Um derby é sempre um derby. Quando em causa está uma presença numa final europeia a tensão sobe ao máximo.
Hoje a Alemanha e Ucrania vão parar durante 90 minutos. Para a semana que vem, poucos serão os adeptos que ainda tenham unhas nas mãos. Está claro que a final da Taça UEFA deste ano é um duelo ucraniano-germanico. Mas isso é o menos. O interessante aqui são as equipas em jogo, dois derbys quentes, muito quentes, que já deram muito que falar no passado. Da mesma forma que ao Real Madrid soube especialmente bem vencer a sua nona Champions League, depois de eliminar o Barcelona nas meias no Camp Nou. Da mesma forma que o Chelsea chegou à final do ano passado tirando finalmente a espinha do Liverpool, que há tanto tempo tinha atravessada, este ano a UEFA dá lugar a dois dos mais emocionantes dueles dos palcos europeus.
O norte da Alemanha sempre foi uma das zonas do país onde o futebol foi visto com grande paixão. Longe do jogo fisico praticado no Leste e Sul, o toque de bola sempre foi uma qualidade habitual das equipas da zona hanseática. E entre elas há dois rivais especiais: Werder Bremen e Hamburgo. O primeiro pratica um futebol ofensivo e extremamente atractivo. Thomas Schaaf pegou na equipa, soube recoloca-la nos lugares de topo, e apesar de este ano estar já fora da luta pelos lugares europeus, a campanha do Werder Bremen tem sido excelente. Boas prestações na Champions, a caminho da final da Taça da Alemanha, é o grande favorito para vencer a prova. Conta com o jogador mais desiquilbrador (Diego, que o FC Porto nunca soube aproveitar) e uma linha ofensiva de respeito.
Mas atenção. Se há equipa capaz de travar o futebol ofensivo dos verdes essa é o Hamburgo. Cidade rival há séculos, os de Hamburgo ostentam uma Champions League e várias Bundesliga no historial. Mas há anos que não estão na alta roda europeia. O vento de mudança parece ser real esta temporada, e depois de uma excelente partida na segunda mão dos oitavos de final, o Hamburgo está preparado para lutar pelo titulo. Resta saber se a derrota contra os rivais de hoje na meia-final da Taça da Alemanha vai servir como motivação...ou como elemento destabilizador de um dos candidatos ao titulo.
Do outro lado está o futebol ucraniano, que recuperou o prestigio perdido desde o desaparecimento da URSS. Nos anos dourados do futebol soviético, o Dynamo Kiev era o emblema mais importante do futebol da Europa Comunista. Agora continua a se-lo, mas apenas do campeonato ucraniano, que tem dominado com relativo à vontade. A morte de Lobanovsky coincidiu com a ascensão do Shaktar Donetsk. O clube rival do Dynamo conquistou tres titulos de campeão nos últimos anos e graças a uma talentosa brigada de brasileiras afirmou-se como um habitual das competições europeias. Mas nunca tinha chegado tão longe. É a oportunidade de fazer história, algo que o seu rival da capital conhece bem, já que conta com duas Taças das Taças e uma Supertaça Europeia nas vitrines. Milevsky liderará o exército de Kiev, favorito neste jogo, mas um duelo do leste da Europa é sempre algo previsivel. O campeonato local é liderado pelo Dynamo com uma ampla vantagem sobre o clube de Donetsk. Mas este jogo é a eliminar e tudo pode passar.
O que é certo é que, seja qual for o vencedor da competição, a vitória terá sempre um sabor especial.
O futebol tem destas coisas.
Nas últimas semanas assistimos a jogos frenéticos com equipas inglesas a terminarem com resultados que já não se usam. 4-4 entre Chelsea e Liverpool, o mesmo resultado entre o "Pool" e o Arsenal ou a vitória por 5-2 do Man Utd ao Tottenham. Ontem, no Teatro dos Sonhos, o futebol praticado não esteve longe da qualidade desses tres desafios, apenas para por um exemplo. Mas o resultado foi bem mais contido. 1-0 no futebol pode valer ouro. Em jogos a eliminar não sofrer golos em casa é um bónus extremamente útil. E partir com vantagem moral para a segunda mão também. Mas para Alex Ferguson tem de saber a pouco, muito pouco. No desafio de ontem o Manchester United voltou a ser aquele colosso que o FC Porto conseguiu esconder, a ponto de necessitar de um golpe de génio para se qualificar. Ontem os vermelhos voltaram a ser diabólicos e em Londres muitos agradecem a sorte, falta de pontaria ou coragem de Manuel Almunia. Afinal o Arsenal assim ainda tem uma boa oportunidade para voltar a Roma.
John O´Shea foi o heroi improvisado face à falta de pontaria da artilharia pesada dos da casa. Um lance de bola parada - especialidade do Man Utd - que acabou por decidir um encontro dominado do principio ao fim pelos mancunianos. O pressing no meio campo de Carrick e Anderson foi constante, anulando perfeitamente o esquema montado por Arsene Wenger, onde Fabregas foi uma sombra de si próprio e onde Nasri andou por terrenos que não são os seus. As baixas na defesa dos gunners tornaram-nos menos atrevidos no ataque, mas foi o pressing do United que desiquilibrou o encontro, particularmente na primeira metade. Notou-se a falta de ritmo de alguns elementos do Arsenal - Adebayor e Eduardo não estão ao nivel de van Persie e Arshavin, que por motivos distintos não podiam jogar - e no final foi mesmo Almunia o heroi dos visitantes.
Contas feitas o Man Utd parte com vantagem para conseguir repetir a presença na final da Champions, mas o 1-0 é um resultado enganoso. O golo marcado só terá um verdadeiro efeito se for acompanhado por mais um que outro tento em Londres. É que nestas coisas dos golos fora, há que antecipar os lances e não jogar com a sorte. A mesma que o Arsenal teve há tres anos atrás em Villareal. A mesma que salvou o United contra o FC Porto em casa. A sorte que faz os campeões.
Sempre considerei que as segundas divisões são mais interessantes e competitivas do que as primeiras. Para começar, aqui não há papões. Não há grandes. Os melhores são promovidos e os que descem não são favoritos. Tem de se juntar ao grupo e mostrar o seu valor. Quem vem debaixo trás garra e quem cai ao poço quer voltar. Isso passa com qualquer campeonato. Aqui não se joga para o título, para a Europa ou a feijões. É matar ou morrer. Subir ou descer. Ficar um ano mais por aí não interessa a ninguém.
A partir de hoje podem também encontrar os meus textos de análise ao futebol internacional no weblog Futebol Artte, depois de um convite do seu organizador para tornar-me novo colaborador do espaço.
O primeiro artigo, dedicado a esta ronda da Champions League, pode ser lido aqui.
Durante os últimos quinze anos - e se exceptuarmos o reinado de José Mourinho - o futebol ingles viveu da "guerra" entre dois monstros dos bancos de suplentes que foram capazes de transformar os seus pequenos projectos em exemplos paralelos do que deve ser a gestão de um clube de futebol. Num país onde poucos conhecem os nomes dos presidentes dos clubes cabe aos "managers" toda a função coordenadora do clube. E não houve nas últimas décadas dois nomes marcantes como os de Sir Alex Ferguson e Arséne Wenger.
Fergusson é da velha escola do futebol britanico, talvez o grande herdeiro da escola de Busby e Shankly que ainda anda pelos relvados. Não é um mestre da táctica em campo mas é temível a mexer na equipa. Não tem um olho clinico para as contratações mas trabalha com uma equipa de primeira linha que o apoia em tudo. E é o rei dos comentários psicológicos, antes e depois dos jogos. Os mais novos lembram-se das guerras com Mourinho - de quem se tornou grande amigo, pudera, carne da mesma cepa - mas foi com Kevin Keegan, quando este liderava o seu Newcastle rumo ao titulo, que conseguiu deixar verdadeiramente marca. O treinador dos red devils massacrou, semana após semana, a antiga glória a ponto de o fazer estalar. E o Manchester United venceu, na última jornada, um titulo que parecia entregue aos geordies. Elevado à condição de Sir, ressuscitou após a passagem de Mourinho e voltou à ribalta no futebol britanico. Fala-se em retirado mas conhecendo-o bem, ainda falta muito para o ver longe do banco.
Por outro lado Arséne Wenger personifica o espirito cavalheiro que desapareceu a pouco e pouco dos bancos de suplentes. É um pensador do futebol ofensivo, provavelmente o maior mestre de formação jovem no activo. Dirigiu o AS Monaco onde lançou as bases da geração de ouro monegasca (entre outros estavam Henry e Trezeguet) e depois de uma viagem ao Japão, chegou em 1996 a Highbury Park. Para construir um projecto ganhador. Aproveitando as velhas glórias da casa, foi lançando, a pouco e pouco, jovens desconhecidos que foram marcando a diferença. A França campeã do Mundo de 98 muito deve a este Arsenal de Vieira, Petit, Pires, Henry e Anelka. Foi vendendo os aneis para não perder os dedos, ganhando titulos aqui e ali, sem poder competir financeiramente com os grandes rivais do norte. O novo Emirates Stadium hipotecou financeiramente o Arsenal para a próxima década. Mas Wenger não se queixa, sempre que o deixem contratar jovens imberbes, que depois transforma em estrelas. Fabregas, Walcott, Vela, Song ou Denilson são os últimos exemplos mas a lista perde-se no infinito. Todos os anos se fala na sua partida, todos os anos vai ficando. Resta saber até quando, especialemente sabendo, que sem dinheiro é dificil bater-se com os seus grandes rivais na Premier.
É portanto hoje, em Old Trafford, que se voltam a enfrentar estes dois estilos, estes dois métodos de encarar o futebol. O veterano guerreiro e o clássico arquitecto. Wenger leva vantagem no total de jogos ganhos mas o Arsenal de hoje está mais débil que o todo poderoso Manchester United. Cristiano Ronaldo, Wayne Rooney, Dimitri Berbatov e Ryan Giggs serão flechas apontadas ao coração de Almunia. Ao Arsenal falta-lhe ganhar essa Champions, sempre adiada. O Man Utd quer repetir o feito do AC Milan, em 1990 o último clube a repetir o triunfo em dois anos consecutivos. Antes do encontro começar Ferguson, chiclet na boca, dará a mão a Wenger, caderna de notas na mão. No final também. Apesar das duras palavras, da troca de picardia, há respeito mutuo. O espirito da Premier estará vivo na noite do hino da Champions. O Manchester parte com vantagem mas será Londres a decidir os dois finalistas. Nem todos os caminhos vão dar a Roma. Hoje está claro que só um serve. O da capital inglesa.
O futebol é, acima de tudo, um desporto de expectativas.
A imprensa diária especializada, a paixão dos adeptos, a picardia entre treinadores, tudo serve para levantar o interesse num desafio. Quando chegamos a este nível competitivo, a situação multiplica-se até ao extremo. E por isso, quando um jogo não cumpre com essa expectativa surge a desilusão. Para os mais distraidos o jogo de ontem no Camp Nou foi uma desilusão. Um jogo sem golos entre duas equipas que marcaram, entre si, no total das duas mãos dos Quartos de Final treze golos. Um jogo onde a defesa sempre levou vantagem sobre o ataque. Um jogo onde o génio individual foi paralizado pela força colectiva.
Mas isso, como sempre, é partir da premissa errada do que o futebol é apenas uma sucessão de golos, resultado de lances de génio individuais, sem qualquer controlo táctico.
A primeira mão das meias-finais de ontem foi um belissimo encontro táctico e uma licção magistral de um treinador que soube perfeitamente desactivar uma bomba relógio em constante movimentação mas que nunca conseguiu explodir. Guardiola jogou com o coração (o único momento mais calculado foi o de guardar Puyol para a segunda mão e saiu-lhe mal com a lesão de Marquez, primeiro, e o amarelo ao capitão do Barça depois). E Hiddink com a cabeça. No final, como equilibrio supremo, nenhum levou vantagem sobre o outro. Prova viva de que um futebol puramente cerebral é ineficaz mas também de que um jogo emotivo e puramente artistico pode ser igualmente vazio de objectivo final.
A chave do jogo esteve na forma como ambas equipas encararam a eliminatória. Pep avisou que o jogo era a duas mãos e que tudo se ia decidir em Stanford Bridge. Mas não jogou como tal. A sua equipa saiu ansiosa, desejosa de repetir a dose aplicada ao Bayern e resolver tudo em quinze minutos. O Chelsea estava preparado - esses sim, jogaram apenas a pensar na partida da próxima semana - e soube anular as diabólicas movimentações ofensivas do quinteto mágico blaugrana. Messi nunca esteve só. Bosingwa foi a sua sombra constantemente, com a ajuda de Malouda, e fez parecer com que o argentino padecesse dessa sindrome que tantos acusam a Cristiano Ronaldo, ou seja, de desaparecer nos jogos grandes. E a verdade é que depois de um arranque genial, o futebol de Messi tem vindo a perder força e magia. De Henry e Etoo, nem vale a pena falar. Foram presa fácil da avançada defesa londrina, sempre obrigados a jogar de costas para a baliza. No entanto foi ao anular Xavi e Iniesta que Hiddink ganhou a partida a Guardiola. Ballack fez um sacrificio enorme, do principio ao fim, e com Essien e Lampard, como guarda-costas, nunca deixou respirar os artistas espanhois do Barcelona. Incapazes de criar tabelinhas e desiquilibrios, o jogo ficou preso a dez metros da área de Peter Cech. E daí não passou.
É curioso que apesar do enxoval ofensivo dos catalães - tentaram muito mas com zero de eficácia e perigo - foram do Chelsea as melhores ocasiões. O treinador da casa queixou-se de que o velho sábio holandes jogou "de Cech a Drogba", mas a verdade é que ter uma torre como o marfilenho é meio caminho andado para controlar um jogo. Didier Drogba foi o pivot perfeito, recebendo bolas e redistribuindo no meio campo, sem arriscar muito. Das únicas vezes que puxou do motor, surpreendeu Marquez e esteve perto de marcar. Valeu Valdés, esse menosprezado num país onde Casillas é santo, e Piqué, cada vez mais um defesa de primeiro nivel. O Chelsea sabe que não marcar fora é perigoso, até porque o Barcelona tem poder de fogo para o fazer em Stanford Bridge. Mas esperando ter já todo o seu arsenal preparado para a semana que vem, Hiddink sabe que o adversário virá estourado fisicamente (joga sábado com o Real Madrid) e que o golpe de efeito neste jogo teve mais importancia que o resultado.
O Barcelona sabe agora que não é invencivel e que nem todos os jogos se ganham por goleada. O Chelsea vai esperar pacientemente a sua ocasião e em casa o jogo vai ser bem diferente. Os amantes do futebol espectáculo podem começar a preocupar-se porque este matreiro Chelsea é bem capaz de surpreender meio mundo.
De há uns meses para cá começou no meio futebolístico o inevitável debate sobre quem é, na actualidade, o melhor defesa direito do Mundo.
Os dois grandes candidatos dançam o samba enquanto percorrem a linha lateral mas fazem-no de forma bem distinta. De tal maneira que este juizo de valor parte, de imediato, de uma premissa errada. São dois jogadores incomparáveis pelo simples facto de que espelham uma diferença crucial no mundo do futebol que muitos parecem esquecer frequentemente. Ou seja, para simplificar, não é o mesmo ser-se um grande defesa direito do que ser-se um grande lateral direito. A posição de onde partem no terreno de jogo é exactamente a mesma mas o posicionamento ao longo do encontro e a sua acção no terreno varía e muito. São elementos incompativeis e condenados a uma eterna disputa.
O grande problema tem, neste momento, o seleccionador brasileiro. Dunga está forçado a escolher entre dois modelos de jogo e uma das decisões mais complicadas repercute-se claramente na escolha do titular do lado direito da defesa canarinha. Ao optar por Daniel Alves, para muitos um dos jogadores mais em forma do futebol mundial, o antigo médio centro do São Paulo está a seguir a escola brasileira que sempre defendeu que a linha pertence a um defesa lateral. Alves é claramente o herdeiro histórico dos grandes nomes do futebol brasileiro, desde os veteranos Nilton Santos a Carlos Alberto passando por Jorginho e Cafú. É o tipico lateral, sempre mais preocupado em provocar desiquilibrios nas transições ofensivas, do que propriamente em guardar as costas quando sobe todo o corredor. É o jogador que permite ao extremo direito deslocar-se para o miolo de jogo, e assim provocar desiquilibrios na hora da finalização. Guardiola percebeu-o muito bem (mais depressa até que Juande Ramos que muitas vezes o prendeu em demasia ao seu posto de origem) e fez dele o sócio perfeito de Messi. Com Alves a funcionar quase como falso extremo, o argentino flecte para o meio e ganha mais preponderância ofensiva. O desiquilibrio ofensivo é total.
Mas a verdade é que esta selecção brasileira dá-se ao luxo de deixar no banco um jogador como Alves, uma opção que muito poucos entendem. Mas Dunga tem a explicação. Aquele que é, provavelmente, o mais contido e defensivo seleccionador brasileiro de sempre - ao nivel de Carpeggiani e sem o engenho de Carlos Alberto Parreira - não está disposto a correr muitos riscos. E sabe que utilizar um lateral direito provoca buracos dificeis de tapar. Se Guardiola tem Puyol para fazer de bombeiro, Dunga não tem um central de alto nivel mundial capaz de fazer todo o jogo um dois em um. E se Alves ataca muito bem, a verdade é que a defender é como todos os laterais brasileiros: bastante deficiente.
Para isso, Dunga prefere sempre utilizar Maicon. O jogador do Inter de José Mourinho - outro treinador que gosta de defesas que primeiro defendem e só depois atacam - é o protótipo do defesa direito que sempre existiu na Europa, mas que no Brasil é uma raridade. Raramente se arrisca a fazer todo o corredor e deixar a sua zona de acção desprotegida. Cada subida é pensada ao milimetro a contar com a recuperação. Maicon não só tem um controlo total da sua zona de influência, como é também o primeiro a flectir para o meio, ajudando o trinco defensivo e o central a cortar as asas a um falso avançado mais atrevido. A defender, Maicon é o defesa mais completo da actualidade a actuar na ala. A atacar é eficaz, mas menos aventureiro e por isso, inevitavelmente, cria menos desiquilibrios.
Esta luta de dois galos para um poleiro (na selecção brasileira e no onze ideal de muitos amantes da bola) é apenas o reflexo dessa eterna disputa. Maldini e Roberto Carlos, durante muitos anos, foram o espelho da mesma realidade, mas no lado oposto. Maldini era perfeito a defender e comedido a atacar. Roberto Carlos era o defesa lateral perfeito, mas um defensor com muito que melhorar. Qual deles o melhor? Isso, como sempre, depende do sistema de jogo a aplicar. No contido futebol italiano, jogadores como Maicon ou Maldini adequam-se mais ao método de jogo praticado, onde a defesa de quatro joga em bloco. Em Inglaterra, os laterais sempre tiveram mais liberdade para cruzar a tres quartos da linha de conta. As subidas de Gary Neville, Ashley Cole ou dos portugueses Bosingwa e Paulo Ferreira sempre foram elementos desiquilradores nos lances de cariz mais ofensivo, mas isso deve-se também a uma menor preocupação táctica das equipas das ilhas. Basta ver que o Chelsea de Mourinho usava apenas os laterais em lances controlados e nunca deixando a retaguarda totalmente descoberta. Essa eficácia defensiva valeu a Mourinho dois titulos seguidos enquanto que o Manchester United via Evra e Neville serem, muitas vezes, os responsáveis de contra-ataques letais da equipa adversária.
Os amantes do futebol espectáculo são, provavelmente, os que se rendem aos sprints de Daniel Alves, que até no sofá da sala de casa cansam o mais resistente dos desportistas. O mais preocupados com sistemas defensivos serão incapazes de o preferir à mestria de Maicon em controlar o espaço. Jogar com os dois na mesma equipa não é só impossivel, como também resulta de um contra-senso. Afinal eles são o espelho mais visivel de duas formas tão diferentes de encarar o futebol.
O meu pai sempre me disse que uma pessoa sabe que está a envelhecer quando descobre que os jogadores que imitava quando era pequeno se transformam em treinadores de semblantes sérios. E como sempre, tinha toda a razão. Ao olhar para as imagens mais marcantes deste fim de semana é inevitável que essa ideia me venha à cabeça. Depois de passar a infância e adolescência com uma bola no pé ou a trocar cromos com os meus irmãos e amigos, ver hoje esses mesmos rostos no banco de suplentes a dar indicações para o mesmo terreno de jogo onde estava habituados a vê-los, é um choque. E como em tudo na vida, deixa que pensar. Especialmente se a sorte que os une também os separa. E lembro-me de três casos paradigmáticos, três idolos de infância, por motivos diametralmente opostos, que agora vivem situações bem diferentes. Mas como o tempo passa agora já não estou na rua, com a bola nos pés e a camisola de cada um deles sob o corpo. Estou a olhar para os seus rostos sérios, a contemplarem o seu futuro, um futuro de que há anos nem suspeitava que viesse a existir.
Depois de uma experiência frustada na cidade dos arcebispos é delicioso olhar para o banco de suplentes do Olhanense e ver o rosto triunfante de Jorge Costa.
O antigo capitão do FC Porto sempre foi uma instituição nas Antas e ficou para a história como o capitão - ao lado do seu amigo de sempre, Vitor Baía, que preferiu uma função bem mais recatada - das grandes conquistas europeias dos portistas. Depois de quase quinze anos a arrancar aplausos dos sócios azuis e brancos - que até lhe perdoaram a braçadeira atirada ao chão num jogo com o Setúbal que ficaria para sempre marcado na sua memória - o popular "Bicho" deixou os relvados para logo se sentar no banco de suplentes. Capitão e lider em campo, passou a sê-lo também fora dele. E depois de ter sofrido em Braga essa pressão de um clube que continua sem encontrar o seu lugar mais adequado, mergulhou na misteriosa II Liga para lançar as bases de um projecto fascinante. Os mais velhinhos lembrar-se-ão da última vez que o Olhanense andou pela I Divisão, mas a verdade é que se o futebol anda longe do Algarve há muitos anos, de Olhão melhor nem falar. Com uma equipa repleta de jovens promessas e jogadores emprestadas pelos grandes, o Olhanense surpreende com o seu bom futebol e sentido competitivo, marca pessoal do seu treinador. Tropeça aqui e ali mas, neste momento, é lider na Liga Vitalis e se vencer no próximo fim de semana um dos seus rivais directos - a União de Leiria, em terceiro - carimba praticamente a subida de divisão. Tudo resultado de uma politica coerente e de uma liderança única. Jorge Costa poderá subir de divisão com o seu Olhanense, mas está claro que o futuro é risonho, e tarde ou cedo o veremos por outras paragens...muito provavelmente com destino final: estação estádio do Dragão.
No lado oposto deste espectro está Alan Shearer.
Foi provavelmente o melhor ponta de lança da história do futebol britânico, capaz de ombrear com nomes únicos do passado, mas onde sempre destacou sobre os demais foi na sua imensa humildade e espirito de sacrificio. Filho de Newcastle, foi forçado a viajar pelo país quando os treinadores das camadas jovens do seu clube do coração o rejeitaram. Este filho de mineiros, que de pequeno também baixava debaixo da terra para ajudar a familia, acabou na outra ponta do país, em Southampton, onde se fez estrela. O Blackburn Rovers perdeu a cabeça e fez dele a sua estrela, suficiente para conseguir o seu único titulo de campeão. De aí ao regresso a casa passou pouco, pouco tempo, mas essa fidelidade aos "geordies" custou-lhe muito dinheiro e a fama de arrecadar titulos. No Newcastle nunca mais venceu nada. Rejeitou ofertas milionárias para emigrar ou para assinar por um grande britânico. Na selecção alcançou números históricos e quase esteve a ponto de matar Portugal nesse mitico 3-2 no jogo de abertura da prestação portuguesa no Euro 2000. Cabeceou vitoriosamente diante de...Jorge Costa. Mas também pela selecção da rosa falhou os titulos mais importantes e nunca esteve na lista dos "melhores" por ter sido sempre um jogador com pouco marketing. Mas a marca que deixou em St. James Park é única. E por isso mesmo, no momento de aflição em que se encontra, a direcção do clube suplicou a Shearer aceitar treinar a sua equipa do coração nas últimas jornadas da Premier League, e assim evitar uma mais que provável descida de divisão. Ontem o Newcastle voltou a não ganhar (empatou a 0 com o Portsmouth) e nem com Owen, Viduka e Martins conseguiu marcar. A descida é quase inevitável e apesar da fama do clube, a verdade é que históricos como o Nottingham, Southampton, Norwich ou Sheffield Wednesday começaram como os "magpies" e agora apodrecem nas divisões inferiores. Resta saber se Shearer terá forças para impedir a queda ou se tem talento para repetir o feito de Jorge Costa e para o ano devolver o Newcastle aos palcos onde merece estar.
Por fim temos Pep. Assim, apenas e só, Pep.
Quem viu jogar o Dream Team sabia que o génio de Romário, Stoickhov ou Laudrup assentavam numa premissa: estava Pep em campo para controlar o jogo...milimetro por milimetro. Provavelmente um dos médios centro mais completos da história, Guardiola foi o fiel da balança de Cruyff, o lider da equipa de Robson e a ponte para a geração de van Gaal. Passou por Itália, viu o seu nome associado a um escandalo de doping - nome que insistiu em limpar até ao fim - e voltou, tranquilamente, a casa. Sob a montanha do Tibidabo olhou para o Camp Nou e pediu para regressar ao lar. Deram-lhe a equipa B do Barcelona para começar a sua formação. Não era preciso. Em campo Pep já treinava, já era a voz de comando e o cerebro de Cruyff no relvado. Depois de um ano de preparação, o presidente Joan Laporta viu nele o sucessor ideal de Rijkaard, com fama de brando para uma equipa repleta de prima-donas. Chegou Pep. E com ele voltou a alegria de jogo, a disciplina, dentro e fora do campo, e o futebol espectáculo, sinónimo de Can Barça. Se o Real Madrid tem fama de ganhar titulos, o Barça tem fama de jogar bem. Este ano pode aliar os dois e conquistar os três trofeus mais importantes. E tudo graças a Pep, que vestido impecavelmente, sorri quando a equipa joga bem, comemora efusivamente quando empatam em campos perigosos e aplaude com sofrem golos. Um mestre dentro e fora de campo.
E ainda me lembro quando por um cromo de Guardiola tinha de dar os cromos de Nedved, Zola ou Henrik Larson. Outros tempos!
No virar de século eram provavelmente as duas ligas mais aborrecidas de toda a Europa. Vencedores previsiveis, futebol pouco emocionante e poucos jogadores capazes de fazer levantar um estádio com um golpe de génio. Mas, num ano, tudo parece ter mudado. E hoje não espantaria ninguém que estas fossem catalogadas como as duas ligas mais emocionantes do "Velho Continente". Podem não estar ao mesmo nivel da Premiership, que continua a viver noutro nível, mas a Bundesliga e a Ligue 1 francesa conheceram uma verdadeira mudança de 180 graus. A culpa? O total desrespeito das hierarquias vigentes que promete deixar marca para os anos vindouros.
No inicio da temporada o Olympique de Lyon partia para mais um titulo consectutivo - o oitavo - num campeonato onde parecia que o mais interessante estava na luta pelos postos europeus. Na Alemanha o todo-poderoso Bayern Munchen, refeito de um biénio de crise, tinha conquistado a liga com autoridade e preparava-se para voltar a reinar supremo sobre o futebol teutónico. Hoje o Lyon está praticamente afastado do titulo e o Bayern terá de suar até ao último segundo se quer reconquistar o trofeu que tem dominado desde a década de 60.
O irromper de uma série de equipas - entre históricos crónicos e surpresas absolutas - veio quebrar a hierarquia dominante destes dois campeonatos, trazendo emoção, espectáculo e incerteza na classificação jornada após jornada. Estas equipas são, acima de tudo, resultado de um longo trabalho que tem sido realizado ás escuras, por trás da imensa sombra dos titulos arrecadados pelos grandes candidatos. Basta olhar para as classificações - e, mais importante, as exibições - das últimas temporadas, para perceber que em França já há muito se adivinhava que tanto o Olympique Marseille como o Girondins Bordeaux tinham, finalmente, argumentos para arrebatar a coroa ao campeão. A vitória dos marselheses diante do campeão e o tropeção do Lyon contra o PSG - outra equipa que, com mais um ano de maturidade pode voltar a lutar pelo titulo - praticamente escancarou as portas do campeonato ao histórico clube frances, o único que venceu em campo uma Champions League. Mas a excelente época do Bordeaux de Laurent Blanc, mas também do Lille - uma equipa em constante mutação - e do Toulouse, provam que o campeonato frances voltou aos seus tempos aureos, onde revalidar um titulo era tarefa quase impossível.
Na Alemanha a situação é ainda mais surpreendente, até porque o Bayern Munchen não só se reforçou a preceito, construindo aquele que é, muito provavelmente, um dos melhores planteis da sua história, mas porque o seu rival natural, o Werder Bremen, concentrou-se cedo nas provas europeias e navega agora pelo meio da tabela. A espectacular primeira volta do Hoffenheim - acabadinho de subir da segunda liga - lançou o alerta, mas foi só a partir de Fevereiro que irromperam no topo da classificação um grupo de cinco equipas que foram capazes de aproveitar os tropeções dos bávaros e a falta de Ibisevic no ataque dos recém-promovidos. Se Schalke04 e Sttutgart eram equipas com claras ambições a lutar pelo trofeu, já as espectaculares exibições do Hertha de Berlin de Voronin - emprestado pelo Liverpool - e do Wolfsburg, onde milita Ricardo Costa, que vive dos golos de Grafite, provam que não é preciso ter uma equipa repleta de estrelas para se vencer campeonatos. Dois blocos sólidos na defesa, imaginativos no ataque e com jogadores desiquilibrantes que podem muito bem conseguir um feito histórico.
Tudo isto não invalida que, no último mes de competição, não regressemos ao status quo. O Bayern Munchen pode perfeitamente sagrar-se campeão e até o Lyon pode recuperar a coroa. Mas esta autentica revolução da classe média pode ser a pedra de toque para uma mudança que é necessária para o futebol europeu manter a vitalidade. Um primeiro passo para a revalorização dos campeonatos de média dimensão e uma plataforma para o irromper de novos talentos. Enfim, a quebra de hierarquias prova que o futebol é um fenómeno em constante evolução por essa Europa fora e fica o amargo sabor de boca num país onde, salvo apenas duas excepções em 80 anos, continuamos a viver a ditadura dos grandes.
PS: À hora em que fechei esta analise tomei conhecimento do despedimento fulminante de Jurgen Klinsmann pela direcção do Bayern Munchen. O treinador alemão afirma ter lançado as bases para o futuro do Bayern, mas a verdade é que este plantel é provavelmente o mais sólido e talentoso das últimas décadas e ser humilhado pelo Barcelona na Champions, cair na Taça da Alemanha e estar em risco de perder o titulo não é propriamente um bom cartão de visita. Resta saber se Jupp Heynckhes, esse conhecido do futebol portugues, é capaz de trazer essa nova moral à turma bávara para este último sprint. Possivelmente chega tarde, possivelmente Klinsmann devesse ter tido a oportunidade de ir ele até ao fim. De qualquer das formas, passe o que passar, isso não desvirtua o mérito de qualquer um dos candidatos ao título alemão.
É impressionante como há nomes que passaram por toda a história do futebol sem receber um único prémio individual. Nomes no entanto que deixam marca mais profunda que tantos premiados descartáveis que ora vão, ora vem. Entendemos que um meio tão competitivo como é a Premiership, seja complicado distinguir um entre tantos. Mas passarem quinze anos a assobiar para o lado, isso já é mais complicado. Por isso hoje o futebol britanico está, finalmente de parabens. Ajustou contas antigas com um dos seus maiores injustiçados e coroou, já no final do reinado, Sir a um dos seus mais brilhantes cavaleiros.
Ryan Giggs não bateu Cristiano Ronaldo, Steven Gerrard, Nemandja Vidic ou qualquer outros dos potenciais candidatos a Jogador do Ano da Premier League, numa eleição dos próprios jogadores da prova. Giggs bateu a história, o passado, o esquecimento. Aos 35 anos o extremo gales venceu pela primeira vez o prémio. Sim, é verdade, a primeira e muito possivelmente a última. Imaginemos que Cristiano Ronaldo estava a caminho da sua terceira vitória. E aí podem conceber o tamanho da injustiça que se cometia, anos após ano. E se é certo que este é um prémio de carreira, também é verdade que é o reflexo directo do estilo de jogo praticado pelo Manchester United este ano, onde não há verdadeiramente um elemento que sobressaia, como passou, no ano transacto, com Cristiano Ronaldo. Apesar de já não jogar com a mesm assiduidade, foram de Giggs alguns dos golos e passes mais importantes da temporada e se se confirmar o triunfo do United na liga - o terceiro consecutivo - muito o deve ao jovem veterano gales.
Giggs é desses jogadores à moda antiga, provavelmente o maior simbolo do consulado de vinte e cinco anos de Alex Fergusson em Old Trafford. Ryan Giggs é o simbolo desse Manchester pós-Busby Babes. Não tem aquele toque de irreverencia mágica de Best, aquele desiquilibrio quase cavalheiresco de Charlton ou o espirto letal de Law. Esses tres nomes marcaram a história do United para sempre, mas o mais provavel é que daqui a uns anos se escrevem editoriais semana sim, semana não a queixarem-se de que já nã há jogadores como antes, como nos dias de Gigsy. E não haverá, certamente.
Talvez porque Giggs seja o producto máximo da espantosa escola de formação do Man Utd. O único - a par de Gary Neville e Paul Scholes - que fez toda a carreira no "Teatro dos Sonhos". Despontou numa era onde os herois eram Mark Hughes, Andrey Kanchelskis e o intratável e inigualável Eric Cantona. Foi ganhando o lugar na equipa a pulso, com os seus demoniacos sprints pelo corredor esquerdo. Giggs é hoje, provavelmente, o último grande extremo do futebol mundial. Pelo menos como o conheciamos, com esse poder de arranque, esses centros letais e essa capacidade de desiquilibrar qualquer contra-golpe. Hoje os extremos tem cada vez mais a tendencia de fechar ao centro, criando um tridente ofensivo no coração da grande area. Giggs é o oposto. É capaz de abrir o jogo como ninguém, provocando espaços no coração das defesas, fundamentais para a entrada de homens rápidos e letais como são Rooney, Ronaldo ou Tevez. Apesar de nos últimos dois anos ter jogado várias vezes no centro de campo, o gales é um homem de ala. Basta lembrar-nos das miticas arrancadas contra o Arsenal ou o golpe de efeito contra a Juventus naquela meia final histórica em 1999 no Dell Alpi.
Sobreviveu ao "fantasma" de Cantona e perdeu visibilidade com o mediatismo de Beckham. Com os golos de van Nistelrooy foi desterrado para a sombra e a explosão de Cristiano Ronaldo tornou-o quase dispensável para muitos. Mas já passaram quase vinte anos e Ryan Giggs continua a ser o trovão que dinamita qualquer defesa, o jogador que faz a diferença. Esta pode não ter sido a sua maior temporada e provavelmente Giggs vai acabar a carreira sem nunca ter jogado uma grande competição internacional com o seu Pais de Gales. Mas a época está aí a chegar ao fim e a força do Man Utd pode trazer-lhe mais um par de trofeus para juntar à sua colecção. Haverá um dia em que - tal como muitos dos colegas que o foram acompanhando - deixemos de ver o veloz número 11 rasgar aquele flanco esquerdo de Old Trafford. Nesse dia entrar-nos-á uma imensa nostalgia. E só então muitos perceberão a importancia de Giggs na história do futebol actual e chegarão à mesma conclusão: este jogador marcou uma era.