O "reinado" do SL Benfica durou bem menos do que o esperado. Um vendaval de futebol e golos restableceu o status quo nacional e ditou, a vinte jogos do fim, o anunciado desfecho do campeonato. Dez pontos de avanço com uma vantagem no confronto directo inultrapassável dita sentença e ponto final. A raiva de uma equipa formada para vencer destroçou um conjunto que parece uma imitação barata da equipa que, há um ano, dava cartas. Os números, esses, falam por si. Um verdadeiro "Fantasporto"!
5-0.
Um número que define uma época e que ficará como espelho de uma mutação rápida e natural nos designios de uma liga entregue a um campeão anunciado depois de dez jornadas demoníacas. André Villas-Boas, o rosto por detrás desta mudança genética que recupera um ADN antigo e perdido no meio dos titulos da era Jesualdo, avisa que nada está ainda decidido. É o seu papel, o marujo tranquilo num longo oceano que desperta poucas dúvidas. Invencível com dez jogos decorridos, um goal-average inalcançável e uma atitude irrepreensível, o FC Porto sabe bem que este titulo não tem como lhe escapar. É uma autoridade insultante que destroi os sonhos de uma nova era de domínio encarnado, imagem propagada há um ano, quando Jorge Jesus era Deus na terra e as bancadas da Luz se enchiam com naturalidade para seguir goleada atrás de goleada. E se o Benfica arrepiou caminho e emendou a palmatória depois de um inicio desastroso, com cinco vitórias seguidas, a verdade é que a qualidade de jogo da equipa campeã com o conjunto da época passada é diametralmente oposto. Sem Ramires, sem Di Maria e sem ideias. Mais do que os dois elos fundamentais do onze encarnado, Jorge Jesus sofre do mal que atinge muitos dos treinadores campeões. Incapacidade total de gerar uma nova fórmula ganhadora, de insuflar os comandados de confiança e de espirito colectivo. Sem valores de grupo e sem qualidade individual, a goleada ontem sofrida num Dragão imponente, até parece natural. Não deixam de ser números escandalosos, mas que podiam ter sido mais. E ninguém se admiraria. No recinto portuense apresentou-se uma equipa de profissionais e um conjunto que roçava o amadorismo. Sem garra nem espirito, a águia foi facilmente depenada e levada para um churrasco à brasileira com Hulk como chefe de culinária.
O brasileiro anda indomável desde que a Liga Sagres 2009/2010 foi decidida no túnel do estádio da Luz.
O seu regresso ao onze portuense permitiu a excelente segunda volta do onze de Jesualdo (com vitória na Taça de Portugal incluída) e o espantoso arranque de época do "rookie" Villas Boas. Depois da vitória na Supertaça ficou a sensação de que Porto e Benfica corriam em direcções opostas. Os azuis confirmariam a subida de produção e com três meses de época não sabem o que é perder em nenhuma competição. Os encarnados, pelo contrário, repetem a ideia deixada após a época 2004/2005. Um titulo do Benfica é um oásis num oceano azul, relemebrando, e muito, o que sucedia ao Sporting da década de 60 e 70, às mãos do dominador conjunto liderado então por Eusébio da Silva Ferreira. Ontem, nem o "pantera negra" teria evitado a humilhação de sair do recinto do rival com uma das mais pesadas derrotas do seu historial.
Se já no ano passado o FC Porto tinha emendado a péssima época com uma vitória sobre o campeão por proclamar, agora ficou bem acente que o titulo é coisa decidida e que basta saber se a vantagem demolidora de dez pontos tem margem de ampliação até ao final da primeira ronda. Com o apuramento europeu igualmente confirmado, o FC Porto tem até Fevereiro todas as condições para fechar o campeonato e sonhar com voos mais altos na Europa, relembrando a carreira da equipa orientada por José Mourinho em 2002/2003 com direito a champagne e sevilhanas.
Sem Fernando, o FC Porto mostrou-se igual de contundente no miolo, nunca deixando respirar o centro de campo encarnado. Guarin, Belluschi e Moutinho formaram um trio incansável, determinante nas recuperações de bola longe do quarteto defensivo imperial de Rolando e companhia. E fulcrais para a velocidade do tridente goleador. Hulk foi soberano, destroçando a defesa rival com um grip inalcançável. Dele saiu o passe para o 1-0 de Varela e dois golos mais para fechar a festa. Pelo meio o colombiano Falcao juntou-se à festa com um toque de calcanhar a emular o genial Madjer capaz de levantar o estádio e a torre dos Clérigos uns metros do chão. Os cinco golos foram o detalhe de uma noite futebolisticamente impecável para os azuis. O Benfica pouco futebol aportou ao duelo e rapidamente perdeu a cabeça (mais tarde perderia igualmente Luisão como poderia ter perdido Coentrão ou Maxi Pereira) com Jesus incapaz de colocar em práctica qualquer ideia com cabeça, tronco e membros. O técnico era o rosto da impotência. Ao seu lado, o novato AVB, a cara da satisfação plena. A licção estava dada.
Vencedor hegemónico dos dois confrontos directos contra o mais directo rival e com os encontros mais duros do campeonato atrás das costas é dificil prever qual será o limite deste FC Porto com faixa de campeão já encomendada. Não são os dez pontos de avanço que lhe dão o direito a festejar mas sim a superioridade futebolistica incontestado e há muito não vista, espelho directo de um clube com sede de titulos e fome de vingança. Numa equipa onde a maioria dos jogadores não sabe o que é ser campeã, a fome é o motor. Resta saber se um ano de sucesso será suficiente para saciar o conjunto montado por Villas-Boas ou se na capital podem começar a preocupar-se a sério. Porque no Porto os titulos não costumam ser fenómenos isolados e quando chega um, chegam logo três ou quatro. Ou cinco!