Sexta-feira, 31 de Dezembro de 2010

Ganhar é a palavra chave no mundo do desporto. Ganhar tudo é a imagem de marca de homens únicos, capazes de adaptar-se às diferentes circunstâncias e obstáculos que se lhe cruzam pelo caminho. Num ano de multiplos personagens, a figura de José Mourinho ergue-se por cima de qualquer outro. Com o Internazionale fez história. Com o Real Madrid procura repetir a fórmula de sucesso que o tornou, nos últimos oito anos, no mais importante técnico da década. O ano de 2010 foi seu, indiscutivelmente.

 

 

 

A derrota por 5-0, a maior da sua carreira, manchou ligeiramente o impecável sobretudo que já faz parte da história do beautiful game.

Mas naquele jogo em Barcelona, apesar dos erros individuais dos jogadores e do seu próprio planteamento, Mourinho foi tudo aquilo que não foi durante os restante 364 dias do ano. E só por isso perdeu. Sem espinhas.

Mas esse pequeno detalhe não deixa esquecer técnico português viveu o ano mais dourado da sua carreira desportiva. Mais até que ao serviço do FC Porto, onde ganhou tudo o que havia para ganhar e ganhou o direito a sentir-se um "Special One". Mais até do que no seu mandato em Stanford Bridge, onde revolucionou o binómio da Premier League, mas que acabou por ficar sem a consagração no espectro europeu que lhe ofereceu a sua estância lombarda. Em Milão Mourinho repetiu o que logrou em Portugal e Inglaterra. Vencer, vencer e vencer. Tudo o que havia para ganhar. Depois de um primeiro ano de adaptação, onde se ficou pela Serie A, algo habitual num clube despojado de rivais à altura pelo Moggigate de 2006, em 2010 a sua marca ficou definitivamente impressa na história do clube, do Calcio e do futebol europeu.

Num clube habituado a gastar sem ter retorno, a viver da saudade dos tempos perdidos do mago Herrera, a sua estampa é a partir de agora santo e senha. Saiu em ombros, com as lágrimas do seu capitão e o sentimento de mulher traída do seu presidente. Naquela noite quente e abafada de Madrid, entrou na galeria dos eleitos. Duas Champions League por dois clubes diferentes a culminar um Triplete que só Ferguson e Guardiola lograram na última década. E se, tal como no FC Porto, a vitória na Champions significou um adeus - que o impediu de somar o sexteto de titulos logrados no passado ano pelo técnico do Barcelona - a chegada a Madrid tornou-se no mais irresistivel dos desafios. Senhor absoluto de Inglaterra, Itália e Portugal, falta-lhe Espanha no curriculum. A Espanha do seu mais odiado rival, do clube que continua a olhar para ele como um traductor, incapaz de perdoar o festival de eficácia defensiva frente a onze selvagens gladiadores no histórico duelo das meias-finais no Camp Nou (depois de uma imensa vitória em San Siro por 3-1 depois de ter estado a perder). A Espanha do clube mais titulado do Mundo, ferido de morte pelos elogios ao seu eterno rival. A Espanha que falta numa carreira imaculada e inimitável nos anais do jogo.

 

Nenhum técnico ganhou tanto como Mourinho em tão pouco tempo. Mais ainda se estamos a falar de um verdadeiro nómada que vive do desafio diário mais do que da comodidade de um projecto de longa duração. Se os romanticos têm tendência a admirar os longos reinados e reconstruções dos Busby, Shankly, Ferguson, Cruyff, Lobanovskys e Wengers, a verdade é que o futebol evoluiu sempre graças aos rebeldes técnicos que procuram sempre um novo laboratório para as suas ideias. Foi assim com Herrera, com Michels, com Capello, com Santana ou Clough. Nomes a que mais facilmente se pode associar o génio laborial de um técnico nascido em Setúbal mas que há muito é uma figura do Mundo.

Mourinho gosta dos underdogs, como a giria americana apelida àqueles em que poucos acreditam. Pegou num FC Porto desacreditado, depois de três anos de vazio e transformou o clube da Invicta em rei da Europa, algo inimaginável e inimitado desde então por qualquer clube fora das três grandes ligas europeias que somam, nos últimos 20 anos, 15 dos máximos titulos europeus. Escolheu Stanford Bridge porque o desafio de bater o dominio dos Invencibles de Wenger e os Ferguson Boys de Manchester era imenso para qualquer um (basta ver o que passou com Benitez, sempre empequenecido na sua comparação com Mou) e graças ao seu estilo de jogo fluido, atractivo e extremamente sólido, criou um clube dominador e asfixiante que é hoje a primeira potência britânica. Em Itália chegou a uma liga descaracterizada, longe das batalhas tácticas que a celebrizaram nos anos 90. Mas transformou o Internazionale de anão a gigante europeu, com uma equipa envelhecida e sem estrelas, sem nomes próprios capaz de ofuscar a sua figura de grande lider. Um desafio que repete agora em Madrid, onde exceptuando o carisma e caracter de Cristiano Ronaldo, lhe cabe recriar, pela quarta vez, uma nova versão da guarda pretoriana, disposta a tudo para mantê-lo no trono imperial. Mesmo se do outro lado, da estética Grécia, emerge um imenso Agamemnón (Guardiola) e um exército que é a paixão de todos os aficionados bélicos, onde deambula um herdeiro de Aquiles (Messi), um engenhoso Ulisses (Xavi) e um intrépido Ajax (Iniesta), que repartirão entre si o ouro da bola mais prestigiada do Mundo.

 

 

 

Mourinho já entrou para a história do jogo quando fez do FC Porto campeão europeu. A partir daí a sua lenda vai-se tornando maior e só quando a sua carreira chegue ao fim será possível apreciar na totalidade a imensidão do seu papel. Mestre dos jogos mediáticos, dominador absoluto de balneários, eximio no jogo táctico, Mourinho sabe que o futebol moderno acenta, sobretudo, no pragmatismo. Vencer dois jogos por 5-0 e perder outro significa ter menos pontos que três jogos ganhos a 1-0. Vencer a qualquer custo implica danos colaterais. O Inter - mais do que qualquer outro dos seus projectos - não estava feito para brilhar. O seu novo Real Madrid, tal como o seu Chelsea, começa a dar sinais de se transformar num relógio letal, que a cada badalada é capaz de disparar um tiro certeiro e matar o mais duro dos rivais. Vinte passes sem perder a bola faz os adeptos aplaudir de orgulho. Mas três toques e um golo levantam um estádio. Mourinho nasceu para levantar estádios mais do que para ser um profeta de consensos. Em 2010 levantou tudo por onde passou. O desafio é imenso. A história é infinita e ciclica. O seu ano é este, mas já foi outro e provavelmente voltá-lo-á a ser. São assim os deuses do futebol.

 

 

Post-Scriptum: Há quem imagine os 5-0 aplicados pelo Barcelona ao Real Madrid como o jogo do ano. Outros relembram o confronto entre Alemanha e Argentina no último Mundial, a final histórica da Champions League ou alguns duelos locais, como os 5-0 do FC Porto ao SL Benfica, o triunfo por goleada do Inter ao AC Milan ou a vitória expressiva do Liverpool diante do Manchester United. Mas provavelmente há anos que não se viveu um jogo tão asfixiante, apaixonante e único como o Arsenal vs Barcelona. A primeira metade do desafio dos Quartos de Final  da última edição da Champions League foi a maior ode possível ao estilo de jogo edificado por Pep Guardiola. A segunda representou toda a classe e garra que encarna a Premier League. Um jogo para entrar nos anais da história como o perfeito exercicio futebolistico. Um verdadeiro producto vintage, irrepetível e que se ergue, diante de todos os outros, como o Jogo do Ano.



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Quinta-feira, 30 de Dezembro de 2010

Israel ainda não é um país muito dado à magia do desporto-rei. Apesar das boas sensações do Hapoel Tel-Aviv, poucos são capazes de contar pelos dedos das mãos as principais figuras do futebol jogado pelos filhos das doze tribos. Mas essa odisseia, como a marcha de Moisés, teve um inicio. Nos pés de Avi Cohen, um lateral capaz de fazer a diferença, um jogador capaz de ultrapassar barreiras insondáveis, um profeta antes do tempo...

 

 

 

Há uns anos o mundo maravilhava-se com os golos de Revivo, então a grande estrela do melhor Celta de Vigo da história. Recentemente o You Tube ofereceu aos mais incautos os talentos de um tal Gui Asulin, que o Barcelona não quis guardar e que acabou na folha de pagamentos dos árabes - e viva a ironia - do Manchester City. Pelo meio estão os nomes que ninguém se lembra, as gestas inombráveis e os clubes que todos confundem com os rivais cipriotas, gregos ou turcos. É essa a sina do futebol de um país encrustado nas provas europeias para não ter de defrontar a cada duas por três os seus vizinhos árabes. Uma decisão politica que pouco fez para alterar o futebol em Israel e pouco impacto causou no circo europeu.

Quando a liga israelita ainda era totalmente amadora, o Liverpool, rei da Europa e do Mundo, do incumensurável Bob Paisley, espetou uma lança no coração de Tel Aviv e recrutou o primeiro de uma curta linha de profetas que ainda não fez do país criado à medida da diáspora hebreia, uma potência futebolistica.

Avi Cohen era um defesa de primeiro nível. Capaz de entrar no onze mais admirado do futebol europeu do final da década de 70. Nascido no Cairo, quando os pais procuravam forma de entrar no recém-criado estado israelita, cresceu na capital Tel Aviv, onde começou a actuar pelo Maccabi local. Rapidamente emergiu como uma das grandes figuras da liga local, vencendo duas ligas consecutivas, e chamou a atenção de alguns olheiros europeus. O Liverpool tomou a dianteira e contratou-o por 200 mil libras, valores significativos para um defesa à época.

 

Em Anfield Road moravam os melhores entre os melhores e Cohen demorou a entrar no onze titular.

Na equipa onde Dalglish era o farol, Johnson o goleador e Souness a alma viva, o israelita tornou-se num elemento importante da manobra defensiva, feudo de Thompson, o veterano capitão. Na sua primeira época o israelita entrou para a história dos Reds com um inusual e oportuno golo no derradeiro encontro frente ao Aston Villa. Um tento que deu o titulo aos de Anfield diante do eterno rival Manchester United, terminando com o curto reinado do Nottingham Forrest de Brian Clough. O golo valeu ao israelita um imenso prestigio na sua terra natal mas no ano seguinte Cohen tornar-se-ia persona non grata para a sociedade israelita ao aceitar jogar no Yom Kippur, dia sagrado para os hebreus. O Liverpool jogava em Southampton e o lateral jogou no empate a duas bolas contra uma equipa então liderada por Kevin Keegan. Os adeptos reconheceram-lhe o gesto mas no final da época um par de lesões e a ascensão meteórica de Alan Kennedy, autor do golo da vitória do Liverpool na final da Taça dos Campeões contra o Real Madrid, fecharam-lhe as portas de Anfield.

Cohen voltou então ao seu Maccabi antes de terminar a carreira em Glasgow, onde actuou durante duas épocas ao serviço do Rangers por convite pessoal do seu velho amigo dos dias à beira do Mersey, Graeme Souness, então treinador-jogador dos escoceses. O internacional israelita - jogou 51 vezes pelo seu país natal, um recorde à época - pendurou definitivamente as botas em 1990 e tornou-se primeiro técnico e mais tarde presidente da Associação de Jogadores Israelitas.

 

 

 

Considerado unanimemente como um dos maiores desportistas da história de Israel, Avi Cohen não sobreviveu aos ferimentos de um acidente de moto e depois de dias de incertidumbre, acabou por falecer. Das bancadas de Anfield ao Rebook Stadium de Bolton, onde o seu filho joga actualmente, passando por cada recanto de Israel, a sua morte sentiu-se profundamente. Afinal, ele foi o primeiro profeta de uma nação por descubrir. Um profeta que sabe que nunca caminhará só...



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Quarta-feira, 29 de Dezembro de 2010

Mão bem alta, dedos estirados, emoção até ao fim. Há muito tempo que a corrida ao ceptro de uma grande liga europeia não estava ao alcance de tantos e tão bons. O equilibrio dominante da prova ficou, na passada ronda, mais uma vez demonstrado. Num curto espaço pontual, e com meio torneio por diante, há cinco equipas com legitimas aspirações a suceder ao Chelsea. Cinco equipas, cinco sensações, cinco ritmos, cinco dedos. Uma mão cheia de emoções...

 

 

 

A mão enganadora de Zigic permitiu ao veteraníssimo Lee Boywer confundir, ainda mais, a tabela classificativa da mais excitante prova desportiva continental. A Premier League por ter perdido alguns dos seus melhores embaixadores, pode estar à beira de uma profunda crise financeira, mas continua a exibir todos os condimentos que fazem do futebol o verdadeiro ópio popular dos últimos 100 anos. O ex-internacional, membro da majestuosa equipa do Leeds United do inicio da década, deu uma estocada letal nas aspirações dos Red Devils em passar o ano como líderes solitários. Terão de partilhar, pela primeira vez desde 1968, a primazia com o seu vizinho e eterno rival. Morning Glory, som dos irmãos Gallagher, reconhecidos Citizens até à medula, soa com outro ar nas rádios de Manchester esta manhã. A velha ordem, o velho duopólio que nunca foi verdadeiramente um trio, volta a estar debaixo de suspeita. Novos ares sopram de terras de sua Majestade e no país das tradições, nada é o que parece. Esta Premier muito menos.

Cinco equipas estão actualmente separadas na tabela por pouco, muito pouco. A distância de um sonho, do concretizar de uma ideia. Do espirito romântico dos eternos loosers do Arsenal ao fausto histórico dos intocáveis guerreiros fergunianos do Man Utd, passando pelo novo-riquismo do City, do rei mal amado de Chelsea ou dos loucos piratas de Tottenham. Cinco estilos de jogo. Cinco politicas desportivas. Cinco projectos bem distintos. Todos com o mesmo objectivo, todos com o seu próprio percurso traçado para chegar até ao fim. Só em Inglaterra é possível atacar um titulo destoando da imensa maioria. Se em Espanha todos querem ser como Barcelona ou Real Madrid, em Inglaterra todos querem ser diferentes. E daí surge o elemento surpresa que por vezes tropeça na mão de um gigante sérvio, de uma bola de praia que salta para o relvado ou de um remate certeiro que entra mas sai antes do tempo. O futebol é uma caixinha de surpresas, principalmente na Old Albion.

 

O empate do Manchester United frente ao modesto Birmingham, confirma os piores receios. Lideres, os jogadores de Ferguson continuam com problemas graves em resolver jogos complicados. São os reis dos empates, mas são também aqueles que menos perdem. E com dois encontros em atraso, poderiam ser lider isolados com seis pontos. Ou talvez não, porque com esta equipa um jogo por disputar não é nunca sinónimo de jogo ganho. Há que esperar até ao fim, até ao milagre de Dimitar Berbatov, crescido face ao silêncio goleador de Rooney e à ausência de estrelas para lá do crescido Nani. Há que sofrer como nunca se sofreu num clube que é o mais parecido num futebol de plebe que pode haver com a realeza. O respeito venerável a Old Trafford já não é o mesmo, mas faz-se sentir.

Lado a lado com os rivais, o dinheiro. Se os mancunianos diabólicos continuam em crise financeira, os rivais celestes vivem com a carteira aberta e os milhões a voar. Não contentes com as milionárias compras dos últimos dois anos, os árabes do petróleo prometem mais balas certeiras para a metrelhadora de Roberto Mancini. O italiano pode ser criticado por tudo e por nada, até porque tem um plantel invejável para qualquer clube europeu, mas beneficiando dos tropeções dos rivais, o Man City está aí, na luta real por um titulo que lhe escapa há mais de 40 anos. Silva e Ballotelli foram as figuras da goleada a um Aston Villa que caiu, definitivamente, na metade da tabela, provavelmente para não de lá voltar, depois dos sinais esperançosos dos últimos anos. Falta regularidade aos citizens, falta a definição de um colectivo e de um modelo de jogo para transformar um grande plantel numa grande equipa. O material já lá está, falta que o arquitecto encontre a fórmula certa para erguer o palácio que os árabes querem construir no coração fabril britânico.

E se Manchester domina, por papel duplo, a tabela, a perseguição é da total responsabilidade dos clubes da capital. Depois de um arranque temivel, Carlo Ancelloti está a pagar o duplo preço da nova politica de Abramovich: contratar pouco e apostar na formação. O banco do Chelski, contra o Arsenal, era composto por juniores com grande potencial mas sem fleuma. Na enfermaria amontoam-se os casos de veteranos a quem as pernas já não respondem da mesma forma. Voltou Lampard, mas aos 32 anos já não é o mesmo. Nem ele, nem Drogba, nem Anelka, nem Terry, nem Cole. E sem alternativas imediatas, ao italiano parece que lhe vai suceder o mesmo que experenciou em Milão, um longo e profundo definhar de uma geração dourada. Por outro lado o Arsenal emerge, cada vez mais, como uma equipa estranhamente madura. Deixou-se dos clichés de juventude, venceu, pela primeira vez em dois anos, um rival directo pelo titulo, e fê-lo com inusitada frieza. Fabregas emerge, cada vez mais, como o lider da equipa, mas é o crescimento de Nasri, Song e Walcott que dá essa profundidade ofensiva que os gunners tinham perdido. De tal forma que nem se nota que Van Persie e Arshavin seguem sendo sombras de si mesmos e que a defesa continua a dar sinais de debilidade emocional. O killer-instinct sempre foi o que fez a diferença entre os projectos do poético Wenger e os seus rivais directos. O Chelsea era, estranhamente, uma presa fácil e os grandes duelos serão contra os clubes pequenos que jogam na raça e não estão para romanticismos. A mesma fórmula aí, e o titulo pode ser, seis anos depois, real.

Para fim fica uma equipa à parte, a grande sensação europeia, a par dos imensos Borussia Dortmund e Palermo neste ano europeu. Com dinheiro, finalmente, Harry Redknapp provou que é um técnico louco mas certeiro. Montou um onze ultra-ofensivo para o futebol contemporâneo, mais até que o do próprio Barcelona. Sofre bastante, mas quase sempre marca mais. Contar com Modric, Lennon, van der Vaart, Bale, Crouch e Defoe na frente é um luxo. Que Bassong, Dawson e Kaboul estejam em forma atrás, é a novidade. Um plantel altamente equilibrado, um técnico que joga sempre para ganhar e um público entusiasmado por uma geração jovem e talentosa. A fórmula do Tottenham recorda dias antigos mas face ao panorama actual pode ter sucesso imediato. É o quinto em discórdia, o dedo que faltava, a filosofia resgatada ao tempo. A mão que segurará, a finais de Maio, na taça, está completa. Falta saber a cor das fitas e purpurinas. Um pequeno detalhe no meio de um banquete futebolistico que há muito não se via.


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publicado por Miguel Lourenço Pereira às 08:37 | link do post | comentar | ver comentários (5)

Domingo, 26 de Dezembro de 2010

Cumpridas as previsiveis profecias que auguravam o fim do monopólio neruazurri, o Calcio procura desesperadamente uma nova ordem. No meio dos pretendentes emerge o grito histórico de um clube que até agora não conseguiu escapar à imagem de ter sido a obra de um só homem. Mas em 2011 o rugido do San Paolo pode fazer de Napolés uma cidade em festa permanente.

 

 

 

Apesar de despedido, Rafa Benitez tem pouco a ver com esta mudança de ciclo que vive o tenebroso Calcio, há uma década à deriva desportiva num cenário que nos atira directamente para os convulsos anos 70. Era perfeitamente expectável que este tetracampeão milanista acabasse por sucumbir à fatiga de ganhar e os muitos pontos que separam o campeão da liderança são o espelho de um projecto repleto de interrogações e exprimido até ao tutano pelo inimitável Mourinho. Nem Benitez, por muitos problemas que tenha como técnico de elite, nem outro poderiam evitar esta queda nos abismos. E no meio da mediania que pauta a liga, a mesma mediania que se alastra da Roma de Cuper à Juventus de Del Neri e da passividade de Sampdoria e Fiorentina, lá segue um fraco e rendilhado AC Milan na dianteira, sem muito futebol para justificar tanta vantagem. Na sua peugada, duas surpresas à italiana. Se para a AS Lazio isso significa um regresso à elite, depois de uns anos demasiado convulsos para o coração tremido do adepto laziale, para o Napoli é algo mais do que isso.

A equipa da Campania respira confiança à medida que o primeiro terço da época se fecha. Em San Paolo, o rugido dos adeptos ganha pontos. E eliminatórias. A equipa segue em frente na Europa (a única equipa italiana a sobreviver na Europe League) e na perseguição ao lider da Serie A é a cabeça visivel da revolução dos pequenos, sempre luzes intermitentes numa liga que perdeu o glamour de outras eras. A equipa montada pela familia De Laurentis funciona e os adeptos estão eufóricos. Muitos já nem se lembram de como era o conjunto do sul bater o pé aos grandes potentados do norte. Uma recordação que se confunde com a imagem de Maradona, o único homem que suplanta o próprio poder da Camorra nas feias ruas da cidade. Ao contrário da solarenga Sorrento e da plácida Capri, do outro lado da baía, as nuvens cinzentas napolitanas têm formas estranhas. Na mente dos seus habitantes, acabam quase sempre por assemelhar-se a bolas de futebol.

 

Depois do milagre operado em Génova, recuperando uma Sampdoria absolutamente decadente, Walter Mazarri rumou ao sul e ao calor emanado pelo mitico Vesuvio. Sob a imagem do mais antigo vulcão em actividade no continente europeu, treina o seu particular exército, em tudo similar às velhas legiões. Disciplinados, estoicos e preparados para lutar até ao instante final.

Não é por acaso que a equipa azul e branca vença a maioria dos seus jogos nos últimos minutos. São incapazes de desistir. O génio de Lavezzi, o argentino que quer reencarnar nos pés de Maradona, pinta com suavidade o relvado do gigantesco estádio de San Paolo. Mas não está só. Como "El Pibe", também ele tem uma escolta digna. Os golos de Cavani (10, lider da corrida ao capocanonieri), fazem a diferença nas vitórias  angustiantes e pela minima. O eslovaco Hamsik continua a ser o patrão de um miolo de combate onde militam firmemente os pés sem descanso do argelino Yebda, os italianos Blasi e Maggio e ainda Roberto Sosa, resgatado de uma má experiência na Baviera. No sector defensivo Morgan de Sanctis comanda a guarda pretoriana acompanhado por Cannavaro, Zuñiga e Campagnaro com Santacrosse, Rullo e Dossena de reserva. Um exército digno dos melhores que funciona com a precisão de um relógio.

Na passada época já Mazzari tinha ofrecido uma excelente imagem do conjunto napolitano que terminou num histórico sexto posto, a melhor classificação desde os dias de Maradona, Careca e Carnevale. Depois de um arranque algo tremido, a recuperação napolitana tem sido impressionante. Vitória atrás de vitória, apanharam a revelação laziale no segundo posto e estão, no final do ano, a apenas três pontos do primeiro posto. O primeiro jogo de 2011 será contra o campeão praticamente despojado. Uma prova de força no imenso Giuseppe Meazza que dirá muito do que esperar das próximas versões do conjunto da Campania.

 

 

 

Numa maratona dificil e complicada como a intermitente Serie A é sempre um exercicio complexo de adivinhar o rumo de uma equipa com um inicio tão prometedor. Já aconteceu no passado passar-se de revelação a decepção imediata. Mas este Napoli respira outro futebol. Aprendeu os erros do passado recente e tem na memória uma glória perdida no meio da dúvida que rodeia a imagem de um 10 que é história viva. O rugido do San Paolo será sempre o seu melhor aliado. Um rugido capaz de torcer uma liga. O Vesuvio contempla-o expectante.


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Sexta-feira, 24 de Dezembro de 2010

É sempre um feito dificil, um verdadeiro êxito digno de entrar nos livros de registos históricos de qualquer clube. Mas depois de mergulhar na depressão, o FC Porto renasceu e de que maneira. No final do ano desportivo, já com quase metade da época atrás das costas, os soldados de Andrés Villas- Boas marcham invictos. São os únicos no Mundo a não saber a que sabe o sabor amargo da derrota.

 

 

 

A invencibilidade até vem da era Jesualdo Ferreira, se queremos ser exactos.

A equipa que terminou a época passada em boa forma, vencendo o futuro campeão nacional no Dragão e arrebatando a segunda Taça de Portugal consecutiva (prova onde permanece igualmente invicto há dois anos e meio) já tinha dado inicio a esta série impressionante de jogos oficiais sem qualquer derrota. Mas é com o mandato de André Villas-Boas, nomeado em Junho como novo técnico azul e branco no meio de muita expectativa e alguma desconfiança, que os números se tornam claros.

A imprensa internacional não se cansa de tecer comparações entre o portuense e José Mourinho, com quem trabalhou nos últimos seis anos. No entanto até os números aparentemente imbativeis de Mourinho no Dragão começam a estar ao alcance do jovem técnico de 33 anos. Villas-Boas fecha 2010 como o técnico mais eficiente do futebol europeu, superando em números gigantes como Barcelona, Manchester United e Real Madrid, equipas que contam também com uma derrota nesta nova temporada. Os números incluem a categórica vitória sobre o SL Benfica na Supertaça, a série invicta na Liga Sagres (com 13 jornadas disputadas), eliminatórias da Taça e a brilhante campanha na Europe League, com sete vitórias e um empate em oito encontros. Aos triunfos (e três empates, Bessiktas, Vitória Guimarães e Sporting), juntam-se as exibições de gala. Os 5 golos sem resposta ao eterno rival, o triunfo com menos um jogador no temivel recinto do Bessiktas ou a vitória frente ao Sporting de Braga são o mais fiel espelho de um arranque de temporada onde são mais os aspectos positivos do que os erros ou tropeções. Isto numa equipa reformulada e com espirito renovado.

 

Terminado o ciclo do Tetracampeonato e o mandato de Jesualdo Ferreira, a chegada de Villas-Boas provocou um abanão num clube acomodado ao sucesso. Sem os milhões da Champions League a entrar, o FC Porto conseguiu escapar no mercado aos cantos de sereia das suas principais figuras e manteve-se activo, recrutando João Moutinho, Souza, Walter, James Rodriguez e Nicolas Otamendi para um plantel já repleto de jogadores de primeiro nível.

Villas-Boas não mudou o desenho táctico, mantendo-se fiel ao 4-3-3, mas mudou o ritmo e dinâmica de jogo abdicando das rápidas transições por um estilo de jogo mais rendilhado, com troca de bola a meio-campo provocando os desiquilibrios individuais dos seus virtuosos atacantes. Se Moutinho foi fundamental para dar outro ritmo ao jogo azul e branco, foi a recuperação do argentino Belluschi que chamou a atenção. Com Fernando a fechar o tridente medular, abria-se as portas para o jogo ofensivo que se tornou na imagem de marca de um técnico que gosta mais de relembrar os seus dias de adepto do futebol de Bobby Robson do que como colaborador do esfingico Mourinho. Nessa dinamica ofensiva, que a alguns lembra o modelo de jogo da primeira versão do Pep Team, mais do que os golos de Falcao (oportuno como nunca) ou as rotações de Varela (que foi de mais a menos) está a figura de Hulk. Máximo goleador da Liga Sagres, figura chave da equipa na Europa, o brasileiro encarna hoje a filosofia de Villas-Boas à perfeição. Trabalhado tacticamente por Jesualdo, Hulk transformou-se no elemento nuclear no jogo de transição azul e branco, aliando a sua força e potencia natural a um sentido colectivo agudo que tapou algumas das suas mais marcadas deficiências. Com o número 12 no seu melhor momento desde que chegou à Europa o FC Porto manteve-se, assim, invencível.

A segurança defensiva, sector mais débil do plantel azul e branco, tem-se mostrado o ponto mais conflictivo deste colectivo azul e branco, mas a subida de forma do argentino Otamendi, aliado a um bom trabalho de equipa a meio-campo, tem garantido que os dragões passem o ano com a defesa menos batida de todos os lideres dos grandes campeonatos europeus.

 

 

 

Este FC Porto de André Villas-Boas é uma equipa completa, de trás para a frente, que sabe que já entrou na particular história do clube mas que lhe falta muito para poder chegar mais longe. Esperam-lhe os determinantes meses do arranque do novo ano, os duelos a eliminar e o mais longo sprint do mundo, como disse um dia Jorge Valdano sobre a maratona que é a liga doméstica.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 09:19 | link do post | comentar | ver comentários (5)

Quarta-feira, 22 de Dezembro de 2010

Se hoje Pep Guardiola guarda em si a ponte entre a filosofia de Cruyff e o espirito catalão de Can Barça, o seu herdeiro (dentro e fora de campo) será provavelmente Xavi Hernandez. Talvez o melhor futebolista espanhol da história, o médio centro de Terrasa é já parte da história. Mas comete um erro de julgamento crasso, talvez movido pelo confronto histórico entre o seu clube e Mourinho, em declarar que o português não entrará para a história. Porque Mourinho já lá está.

 

 

 

Não é a primeira vez que o diz e Xavi Hernandez costuma dizer o que pensa.

Fanático blaugrana como poucos, atleta exemplar e um artista sem igual no panorama desportivo actual, o número 6 do Barcelona é talvez o culminar de uma escola táctica que começou há 25 anos atrás com Johan Cruyff. Demorou a consolidar-se no onze blaugrana e quando se afirmou, definitivamente, tornou-se na peça chave do renovado jogo culé. Venceu tudo o que havia para vencer e entrou, por direito próprio, na galeria dos históricos. E sabe que para fazer história é preciso ganhar. O Xavi que hoje é uma figura consensual no mundo do desporto rei é producto dos titulos. Do Barcelona dos upgrades cruyffianos, primeiro de Rijkaard (onde não era ainda figura determinante), e depois de Guardiola. Mas, essencialmente, da era de ouro do futebol espanhol, consagrado pelos titulos de campeão da Europa e do Mundo com a Espanha. Da qual é a bussola, o corpo e a alma.

Os triunfos valeram a Xavi um protagonismo natural, do qual ele tenta escapar, escudando-se nos fenómenos que o acompanham na orquestra. E que sem ele, e mais do que ninguém o médio sabe-o, são muito menos do que aparentam. O prestigio deu-lhe voz, particularmente em Can Barça. E ele exerceu-a, sem temores. E declarou guerra. Ao grande rival do seu clube, ao mentor da filosofia oposta à que vive e sobrevive em Can Barça. Ao mesmo homem que os seus dois mentores, Cruyff e Guardiola, atacam quando podem e como podem. Ao único técnico que, sabe, os pode travar. Mourinho.

 

Declarar que o português nunca entrará para a história do futebol, ao contrário de Cruyff, Guardiola, Wenger, Sacchi e Ferguson, é uma declaração tão inexacta que surpreeende que venha da boca do homem com os pés que menos toques de bola erram no mundo. Xavi sabe o que diz e acredita pouco neste dardo envenenado. Sabe perfeitamente que o mundo do futebol sobreviverá ao seu Barcelona como sucedeu com todos os estilos que se impuseram em determinados momentos da história. A única coisa a que o mundo do beautiful game nunca sobrevive é aos titulos. Hoje fala-se no Real Madrid porque sumou mais titulos do que ninguém nas competições em que participou. Falou-se no Liverpool do "Boat Room" porque quase que emulou o feito dos merengues. Fala-se no Milan pós-88 porque venceram tudo o que havia para ganhar. E fala-se neste Barça porque repete a mesma fórmula de sucesso. Ganhar. O que interessa realmente.

E a verdade é que não há no activo um técnico que tenha ganho tanto em tão pouco tempo. Não é um gentleman à velha usança (mas são-o o inefável Ferguson, o resmungão Wenger ou o pacifista Pep?), nem sequer é um inovador táctico. Aliás, desde a defesa em linha com pressão alta asfixiante de Sachi que o futebol não conhece uma mutação táctica significativa, senão que pequenos ajustes pontuais que se adaptam a circunstâncias pontuais. Todos os técnicos no activo com sucesso são filhos do italiano. Sem excepção. O sucesso do Pep Team face ao Dream Team reside, essencialmente, nessa simbiose entre a equipa do italiano e do holandês. O de Mourinho está na sua força de caracter, na forma como comando os seus exércitos. Tacticamente as suas equipas não inovam, mas seguem à perfeição as ordens do general. A frieza e disciplina táctica do FC Porto, Chelsea e Inter entrarão, certamente, na história tanto como o espirito livre e criativo de blaugranas e gunners, a antitese desportiva da década ao trabalho defendido pelo português.

Mourinho mistura o que de melhor tem o Manager no conceito britânico do termo. Tem a mentalidade aguda de Helenio Herrera, o espirito critico de Brian Clough, o sentimento emotivo de Bill Shankly e a franqueza de Rinus Michels. E usa-o para proveito próprio algo que o futebol de hoje entende pouco, nessa obsessão constante pelo poder do colectivo. Homens livres como o luso perdem mediaticamente para o grande público na comparação com os homens de clubes. Tal como Clough, que antes de chegar ao Nottingham, onde ficou duas décadas, também Mourinho procura o melhor laboratório para as suas experiências. Xavi certamente saberá que o técnico inglês, bicampeão europeu, faz parte da história apesar do seu Forrest não ter tido a mesma qualidade de bola que o Liverpool de um Bob Paisley do qual poucos se lembram. O futebol e a história também são producto do caracter ganhador. Pelé teve mais caracter do que Garrincha, Beckenbauer e Cruyff tiveram-no mais que Muller e Resenbrink. Na tentativa de valorizar a máquina de futebol de Guardiola, o médio catalão - que seria o justo ganhador do Ballon D´Or 2010, na ausência de Sneijder - procura desvalorizar um trabalho intocável futebolisticamente de um técnico que, sabe, como poucos, que o futebol pode-se jogar de mil maneiras diferentes, enquanto que em Can Barça parece que só um modelo funciona.

 

 

 

Na história há lugar para todos, só que uns chegam cobertos de ouro e outros entram pelas traseiras. Xavi sabe que ele entrará pela porta grande como um simbolo de uma filosofia, sem nunca ter experimentado outros palcos, outras realidades, outros pedaços da história. O que também devia saber é que Mourinho já sobreviveu ao tempo e provou que o seu método funciona, onde quer que vá. E também lá estará, como dizia repetidas vezes o inefável Clough, talvez não como melhor treinador do Mundo, mas certamente como o do topo.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 11:46 | link do post | comentar | ver comentários (4)

Terça-feira, 21 de Dezembro de 2010

poucos jogadores no activo com um curriculum tão imenso. Há poucos jogadores no activo com tantos galardões individuais nas prateleiras. Há poucos jogadores no activo que, depois de tudo isso, continuem a encarar cada jogo como o primeiro. Quis trabalhar como um negro para viver como um branco. E conseguiu. Ele é, indiscutivelmente, o rei do seu continente.

 

 

 

Pode-se discutir sobre muitas coisas. Mas a carreira de Samuel Etoo é algo que está por cima da dúvida.

Há quem prefira o talento animal de Didier Drogba, um verdadeiro vulcão com uma explosão tardia. Há quem se renda ao talento artistico da escola egipcia dos Aboutrika e companhia. Ou quem torça pelas estrelas cadentes, engolidas pela sede de glória, dos Finidi, Okocha, Diouf, Gyan e companhia. Todos eles fariam parte de qualquer onze de gala. Foram os principes consortes da versão futebolistica do continente africano. Mas nenhum deles chegou ao nivel do camaronês que um dia chegou a Barajas com frio, sozinho e sem vontade de voltar para trás.

Etoo começou, como todos os africanos, por baixo. Muitas vezes agradeceu ao futebol o facto de ter chegado a Espanha num avião e não numa patera, como milhares dos seus. Sensível ao tema do racismo (já por várias vezes saiu de um relvado por não pactuar com os gritos animalescos dos adeptos rivais) e um dos verdadeiros padrinhos da renovação do futebol de base da África ocidental, uma labor onde se tem destacado há vários anos, é um rosto inconfundível do renovado futebol do continente negro. Certamente não esquecerá 2010 pelos bons e maus motivos. A decepcionante campanha no Mundial dos Camarões confirmou a malapata do dianteiro com a grande prova internacional, depois das ausências em 2006 e 2002 quando eram os reis de África. Na última década venceu três CAN`S, um registo inigualável e que o deixa no topo dos grandes campeões do continente, ao contrário, pelo seu grande rival, Didier Drogba. E mais, muito mais.

 

O sucesso de Etoo no futebol europeu tem apenas comparação com Eusébio.

Ambos africanos, conseguiram ultrapassar o esteriótipo do jogador do continente negro incapaz de render de forma determinante nas grandes provas europeias. São jogadores diferentes e com niveis dispares na história do jogo, mas são também provavelmente os únicos que chegaram, viram e venceram. Nem Abedi Pelé, nem Rabath Madjer, nem Just Fontaine, nem sequer George Weah. As vitórias em 4 Champions League (com três clubes diferentes em dez anos de carreira), os prémios Pichichi e a forma consensual como encantou técnicos e adeptos por onde quer que passou são os melhores sinais de uma carreira que ainda promete mais.

Na final do Mundial de Clubes, o último grande titulo que lhe faltava, voltou a ser determinante. Sem as amarras tácticas de Mourinho, que fez dele um sacrificado exemplar, algo que poucos jogadores suportariam com tanto caracter e determinação, voltou aos golos e actualmente é o dianteiro mais em forma no futebol europeu. Em Milão sentem o mesmo que em Barcelona, Maiorca e Madrid, onde muitos ainda não percebem como é que não se encontrou espaço para a maior pérola africana dos últimos 40 anos. O dianteiro desterrado de Madrid por falta de protagonismo (face aos mais mediáticos Raul, Morientes e Ronaldo) e para quem Pep Guardiola nunca teve "feeling", apesar de ter sido um dos grandes artifices do tri que depois passou a hexa, encontrou em Milão um terreno sólido para prosperar. Como na paradisíaca ilha mediterrânica de Maiorca aonde quer voltar para fechar uma carreira inigualável. Aí começou o mito Etoo, levando uma pequena equipa sem grande historial às noites de glória da Champions League, prova que já tinha ganho, por uma curta participação, com o Real Madrid. Depois chegou o Barcelona, repleto de cicatrizes, e a parceria com Ronaldinho e Messi. Um tridente que deu ao clube blaugrana a sua segunda "orelhona", com golo decisivo do camaronês a abrir a final frente ao Arsenal do seu amigo Henry, mas que não aguentou o peso do sucesso e caiu estrepitosamente e sem glória. Com a saída do brasileiro e a explosão definitiva do argentino, foi o africano a pagar os pratos rotos. Abandonado pelo clube, marcou como nunca no ano da sua dispensa sem honra. Saiu de cabeça erguida, com uma terceira Champions nas costas e chegou aos braços de um general, Mourinho, que fez dele o sargento perfeito. Em Madrid, ironia das ironias, venceu a sua quarta taça europeia e igualou em titulos alguns dos mitos do futebol contemporâneo. E tornou-se no futebolista no activo com mais troféus na máxima prova europeia. Coisa pouca.

 

 

 

Etoo é um turbilhão da natureza, intempestivo dentro e fora do campo. Reage a quente à frente das camaras e nunca quis cultivar uma imagem de estrela que o deitou a perder no confronto mediático com alguns dos seus colegas mais iminentes. Mas a sua trajectória impecável, culminada ontem com a conquista do seu quarto Ballon D´Or africano (ele que nunca venceu sequer um dos prémios entregues pela France Football como Weah mas que é recordista de prémios em África), não deixa margens para dúvidas. Ele é, definitivamente, o rei de África.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 10:48 | link do post | comentar | ver comentários (3)

Sábado, 18 de Dezembro de 2010

Os dias de glória do velho Sarriá foram enterrados debaixo do mastodôntico Olimpic do Montjuic. O Espanyol sofreu na pele a solidão angustiante da pedra vazia e fria de um estádio sem sentido. Demorou anos a voltar a recuperar o seu espirito de equipa guerreira até à medula. Desde a inauguração de Cornellá que há um novo RCD Espanyol na liga espanhola. Este ano os "pericos" seguem invenciveis em casa. Esperam o inimigo. Que sabe bem onde vão mergulhar...

 

 

 

Enquanto o mundo se encanta e relambe com a orquestra futebolistica do Barcelona de Pep Guardiola, a cidade condal parece esquecer-se de um fenómeno não menos digno de atenção e louvor. O histórico clube da capital, o abrigo dos catalães e emigrantes que se afastam das correntes nacionalistas daquele que se diz "Més que un club", está de regresso às suas tardes mágicas.

Finalista vencido da UEFA Cup de 2007, esse foi talvez a única noite de memória nos últimos vinte anos para o segundo clube de Barcelona. O Espanyol vivia há muito uma crise financeira e moral que deixava mossa, época atrás de época. Após a venda dos terrenos do mitico Sarriá, um dos estádios mais históricos do futebol europeu, a equipa foi forçada a rumar para o imenso estádio olimpico construido para albergar os Jogos de 1992. Clube com uma massa adepta reduzida e pouco endinheirada, o novo e gigantesco recinto tornou-se num pesadelo logistico e estético para o clube azul e branco. Bancadas tapadas com logotipos gigantes ou placards publicitários, um afastamento irremediável provocado pela gigante pista de tartã...tudo parecia deixar a equipa mais longe dos seus. E os resultados ressintiram-se. Um habitué do topo da tabela classificativa, finalista vencido da UEFA em 1988, numa noite épica contra o Bayer Leverkusen, o clube passou a mergulhar nas profundezas da luta para evitar a despromoção. A lei Bosman deixou, também aqui, as suas baixas e a afirmação definitiva no panorama internacional do seu maior rival, o Barcelona FC, condenou definitivamente o clube ao esquecimento. Passaram-se anos até que, finalmente, a velha ideia de ter casa própria, conceito tão arreigado na mentalidade espanhola, ganhou forma. Em quatro anos fez-se e inaugurou-se Cornellá. Com um novo mentor nos bancos, o antigo internacional argentino Mauricio Pochettino, e com uma geração com vontade de comer o Mundo.

 

A morte de Dani Jarque, figura imperial da defesa dos "pericos", foi o choque que despertou a familia blanquiazul.

Cornella tornou-se na reincarnação latina do velho Anfield Road. Estádio cheio, semana após semana, adeptos de pé, bandeiras e cachecóis ao alto. Música ambiente do principio ao fim e o recuperar de um espirito antigo têm sido parte da fórmula de sucesso que devolveu o Espanyol à ribalta, aos postos da Champions League, aos sonhos europeus e às noites de glória. Mas não só.

Se "This is Cornella" é já um mote impossível de contornar no seio dos adeptos do clube, a verdade é que cabe a Pochettino grande parte do mérito nesta profunda transformação. O técnico chegou nos últimos dias do Montjuic e desde então transformou o novo recinto num fortim intransponível. Graças a investimentos acertados no mercado - o dinheiro continua a ser um problema - e a uma politica de cantera que se assemelha muito à mais badalada e mediática escola do rival de Les Corts.

Só este ano o Espanyol abriu ao Mundo - e à própria Espanha, sempre perdida nos duelos Madrid-Barça para reparar no que de melhor têm o resto - os olhos para uma fornada de jogadores com um potencial tremendo. Aos veteranos Kameni - um guardião para as grandes noites - o histórico Ivan de la Peña ou o argentino Aldo Duscher juntam-se o letal brasileiro Osvaldo - que deverá ser vendido no mercado do Inverno para equilibrar as contas - e ainda os jovens Callejón, Javi Marquez, Forlín, Álvaro e o mais flamante de todos, Victor Ruiz.

O jovem central despontou no final da época transacta e já se assumiu como o lider natural de uma das defesas menos batidas da Europa. Abriu passo pelas selecções jovens espanholas e está chamado a emular o seu vizinho e conterrâneo Gerard Pique. Um jogador com uma técnico invulgar para central que é sinal da maturidade que tem a nova vaga desta equipa. O argentino Forlin traz equilibrio ao sector mais recuado, a velocidade de Marquez e Callejon abrem a zona de ataque e Osvaldo resolve o problema da eficácia, suplantado desde já os números do histórico Tamudo, forçado a abandonar a nau no final da época transacta.

 

 

 

Apesar de ser uma equipa sem grande profundidade de banco e com muito caminho por percorrer, é notório que este Espanyol tem muito pouco a ver com as formações passadas do conjunto barcelonês. Um projecto sólido e bem estruturado que deixa antever um futuro brilhante para uma equipa que soube reinventar-se e rejuvenescer décadas com o simples acto de criar um novo lar para a sua afficion. Hoje o Barcelona chega no meio de uma tensão que só os derbys sabem produzir. Quando entrarem em campo, os artistas de Guardiola saberão que chegaram a Cornellá. E isso, hoje, é dizer muito mais do que imaginam!


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publicado por Miguel Lourenço Pereira às 08:40 | link do post | comentar | ver comentários (4)

Quinta-feira, 16 de Dezembro de 2010

Tique, taque. Uma precisão suiça em pleno relvado de Belgrado. A bola arranque no miolo central e ali fica, a deambular de um lado para o outro, com a exactidão segura de controlar o tempo. O rodeo asfixia, a verticalidade mata. Debaixo da estrela vermelha com fim à vista, uma geração dificil de reeditar colocava em práctica a sua máxima preferida. O futebol belo é exacto. As vitórias são apenas as migalhas que engolhe o tempo.

 

 

 

26 de Maio de 1991, Bari.

Aqui acabou, provavelmente, uma das maiores gestas desportivas da história. O último grande milagre da história do desporto rei, rapidamente trucidado pela guerra, pelos milhões, pela perda total do controlo. Uma noite cinzenta que colocava o ponto final numa história tão colorida como o arco-iris. Uma geração de magos torpedava um velho sonho europeu gaulês e colocava um ponto final na história era da Taça dos Campeões Europeus. A partir do ano seguinte o espirito da Champions League começaria a asfixiar os campeões dos países periféricos. O despertar do velho ódio nos Balcãs tratou de fazer o resto e destruiu uma equipa chamada a fazer história.

20 de Março de 1991, Berlim.

O muro tinha caído e a Alemanha unificada deveria estar em festa. Mas ao minuto 78 do jogo da segunda mão dos Quartos de Final da Taça dos Campeões, os adeptos do Dinamo Berlim, último representante da RDA na prova, invadiram o relvado onde a sua equipa, hoje perdida nos meadros regionais do futebol germânico, perdia por 2-1. O árbitro espanhol Emilio Soriano deu o jogo por terminado e a UEFA concedeu um triunfo por 3-0 aos visitantes. O mesmo resultado atribuido também por decisão da UEFA a um duelo que se disputava a oitocentos kms de distância, na solarenga Marselha, onde o Olympique local se batia com o campeão europeu em titulo. As luzes foram abaixo, o Milan abandonou o relvado e a UEFA declarou o Olympique ganhador. O destino impediria um revival histórico de um duelo que deixou mossa em Belgrado.

10 de Julho de 1986, Belgrado.

A direcção do Crvena Zvezda aponta como técnico da equipa principal Velibor Vasovic. O ex-selecionador jugoslavo começou o projecto de cinco anos com um objectivo claro: reinar na Europa. Durante os cinco anos seguintes a equipa mudaria de técnico cinco vezes, venceria quatro ligas (com uma derrota pontual em 1989) e espantaria o futebol europeu recrutando progressivamente a melhor geração de sempre da história do futebol de um país a desfazer-se. Com a precisão de um relógio as peças foram chegando a tempo, encaixando na perfeição e funcionando sem surpresas.

 

A geração de Sestic, Ivkovic, Elzner, Mrkela e Durovski foi recebendo sucessivos upgrades a partir de 1986.

Chegaram Robert Prosinecki (para substituir o patrão da equipa, o inimitável Stojković) e a sua alma gémea, Jugovic. Explodiram os génios de Mihajlovic, Belodedic e Stojanovic na defesa. O ataque vibrava com as movimentações do proscrito Savicevic e do rebelde Pancev. E a orquestra funcionava de forma perfeita em conjunto.

O estilo de jogo rendilhado dos jugoslavos ganhava outro dinamismo nos grandes palcos europeus. Os passes letais de Prosinecki, talvez o maior embaixador desta geração, encontravam sempre o caminho mais rápido para o golo. A equipa vermelha e branca dominou o campeonato local - apenas com o Dinamo de Belgrado de Boban como rival à altura - e começou a desafiar o status quo europeu.

Em 1988 estiveram a breves instantes de terminar com a lenda do AC Milan de Sacchi antes mesmo de esta ter arrancado. O conjunto eslavo vencia por 1-0 o conjunto italiano, privado do génio de Gullit, quando o nevoeiro invadiu o imenso Marakana levando o jogo a ser interrompido. Quando reatado, os italianos surpreenderam os locais e lograram empatar, selando o apuramento. A desforra ficaria adiada até 1991. O Crvena Zvezda, popularmente conhecido como Estrela Vermelha por cá, estava determinado a reencontrar os bicampeões europeus. Mas aquela noite fria de Março ditou outro destino. A lenda italiana acabava e os jugoslavos, depois de baterem o Bayern Munchen, encontraram previsivelmente na final aquele Olympique Marseille galáctico onde Wadle, Pelé, Papin, Olmeta, Mozer, Tigana e Stojkovic davam cartas. O duelo, agendado para o San Nicola de Bari, passou para a posteridade pelas piores razões. As duas espectaculares formações ofensivas preferiram especular e o espectáculo ficou adiado. O marcador avançava e Goethels, técnico dos franceses, lançou Stojkovic contra a sua antiga equipa. O jogo mergulhou então nos penaltys e o jugoslavo, provavelmente o maior especialista no terreno de jogo, recusou-se a marcar. Não contra os seus.

Os franceses avançaram temerosos. O internacional Amoros falhou o primeiro remate que caiu nas mãos de Stojanovic. Os franceses tremiam. Mas Prosinecki não. Nem Binic, nem Belodedic, nem Mihajlovic... nem Pancev. E foi suficiente. O plano funcionou, a história encontrou o seu último campeão do leste - cinco anos depois do Steaua Bucaresth - e o futebol despediu-se com uma ovação de uma das suas últimas grandes equipas.

 

 

 

Dias depois a guerra e os milhões do Ocidente desmantelaram o histórico clube de Belgrado. Separados, os artistas de Belgrado nunca voltaram a render ao mesmo nível, nem em Espanha, nem em Itália nem em Inglaterra. O clube jugoslavo pagou o preço da destruição do velho gigante de leste e mergulhou na mais profunda depressão. Esta semana, vinte anos depois de ter arrancado a sua mais gloriosa campanha europeia, o clube nomeou a maior glória daquela noite, Prosinecki, como novo Manager. O tempo não volta para trás mas a precisão de relógio do mago de Belgrado tem com vista tempos pretéritos. Só assim se poderá resgatar a chama de um conjunto que rasgou a cortina antes de tempo para mostrar o lado mais belo do futebol.




publicado por Miguel Lourenço Pereira às 22:05 | link do post | comentar

Quarta-feira, 15 de Dezembro de 2010

Hoje cumprem-se 50 anos da chegada de Eusébio da Silva Ferreira a Portugal. Ontem cumpriram-se 10 desde que Lionel Messi aterrou em Barcelona. Dois nomes que já ganharam merecidamente o seu lugar na história do jogo. Duas aventuras intercontinentais que marcaram uma era desportiva e que explicam também como um jogador na equipa certa e no momento certo pode ser suficiente para definir uma era.

 

 

 

Eusébio tinha cumprido há poucos os 18 anos e chegou a Lisboa escondido sob um falso nome, de mulher, para escapar à vigilância dos dirigentes do Sporting. Passou umas férias forçadas no Algarve e teve de contemplar de longe a primeira grande noite de glória europeia do Benfica, do seu Benfica. Quarenta anos depois um pequeno argentino com um grave problema de crescimento colocou-se nas mãos do destino e com o pai, rubricou num guardanapo de papel a sua tremida assinatura que iria definir toda a sua vida. Duas aterragens sem pompa e circunstância, sem o poder da ribalta das milionárias apresentações do Real Madrid de Florentino Perez, da revolução moral que significou a chegada de Johan Cruyff a Barcelona ou sem a esperança recuperada dos milhares de napolitanos que acorreram a vitoriar Maradona. Não, estes dois humildes da bola chegaram incógnitos e assim ficaram durante meses, até chegar a hora de dizer presente.

Se houve um futebolista que pode ter rivalizado de igual para igual com Pelé e Di Stefano, esse foi Eusébio da Silva Ferreira. Se há jogador hoje que gera facilmente consensos no mundo do desporto, esse é Leo Messi. Dois atletas profundamente distintos na forma de interpretar o jogo mas com demasiadas similaritudes de caracter e historial para serem produto de um mero acaso. Eusébio e Messi marcaram (o argentino ainda o faz) uma era na história do futebol. Porque destilavam genialidades a cada momento no relvado. Mas essencialmente porque aterraram no sitio certo, à hora certa. Porque encontraram os projectos idóneos para crescer e explodir no momento exacto. Porque o Benfica dos anos 60 e o Barcelona contemporâneo foram, na sua medida, os expoentes máximos do futebol de ataque, do futebol espectáculo, do futebol que apaixonava os adeptos onde quer que estivessem. No filme In the Name of the Father, história de um irlandês injustamente acusado de pertencer ao IRA, as paredes de uma prisão britânica de alta segurança estão forradas com posters de Eusébio e galhardetes do Benfica, adorado em terras de sua Majestade desde que vergou as potências espanholas e bateu o popular Tottenham. Hoje Messi é o espelho do herói global, atleta reconhecido e apreciado onde quer que caminhe, com admiradores que vão das ruas de Rosario aos bairros de lata de Bangkok. Ambos tiveram rivais dignos à sua altura. Messi cresceu com Xavi e Eusébio com Coluna. O jovem moçambicano aterrou numa equipa campeã europeia onde gravitavam já grandes nomes (José Aguas, Germano, José Augusto) e grandes promessas (Torres, Simões). O argentino cresceu à sombra imensa de Ronaldinho e Etoo e viu explodir a seu lado o talento inato de Iniesta ou Busquets. Nada é obra do acaso.

 

A história já nos tratou de ensinar mil vezes a vida de um jovem moçambicano que se fez estrela e acabou por se tornar no icone futebolistico dos anos 60, a meio caminho entre o génio inato de Pelé e Di Stefano e o futebol total dos Beckenbauer e Cruyff. Ultrapassou Best, Charlton, Suarez, Fachetti, Garrincha, Gento, Greaves e companhia e pegou num pequeno clube e num pequeno país e fez deles alguém no panorama internacional. As condições daquele Benfica foram inigualáveis. Clube bem estruturado, com importante apoio estatal e financeiro, o clube encarnado aproveitou-se de Eusébio para despegar da luta de galos no futebol luso durante os quinze anos de mandato do marechal luso. Montou uma equipa de talentos à sua volta, explorou-o fisicamente para lá dos limites e afirmou um estilo e um modelo de jogo impar no panorama europeu. Utilizou a "cantera" africana como nenhum outro clube e definiu um projecto que durou até ao final dos anos 70. No meio dessa associação,

Quarenta anos depois, quando o pequeno argentino Messi chegou a Barcelona, a Masia vivia a sua época mais apagada, com os sucessivos mandatos de Louis van Gaal a deixarem para segundo plano o projecto de formação arrancado dez anos antes com Cruyff e Rexach. O desenvolvimento sustentado do jovem, auxiliado por um programa de crescimento hormonal fulcral para a sua sobrevivência como desportista, ocorreu tranquilamente longe dos holofotes. Com ele cresceram os génios de Pique, Fabregas, Iniesta, Busquets, Pedro e companhia, num estilo de aprendizagem que hoje espelha o trabalho de bastidores que há por detrás. Como Eusébio, o argentino foi recrutado novo e no estrangeiro e passou por um processo de assimilação que explica bem as similiaritudes entre a politica daquele Benfica e do actual conjunto blaugrana. Quando se estreou, quatro anos depois, no estádio do Dragão, bem ao lado de um terreno onde Eusébio exorcizou muitas vezes os seus fantasmas com tardes de gala, a formação estava completa. Com professores de luxo e essamentalidade incutida desde cedo, Messi transformou-se e com ele o jogo do Barcelona. O seu encontro com Guardiola funcionou como uma dessas raras simbioses que existe na história do jogo, muito similar à relação entre Michels e Cruyff, mentor do catalão. Pep pegou num jovem já consagrado e fez dele a peça nuclear do seu projecto. Retirou-o da ala, onde já se podia afirmar como  um dos mais completos futebolistas da história, e soltou-o no meio do terreno de jogo. Precisamente como Eusébio.

O luso não tinha posição no terreno de jogo. Num 4-2-4 clássico, Eusébio era a incógnita que destruia qualquer equação rival. Deambulava pelo terreno de jogo a seu belo prazer, associava-se com os colegas do miolo, das alas e da frente de ataque. E quando era necessário, decidia sozinho o que o colectivo era incapaz de fazer. Usava o seu temido arranque, a sua incomum força e o seu remate indefensável. Um estilo hoje mais similar ao do português Ronaldo do que aquele que destila o matreiro argentino, sempre de regate curto, bola colada ao pé, dribles estonteantes e remates colocados, mais em jeito que força, como uma suave brisa em comparação com o tornado africano.

Mas ambos tornaram-se vectores fulcrais na evolução táctica das suas equipas. Messi é hoje tudo  no ataque do Barça. Funciona como falso 9, apesar de estar Villa em campo. Descai para as alas para procurar a velocidade e vem até ao miolo começar o processo criativo que mamou desde pequeno, desde aqueles 13 anos com que aterrou em Can Barça. Por conhecer a história de trás para a frente, sabe onde tem de estar quando a jogada acaba. E por isso marca como poucos jogadores do seu estilo marcaram, aliando a técnica da criação, a diferença da explosão ao espirito certeiro do golo. Exacto, precisamente como...

 

 

 

Há 50 anos a história do futebol português conheceu uma reviravolta inesperado que se materializaria seis anos depois com a presença quase imaculada no Mundial de 66. No curriculum do "rei" Eusébio tinham ficado duas taças europeias, um Ballon D´Or, Botas de Ouro e uma admiração impar no Mundo, habituado a ouvir falar dos feitos de Pelé à distância. Messi continua por aí, a deambular sobre o tapete verde com o olhar perdido no mais abstracto dos sentidos. Depois a bola chega-lhe aos pés, e futebol acontece. Como há 50 anos. Como há 10 anos. Como sempre que a faísca da magia toca enrabietada na superfice da bola. Se na Luz ou se no Camp Nou, se na era gentleman dos 60 ou no exarcebado globalismo de hoje.  Génios e circunstâncias, assim se definem eras.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 08:33 | link do post | comentar | ver comentários (4)

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