A euforia programada começa a ganhar forma. Duas vitórias obrigatórias e sem glamour transformam-se em êxitos épicos, dignos de coroação à altura. O Portugal de Paulo Bento mudou muito pouco (ou quase nada) o Portugal de Carlos Queiroz. Mas os resultados e, acima de tudo, a pressão mediática, contribuem para uma lavagem de imagem. Num país onde continuam a existir sempre dois pesos e duas medidas, Portugal continua a sua caminhada, com mais sombras do que luzes, rumo a uma prova onde a sua presença é, ou devia ser, inevitável.
Dois triunfos por 3-1 com duas exibições bem diferentes, nunca a passar da mediania, são suficientes. O país já tem o seu salvador da pátria. Todos podem dormir descansados, sem motivos para preocupações. Exageradamente, como tudo neste país, multiplicam-se as declarações de personalidades que secundam a nomeação de Paulo Bento e elogiam a sua gestão nestes dois primeiros jogos quando o próprio e os seus jogadores admitiram que o seleccionador pouco teve a ver com os dois triunfos frente aos rivais nórdicos. Como seria de esperar, com quinze dias de cargo, Paulo Bento tem tanto a ver com as vitórias lusas como Queiroz teve com as derrotas nos jogos em que a equipa foi orientada por Agostinho Oliveira. O ex-seleccionador pagou do seu bolso a sua viagem à Noruega e foi proibido pela própria FPF de comunicar-se com o banco. A mesma FPF que deveria estar interessada, acima das quezilias pessoas, no sucesso da equipa das Quinas e que agora está à morte com o novo técnico. De tal forma que Gilberto Madaíl está pondera recandidatar-se a um cargo que, há um mês atrás, com o espectro da eliminação bem presente, fez questão de anunciar que não lhe interessava. Dois pesos, duas medidas sem dúvida.
Portugal jogou contra a Dinamarca e contra a Islândia com diferenças minimas com base à equipa orientada por Agostinho Oliveira.
João Pereira rendeu Miguel e Silvio, as duas opções nos primeiros jogos, e fez duas exibições sem encher o olho, não comprometendo mas também não entusiasmando. Um posto que deverá pertencer a Bosingwa, quando recuperado, e que foi uma peça nuclear (pela sua ausência) durante todo o 2010, Mundial incluido. Pepe recuou para central e mostrou-se uns furos acima do que Ricardo Carvalho, desastroso nos dois encontros. Como Eduardo, a anos-luz da imagem que deixou no Mundial. No meio-campo surgiu João Moutinho, peça nuclear no FC Porto de Villas-Boas e com uma forma fisica e mental que não tinha em Junho passado. Carlos Martins completou o triângulo com Raul Meireles numa escolha feita para ganhar a galeria. O médio do Benfica é, à largos anos, um jogador sem estatuto de selecção. Suplente habitual no clube encarnado, ganhou protagonismo com os problemas fisicos de Aimar e pelo simples facto de ser dos poucos atletas portugueses do campeão nacional. Paulo Bento, o homem que o dispensou no Sporting por entender (e bem) que Carlos Martins rende menos do que deve, quis mostrar que é o seleccionador de todos. Entregou o posto a um jogador transparente que durante 180 minutos foi um holograma. Nada de novo portanto. Foi em Nani e Cristiano Ronaldo que se viram as principais diferenças com respeito aos dois primeiros jogos. Se Hugo Almeida continua a ser a prova viva de que Portugal e o golo é um casamento conflictivo, os dois extremos exibiram-se uns furos bem acima do habitual. Nani matou o jogo com a Dinamarca. Ronaldo ajudou a resolver o duelo na Islândia. Determinantes como se lhes pede sempre. E que só agora, finalmente, cumprem. Em dois jogos cuja a vitória era, independentemente do seleccionador, o objectivo minimo. E que, mesmo assim, foram conseguidas depois de muito sofrimento. No Dragão foi preciso dois erros infantis da defesa dinamarquesa (que até foi a pior equipa europeia do último Mundial, para quem se esqueceu já). Na Islândia, uma selecção que alinhou sem seis titulares que foram ajudar os sub-21 a estrearem-se no Europeu da categoria, sofreu-se e muito. Depois do golo e da pressão dos nórdicos, acabou por ser Raul Meireles a disparar contra a crise, tal como na Bósnia há um ano atrás. Quem ainda se lembra? Bolas que entram e bolas que saem, no fim está aí a diferença. A qualidade de jogo continua a ser a mesma, demasiado mediocre para uma selecção de alto nível.
No entanto a fálacia está aí e quem quer agarra-a como pode. Queiroz perdeu, logo não serve (mesmo tendo estado afastado dos dois polémicos jogos inaugurais pela própria FPF). Bento ganhou, logicamente é o maior. Mesmo que jogue igual, conte exactamente com os mesmos jogadores e continue a deixar em evidência os problemas estruturais da selecção. Os dois anos de vacas magras do mandato de Queiroz saldaram-se com um Mundial em que Portugal foi nono e uma série de ameaças à estrutura dirigente do futebol português que despoletaram a execução sem piedade do técnico. Neste conto da carochinha, enterrado pela imprensa e pelos opinion-makers, Queiroz será sempre o lobo mau do futebol luso, odiado por dirigentes, jogadores, jornalistas, bloggers e adeptos. Paulo Bento é o novo caçador, o homem que "empolga a nação" a altos voos com jogos mediocres e vitórias sofriveis e de serviços minimos. Portugal continua igual, a precisar de vencer todos os jogos. Continua sem criativo, sem ponta-de-lança e com muitas dúvidas lá atrás. Os mesmos problemas, os mesmos resultados, dois técnicos diferentes. Dois pesos, duas medidas. Até Junho tudo seguirá igual. São assim os contos infantis por cá...