Contra as expectativas o Bayern Munchen perdeu no Allianz. Contra as expectativas o Internazionale não deixará o ceptro europeu de ânimo leve. Contra as expectativas viveu-se um jogo imenso no plano táctico e emocional. Face à inexpressividade de Louis van Gaal a reviravolta neruazurra define-se em três palavras: Leonardo, Júlio César e Crença...
Nos instantes finais do jogo da primeira volta no estádio Giuseppe Meazza o brasileiro Júlio César errou. Um gesto raro e desafortunado que deu a Mario Gomez e ao Bayern um golo de ouro.
Desde o Mundial da África do Sul que aquele que muitos consideram o melhor do Mundo na sua posição, não está bem. Não está seguro. Ao sair do estádio, Júlio César deixou o carro e preferiu ir a pé até casa onde chegou já era alta a madrugada. Reflectiu. Mas quando Robben destroçou Chivu e Ranocchia e disparou um dardo envenenado, a bola voltou a escapar-lhe das mãos, Gomez voltou a aparecer e parecia que ele estava destinado a ser o culpado do final do reinado europeu do Inter. Mas não. Com Júlio César as coisas não funcionam assim.
O "imperador" de Milão olhou desesperado para o chão, gritou "merda" do fundo da alma e ajeitou a armadura. Não voltou a fraquejar. O Bayern até marcou um segundo (erro da defesa desta vez que deu a Muller um golo fácil demais) mas o brasileiro foi um herói. E nele começou a histórica reviravolta, algo que os italianos têm a que se agarrar depois de saber que a sua Serie A foi, definitivamente, suplantada pela Bundesliga. A gesta estóica do Allianz entrará, seguramente, na galeria dos grandes jogos europeus do clube. Porque chegou com desvantagem (algo que não sucedeu na campanha de Mourinho) e porque o golo inaugural de Eto´o ao minuto 4 foi rapidamente desactivado pelos bávaros. Aos 20 minutos de jogo havia um mundo entre o Inter e o apuramento. Os alemães, que tinham sido superiores em Milão, onde jogaram praticamente só contra o avançado camaronês, tinham o jogo e a eliminatória controlados. Para outro Bayern isto teria sido mais do que suficiente. Para esta equipa descrente não. Ambas as formações ofereceram um espectáculo mais atractivo que a final da Champions em Maio passado. Mas os italianos voltaram a mostrar ter uma garra especial para os grandes momentos. Van Gaal esteve estático como uma estátua de Fidias durante todo o jogo e errou. Do principio ao fim. A sorte parecia bafejá-lo, como sucedeu contra a Fiorentina e contra o Man Utd no ano passado. Mas não. O seu Ajax tinha sido a última equipa a dar a volta a uma eliminatória europeia com um resultado adverso de 0-1. O testemunho está entregue.
Júlio César foi determinante. Parou com as mãos as melhores oportunidades dos bávaros (os golos foram puras carambolas).
Muitas vezes só ante o perigo, o brasileiro não perdeu os nervos e despertou a equipa. Despertou Leonardo. O técnico é uma lufada de ar fresco num clube que sofreu durante largos meses o estilo obsessivo de Rafa Benitez, mais preocupado com a sombra de Mourinho. O antigo jogador do AC Milan é diferente. Ligou ao português para pedir conselho, ganhou o coração dos jogadores e recuperou o espírito guerreiro dos campeões da Europa. A sua recuperação na Serie A é impressionante, particularmente se temos em linha de conta que não conta há muito com o melhor Milito. Uma reviravolta na Europa sem a eficácia de um goleador como Pazzini, a sua arma secreta em Itália, um êxito rotundo. Porque Leonardo tem a mesma equipa que tinha Mourinho (com a importante chegado do jovem Rannochia, um Cannavaro em potência) mas um ano mais velha. E sem a mesma fome. Ou isso pensavam. A atitude dos jogadores neruazurri, a sua crença a evocar os dias de Mourinho, foram nucleares no duelo com os pacíficos germânicos. Se em individualidades o Bayern em ganhava, em individualismos o Bayern perdeu. Robben, Ribery, Muller e Schweinsteiger são jogadores de top, tremendos. Mas não souberam combinar, abrir espaços. associar-se. E matar o jogo. Entregaram as armas demasiado cedo e van Gaal leu o jogo demasiado tarde. O meio-campo macio alemão precisava mais de Kroos, um jogador com critério, do que Altintop, mais um velocista. Um erro que abriu caminho à vitória de Leonardo. No banco.
O técnico milanês emendou a palma e colocou Sneijder no miolo (tinha andado desaparecido pela esquerda), onde realmente mata um jogo. Com passes e golos. O seu remate, indefensável, concluiu a melhor jogada do encontro. O atrevimento de Coutinho, uma aposta arriscada que resultou, desequilibrou a defesa, Eto´o fez - outra vez - de pivot e o holandês empatou o encontro. Faltava pouco tempo, mas a balança estava já muito desequilibrada. O Inter chegou, uma e outra vez, e o Bayern perdeu a concentração. Pior, perdeu a bola. Não soube aguentar o jogo, não soube parar, pensar, pausar. Permitiu o jogo de ida e volta e num desses movimentos, outra vez Coutinho, outra vez Eto´o e agora Pandev, esse lutador de sumo futebolístico, rasgaram a história. O 4-3-3 de Leonardo, com as linhas bem mais avançadas e Sneijder no miolo e Coutinho e Pandev abertos nas alas, apoiados por Nagamoto e Maicon, foi suficiente para rasgar o macio 4-2-3-1 esquema táctico de van Gaal. O Bayern Munchen caiu merecidamente porque nunca soube pensar para lá do momento. E o reinado do holandês está destinado a acabar em tragédia depois de ter roçado o céu.
Luiz Gustavo, Breno, Pranjic e Robben apagaram-se cedo. Ribery lutou só e Gomez continua a ser um avançado capaz do melhor e do pior. Júlio César estava lá para o parar. Leonardo para ordenar as peças. A crença fez o resto. O Inter continua a sua luta contra o tempo. Sabe que é quase impossível revalidar o titulo. Mas não está disposto a cair sem lutar. Eles são, outra vez, os underdogs desta Champions. E isso torna-os ainda mais perigosos.