A FIFA gosta de espectáculos de máxima tensão mediática num exercício de auto-glorificação que se foi acentuando com o passar das décadas. No entanto, e apesar do inegável sucesso de um número esmagador de iniciativas, o máximo orgão do futebol internacional tem ainda uma espinha atravessada na garganta. Este ano, uma vez, fica a nu a eterna inutilidade do Mundial de Clubes.
Atravessado no calendário entre fins de época para uns e momentos criticos da temporada para outros.
Organizado no meio do nada, ponto de ligação entre continentes sem um fluxo comum, o Mundial de Clubes é tudo aqui que o Mundial de Selecções não é: aborrecido, repetitivo, pouco entusiasmante e um verdadeiro fantasma mediático.
A prova já arrancou nos Emirados Árabes Unidos mas quem se deu conta? Os dois Inter, o de Milão e o de Porto Alegre, partem como favoritos. A velha lenga-lenga de sempre. Acabou-se com a Taça Intercontinental, criada numa era em que mais nenhuma confederação tinha provas continentais a não ser a sul-americana e a europeia, mas a essência deste Mundial reciclado termina sempre por ser a mesma. O duelo do vencedor da Champions e da Libertadores, equipas que se conhecem com meses de antecipação neste cruzamente de datas que não lembra a ninguém. Certo é que o problema começa na calendarização internacional, com épocas a começar e a acabar com uma disparidade gritante. Os clubes europeus chegam a meio da temporada, um período critico nas suas lutas internas mas na máxima forma fisica. Os sul-americanos aterram no final da temporada, com as pernas cansadas e os objectivos principais logrados (ou não). Pouco há quem acredite que este Inter representa o melhor da Europa. O mesmo passa com o Internacional. Duas equipas que obtiveram há meses o corolário e que viverão mais meio ano à sombra dos seus logros passados. Nada mais errado para preparar um torneio que, se supõe, devia ser entre os melhores dos melhores nos quatro cantos do Planeta.
Se a Taça Intercontinental era um jogo, apenas, passível de ser enquadrado numa qualquer semana do calendário sem menor prejuizo, o Mundial de Clubes deveria surgir como um evento capaz de parar o Mundo do Futebol. O Planeta ficaria suspenso durante a semana ou quinzena em que os máximos representantes dos distintos modelos e escolas do jogo disputassem o troféu mais apreciado. É-o assim com as selecções, porque não com os clubes?
O torneio rege-se actualmente com um formato comodista. O adepto europeu nada sabe dos campeões africanos, asiáticos ou da Oceania porque eles, os insignificantes, lá se vão eliminando em play-offs que fazem lembrar os que defendem que não há lugar para as Malta, Luxemburgo, Andorra e San Marino nas qualificações da zona europeia. O Mundial desvirtua-se desde o primeiro minuto com esse apartheid moral que a FIFA otorga aos continentes que não aportam o mesmo peso mediático que os grandes. E os grandes sabemos sempre quem são.
O modelo de organização perde, igualmente, por manter-se estático e imutável num mesmo lugar. Se a prova se prepara para regressar ao Japão (e historicamente a Ásia foi escolhida a partir dos anos 70 porque começa a surgir como alternativa aos dois grandes da Intercontinental), a verdade é que o modelo ideal deveria passar por uma organização rotativa entre os distintos continentes. Ano após ano, continente após continente, o Mundo pararia uma semana para ver os melhores. E a FIFA teria o retorno que procura lograr e não sabe como. Actualmente disputam o torneio sete equipas. Automaticamente nas semi-finais estão europeus e sul-americanos. Asiáticos, norte-americanos, africanos, oceanicos e um representante do país organizador dividiam as pré-eliminatórias até chegar ao duelo final. Um modelo exclusivo, injusto e prejudicial para o desenvolvimento de um torneio que deveria ter outro rosto, bem mais igualitário.
Um torneio que enquadra-se não só os campeões continentais mas os vencedores das distintas provas inter-clubes que poderiam incluir a Mercosur ou a Europe League, de forma a alargar o número de participantes num torneio fechado real, com fases distintas de apuramento e eliminação na corrida até ao titulo final. Um torneio dessas caracteristicas não seria só o melhor sinal da democratização real do desporto a nível de clubes, como já existe há muito a nivel de selecções, como funcionaria mediaticamente para recuperar uma velha ideia nunca fielmente concretizada, a de eleger o melhor clube mundial.
Se o Inter de Rafa Benitez não cumprir com o favoritismo que acompanha inevitavelmente o campeão europeu neste tipo de certame que ninguém se estranhe. Há muito que os sul-americanos mostraram dar mais importância a este duelo do que os conjuntos europeus. A final entre ambos é um dado quase certo à espera de confirmação. O jogo será visto por poucos, as pré-eliminatórias terão sido acompanhados por menos e no final o distintivo que acompanhe a camisola do ganhador valerá tão pouco que há que equacionar num futuro imediato qual é a real utilidade de uma prova que não se assume como tal, entalada numa zona zero, e que pretende agradar a todos mas que acaba por não convencer ninguém.
PS: Felizmente o futebol é perfeito demais para ser destroçado por uma organização do nível da FIFA. A vitória dos congoloses do TP Mazembe é apenas mais um sinal de que o resto do Mundo futebolistico merece mais respeito e consideração. Ter um clube africano na final do Mundial de Clubes não deveria ser noticia. Mas sabe sempre bem quando a evidência sucumbe á lógica da bola.