É ciclíco na vida da Invicta. De dois em dois anos Jorge Nuno Pinto da Costa anuncia que pensa que a sua hora chegou. Imediatamente as ruas da cidade enchem-se de "sócios" azuis-e-bancos com petições para que o grande chefe não se vá embora. E pouco tempo depois este anuncia, com palavras escolhidas a dedo, que está pronto para mais dois anos. Mas como o próprio presidente do FC Porto diria, largos dias têm dois anos...
É inevitável desassociar Jorge Nuno Pinto da Costa do FC Porto. É o presidente há mais tempo no activo e o mais galardoado da história, superando inclusive o até agora intocável Santiago Bernabeu. Números que justificam bem os vários mandatos que leva já na presidência de um clube que ajudou a refundar, depois de 19 anos de seca de titulos e de total organização. Pinto da Costa formou com José Maria Pedroto uma dupla inesquecível que marcou um antes e um depois na história do futebol português. A forma como deram forma ao actual FC Porto, onde já não havia medo de atravessar a ponte D. Maria, de olhar na cara dos jogadores de Sporting e Benfica ou de desafiar árbitros com viagens e trajes encomendados à medida tornou o clube das Antas no grande rival do sistema desportivo, há decadas implementado no futebol português. Uma história de sucesso tal que rapidamente saltou fronteiras e transformou os portistas no clube português com mais trofeus internacionais, batendo até então o que se pensava impossível, o recorde do Benfica de Eusébio e companhia. São já mais de 30 anos ligado à direcção portista, 27 dos quais como presidente no activo. E agora que o clube atravessa mais uma série de titulos conquistados, o presidente prepara-se para anunciar que continua, um pouco mais. Será a decisão correcta. Terá o FC Porto inevitavelmente de ser dirigido por Pinto da Costa?
Olhando bem para os mandatos do actual presidente azul e branco há claramente quatro fases bem distintas que espelham bem a evolução da própria postura de Pinto da Costa dentro da organização. Os primeiros anos do mandato - já depois dos titulos conquistados com Américo de Sá e do inesquecível Verão Quente nas Antas - foram pautados pela mesma politica desportiva que tinha unido Pinto da Costa a José Maria Pedroto. Confrontação directa com a FPF e os clubes de Lisboa, dinamização da massa associativa (nasce a primeira claque oficial, a revista do clube, rebaixa-se o estádio das Antas) e reforço desportivo da equipa. A morte de Pedroto (e mais tarde de Morais, que muitos viam como o seu sucessor natural), abre a porta a um novo mandato. Agora com Artur Jorge no banco, Pinto da Costa perde a única figura que lhe poderia fazer sombra junto dos adeptos. Começa a presidencialização do clube, onde todos os titulos, contratações e ataques aos rivais giram à volta da figura de Pinto da Costa. A crispação com Lisboa atinge o seu auge assim como as conquistas desportivas europeias. Um período que se alastra até 2003, com o auge no Pentacampeonato logrado entre 1995-1999. Pinto da Costa chega a liderar a Liga de Clubes e torna-se na primeira referência do dirigismo nacional. Com a chegada de José Mourinho ao banco das Antas a situação altera-se, O clube vem de três anos negros e o técnico de Setúbal consegue em dois anos tudo o que havia para ganhar. Pela primeira vez desde os dias de Pedroto a figura do presidente é suplantada pela do técnico. A saída conflictuosa e a consequente limpeza de balneário da herança de Mourinho espelham bem o carácter de um presidente que, por essa altura, tinha perdido o Norte. Até que chega o célebre Apito Dourado, as escutas ilegais, a corrupção provada e por provar e a suspensão que o remetem ao silêncio e à contenção. Uma direcção na sombra, com um técnico de perfil silencioso e uma administração cada vez mais burocrática.
São muitos anos e isso torna inevitável esta constante mutação. Pinto da Costa é o presidente dos titulos, das conquistas, do estádio novo e da dinamização das modalidades amadoras. É, inequivocamente, o melhor presidente da história desportiva do clube azul e branco. E do futebol português. Mas depois há também o lado escuro, negro da figura. Um homem controlador, centralizador que tornou o clube no seu feudo particular. Com a conivência dos sócios, com o apoio das claques, e com a cumplicidade da imprensa. Hoje a estrutura burocrática da direcção e da SAD - uma iniciativa sua - consomem grande parte do orçamento do clube. Números que não se coadunam com as receitas conseguidas com as consecutivas vendas das jóias que foram delapidando o património desportivo. A ponto da equipa actual ser um exemplo de vulgaridade comparado com plantéis anteriores. Os constantes negócios no mercado argentino sucederam aos constantes negócios no mercado brasileiros. Agentes, intermediários e comissões pelo meio, o FC Porto tornou-se numa ponte suspeita de negócios pouco claros. Que se repercutiram na performance desportiva, apesar dos quatro titulos consecutivos logrados.
Ignorar o passado de Pinto da Costa é uma injustiça que a história não deixará cometer. Mas a era do presidente está no seu final. Hoje em dia é dificil olhar para Pinto da Costa e ver que tem ainda algo de especial para oferecer ao clube. O facto de ao longo da sua carreira presidencial ter afastado sucessivamente os eventuais sucessores (excepto Teles Roxo, tristemente desaparecido quando parecia ter o perfil ideal para suceder a Pinto da Costa em poucos anos) faz com que hoje exista um oásis. Haverá certamente vários nomes de continuidade, mas isso seria simplesmente mudar os rostos. Não as politicas. Não a estrutura. É urgente que surja uma força politica sólida alternativa à existente actualmente. Lembramos o caso do Barcelona, que viveu com Josep Lluis Nuñez uma era de glória mas que caminhou para o seu final de forma inglória, especialmente quando um grupo de sócios formaram o grupo Elefant Blau, e se prepararam para terminar com essa particular era. Grupo de onde saiu o actual presidente, Joan Laporta, que é ainda aquele que tem o melhor registo de titulos conquistados. No Porto há esse medo de não haver clube para lá de Pinto da Costa. Os mais velhos lembram-se dos anos onde pululavam figuras polémicas como Nascimento Cordeiro. Os mais novos nasceram já sob os designios reais de Pinto da Costa. E o medo do desconhecido pode sempre mais. Mas no clube mais titulado do futebol português é preciso olhar para lá do horizonte e perceber que mais dois anos da mesma política - numa era onde o clube vive uma clara encruzilhada - pode ser prejudicial.
Um dos méritos dos grandes homens é saber retirar-se quando chega a sua hora. A morte trata de impedir que uns se eternizem nos seus postos. Outros são forçados a sair pelo meio. Saber a hora de saída com antecipação é algo ao alcance de muito poucos. Mais dois anos podem significar que Pinto da Costa perderá esse timing certo. Com consequências imprevisiveis, para ele e para a instituição. Afinal, largos dias poderão ter dois anos que ainda não estão escritos nas estrelas que iluminam o inesquecível luar da cidade Invicta.
Com todo o sofrimento e dúvidas que rodearam o apuramento da equipa das quinas para o Mundial da África do Sul - que não foi inferior, recorda-se, ao passado na qualificação para o Euro 2008 - ficou claro que Portugal já não é uma potência de primeira linha. É inequivoco e indissociável de uma renovação geracional mal feita pela Federação Portuguesa de Futebol e a última direcção técnica da equipa nacional. Agora com tempo pela frente - e o necessário balão de oxigénio e confiança - cabe a Carlos Queiroz começar aquilo para que foi precisamente contratado: renovar Portugal.
Foi o técnico da Geração de Ouro, o responsável pela limpeza e renovação do futebol de formação em Portugal. Graças ao trabalho a equipa nacional venceu as suas duas únicas provas internacionais (dois Mundiais de Juniores consecutivos). Um feito que a memória não esquece. Queiroz lançou as bases da equipa portuguesa dos últimos quinze anos, algo que o próprio, ao orientar pela primeira vez a selecção, colocou em prática. Renovou a gasta geração de Saltillo e os seus sucessores directos e abriu caminho para os Baía, Fernando Couto, Paulo Sousa, Rui Costa, JV Pinto e Figos do nosso futebol. Saiu de forma tempestiva mas toda a odisseia que se seguiu, deve-se principalmente ao seu labor. Agora que consumou uma década dourada em Portugal conseguiu - pela primeira vez na sua história - marcar presença em todas as provas internacionais (três Europeus e três Mundiais), cabe a Queiroz começar também a preparar a nova vaga de internacionais. Porque olhar para os convocados base do seleccionador para esta fase de qualificação é inegável a herança do largo consulado de Scolari. Com a importante diferença de idades que torna forçosa a renovação imediata das tropas. Portugal perdeu o seu papel na formação e parece estar reduzido a meia dúzia de estrelas em final de carreira e ao melhor do mundo, que teima em desencontrar-se com a camisola das Quinas. Com amigáveis e meses de observações o seleccionador pode fazer o que até agora lhe estava vetado mas que, mesmo assim, foi tentando. Terá oportunidade de chamar novas caras, provar novos esquemas e descubrir que Portugal tem mais matéria-prima daquela que nos querem fazer crer os defensores da familia scolariana.
Para "auxiliar" o seleccionador nacional a perceber até onde pode realmente Portugal almejar ter um grupo sólido de 23 jogadores para desafiar a viagem à África do Sul e - mais importante ainda - retomar com paciência o seu posto na elite europeia - o Em Jogo propõe a criação de três selecções com base nos critérios habituais de convocados: os portugueses a actuar no estrangeiro, os portugueses a actuar nos três grandes e os elementos que disputam a Liga Sagres. No total encontramos um grupo de mais de 50 jogadores entre internacionais e futuriveis que podem muito bem tornar-se na base de trabalho do projecto de Queiroz até 2012, onde se espera que a equipa das Quinas surja de novo renovada e com caras dispostas a provar o valor da selecção nacional. Obviamente que qualquer eleição depende sempre de factores incontroláveis. Lesões, explosões de jogadores desconhecidos, jogadores que não alcançaram o valor que se esperava, tudo isso é possível e tudo isso entra nesta equação. Mas, pelo menos, é preciso começar a pensar em Portugal como um país onde há realmente futebolistas de talento capazes de formar um conjunto equilibrado e com boas perspectivas de futuro. Queiroz o dirá.
Selecção Estrangeiros
Aqui encontram-se a maioria dos jogadores já chamados pelo seleccionador. Entre elementos veteranos e jovens promessas o seleccionador pode recrutar 21 jogadores a actuar fora das fronteiras portuguesas. Desta lista apenas um deles - Paulo Machado - não conta com qualquer internacionalização.
Na baliza o seleccionador tem Daniel Fernandes, guardião que já convocou em algumas ocasiões, e ainda Ricardo, a viver uma etapa complicada em Sevilla. Para a linha defensiva está a base da equipa actual. José Bosingwa e Miguel pela direita, os adaptados Duda e Paulo Ferreira para a esquerda e Ricardo Carvalho, Ricardo Costa e Zé Castro no eixo. A linha de meio campo conta com Pepe - posição onde o técnico mais o gosta de ver actuar - e Pedro Mendes, com Tiago e Paulo Machado como alternativas. O inevitável Deco e o polivalente Danny são os criativos de serviço. Cristiano Ronaldo e Simão nas alas (com Nani e Quaresma como recurso) apoiam o atacante Hugo Almeida, apesar de Edinho ter entrado nas últimas contas do técnico. Uma equipa acente em 4-2-3-1 com uma média de idades bastante elevada onde apenas a juventude de Zé Castro, Pepe, Paulo Machado e Cristiano Ronaldo baixam os valores. Dos 21 jogadores a maioria teve a sua primeira internacionalização antes da chega de Queiroz, que deu a Daniel Fernandes, Zé Castro e Edinho a possibilidade de se juntar à base da "familia Scolari".
Selecção Três Grandes
Antes da debandada dos cracks nacionais para o estrangeiro o mais habitual era que a equipa das Quinas acenta-se, pelo menos, num dos chamados três grandes. Mas a falta de poder competitivo do Sporting e as politicas desportivas de SL Benfica e FC Porto em apostar no mercado internacional levaram a um esvaziamento de opções.
Se o seleccionador apostasse numa equipa tipo apenas contemplando jogadores destas três equipas teria apenas um lote de 19 jogadores seleccionáveis (incluindo Ukra, emprestado pelo FC Porto ao Olhanense).
Utilizando o mesmo esquema táctico o técnico poderia convocar para as redes Beto, Rui Patricio e Moreira, sendo que todos eles já foram chamados por Queiroz. No lado direito da defesa teria o adaptado Ruben Amorim e Pereirinha. No lado oposto o também adaptado Miguel Veloso, mostrando o crónico problema nacional do lateral esquerdo. No eixo Bruno Alves e Rolando contam com a concorrência do jovem Daniel Carriço. Na linha de meio campo Raul Meireles e João Moutinho são as opções enquanto que o eixo ofensivo ficaria entregue a Varela, Carlos Martins, Fábio Coentrão (ou Ukra) e ainda Liedson (ou Nuno Gomes, Orlando Sá, ou Djaló). Nesta selecção há treze jogadores já internacionais e uma fornada de jovens jogadores (Ukra, Orland Sá, Varela, Pereirinha, Djaló, Carriço, Patricio) à procura ainda da afirmação nos seus clubes. São nomes para contemplar no futuro com pouco impacto imediato. Mas que aí estão.
Selecção Liga Sagres
Excluindo os chamados "Três Grandes", o seleccionador pode também apostar em jogadores em destaque nas provas nacionais.
Historicamente houve poucos internacionais de clubes de pequenas dimensões, especialmente porque os clubes grandes contratavam mais jogadores nacionais assim que despontavam. Com a lei Bosman e a presença massiça do mercado sul-americano começam a despontar bons valores nacionais em clubes de média dimensão. Queiroz até agora preferiu não convocar alguns destes elementos, talvez pela diferença de ritmo competitivo, mas com a série de amigáveis que se antevê poderá começar a apostar mais nestes jovens cracks. Voltando a apostar no mesmo sistema táctico Queiroz tem à sua disposição 14 jogadores, dos quais apenas convocou dois.
Eduardo (o actual titular da selecção), João Pereira, Tiago Pinto, Sereno e Fábio Faria formam o quarteto defensivo. Vitor Gomes e Hugo Viana dominam o miolo do meio campo com Bruno Gama (ou João Aurelio), Yazalde e Ruben Micael (ou Nuno Assis) no apoio ao avançado João Tomás (ou o jovem Edgar Costa). Uma selecção muito jovem onde alguns jogadores apresentam condições para uma integração imediata (como o regresso Viana ou a estreia Micael).
Como vemos no total o seleccionador conta com 54 elementos que poderão fazer parte do grupo de seleccionáveis. Como dissemos a estes juntam-se muitos sub-21 ou sub-19 que podem explodir a qualquer momento. A Queiroz faltará, antes de mais, tempo para estruturar bem o seu plano futuro para a equipa nacional. Se há jogadores que poderão fazer parte das suas escolhas até 2012 - casos de Simão, Tiago, Ricardo Carvalho, Miguel, Bruno Alves ou Liedson) há outros como Deco, Paulo Ferreira ou Nuno Gomes que provavelmente caminham para a sua última prova internacional. Face à média de idades da equipa tipo urge pensar no futuro real da equipa nacional. Certamente daqui sairão os nomes do futuro de uma equipa que tem de repensar a sua formação e dar oportunidades a nomes menos consagrados mas com vontade de brilhar. Uma vez mais!
Contam com o melhor jogador do Mundo mas, acima de tudo, com uma filosofia captivante. Depois de acabar com a malapata das grandes provas, a Espanha assume-se mais forte do que nunca. La Roja é sinónimo de futebol-espectáculo, uma verdadeira constelação de estrelas que está hoje um patamar acima do que quando foi campeã europeia. Um aviso à navegação com uma nota a letras pequeninas. Os favoritos nunca ganham...
Junho de 2008. Espanha vive um estado de euforia imprevisto.
A selecção de Luis Aragonés - criticado por tudo e por todos - tinha estado à beira de falhar o apuramento ao Europeu. Na Áustria os espanhóis mostraram ser melhores, a todos os niveis. Dominaram o jogo inaugural com a Rússia, aguentaram a defesa sueca e humilharam a campeã europeia em titulo com as reservas. Nos Quartos de Final bateram a malapata dos penaltys contra a Itália e na meia-final vulgarizaram a surpresa da prova, os russos de Hiddink. Chegados à final não podiam perder. Mas só o lograram com um golpe de oportunismo de Fernando Torres. Chegou. A Espanha voltou a ser - 44 anos depois - campeã europeia consagrando assim uma geração de pequenos grandes génios que mudou definitivamente a forma de actuar. La Furia - repleta de jogadores explosivos mas que, por esta ou aquela razão, falhavam sempre nos momentos decisivos - transformou-se em La Roja, a melhor selecção do futebol mundial actual. Inspirada na escola do Barcelona, a Espanha redefiniu o conceito de circulação de bola a meio campo. Sem extremos puros, prefere os talentosos centro-campistas que trabalham a bola como ninguém. E depois colhem os louros de uma década fenomenal de formação que permite ter um lote imenso de grandes talentos.
Curiosamente a selecção espanhola hoje é bastante melhor do que a que viajou repleta de dúvidas ao último campeonato da Europa. O novo seleccionador - Vicente del Bosque - aproveitou a herança de Aragónes e transmitiu-lhe o seu cunho pessoal. Hoje a Espanha tem a capacidade de mover-se entre três sistemas tácticos bem distintos graças às caracteristicas dos seus habituais internacionais.
Preferencialmente a equipa alinha num 4-2-3-1 sem extremos, explorando a circulação de bola e o jogo colectivo do tridente composto por Iniesta, Silva e Xavi no apoio ao ponta-de-lança que pode ser Fernando Torres ou David Villa. Na linha de meio campo surgem Xabi Alonso e Senna (ou Busquets) para conseguir transmitir o equilibrio nas transições. A táctica pode rapidamente variar para um 4-4-2, com a inclusão do segundo ponta de lança, recuando ligeiramente Xavi para uma posição mais central. A terceira via segue mais a história habitual da selecção espanhola com a exploração dos flancos. Um 4-5-1 que se transforma em 4-3-3 com Pablo Hernandez, Jesus Navas, Mata ou Santiago Cazorla a ocupar as bandas laterais, abrindo o espectro de jogo para Xavi, Iniesta e Alonso controlarem o jogo a meio campo. Três opções de luxo que têm garantido um aproveitamento quase de 100% à equipa espanhola.
Olhando para o leque habitual de escolhas de Del Bosque é impossível não encontrar a influência da escola do Barcelona. Mas também do óptimo trabalho da formação da Federação Espanhola que copiou bem o modelo português que tantos lucros deu no final dos anos 80 e principios dos anos 90.
Xavi Hernandez é o cerebro e lider da equipa. O melhor jogador do Mundo pauta o ritmo de jogo e determina quando e como a equipa joga. Ao seu lado toda a escola blaugrana. Andrés Iniesta desiquilibra pela esquerda, o jovem Sergio Busquets traz equilibrio à linha de meio-campo e Charles Puyol transmite a raça da defesa do campeão europeu. Gerard Pique tem-se assumido como a grande revelação do futebol europeu, um central de primeiro nível. E há ainda Cesc Fabregas, capitão do Arsenal mas formado em La Masia, habitual suplente numa equipa repleta de estrelas.
No meio campo deambulam ainda David Silva, genial médio do Valencia, o madridista Xabi Alonso, o médio naturalizado do Villareal Marcos Senna, ou Santiago Cazorla. A esse grupo o técnico juntou o jovem sevillista Jesus Navas, ou os valencianistas Mata e Pablo Hernandez. No ataque Villa e Torres têm a concorrência de Alvaro Negredo, Dani Guiza, Albert Riera ou Fernando Llorente.
A única nódoa negra nos últimos dois anos surgiu precisamente na única prova a doer. A derrota diante dos Estados Unidos na Taça das Confederações colocou a nu algumas fragilidades defensivas do conjunto espanhol. O sector mais débil conta com dois centrais de choque - Puyol e Marchena - e laterais debéis - Sergio Ramos e Capdevilla - diante de Iker Casillas. O seleccionador tem aproveitado os últimos jogos para provar alternativas mas os rivais sabem que esses são os únicos pontos realmente debeis da campeã da Europa. A Espanha é lider do ranking FIFA e parte para o Mundial como a máxima favorita, a par do Brasil. Uma condição que não lhe augura um destino sorridente. Historicamente os favoritos acabam sempre por desiludir. Aconteceu com o Brasil em 2006, a França em 2002, o mesmo Brasil em 1998, a Holanda de 1990, o Brasil de 1982 ou a geração holandesa de 74 e 78. A história está repleta de pequenas histórias e todos os feitos foram feitos para ser quebrados. Mas a euforia que rodeia a equipa espanhola vem, desta vez, acompanhada por uma prudência pouco habitual no país vizinho. Há uma crença generalizada no triunfo mas um receio de que se repitam situações do passado de um país que várias vezes chegou como favorito às grandes provas e acabou por baquear.
Observar um jogo da selecção espanhola é uma óptima licção de futebol. Uma equipa ofensiva, amante do futebol de passe curto mas que é capaz de se desdobrar no mesmo encontro em distintos enquadramentos tácticos é uma raridade que surge de dez em dez anos. A melhor Espanha da história assemelha-se muito às máquinas futebolisticas da França do final dos 90, a Holanda da década de 70 ou os melhores conjuntos do escrete canarinho. Uma verdadeira geração de ouro como provavelmente nunca voltará a existir no futebol espanhol.
Era a bolinha no sorteio que todos queriam. O dark horse nas casas de apostas um pouco por todo o Mundo. Adivinhamos o sorriso de Putin no final do primeiro jogo. Mas o futebol é assim. Mágico até à medula. Um golpe de oportunismo foi suficiente para fazer história. Oito anos depois a Eslovénia está num Mundial de Futebol. E com as chuteiras bem limpas...
Já não estamos diante da geração do virar de século, aquela capitaneada pelo genial Zlatko Zahovic que levou a Eslovénia de forma consecutiva a Euro 2000 e ao Mundial de 2002. No final dessa prova, com a reforma de Pavlin, Zahovic e companhia, os adeptos eslovenos baixaram os braços. Nunca mais pensaram. Num país onde os desportos mais populares têm forçosamente de ter neve, ninguém acreditava que o desporto-rei voltasse a dar tantas alegrias. Os anos passaram, a equipa foi perdendo a importância que tinha na sua era dourada. As pessoas esqueceram-se. Dentro e fora de portas. Até ontem à noite. O golpe de oportunismo de Dedic, a um minuto do intervalo, foi suficiente. Akinfeev estava batido, prostrado no chão e os adeptos nem acreditavam. Faltava ainda muito tempo mas já ninguém acreditava que o destino seria madrasto. O tento oportunista na Rússia do jogador do Nacional, Pecknik, tinha deixado a esperança, De tal forma que até o primeiro-ministro esloveno prometeu engraxar as chuteiras dos jogadores, se lograssem eliminar a Rússia.
Os últimos dois anos foram de sonho para os eslovenos. No grupo mais débil e equilibrado da fase de qualificação vinham lá no fundo da casa de apostas. Atrás da Republica Checa, Polónia, Eslováquia e Irlanda do Norte. A pulso foram trepando na classificação e lograram o apuramento para o play-off. Parecia que a festa estava montada e quando se anunciou o rival, os mais optimistas deixaram de acreditar. Afinal a Russia de Hiddink vinha de um brilhante europeu e contava com estrelas espantosas. Arshavin, Akinfeev, Zhirkov, Dzagoev, Denisov, Ignatschievich, Prognebyak ou Palvuychenko. Enfim, um exército temivel. Só que em Moscovo os russos foram perdulários. Em demasia. E apenas apontaram dois golos. Ao que os eslovenos responderam com um tento oportuno. Decisivo. Ganharam moral e encheram o peito para atacar. Maribor esperava-os com um carinho especial. Afinal a selecção tinha deixado a capital, Ljubliana, para fazer desta pequena cidade a sua sede. Um estádio pequeno mas rendido à selecção, e preparado para gritar do principio ao fim. Hiddink esteve menos ágil do que noutras ocasiões. A sua equipa foi inofensiva e nunca deu sinais de controlar o jogo. Mesmo assim sabiam que um golo obrigava os eslovenos a marcarem, pelo menos, dois tentos. E confiava em Akinfeev, que em Moscovo tinha estado brilhante. A equipa russa mostrou-se lenta e demasiado confiante. Os eslovenos entraram de rompante.
Subitamente ao minuto 44 um livre, descaído ligeiramente para a direita. Um centro milimetrico e o certeiro desvio do ponta-de-lança, Dedic. Numa equipa sem estrelas ele foi o herói. Letal como a equipa precisva. Depois do golo chegou o intervalo. Os eslovenos vieram ainda mais motivados. Acarinhavam já o voo em Junho. Os russos, pelo contrário, estiveram a anos luz do que se esperava. E rapidamente começaram a perder a cabeça. Primeiro Kerzakhov, depois Zhirkov. Duas expulsões evitaveis que deixaram tudo ainda mais facilitado para a equipa da casa. Que se limitou a controlar o jogo e procurar surpreender os russos no contra-golpe. O marcador não se voltou a mexer. No final do jogo os gélidos russos não queriam acreditar. A história sempre nos ensina que um favorito fica pelo caminho na fase de qualificação.A Rússia cumpriu com a tradição e verá o Mundial à distância. Perdem-se algumas das melhores individualidades e certamente, um dos mais fascinantes técnicos. Mas ganha-se uma equipa modesta mas com uma alma gigante.
A Eslovénia estará certamente no alvo da cobiça dos cabeças-de-serie. Inserido no mesmo grupo que Portugal, Holanda e Dinamarca, os grandes procurarão defrontar os pequenos eslavos mas o futebol já nos ensinou por diversas vezes que a teoria e a prática funcionam de forma bem distinta. E quiçá o sonho esloveno, de tão improvável, tenha apenas começado com esta épica vitória. Que ainda ecoa nos imensos vales verdes.
Quando ninguém parecia acreditar, Portugal realizou uma das melhores exibições dos últimos anos. Um jogo de garra e de carácter que demonstrou, uma vez mais, que um colectivo organizado e calculista vale muitas vezes mais que uma constelação de estrelas. Controlar era preciso e assim se fez, do principio ao fim. O golo que tantos reclamavam surgiu com naturalidade. A Equipa das Quinas viaja à África do Sul contra as expectativas dos incrédulos e a natural inveja de quem não acreditou no grupo que se formou na era pós-Scolari. Obra de um grupo de jogadores aplicados e de um seleccionador que sempre insistiu que as maratonas acabam na meta.
No final do jogo Carlos Queiroz dedicou o apuramento "aos jogadores e a quem acreditou".
Foram poucos os que nos últimos dois anos acreditaram no seleccionador nacional. Herdeiros da politica de conflito e guerrilha do brasileiro Luiz Filipe Scolari, o público português nunca gostou do planteamento desportivo do novo seleccionador. Precisamente o "pai" dos grandes sucessos logrados nos últimos 20 anos do nosso futebol. Incluidos os "quase triunfos" do seleccionador brasileiro. A imprensa também foi impiedosa e depois da derrota contra o Brasil - jogo que só a Nike e a FPF queriam - havia já quem pedisse o regresso do "sargentão". Sem tempo para experiências e herdando uma selecção já em declinio, Queiroz teve de apostar na base herdada com alguns retoques pessoais. Eduardo passou para as redes, Pepe foi colocado estrategicamente a médio-defensivo - posição orfã ainda do melhor Costinha - e depois de não encontrar um goleador, apostou no naturalizado Liedson. Com um Cristiano Ronaldo em baixo, Deco na sua pior forma e com alguns erros arbitrais à mistura Portugal foi tremendo aqui e ali. Arrancou bem em jogo e mal em resultados. Acabou na forma inversamente proporcional. Com a diferença de que o pior Portugal de então parecia melhor que a versão mais optimista de há dois anos. Coisas do destino. Não deu para o apuramento directo mas enviou a selecção a um duelo fraticida com a Bósnia.
Depois do primeiro jogo - onde a equipa atacou mais do que controlou - sabia-se que Portugal tinha de ser frio e calculista. Algo que nunca mostrou ser verdadeiramente nos últimos anos e que custou caro aos comandados por Scolari. Mas Queiroz é tacticamente superior e soube montar um esquema perfeito para controlar a ofensiva rival. Manteve a estrutura da Luz com a alteração forçada de Deco por Tiago. O médio da Juventus não foi dos melhores mas acabou por ser importante em tarefas defensivas. Apesar do 4-3-3 no terreno ontem, em Zenica, não houve táctica. Houve solidariedade e espirito de luta. Nenhum jogador de vermelho virou as costas. Simão funcionou muitas vezes como o melhor amigo de Duda. Do outro lado Paulo Ferreira assinava uma das suas melhores exibições com a camisola das quinas. Os centrais mantinham-se atentos às movimentações ofensivas de Dzeko e Ibisevic e Pepe voltou a ser imperial. Foi o terceiro central necessário para defender, o bombeiro de todos os fogos no meio-campo e ainda teve tempo para apoiar o ataque. Jogo completissimo.
Portugal entrou bem, aguentou a primeira carga e não se deixou intimidar por um inferno que nunca o chegou a ser. Aos assobios ao hino nacional, os jogadores responderam com caracter. Foram neutralizando as transições bósnias e controlando a bola. Circulavam no miolo sem deixar os rivais aproximarem-se demasiado da baliza de Eduardo. E sempre que possivel lançavam ataques venenosos. Num deles Raul Meireles falhou claramente. Mas nem isso desmotivou os jogadores.
Para a segunda parte surgiu um Portugal ainda mais maturo. Nani, o mais perdulário do primeiro tempo, esteve mais apagado mas abriu espaço para as subidas dos médios centros. Num desses lances surgiu Raul Meireles diante da baliza Bósnia. O médio do FC Porto redimiu-se do erro do primeiro tempo e resolveu a eliminatória. Portugal tinha cumprido todos os objectivos. Os bósnios causavam pouco perigo e nunca davam um verdadeiro sinal de poder surpreender. O golo premiou a coragem do ataque português e a solidez de uma equipa que continua sem sofrer golos. Uma das melhores da fase de qualificação, é preciso não esquecer.
De cabeça perdida os bósnios tentaram o tudo por tudo mas foi Portugal quem esteve uma e outra vez perto do golo. Contra-golpes venenosos, falhanços clamorosos. O público começava a demonstrar o mau-perder que já se conhecia ao seu técnico e os jogadores não ficaram atrás. Expulsão de Sahilovic, e jogo resolvido. Edinho, Deco e Miguel Veloso entraram para ajudar à festa depois de Paulo Ferreira, Pepe e Bruno Alves terem evitado o tento do empate da equipa da casa. No banco começava a celebrar-se o apuramento ainda faltavam dez minutos. Três golos dos bósnios era um cenário altamente implausivel. E assim foi. Categoricamente Portugal carimbou o bilhete para a África do Sul.
É fácil agora olhar para trás e dizer que Portugal não cumpriu mais do que com a sua obrigação. Talvez o seja, mas olhando para o caso russo, egipcio e até mesmo para a França, ficou claro que nestas fases nem sempre ser favorito chega. Portugal disputou um dos mais complicados grupos em plena renovação geracional. Apresentou uma óptima defesa e descobriu algumas inovações interessantes. Agora o seleccionador terá tempo para preparar o futuro. Os amigáveis que se seguem darão forma ao grupo que viajará à África do Sul. A equipa não deixa de ter debilidades estruturais graves, mas passou a ser uma selecção de todos, onde nenhum jogador está excluido à partida. A época ainda é larga e a forma dos jogadores determinará muito a prestação de Portugal. No Verão o seleccionador não tinha problemas em dizer que Portugal ia ao Mundial para ganhar. Parte em igualdade de condições com qualquer outra das 31 equipas. E deve ambicionar tudo. Mas também deve ter a humildade e o sacrificio de entender que nem todos podem ganhar. Com essa atitude a equipa nacional irá certamente mentalizada para todos os cenários. E sem a aura de favorita - como há dois anos atrás - terá liberdade para jogar o seu futebol. E ás vezes é só isso que é realmente necessário para ir longe. Desta selecção pode-se esperar um pouco de tudo. Mas o que não se lhe pode acusar é falta de atitude.
Uma última palavra para o seleccionador. Não tem o génio táctico de José Mourinho, esse seleccionador porque o país suspira mesmo sem o querer admitir. Mas na conjuntura em que chegou à selecção, Carlos Queiroz fez um notável trabalho. Agora ultrapassada a pressão do apuramento - cumprindo uma década de sonho do futebol português - terá a possibilidade de por em prática toda a sua filosofia. Mas, como nenhum português parecia querer acreditar, a verdade é que o triunfo de ontem é mais dele do que qualquer outro. Do que mais acreditou!
Pelo ferro matas, pelo ferro morres. Palavras que muito provavelmente ecoam, nestes momentos, na cabeça de Giovanni Trapattoni. O técnico que conquistou muitos dos seus grandes triunfos com preciosas ajudas arbitrais foi ontem testemunha de um dos lances mais polémicos da história das classificações para Mundiais. Uma mão pouco divina mas que foi suficiente para garantir que a França estará na África do Sul.
A expressão dos jogadores irlandeses não tem preço. Olham atónitos para o árbitro do encontro ao verem este apontar para a linha de meio campo. Martin Hansson acabava de validar um dos tentos mais escandalosos da história do futebol francês. Uma selecção à deriva e à beira da humilhação. Valeu a mão de Thierry Henry, que muito provavelmente se tornará no único futebolista francês a conseguir participar em quatro Campeonatos do Mundo. Mas se do herói de 1998 já se nota muito pouco, pior se poderá dizer de uma selecção que marcou o futebol moderno há precisamente uma década. E que hoje é um fantasma do seu passado glorioso. Esta França tem mais semelhanças com a periclitante equipa dos inicios dos anos 90 - repleta de nomes mas sem estrutura - do que dos temiveis gauleses que em 10 anos lograram um Mundial, um Europeu e ainda um vice-campeonato do Mundo. Números impressionantes num país antes habituado a morrer na praia. E na praia podia ter ficado ontem se não tivesse sido aquele golpe. Numa zona da capital francesa conhecida pela insegurança, os 80 mil espectadores do imponente Saint Dennis testemunharam o maior assalto que se recorda por aquelas bandas.
Raymond Domenech voltou a provar que é, antes de tudo, teimoso. Depois de perder os seus dois médios centro por lesão (Toulalan e Diaby), preferiu não convocar nenhum jogador e apostou por um planteamento conservador. Henry a titular pela esquerda, mostrou estar de novo a anos-luz da sua melhor forma. Pela direito surgia, sem chama, Anelka e atrás do solitário Gignac estava um apagadíssimo Gourcouff. Muito longe do seu melhor jogo. Um ataque ameaçador em nome mas pouco eficaz. E ao contrário dos irlandeses, que entraram com tudo, os franceses encararam o jogo com medo. E notou-se. A equipa orientada por Giovanni Trapattoni foi segura na defesa e mordaz no contra-golpe. A raça de Duff e Keane desorientou a linha defensiva gaulesa e não surpreendeu ninguém que o veterano avançado abrisse a contagem aos 33 minutos. Lloris nada podia fazer - ele que foi o herói da noite, uma vez mais - e a igualdade na eliminatória gelava o estádio sob o olhar sério de Sarkozy e Zidane. Ao contrário do esperado, a França nem reagiu.
A segunda parte ofereceu mais do mesmo. Uma Irlanda perigosa e uma França perdida. Anelka ainda entrou para tentar repetir o feito de Dublin mas o avançado estava, também ele, em noite não. Os minutos iam passando e o público começava a assobiar. Lá fora a festa dos muitos argelinos parecia enturbiar ainda mais a noite. Domenech olhava para o banco e deixava sentado Benzema, que parece não lhe cair no goto, apostando tudo por tudo em Govou e Malouda. Do outro lado Trapattoni era fiel a si próprio. Esperava um golpe de sorte ou até mesmo a loteria dos penaltys. Sabia que os seus homens eram fortes animicamente e aguentariam a pressão. Dos franceses ninguém parecia poder dizer o mesmo. Os 90 minutos chegaram ao fim e arrancou o prolongamento. Com o conhecimento da queda surpresa da Rússia, a França temia igual destino às mãos dos irlandeses. O orgulho dos jogadores significou uma reacção, mas mais com o coração do que com a cabeça. Até que chegou aquele livre, ligeiramente descaído para a direita. Uma multidão de jogadores na área de Given. Um centro tenso e colocado ao segundo poste. Squillaci em claro off-side dá o primeiro golpe e depois Thierry Henry dá não um, mas sim dois hábeis toques com a mão. Ajeita a bola para oferecer a William Gallas o golo mais importante do futebol francês dos últimos anos. Um golo sujo até à medula.
Trapattoni incrédulo clamava contra a FIFA e os jogadores franceses, no calor da vitória, não deixaram de admitir a irregularidade. Pouco importava. Sabem que há muitos campeões que se começam a forjar assim e agora têm todos os olhos postos na África do Sul. Mas se os irlandeses foram guerreiros e mereciam cair de outra forma, esta França apresenta muito mais debilidades do que há quatro anos na Alemanha. Sem Ribery perde verticalidade e face à teimosia do seleccionador a equipa não parece encontrar o seu espaço no terreno de jogo. É cabeça-de-série face à contingência dos sorteios mas hoje serão poucas as nações que olham para esta França como um "papão" à antiga. Em Paris pouco importante. Como diria Domenech, o importante não é como se chega. É como se sai.
Ninguém dava nada pela armada grega. Parecia ser que o sonho do Olimpo desenhado a régua e esquadro por um sagaz alemão tinha chegado ao fim. Mas os deuses tinham outros planos e os guerreiros ucranianos não encontraram o calcanhar de Aquiles da Grécia.
Salpingidis tratou do resto. A Grécia desforra-se da história.
Desde 1994 que não marcavam presença num Mundial.
A eliminação ás mãos da Turquia em 2005, quando ostentavam ainda o titulo de campeão europeu logrado em Portugal, era uma espinha cravada no coração grego. Depois do Euro 2008 foram muitas as vozes criticas de Rehagel e as seus comandados. Da equipa base campeã europeia em 2004 faltavam muitos elementos e a performance dos helénicos foi decepcionante. Tal como o arranque na fase de qualificaçao. Num grupo de baixo nível os gregos nunca mostraram ser superiores a suiços e israelitas. Até ao final mantiveram em suspense o seu apuramento e acabaram por ter de se contentar com o segundo posto. O tal do play-off. Levantava-se o fantasma de 2006, especialmente quando o sorteio colocou a bolinha da Ucrânia no seu caminho. A Ucrânia de Milievsky, Aliev, Shevchenko, Tymoschuk, Chrygisnki e companhia. A Ucrânia que organizará o próximo Europeu e que estava mais motivada que nunca. Um duelo que parecia desigual. Já nem os deuses pareciam estar com o tio Otto.
O primeiro jogo foi equilibrado. Do principio ao fim. Uma Grécia em 5-3-2 com os laterais a arriscar pouco foi suficiente para controlar o ataque ucraniano. Os venenosos contra-golpes iam deixando os de leste em sentido. Mas nenhuma das equipas se decidia pela estocada final. E deixaram tudo para Donetsk, onde o jogo grande inaugurava um dos recintos chave do próximo Euro. Parecia ser tudo feito á medida da Ucrânia. A chuva caiu durante todo o dia e deixou o terreno de jogo empapado. O ambiente era frenético. Mas o monte Olimpo tem largas vistas. E tinhas os olhos postos no Donbass Arena. Os gregos começaram titubeantes mas a pouco e pouco foram subindo, trepando. Hábeis e letais. Karagounis e Katsouranis anulavam os ataques de Aliev e Milievsky. E subitamente surgiu Salpingidis. Para fazer história. Á meia hora de jogo Samarras descubriu o espaço e Salpingidis recolheu a bola e só terminou quando a enfiou dentro das redes de Pyatov. Um golo que valia a ouro. A dobrar.
Durante o resto do encontro o massacre foi total. Shevchenko provou estar no ocaso de uma brilhante carreira ao acumular erro atrás de erro. Tzorvas parava tudo quando podia e ia garantindo a vantagem. Milievsky dispôs do empate nos pés mas falhou na hora H. Os ucranianos deixaram de acreditar e a Grécia soltou-se e lançou-se em busca do segundo tento. Charisteas, Samarras e Gekas tiveram o golo nos pés mas o destino queria apenas um nome para imortalizar. Recuperando o espirito guerreiro de há seis anos, Rehagel gesticulava no banco. Mas com a mesma tranquilidade que exibiu em Portugal. E os gregos fizeram história. Bateram os favoritos e vingaram-se do seu passado. E apesar de partir longe do pelotão de favoritos provaram que a nova geração também tem coração e solidez defensiva, as armas que levaram os gregos ao titulo europeu. Pelo meio alguns talentos a ter em conta e um treinador que muitos davam por enterrado. Mas que na Grécia continua a ser algo mais do que um Deus.
Já passaram mais 30 anos mas José Maria Pedroto continua actual como sempre. Após uma vitória em Colónia, o FC Porto recebia a equipa alemã numa eliminatória da Taça das Taças. O técnico alemão declarou antes do jogo que iam atacar desde o principio. Irónico, como sempre, Pedroto respondeu "Atacar com quê? Só há uma bola?". Faltou-lhe dizer que a bola ia ter a sua equipa, bem colada ao pé. Mas não fazia falta. Os jogadores perceberam e os dragões qualificaram-se. Carlos Queiroz diz hoje que Portugal vai atacar. Mas o que realmente a equipa das Quinas precisa é de ter a bola no pé.
Num aspecto Queiroz tem razão. Portugal terá de marcar. É inevitável.
O sofrimento é habitual nas contas portuguesas mas com um golo a favor o dilema é atacar ou esperar. Obviamente que para marcar não é necessário optar por nenhum destes caminhos tão extremados. O que a selecção precisa, mais do que nunca, é saber controlar o jogo. Talvez o grande problema de Portugal nos últimos jogos onde apesar de ter progredido uns furos, continua com graves problemas em controlar o jogo. Há sempre espaços para o contra-golpe, momentos de susto no coração da área de Eduardo e muito pouco apoio do eixo ofensivo. Liedson não colabora nas acções defensivas e Nani e Raul Meireles perdem mais bolas do que as que recuperam, obrigando Pepe e Deco a um esforço dupla. Nessa mistela de erros e acerto não há um controlo. Não há a bola no pé que impede qualquer ataque rival. Porque a Bósnia precisa da bola para soltar os venenosos golpes para Dzeko e Ibisevic. Na Luz tiveram demasiado tempo a bola nos pés. Foram verticais e perigosos. A sorte protegeu Portugal. Jogar com o destino pode ser perigoso.
Portugal tem de apostar no espaço. Precisa de ser, mais do que nunca, uma equipa com os cinco sentidos bem despertos. Uma equipa solidária e com um ritmo de jogo alto. Com os niveis de concentração ao máximo. Qualquer outro cenário, qualquer distração, pode ser fatal. Até mesmo o golo de que Queiroz tanto fala. É verdade que um golpe nas redes bósnias obriga os locais a apontar 3 golos. Mas a equipa não pode jogar com os serviços minimos. Por aí tem pecado demasiadas vezes Queiroz. A procura do golo tem de resultar do planteamento natural do jogo. Pede-se um meio campo com a bola nos pés e um ataque solidário e vertical. Eficácia numa palavra. Eficácia em não perder a bola. Eficácia em não desperdiçar as oportunidades.
Olhando para o onze escolhida para a Luz é normal que o técnico efectue alterações no onze titular. Duda deve deixar o posto de lateral esquerdo. É uma adaptação pouco convincente e com dificuldade em segurar a bola e colaborar em tarefas defensivas. No seu posto seria mais eficaz a utilização de Miguel Veloso, não só canhoto mas com excelente visão de jogo. Habituado à posição e com um historial como central, será um elemento mais concentrado na linha defensiva mas com claridade para procurar os espaços necessários para o miolo. Ai impõe-se uma mudança táctica chave. Raul Meireles deverá dar o lugar a João Moutinho. Apesar da má forma do médio portista, a substituição prende-se com a facilidade com que o jogador do FC Porto perde bolas na transição. Com Pepe mais preocupado em viajar as tarefas ofensivas dos bósnios, pede-se um jogador trabalhador mas com boa visão de jogo. O capitão do Sporting oferece mais garantias para escudar Deco, que deverá ter um papel mais solto a pensar o jogo.
Essa circunstância obriga os extremos a jogarem mais recuados e o ponta de lança a procurar mais a bola atrás. Aí Liedson tem de saber jogar de costas para a baliza e colaborar com Deco na verticalidade ofensiva. Simão será fulcral para segurar a bola e Nani terá de deixar de perder cada drible que tenta fazer sob pena de apanhar os colegas em contra-pé. Caso contrário o mais natural seria que Queiroz optasse por outro médio (Tiago ou Meireles) encostando-o à linha lateral mas com a precisa função de bascular a dinamica ofensiva da equipa num 4-2-3-1 mais central, tal e qual joga, por exemplo, a selecção espanhola. Esta disposição não só permitia a solidez defensiva necessária - particularmente num jogo conflictivo, com um relvado em más condições e um adversário que tem de marcar, pelo menos, dois golos - como abria espaços ao controlo da dinamica ofensiva com uma progressão constante de quatro elementos, de forma a criar desiquilibrios no sector defensivo bósnio.
Tal como nos dizia Pedroto, desde lá bem longe no tempo, Portugal tem de procurar sempre ter a bola nos pés. Sem ela a Bósnia é, forçosamente, inofensiva. E com ela Portugal terá todas as oportunidades para ampliar a preciosa vantagem que leva para Zenicar. Se na Luz a equipa apostou no ataque deliberado - mas desorganizado - e perdeu o controlo do jogo, na Bósnia o seleccionador tem de estar menos preocupado em atacar e mais em controlar. Só assim poderá Portugal carimbar com segurança o passaporte que todos os portugueses anseiam. Porque a África do Sul está a 90 minutos. E agora é mesmo a valer!
Em Argel houve distúrbios. No Cairo viveu-se uma autêntica batalha. Agora o Sudão espera uma verdadeira guerra. As duas grandes potências futebolisticas do Norte de África defrontam-se num jogo de vida ou de morte. Só um pode carimbar o passaporte para o extremo oposto do Continente Negro. E não serão poucos os que estejam dispostos a matar para lográ-lo..
Foi lamentável assistir à chegada da selecção da Argélia ao Cairo. O ataque dos adeptos egipcios, os rostos ensanguentados, o autocarro destroçado. Imagens que a FIFA não pode permitir que se repitam. No campo a batalha continuou. Os jogadores egipcios precisavam de vencer por dois golos de diferença para forçar um play-off. A equipa dos faraós tinha arrancado com o pé esquerdo a fase de qualificação e durante algum tempo foi o último do grupo. Mas depois da Taça das Confederações - onde desiludiu ao cair aos pés dos Estados Unidos - começou uma espantosa recuperação. De tal forma que em vésperas do último jogo, apenas dependia de si para forçar um último encontro. A eliminar. Os argelinos foram intimidados desde o apito inicial. O estádio eufórico, a arbitragem assumidamente caseira e a violência dos egipcios não teve par. Os faraós abriram a contagem e levaram os adeptos ao extase. Mas faltava outro golo. E que nunca mais chegava. Aos 90 minutos o árbitro anunciou seis de desconto. Os argelinos protestaram. Muitos jogaram de cabeça vendada, espelho das agressões sofridas na véspera. O homem de negro fez-lhes pouco caso e menos ainda quando ao minuto 95 um centro do lateral direito Moawad descobriu a cabeça de Motaeb. O avançado anotou o golo decisivo. Em fora-de-jogo claro. E forçou o terceiro encontro.
Desde há várias semanas que a FIFA estava informada da possibilidade de ter de chegar a este terceiro jogo. Desde então ficou decidido que a partida seria disputada no Sudão, território neutro e terceiro em discórdia. Os argelinos voltaram a protestar mas a FIFA fez-lhes pouco caso. Segundo o central argelino, Khaled Lemmouchia, está tudo preparado para garantir a presença dos egipcios na África do Sul. Uma acusação que já vem de trás e que espelha bem a guerra fraticida entre estas duas potências. O Egipto e a Argélia dominaram o futebol africano nos anos 80. Os argelinos lograram participar em dois Mundiais consecutivos (1982, onde protagonizaram uma inesquecível polémica, e 1986) e os egipcios surgiram em 1990 em Itália. Durante essa era partilhavam o dominio do futebol africano, centralizado então na zona do Sahara. Com a deslocação para sul e o (re)nascimento de novas potências os duelos Egipto-Argelia tornaram-se cada vez mais regionais, particularmente porque então se vivia a era dourada do futebol marroquino. Só que as vitórias dos faraós nas últimas CAN e os sucessos futebolisticos dos seus principais clubes voltaram a colocar o Egipto no mapa. E quando todos acreditavam que o grupo de qualificação estava feito à medida dos faraós surgiu uma renascida Argélia. Os argelinos fizeram uma fase de qualificação irrepreensível e complicaram um cenário que o Egipto (e a FIFA) acreditavam ser simples. É inevitável que uma nova ausência do grande campeão do continente, quando o Mundial é pela primeira vez organziado em África, supõe um revez para a organização. E talvez isso justifique a decisão da FIFA que já mostrou ser bem mais severa com outras nações em casos semelhantes.
Hoje os dois colossos voltarão a defrontar-se. Futebolisticamente o Egipto é uma equipa mais atractiva. Arrisca do primeiro ao último minuto num arrojado 3-4-1-2, com dois laterais velozes e uma série de veteranos que sabe que tem aqui a última oportunidade de ir a um Mundial. Ahmed Hassan, Aboutrika, El-Haddary, Mowad são nomes históricos em África mas poucos conhecidos fora do continente. Uma boa performance no Mundial pode ajudar a consagrá-los além portas. Mas do outro lado está uma Argélia atrevida, menos ofensiva mas, definitivamente, mais organizada tacticamente. Estão motivados depois do último desafio e sabem que podem fazer história. Não têm nenhum crack de nível Mundial como acontecia com a sua mágica geração da década de 80, onde pontificava esse pequeno grande génio chamado Rabath Madjer. Mas são um exemplo de profissionalismo e organização que não deve ser ignorado. Jogar em campo neutro, longe dos fanáticos egipcios, pode ser um ponto a favor.
À parte do jogo quente que se espera levanta-se a dúvida. Face ao comportamento dos adeptos egipcios no Cairo deveria a FIFA permitir o terceiro jogo? Deveria suspender a selecção egipcia e garantir o apuramento aos argelinos? Ou o terreno neutro é solução suficiente para apagar a vergonhosa actuação de todas as entidades no passada sábado? Hoje a bola volta a rolar e não há lugar a empates. Só um cairá e só um viajará até ao outro extremo. A Guerra do Sudão promete entrar para os anais da história do futebol.
Lembro-me de o ver, sempre sério, ao lado de Robson a discutir cada lance com o habitual caderninho. Recordo-me bem da conferência de imprensa, após uma derrota nas Antas diante do Beira-Mar, que significou um antes e um depois na história do FC Porto. Tenho na minha galeria de imagens o rosto triunfador de um homem que ousou desafiar o Mundo...e ganhou. Agora vejo-o triste, abatido, apático. Não é ele próprio. E, melhor do que ninguém, ele sabe-o. Por isso confessou o seu verdadeiro amor. E como qualquer relação é coisa de dois, também eu estou ansioso por voltar v ê-lo no seu habitat natural.
Não há cultura futebolistica como a inglesa. E não há nenhum treinador como José Mourinho.
Os dois estão feitos um para o outro. O futebol inglês é paixão e razão em doses desproporcionais mas que se conjugam como uma mistela quimica única. As bancadas cheias, os adeptos fanáticos que não se calam, 90 minutos. O relvado verdejante, os jogadores a darem o tudo por tudo por cada lance. Uma visão romântica do beautiful game longe dos malabarismos de La Liga ou a rigidez táctica do Calcio. É nos relvados ingleses que se aprende a ver futebol, a amar o futebol. Depois pode-se crescer. Mas como qualquer adulto há sempre uma criança dentro de nós. Dentro de mim. E dentro de Mourinho.
O técnico português mas bem sucedido da história do futebol vive em Milão dias cinzentos. Tão cinzentos como a própria cidade. Ano e meio ao serviço do Inter, um percurso imaculado na prova doméstica (uma Liga ganha e outra bem encaminhada) e uma espinha cravada no reino europeu. Mas, pior do que isso, Mourinho padece a doença do Calcio. E a nostalgia da Premier. Num país onde as bancadas estão cada vez mais vazias. Onde os jogadores correm apenas o necessário e sem paixão. Onde os programas de televisão se divertem mais com os decotes sugestivos das apresentadoras. Um país onde o futebol se respira intensamente. Mas de uma forma bem distinta à que corre no sangue do setubalense. Que sente em si o perfume da saudade.
José Mourinho confessou a sua paixão pelo futebol inglês. "É o meu futebol", disse numa entrevista que agora é forçado a negar. Ele que é sempre frontal também tem de ser estratega. Especialmente com um presidente como Moratti, obcecado com a herança paternal. A frontalidade de Mourinho já lhe valeu demasiados inimigos em Itália. Em Inglaterra, curiosamente, um respeito que ainda hoje se mantém. Com Ferguson entendeu-se às mil maravilhas, com Wenger viveu uma relação de ódio misturada com respeito. E com Benitez, um conflito eterno, porque aí também se vive o espirito Portugal-Espanha dessas quezilias sem fim. Mas no final de contas Mourinho tem tantas saudades da Premier como a liga inglesa do técnico português. O Chelsea nunca esquecerá o homem que ficou para a posteridade como o "Special One". Mas o técnico sabe - e disse-o - que o clube londrino é um novo rico, sem a tradição histórica que ele procura. Mourinho quer emular a longa carreira de Fergusson. Um sonho que partilha com o de ser seleccionador nacional. Tudo a seu tempo. Sabe que em Milão as cabeças rolam com uma velocidade espantosa, por muitos trofeus que se ganhem. Essa não é a sua cultura. Quer ter tempo para deixar a sua marca, muito para além dos titulos. Porque esse é o seu destino. No Porto não foi apenas o facto de ter ganho tudo que o fez imortal. Foi como o logrou. Como pegou num clube destroçado e transformou-o na maior potência europeia. A sua saída deixou a nu o que era o clube com e sem Mourinho. E se o dinheiro do Chelsea fez com que o clube se mantivesse na elite, a verdade é que Stanford Bridge perdeu aquele perfume do homem que, vestido impecavelmente, desafiava o Mundo.
Todos sabemos que Mourinho não perdeu o génio que o torna verdadeiramente especial. É provável que vença o seu segundo scudetto, emulando os feitos no FC Porto e Chelsea. Mas é também provável que este seja o seu último ano em Itália. Felizmente. Mourinho precisa de um ambiente que potencie a sua genialidade. Precisa de ser ele a controlar todos os elementos. A desafiar os trovões. Olhar para a Premier e imaginar o "Special One" de regresso é um sonho partilhado por muitos. Talvez Liverpool seja o destino ideal, o destino que o técnico procura para consumar o seu lugar na história. Os meses vão avançando e o lago Como está gelado. A neve começa a cair sob Milão e Mourinho olha para longe. Não para a sua Setúbal natal. Para a Velha Albion. Sabe que um dia regressará. Sabe que aquele é, verdadeiramente, o seu mundo.