Há 365 dias a imprensa nacional deliciava-se com a fome de golos do renovado Benfica de Jorge Jesus, então a viver o seu expoente máximo na sua bem sucedida corrida ao titulo nacional. Um ano depois o bom futebol e a febre goleadora viajou rumo ao Norte e instalou-se, uma vez mais, no relvado do Dragão. O massacre aplicado à União de Leiria confirma um arranque de época imaculado para uma equipa que já sonha com os festejos de um São João antecipado.
Não há qualquer volta possível a dar a esta equação.
Com a excepção do demolidor Real Madrid de José Mourinho, não há nenhuma equipa no espectro europeu que apresente números tão convicentes e devastadores como o FC Porto. Os 5-1 aplicados a uma sempre dificil turma leiriense são apenas a cereja no topo do bolo. O culminar de dois meses de máximo nível que começaram com a vitória na Supertaça, frente ao eterno rival (que a partir daí entrou num estado vegetativo de que só a agora, a pouco e pouco, vai recuperando). E que se prolongaram com as imaculadas prestações europeias (cinco jogos, cinco vitórias) e com a liderança doméstica, com mais sete pontos que o rival mais próximo. Com 19 golos marcados e apenas 4 sofridos. Melhor ataque, melhor defesa, melhor onze, melhor técnico...
O dificil é realmente imaginar que a situação que agora se vive na Liga ZonSagres pode alterar-se significativamente até ao final do ano. Se o Benfica encandilava a época passada mas quem liderava a prova era o surpreendente SC Braga, agora parece que os dragões (que até já venceram os arsenalistas) têm as portas do titulo escancaradas. Faltam os duelos directos com os dois clubes da capital e ainda vinte e dois jogos pela frente. Muito. Mas a sensação dada no terreno de jogo não deixa muito espaço para recuperar terreno perdido. Não só pela solvência fisica com que os soldados de André Villas-Boas têm demonstrado, mas também pelo povoado banco de suplentes dos azuis e brancos, uma das principais falhas apresentadas na gestão desportiva da era Jesualdo. Não joga Rodriguez, joga Varela. Não joga Belluschi, joga Micael. Não joga Falcao, joga Walter. Não joga Moutinho, joga Souza. Não pode estar Rolando, entra Otamendi. Duvida-se na direita, há Fucile e Sapunaru. Quer-se abrir o terreno de jogo, aquecem Ukra e James. O incombustível Fernando não pode? Que se prepare o jovem Castro. Mais anéis do que dedos, num cofre que o técnico portista, a grande revelação da temporada, tem sabido gerir com precisão suiça.
Na noite de ontem, o Dragão voltou aos dias das goleadas do arranque da era Mourinho.
No mandato jesualdino vencer em casa foi sempre um problema e com números pouco expressivos. Fazia parte da sua mentalidade. Com Villas-Boas a equipa segue o espirito de Bobby Robson, o killer instinct que define os campeões. Aos 20 minutos o jogo estava resolvido com mais um golo de Hulk, realmente incrível neste arranque de época (ele que, na época passada, quando suspenso pela Liga era dos mais fracos jogadores da equipa azul). Desde o seu regresso, em Março, que os dragões não perdem. Vitórias em casa e na Europa para espantar fantasmas. E aliciar os grandes da Europa. O brasileiro é o elemento fundamental na estratégia azul. Marca e dá a marcar. Leva uma média goleadora que ombreia com o renascido Cristiano Ronaldo. Na noite de ontem, foram dois mais para a conta pessoal. Já são 13, divididos entre Liga (8) e Europe League (5). Números irresistiveis para uma equipa que conta, além do mais, com o resto do tridente ofensivo no top 3 dos goleadores da Liga. Inédito.
O colombiano Falcao, depois de mais um inicio de época timido, reencontrou-se com o golo. Dois tentos, muito trabalho e uma ovação das bancadas. Varela, o terceiro em discórdia nesta matemática de resultado fácil, culminou a goleada amenizada por um tento de penalty, convertido pelo leiriense Carlão. Vitória indiscutida, liderança asfixiante e com o derby ao virar da esquina. O Benfica sabe que, qualquer resultado que não seja uma vitória no Dragão é um sério revez na corrida pelo bicampeonato. A pressão está toda do lado dos encarnados. E o renovado FC Porto já provou que sabe jogar bem quando tem o Mundo em contra. Uma renovação de mentalidade, mais do que modelo de jogo, que conseguiu capturar o espirito de injustiçados que já tinha permitido a brilhante recta final da última etapa de Jesualdo Ferreira no banco das Antas. E que sofreu os ajustes necessários (uma defesa alta, um toque de bola ao primeiro toque no miolo, um menor recurso ao contra-golpe como cartilha básica...) para dar o murro na mesa esperado.
Como qualquer lider à 8º jornada, é impossível pensar na ideia de encomendar faixas. Mas as sensações são importantes porque determinam a tendência de futuro. Um bom trabalho de pré-época e uma estruturação adequada permitiram ao FC Porto cumprir sem mácula a sua corrida rumo ao titulo. Os rivais facilitaram a tarefa com erros de palmatória que permitiram abrir uma brecha de sete pontos, quase um ponto por jornada. Resta agora a Villas-Boas gerir essa vantagem durante os sete meses que decidirão, inevitavelmente, a temporada. Mas os rivais sabem que este FC Porto está reformado por dentro e por fora. Este Dragão não tem vontade de brincar.