Uma tremenda tempestade galopa ferozmente sobre os céus do "Teatro dos Sonhos". Um verdadeiro pesadelo sob a forma de Wayne Rooney que deixa a nú todas as debilidades de um clube que foi perdendo poder e voz no altamente competitivo mundo da Premier League. A nefasta gestão da familia Glazer abriu as portas de um vendaval que pode deixar danos colaterais dificeis de reparar.
Quando Cristiano Ronaldo abandonou Old Trafford pela porta pequena (deixando 90 milhões de euros nos cofres e um mau sabor de boca para os adeptos) o clube encomendou-se à figura de Wayne Rooney. O rebelde dianteiro que tinha explodido em 2004 estava há quatro anos à sombra do extremo português. Ronaldo era santo e senha para Ferguson e Queiroz e o avançado, contratado ao Everton assim que despontou na Premier com os toffees, era relegado para um segundo plano nada cómodo. Tanto que outra figura de dificil carácter, Carlos Tevez, fulcral naquela equipa campeã da Europa em 2008, foi incapaz de suportar. Tevez partiu para o rival de Manchester mas Rooney ficou. E prometeu amor eterno ao clube mancuniano. Ferguson agradeceu o gesto e prometeu montar uma equipa à sua volta. E cumpriu. O arranque do Man Utd 2009/2010 foi obra e graça de Wayne Rooney. Marcou como nunca na sua carreira - agora finalmente deslocado para o centro do ataque - e tornou-se na figura e simbolo de um Manchester regenerado. Mas imensamente débil. A sua lesão, no momento critico da época, deitou tudo a perder. A eliminação diante do Bayern Munchen (num jogo que estava ganho ao intervalo mas onde Ferguson teimou em alinhar um lesionado Rooney) e depois a derrota frente ao Chelsea hipotecaram os titulos a que o clube ambicionava. Rooney regressou a tempo de viajar ao Mundial mas aí esteve apenas como figura de corpo presente. Desde Março que não marca um golo sem ser de grande penalidade. Demasiado para qualquer dianteiro, mais ainda se é alguém que vive sempre no olho do furacão como Rooney, homem marcado pelos escândalos da sua vida fora dos relvados. A sua relação com uma familia marginal, o tormentoso casamento, as sucessivas lesões. Tudo isso levou a uma constante degradação da relação entre o técnico e o jogador. Até que estalou. Provavelmente, de vez.
Ferguson já perdeu grandes figuras e sempre seguiu em frente.
Teve de enfrentar a retirada precoce de Eric Cantona, os problemas com Paul Ince, David Beckham, Jaap Stam e van Nistelrooy. Sobreviveu até à birra de Cristiano Ronaldo, obrigado a um ano de castigo (com titulo de campeão incluido) pela sua tentativa falhada em forçar uma saída não prevista para Madrid. Porque em Old Trafford prevalece a palavra do mister. Sempre o foi. Até hoje.
Rooney quer sair porque está farto do ambiente que o rodeia num clube que se parece cada vez menos aquela estrutura autoritária que há 20 anos domina o futebol inglês. Não porque Ferguson tenha mudado. O técnico até evoluiu tacticamente - passou do esfingico 4-4-2 a uma variante hábil do 4-3-3 e do 4-2-3-1 - e passou a confiar mais no trabalho de pesquisa dos seus olheiros que lhe foram descubrindo várias pérolas ao longo da última década. Mas a chegada da familia Glazer ao clube retirou-lhe o poder financeiro que sempre lhe permitiu controlar cada minimo detalhe da vida do clube. A venda de Cristiano Ronaldo fez entrar 90 milhões de euros nos cofres do clube. Desde então as inversões no mercado foram minimas e pontuais. Valencia, Chicharito, Bebé, Obertan e Smalling foram as suas únicas movimentações. Nenhum jogador de nome para ganhar os adeptos e liderar o projecto. Nenhum jogador com experiência e caracter para aguentar a cada vez mais dura concorrência dos clubes de Londres. Apenas promessas que precisam de tempo e espaço para crescer.
No meio de tudo isso o técnico aproveitou para criticar o mecanismo do mercado actual e defender os valores do futebol de formação. Manobras de distração. Enquanto isso, e desesperado por não contar com as mesmas armas que os rivais, foi prolongando a longa carreira dos seus tenentes Scholes, Neville e Giggs, mesmo quando a sua frescura já não permite pautar o jogo como antes. Até Berbatov, o mal amado, recebeu uma dose extra de confiança - pelo menos até que o jovem mexicano e o italiano Macheda se tornem goleadores a sério. Tudo porque a direcção recebeu milhões para tapar os seus buracos financeiros que fizeram do mais rico clube do Mundo o maior devedor. A ponto da oferta de renovação de contracto de Rooney ter ficado a anos-luz do que o dianteiro de 24 anos esperava. Outro motivo para a rebelião.
Se perder Wayne Rooney o mais certo é que Alex Ferguson saque um coelho da cartola. Sempre o fez. Mas os sinais dados por Old Trafford nos últimos anos não enganam. O clube já não é o que era e sem essa estructura que custou tanto ao escocês criar começa a desfazer-se como um castelo de cartas. O Man Utd não tem hoje nível para ser considerado favorito na Premier e na Champions. Tentará sobreviver, o melhor que pode. Sem Rooney será uma luta mais dificil. E com o vizinho de Liverpool a mergulhar numa crise sem precedentes, fica dado o aviso. Uma gestão americana num clube inglês não tem sido um sinónimo de sucesso. A tempestade aproxima-se velozmente!