interesse dos encarnados na figura central da defesa algarvia. Táctica velha em Portugal, com o Benfica como habitual protagonista (mas não só), e que visa tanto desmotivar o rival como empolgar os adeptos/leitores. Se o caso ficasse por aí, como tantos outros, o mal seria menor. Afinal, a fortaleza mental continua a ser condição sine qua non para ser-se um bom jogador. E o central brasileiro Jardel, não confundir com a eterna promessa por cumprir da direcção encarnada, é-o ou, pelo menos, tem demonstrado sê-lo com inusitada regularidade nesta temporada. Mas o caso foi mais longe, tristemente mais longe. E definiu um jogo que estava ganho antes sequer do apito inicial.
Jardel, convocado pela equipa técnica e previsivel titular, foi retirado da lista de titulares do Olhanense a meio da tarde. A direcção encarnado reuniu-se pela manhã com a homóloga algarvia e decidiu avançar para a contratação do jogador. A poucas horas do duelo directo entre ambos. E cometeu assim um dos actos mais anti-desportivos de que há memória no futebol luso. Mas que não é único e que, afinal, sucede a outros casos passados, quase todos curiosamente na Luz, como os do academista Marcel ou o lateral Jorge Ribeiro sem esquecer o mais recente dos casos. Fábio Faria, titular no jogo do titulo pelo Rio Ave na passada época quando já tinha lugar assegurado no clube encarnado para...o dia seguinte. Uma realidade que nem o técnico do Olhanense, Daúto Faquirá, soube contornar quando recebeu a informação de que o seu jogador mais vezes utilizado não jogava por motivos de força maior. Ele há coisas...
O Benfica venceu na primeira parte com facilidade uma equipa desmoralizada e descaracterizada.
Os algarvios até já tinham perdido na Luz para o campeonato mas, desta feita, nem tiveram opção a apresentar batalha e os encarnados continuam assim a corrida ao único troféu de prestigio a que podem optar no final da época. Uma velha obsessão de Jorge Jesus que agora terá de se medir ao Rio Ave para seguir na peugada do Jamor. Onde poderá encontrar-se, de novo, com o FC Porto, que resolveu com serviços minimos a última equipa dos campeonatos da Federação na prova.
O futebol português continua assim a viver um duopólio que, quando não resolvido no relvado, é resolvido fora dele. Independentemente de cortar com todos os laços da ética desportiva. O Benfica tem todo o direito a optar a um jogador, o Olhanense (e a Traffic Sports) todo o direito a vender. E Jardel em aceitar saltar de bando. Nada a dizer.
Mas realizar uma operação destas a meia dúzia de horas de um jogo decisivo para ambos e impedir assim, sem margem de manobra, que uma equipa actue como tinha previsto, destruindo à partida os planos tácticos do visitante é, no minimo, anti-desportivo. Se a justiça desportiva existisse, em realidade, até podia ser criminal. Afinal não foi na Premier League que um clube foi multado por alinhar jogadores poucos habituais contra um dos candidatos ao titulo num jogo a meio de semana? Se na Old Albion isso - que no fundo é uma decisão táctica do técnico - é punível, imaginemos o que seria uma situação similar num campeonato a sério, com leis a sério e com uma cultura desportiva verdadeira?
A actuação da direcção encarnada, a mentalidade pequena da direcção olhanense e a conivência das autoridades que regulam a prova (leia-se Federação Portuguesa de Futebol, ela também a viver na maior das ilegalidades) diz muito sobre o estado comatoso da moral do futebol luso onde tudo vale para ganhar. E onde todos apontam o dedo uns aos outros para passar a mensagem de que o pecado do rival lava o meu pecado. Os adeptos benfiquistas lembrar-se-ão certamente disso na hora de se defender. Não sabem como fazê-lo doutra forma. Porque não há, realmente, outra forma.
Jardel irá para o Benfica, como foram Marcel, Jorge Ribeiro e Fábio Faria (e tantos outros nomes no passado recente e distante) e é bem possível que não volte a jogar até ao final do ano. Nestes negócios de ocasião o futebol português é perito em validar contratações ou empréstimos que funcionam mais como manobras de controlo de bastidores do que necessidades futebolisticas. A falta de valores aliada à falta de qualidade de jogo faz da Liga Sagres (e das restantes provas menores) um dos campeonatos menos interessantes e captivantes do Velho Continente. Salvando-se as honrosas prestações europeias da última década (os anos de ouro do FC Porto, a final europeia de Sporting, os êxitos inesperados de Boavista e Braga), o futebol português é hoje um doente apestado em modo terminal. A bola tem a sua própria ética. Em Portugal ninguém parece importar-se muito com isso.
Há poucos estádios com tanto simbolismo e força interior que tenham sobrevivo à era da modernização do futebol moderno. Muitos deles desapareceram, outros estão em via de o fazer. E outros foram de tal forma alterados que perderam grande parte da sua essência. Cada pedra derrubada é um soco surdo na alma do beautiful game. Ontem o futebol ficou mais pobre. O Ali Semi Yen fechou as portas, de vez. O dinheiro ganhou. O Inferno turco é mais uma miragem do passado.
Se os adeptos turcos são internacionalmente reconhecidos pelo seu fanatismo - que chega a extremos impensáveis no resto do velho continente - há dentro da classificação dos fãs turcos dois niveis: os adeptos do Galatasaray...e todos os outros.
O clube do povo, o clube mais popular e europeizado da cidade que faz a ponte entre Ásia e Europa, domina todos os rankings possiveis e imaginários de fanatismo, superando mesmo os rivais locais do Bessiktas e Fenerbache, dois clubes exemplares na sua devoção ao jogo. Dentro dessa matéria prima que faz do adepto do "Gala" uma figura à parte está, esteve e acabará sempre por estar, a sombra do estádio mitico que define, também ele, o futebol turco.
Há quem se lembre das históricas vitórias contra Manchester United e Leeds United, em épocas distintas e contra duas massas adeptas igualmente fanáticas, para testemunhar o poder do Ali Semi Yen na dinamica desportiva que rodeia o clube vermelho e amarelo de Istambul. A vitória do Galatasaray em 1994 contra o Man Utd de Cantona e companhia lançou, definitivamente, o clube turco para a elite europeia. Já nos anos 80 o Galatasaray tinha ameaçado (incluindo uma meia-final da Taça dos Campeões perdida com o Steaua Bucaresti) mas a década de 90 revelou ser a sua era dourada. Seis anos depois, de novo contra exércitos da velha Britania, o poder do Ali Semi voltou a ser determinante na eliminatória contra o Leeds United na Taça UEFA de 2001. Os turcos venceram e rumaram à final - derrotando outro conjunto inglês, o Arsenal - mas o titulo ficou manchado igualmente pelas cenas de violência entre ingleses e turcos que terminaram com a morte de um adepto dos Whites. A fama de estádio violento ficou, mas há muito mais por detrás das históricas bancadas que ontem se despediram definitivamente da história do futebol europeu.
O Galatasaray venceu por 3-1 no último jogo "em casa". E até começou a perder. Mas poucos realmente estavam preocupados com o resultado. Era o simbolismo que contava.
O histórico recinto encheu-se pela última vez para um longo e triste adeus de 90 minutos. O novo estádio - tal como sucede com Bessiktas e Fenerbache - significa uma forte aposta dos grandes clubes turcos na renovação das principais infra-estruturas do país com vista a uma maior rentabilidade desportiva. E a hipotética organização de um grande evento europeu, para lá da final da Champions League albergada pelo renovado Ataturk em 2005. Para aumentar a capacidade (o histórico Sami Yen só contava com 20 mil lugares) e os rendimentos, o clube escolheu um local na periferia que pouco tem a ver com a imagem de clube cêntrico e cosmopolita que acompanhou o Galatasaray durante toda a sua história. Um amigável contra o Ajax (outro clube que apostou forte a principios dos anos 90 nessa mutação) no próximo sábado abre as portas ao futebol do recém-criado Türk Telekom Arena. E assim terminarão as longas filas para entrar, o ambiente frenético nas horas prévias, os espectadores com os filhos ao colo que muitas vezes aumentavam em milhares as almas presentes durante o jogo e, acima de tudo, o ambiente infernal que durava do primeiro ao último segundo e que tantas vezes salvou o clube da derrota e o empolgou para uma vitória improvável.
Desportivamente o clube agora orientado por George Hagi não vive os seus melhores dias, à sombra dos rivais locais e da irrupção do modesto Bursaspor. Mudar de casa significa um investimento significativo que a direcção quer aproveitar para relançar a única equipa turca que até hoje conta com uma competição europeia nas suas vitrines. Já lá vai uma longa década. Poucos se importam que o estádio tenha sido inaugurado com uma tragédia incluida. Era o centro nevrálgico do futebol turco. Até agora. Será mais um shopping, mais um templo consumista onde ninguém se lembrará dos últimos golos de Arda Turan, Kazim-Kazim Richars e Çervit. E de todos os outros gritos ecoados no passado.
Os adeptos puderam levar uma recordação em forma de cadeira com uma inscrição simbólica. Mas são as memórias que farão com que o recinto permaneça forçosamente na história do futebol mundial. Como em tantos outros casos em que o progresso e o aspecto comercial levaram avante à memória desportiva, o adeus é inevitável. A memória, inesquecível.
Quando Espanha se dividia, lambendo os beiços como um gato contente depois de ter apanhado a presa, o rato Messi passou pelo meio e subiu ao palco para reclamar o seu segundo Ballon D´Or de forma consecutiva. Foi o triunfo do novo modelo da FIFA, onde todos são iguais. A revista France Football perdeu a grande importância que tinha e viu-se relegado a um terceiro plano. Triunfou o atleta que só superou a concorrência nas listas dos países de Terceiro Mundo. O futebol universaliza-se e a Europa dos seleccionadores e capitães (Xavi) e dos jornalistas (Sneijder) viu-se superada pelo mediatismo de um rato atómico e imparável.
Em ano de Mundial ganha um campeão do Mundo? Num ano valoriza-se a trajectória mais completa a nivel internacional? Não.
No novo prémio FIFA Ballon D´Or ficou claro que os principais critérios para ganhar os esquecidos Ballon D´Or e FIFA Award foram deixados de parte. Votam capitães, seleccionadores e jornalistas de todos os países, por partes iguais. No final mistura-se e elege-se um ganhador. Como se fosse tudo a mesma coisa. E não é, bem se sabe.
Messi, um génio superlativo nisto que se chama futebol, já tinha vencido em 2009 graças ao mediatismo que acompanha a sua figura de rato dandy que passeia pelos relvados sem pedir licença. No ano de Xavi Hernandez, maestro de batuta da melhor versão do Pep Team, o argentino superou o seu colega e o seu rival número um, o português Cristiano Ronaldo (sexto este ano com 4% dos votos, espelho do seu grande mediatismo internacional). O Mundo aplaudiu e depois do Mundial da África do Sul (e da semi-final perdida contra o Inter) pensou que demoraria um par de anos mais a ver o pequeno argentino com o troféu nas mãos. Mas, hellás, a bola dá muitas voltas e acaba sempre no pé de Messi. Partia como o menor dos favoritos mas com o maior dos pedigrees. E, muito honestamente, na Antigua, Ilhas Virgens Inglesas e Laos isso conta mais que os critérios futebolisticos ou a soma dos resultados de provas em que essas nações nem sequer participam. O resto do Mundo ignorou a Champions League (até José Mourinho ganhou porque, dos três técnicos, é ele o mais mediático e fê-lo sobretudo, com os votos dos jogadores) e passou ao lado de um Mundial que não encantou ninguém e onde não houve uma figura individual consensual. Ficou-se pelas figuras. Por isso Cristiano Ronaldo está à frente de Bastian Schweinsteiger, Thomas Muller, Arjen Robben, Samuel Etoo, Diego Milito ou Iker Casillas. E por isso ganhou Messi. Porque é o atleta mais conhecido do Mundo, onde quer que seja esse Mundo. Se para os jornalistas o argentino nem no top 3 merecia estar (um distante quarto atrás de Xavi, Iniesta e Sneijder, que seria o justo ganhador), basta olhar para os votos dos capitães e seleccionadores das grandes potências futebolisticas para perceber que a notável época do argentino não lhe serviria de muito. Aí, com excepção dos votos brasileiros (uma surpresa), Xavi prevaleceu sobre os demais enquanto que Iniesta foi um regular segundo, o que lhe permitiu superar o seu colega de equipa e selecção na votação total. A divisão de voto (42%) em oito jogadores espanhóis explica também o sucesso de um atleta sem rival no seu continente e no mercado internacional, que conhece mais depressa os méritos do 10 do Barça do que o futebol que brota dos pés de alemães, holandeses e até espanhóis ainda anónimos para tantos e tantos por esse mundo fora. O terceiro Mundo que glorificou Pelé e Maradona, heróis seus, por encima das glórias europeias, prepara-se para fazê-lo uma vez mais com o argentino de apenas 23 anos. O mesmo percurso, a mesma base de apoio, o mesmo destino?
Ficou a nota dominante para o futuro num prémio que já não é um selo de qualidade garantizada. Nunca o foi totalmente, mas os critérios tinham uma certa coerência. Pouco se percebeu o triunfo de Schevchenko em 2004 sobre Deco, com uma época similar à de Sneijder, mas estava claro que a vitória italiana em 2006 iria permitir a um azzurro (no caso Cannavaro) subir ao pódio. Se o critério da publicação francesa que inventou o trofeu em 1957 para responder ao seu rival, L´Equipe e a sua Taça dos Campeões Europeus, tivesse permanecido vigente, Wesley Sneijder seria o vencedor. Cumprindo com o critério histórico de feitos logrados num ano civil. E aí ninguém chegou sequer perto do rendimento do espanhol.
Mas agora isso conta muito pouco, de tal forma que os votos dos jornalistas (os que se lembraram de Muller, Schweinsteiger, Robben, Fórlan por diante de Messi) pesaram muito pouco na votação final porque se dispersaram entre vários atletas. O voto dos seleccionadores concentrou-se num lote reduzido e assim será sempre, emulando o FIFA Award que, desde 1990, sempre preferiu o mediático ao lógico. Mas foram os capitães que acabaram por alinhar todos do mesmo lado, desiquilibrando uma balança que pendia, claramente, para o lado europeu.
Não ajuda também que estes prémios sejam, sobretudo, jogos politicos. Thomas Vermaleen, capitão belga, elegeu o seu colega espanhol Cesc Fabregas como o melhor do ano. O seleccionador do Chade preferiu Asamoah Gyan, jogador do continente, enquanto que os holandeses, seleccionador e capitão, tiveram votos nulos por não poder votar em Sneijder ou Robben. Pelo meio encontram-se vários casos de escolhas pouco transparentes que entorpecem a imagem de um trofeu que já valeu mais do que realmente vale hoje em dia.
Supondo que o mediatismo triunfou definitivamente é expectavel prever que os próximos anos sejam um mano a mano entre o argentino e o português com algum rival pontual pelo meio. E que Messi (ou Ronaldo) supere o recorde de três troféu, o máximo com que contam van Basten, Platini e Cruyff. O futebol ao globalizar os prémios individuais reduz ao máximo o lote de premiáveis ao que é reconhecível. Contradições do mundo recriado pela FIFA.
Na eleição ao técnico do ano, pela primeira vez um galardão que há muito fazia sentido, tem um peso simbólico imenso que o vencedor seja o treinador mais marcante da última década futebolistica. Mourinho venceu pelo ano perfeito mas, também, porque é o mais mediático dos Managers. E, sobretudo, com o voto dos jogadores que vêm nele o técnico perfeito. Os seleccionadores preferiram o seu parceiro de andanças, Del Bosque, e os jornalistas o seu azote, Mourinho. O inventor da maravilha que é o Barcelona moderno não convenceu ninguém. Ironias das ironias, o espelho mediático que enche regularmente de elogios o Pep Team voltou-se, neste caso, contra o seu próprio criador. Ironias da vida...
O Liverpool não é campeão inglês há 21 anos. Sim, tanto tempo. Kenny Dalglish não é campeão inglês há 15. Sim, tanto tempo. Mas a história de uns e outro está de tal forma ligada que não há, provavelmente, nenhum nome vivo tão adorado pela Kop como o do mago escocês que, de vermelho ao peito, venceu tudo o que havia para vencer. De pé, no relvado. Sentado, no banco que pertenceu durante 20 anos ao "Boot Room" e que a que só ele soube dar continuação. Uma história de amor eterno que conhece um novo e inesperado capitulo. Pode o filho pródigo ressuscitar o pai moribundo?
É bastante provável que Kenny Dalglish seja o melhor jogador da história do Liverpool.
Melhor que Keegan, Toshack, Hughes, Barnes, Souness, Hanssen, Owen, Gerrard, Torres...? Sim, provavelmente, nunca houve uma simbiose tão perfeita entre um jogador e um clube em terras de sua Majestade como esse amor eterno de um escocês que chegou num Verão quente para substituir uma estrela em ascensão (Keegan) e que acabaria por se tornar no simbolo de uma era. Agora, 20 anos depois, Dalglish está de regresso a Anfield. E com uma missão aparentemente impossível: demonstrar aos donos do clube que ele é o homem certo para emular um feito que assinou há precisamente duas décadas: devolver os Reds ao panteão dos campeões.
O último treinador campeão saiu cedo demais de um estádio que o glorificava como poucos. Eram dias dificeis. A tragédia de Heysel Park provocou um ostracismo injustificado para com os campeões ingleses. Os adeptos de Steaua e PSV sabem bem que os seus titulos europeus se devem, em grande parte, à ausência da equipa que então reinava no futebol europeu das provas da UEFA. Durante esse hiato, Dalglish tomou o controlo do clube. A retirada precoce de Joe Fagan significou o fim do Boot Room iniciado por Shankley e continuado por Paisley. O então jogador, já no final da sua carreira, aceitou o desafio da direcção e tornou-se treinador-jogador daquela que era possivelmente, a mais forte equipa do futebol mundial. E fê-lo nos bancos com o mesmo sucesso que demonstrou no terreno de jogo. Ganhando. E assim esteve meia década, aprimorando uma equipa que conhecia demasiado bem. Até Fevereiro de 1991. Um ataque de stress e Dalglish anuncia a sua retirada do futebol. Deixou o Liverpool só, na frente da First Division, mas o titulo seria eventualmente perdido. E o técnico acabaria por reconsiderar, tomando controlo do recém-promovido Blackburn Rovers. Quatro anos depois tornou-se no terceiro técnico a vencer a Liga Inglesa com dois clubes diferentes. Era parte da história. Mas o sucesso ficou-se por aí.
Depois de passar sem sucesso por Newcastle e Celtic, o seu outro clube do coração, o eterno dianteiro voltou a casa como conselheiro da direcção dos Reds em 2009.
Propôs-se a si mesmo para liderar o novo projecto na era pós-Benitez mas acabou por ser colocado de lado. A direcção preferiu Roy Hogdson. Sem sucesso. Na véspera do duelo com o eterno rival, o clube que em vinte anos recuperou o atraso perdido e igualou o Liverpool em titulos, o anterior técnico do Fulham recebeu guia de marcha. E Dalglish um bilhete na primeira fila. Até ao final do ano.
Em Liverpool sabe-se que Dalglish é apenas uma opção de emergência. Sem taças para vencer, com a Liga longe demais, pouco pode o técnico fazer para convencer a equipa directiva a dar-lhe uma nova oportunidade. Relembrar os dias de glória do primeiro Double da história do clube não toca no coração dos donos americanos, apesar de comocionar sempre uma Kop nostálgico pelos grandes dias do passado. O técnico terá o dificil trabalhar de obter resultados imediatos enquanto revive nos adeptos e, principalmente, nos jogadores, o espirito do Boot Room que tão bem soube transmitir em 1985.
Brilhante analista de mercado (as compras que trouxe para o Liverpool - Beardsley, Aldrige, Barnes, Houghton, Walsh - e Blackburn - Shearer, Sutton, Flowers e Batty), apoiante do futebol de formação (lançou Redknapp, McManaman e companhia) e um virtuoso técnico de ataque, o escocês conseguiu como jogador e treinador superar sempre a sombra que o perseguia. Não é por acaso que nas devotas bancadas do Merseyside, ele é ainda o King Kenny de sempre. Pronto para mais um reinado, por muito curto que seja, com a esperança de devolver o maior clube inglês ao lugar mais alto do panteão. Mas sem dinheiro, sem confiança e sem tempo, a tarefa parece hérculea.
Os mais nostálgicos lembram-se do homem que venceu três Taças dos Campeões europeus, duas Intercontinentais, um sem fim de ligas e taças domésticas e que bailava sobre o relvado com uma classe nunca vista. Voltar a ver o mesmo rosto sério, a lembrar os ares de galã de Robert Redford, no banco de Anfield é um verdadeiro sopro de melancolia. O filho pródigo está de volta. Resta saber se é um olá um adeus tão longo como o que resta de temporada...
O futebol europeu arrancou durante os anos 90 debaixo de um imenso feitiço de sedução. Chamaram-lhe Dream Team em homenagem à equipa norte-americana de basket que ali se coroou no inesquecível verão de 92. Meses em que era impossível passar um dia sem se ouvir ecoar na memória a palavra Barcelona. Mas o mito de Cruyff, a lenda que se seguiu, tem, como toda a épica lendária, uma forçosa reflexão a ser feita, capaz de quebrar uma mitologia consensual e enganadora.
Naquela quente noite de Atenas o Dream Team morreu. Desmoronou-se em mil pedaços. Perdeu toda a essência.
E ficou a nu toda a debilidade de uma equipa que durante quatro anos se tornou a inveja do Mundo. Da mesma maneira que ascendeu ao Olimpo, caiu pela montanha rasgada do Partenon. O conceito perduraria, a imprensa europeia trataria disso, e hoje o Pep Team procura resgatar a respeitabilidade que significa ser herdeiro de Cruyff e companhia. Mas que herança é essa? Como nasceu essa ideia de perfeição chamada "Dream Team"?
Para muitos está nos titulos. Quatro ligas consecutivas (histórico no que ao Barcelona diz respeito), a primeira Champions League da história (tão pouco para um clube tão grande) e vários titulos domésticos ganhos aos rivais de Madrid. Para outros era o modelo de jogo. Esse espirito ousado de atacar sem olhar a consequência, esse jogo de toque e resposta, rápido, eficaz e certeiro. Esse amor pelo risco que destoava totalmente do espirito conservador de um mundo futebolistico acabado de sair do traumático Itália 90. E haverá sempre quem aponte o dedo às pessoas. Ao "visionário" Johan Cruyff, esteta como técnico como era como jogador, ao seu fiel escudeiro Rexach, portador do espirito catalão, ou à tropa de artistas encarregados de pintar a obra: Stoichkov, Romário, Laudrup, Salinas, Zubizarreta, Bakero, Alexanko, Eusebio, Beguiristain, Nadal, Ferrer, Sergi e Guardiola, sobretudo, Pep Guardiola.
Esses condimentos estavam lá, foram reais e únicos. O Barcelona foi, de facto, a equipa que mais belo futebol praticou entre 1990 e 1995 no continente europeu. Um futebol atractivo para o público televisivo que começava a tomar contacto com novas realidades e maior exigência. Era a resposta ao dominio sufocante do Real Madrid em Espanha e da Serie A na Europa numa era em que a Premier League, a recuperar do trauma de Heysel, dava ainda os seus primeiros passos. Era uma equipa com uma táctica diferente, uma camisola diferente e um ritmo de jogo endiabrado. A lenda, como diria John Ford, faria o resto e suplantaria a realidade.
Verdadeiramente o Dream Team era um projecto repleto de importantes falhas que foram escondidas habilmente durante quase vinte anos.
Olhando para trás no tempo é dificil acreditar que há ainda quem pense naquele como o melhor Barcelona da história. Não só pelos logros actuais do Pep Team, uma versão actualizada e aprimorada do conceito cruyffiano, bastante mais coerente e perfeccionista. Mas sobretudo pela mágica geração de 50 que os catalães aprenderam a esquecer quando surgiu Di Stefano vestido de branco. O conjunto que Cruyff orientou durante quase uma década teve o seu momento mais alto na noite de 20 de Maio em Wembley. Mas mesmo essa noite, a da consagração, explica muito dos fantasmas que rodeiam o adorado conjunto culé.
Cruyff era um excelente jogador, o melhor talvez no seu posto, e como técnico tornou-se numa das figuras mais consensuais e sobrevalorizadas da história recente do futebol europeu. Chegou a um Barcelona em crise, devastado por mais um tropeço europeu com Terry Venables e em combustão interna entre os jogadores e a direcção do autoritário Josep Luis Nuñez. Ao contrário do que se pensa não havia praticamente catalães naquela equipa. E os que havia eram maus demais para aguentar. O holandês, que como jogador tinha feito história durante um ano (e vivido à sombra dela nos seguintes), exigiu investimentos. Trouxe os melhores (excepto os que militavam no eterno rival de Madrid) e perdeu três anos a moldar um sistema de jogo original. Um 3-4-3 elástico, que apostava nas transições rápidas e no futebol de toque curto e asfixiante até inebriar o rival. E levá-lo a ceder. O truque estava no trabalho de meio-campo que devia suportar uma defesa mais débil e um ataque com mais liberdades do habitual num futebol cada vez mais rigidio e organizado. Com essa ideia, os médios deveriam, tal como na Holanda de 74, surgir muitas vezes como os finalizadores. Para isso era determinante que fossem jogadores de alto nível. O técnico contratou José Maria Bakero, Michael Laudrup e lançou para a ribalta um escanzelado Josep Guardiola, a quem juntou o outro catalão de serviço, Guillermo Amor. Os quatro eram a medular de uma equipa que aproveitava a visão de jogo de Guardiola para apostar igualmente em laterais ofensivos (Ferrer e Sergi), recuando o centro-campista no apoio directo a Miguel Angel Nadal, único central inicialmente. Rapidamente acompanhado por Ronald Koeman e Andoni Zubizarreta (outras apostas pessoais do técnico), o sector defensivo passou a ser o primeiro elemento de apoio ofensivo, onde brilhavam Stoichkov, Beguiristain e Salinas. O último acabou por pagar cara a sua indolência e falta de mobilidade sendo substituido por outra compra milionária, o brasileiro Romário.
Esse Dream Team desmentiu a origem do conceito de jogo da Masia, tão defendido (e tão real) hoje em dia por uma verdadeira constelação de compras anuais que iam melhorando, a olhos vistos, a equipa. Nos dois primeiros anos o Barcelona venceu apenas uma Copa del Rey, ficando a anos-luz de Madrid e Atlético e uma Taça das Taças, em 1989, frente à Sampdoria. Mas dois anos depois, numa nova final da Taça das Taças e contra outro projecto a dar o seu arranque, o Manchester United de Ferguson, a equipa espanhola não aguentou o ritmo inglês. A ideia ousada de Cruyff era falivel. Mas faltavam nessa noite algumas das peças chave dos sucessos posteriores.
De 1991 a 1994 a história é de sucesso. Mas com interrogações.
O Barcelona venceu quatro ligas consecutivas mas ao contrário da primeira época, onde o dominio foi absoluto, as restantes foram autenticos sufocos, ganhos no último suspiro. Duas contra o Real Madrid, no mesmo cenário, Tenerife. Em ambos os casos os merengues lideravam a classificação. Em ambas as tardes perderam diante do conjunto canário oferecendo de bandeja os titulos à equipa de Cruyff. O quarto caso foi ainda mais dramático. O Deportivo la Coruña liderou quase durante toda a época e na jornada final precisava apenas de um empate frente ao Valencia. Perdia por 1-0 quando, no último minuto, um penalty colocou tudo em suspenso. Bebeto, o marcador habitual, escondeu-se da responsabilidade e o central Djukic rematou sem alma, falhando. O Barça ganhou ao Sevilla e conquistou o Tetra. Sem entender bem como, uma vez mais.
Pelo meio ficavam as sensações mixtas de uma equipa capaz de vencer por 5-0 no Bernabeu e depois perder por 6-0 diante de um Logroñes. Altamente irregular, o conjunto de Cruyff tinha um problema de esquizofrenia táctica. Uma defesa demasiado débil (que levou muitas vezes o técnico a apostar num 4-3-3, base do modelo actual de Guardiola), um ataque que tinha tardes de desesperante ineficácia e, acima de tudo, um problema com os estrangeiros. Numa época em que só podiam jogar três, a equipa contava com quatro jogadores de classe Mundial. O holandês fez de Koeman e Romário as peças chave e foi alternando entre Stoichkov e Laudrup. O dinamarquês, peça desiquilibrante no miolo, saiu desgostado. Para liderar a revolta merengue. Antes tinha sido o farol da grande noite europeia frente à Sampdoria, equipa que dominou grande parte do jogo mas não conseguiu marcar. Uma vez mais a sorte protegeu os culés, depois do golo épico de Bakero frente ao Kaiserlautern, que evitou uma precoce eliminação meses antes. A mesma sorte não teve o conjunto blaugrana nas outras duas edições do torneio. Em 1993 a equipa nem chegou à fase de grupos, eliminada pelo CSKA Moscow nos Oitavos de Final. Foi o culminar de um ano negro depois do festival futebolistico aplicado pelo São Paulo de Raí numa histórica final da Taça Intercontinental. Um ano depois, em 1994, os culés voltariam à final. Foi aquela noite de 18 de Maio. Aqueles quatro golos deixaram a nu todos os aspectos negativos do conjunto blaugrana. A fragilidade defensiva com as bolas nas costas da defesa, a inoperância ofensiva, a ausência de um criativo, o sacrificio de Guardiola e, sobretudo, a incapacidade de Cruyff, que nunca soube reagir à teia de Capello. Foi o fim. A alcunha ficou, o prestigio também, a admiração não se esmoreceu. Mas os factos eram claros.
No ano seguinte Laudrup, o despeitado, liderou a revolta do Real Madrid com 5-0 incluido no pacote. Na Europa o conjunto catalão repetiu, pela enésima vez, erros do passado. Superado no Grupo pelo IFK Goteborg, o Barça sofreu a humilhação de cair nos Quartos frente ao PSG francês. O ano seguinte, já sem estrelas, foi mais negro ainda e o holandês foi despedido e anunciou a sua posterior retirada passando a viver da honra e glória perdida. Tacticamente pouco inovador, o conceito de Cruyff era apenas uma variação da táctica criada nos anos 70 por Michels. Aprimorada por Guardiola (que aprendeu muito daquela noite em Atenas), a filosofia do "Futebol Total" continua a ser o santo e senha no Camp Nou. Mas se o mito consolidou o Dream Team como a equipa perfeita, a verdade é que o espelho apresenta muitos riscos e falhas para não passar por um subtil engano. A grandeza da lenda está, precisamente, na forma proporcional como se afasta da realidade. Aquele Dream Team era mágico. Tão mágico como frágil. Como todos os castelos de cartas, acabou por cair.