Rosto impenetrável e juvenil. Visual descuidado e longos braços e pernas, magros e elásticos. Da ribeira do Manzanares ao tapete verde do Calderón emergiu um "superportero". Poucos guarda-redes atingiram tamanho nível de excelência tão cedo. Com 19 anos, David De Gea é o homem do momento no futebol europeu. Um verdadeiro Don David...
Casillas, Cech, Buffon, Julio César e Lloris são, provavelmente, os cinco melhores guarda-redes do Continente. Agora.
Todos eles sabem que agora contam com um rival à altura. Não faltou pouco (se é que já não o é) e David De Gea estará nessa lista. Possivelmente no primeiro lugar. Muito possivelmente. Tem todas as condições para confirmar-se como o melhor guarda-redes do planeta. Com um ano apenas no futebol profissional o jovem internacional esperanças madrileño é já uma imensa certeza. Se fosse ponta-de-lança ou extremo o seu passe já andaria pelos 60 milhões de euros, cláusula de rescisão incluida. Mas é portero, o seu labor é outro. Tão ou mais importante. Mas infinitamente menos mediático. Não vale mais do que 25 milhões, segundo o último contrato assinado pelo Atlético de Madrid, clube do seu coração, clube que o formou e lançou aos leões no estádio do Dragão na passada edição da Champions League. Lançado por outro portero histórico do futebol espanhol, Abel Resino, o jovem David vinha só para cumprir com a baixa do colega. Um colega tido como a grande promessa das redes espanholas. Mas a lesão (e instabilidade emocional) do jovem Sergio Asenjo foram a porta de entrada que o jovem de 18 anos precisava. Quando chegou à titularidade, nunca mais a largou. Nem com Asenjo no banco a reclamar por minutos, nem com o Calderón desconfiado. Num ano onde a equipa oscilou entre o inferno e o céu, David de Gea tornou-se o rosto feliz da segunda etapa. Dos jovens sonhadores. Dos rostos imparáveis.
O impacto de De Gea no futebol espanhol podia comparar-se com a errupção do vulcão Leo Messi. Mas no extremo oposto.
Durante um ano o Atlético de Madrid teve no jovem o seu maior seguro de vida. Mais do que a dupla Forlan-Aguero, as suas exibições encheram o os olhos, semana atrás de semana. Foi fulcral na final europeia ganha ao Fulham e na épica vitória frente ao Inter de Rafa Benitez. No arranque da nova época fez do Atlético lider. Com defesas impossíveis como as da passada quarta-feira em Valencia, no Nuevo Mestalla.
Contra o Barcelona, o super-Barça de Guardiola, esteve sublime. Evitou uma goleada histórica. Sempre com a mesma expressão de jovem traquinas a viver um sonho. A ele não lhe importa se é Messi, Ronaldo, Villa ou Torres que tem diante. A todos responde com a mesma autoridade. Aquela que nos habituamos a ver nos veteranos consagrados. Nunca num jovem flamante que não treme, não fraqueja, não cede.
No final do encontro foi ter com Victor Valdés, o seu idolo, apesar de ser do Barça. E foi o Zamora, o rival de Iker Casillas - o terceiro em discórdia - que se rendeu ao talento do jovem. Do já Don e senhor.
Se tanto Valdés como Casillas tiveram inicios tremidos, perdendo a titularidade depois das primeiras exibições (para Rustu e para César), e se Buffon, Júlio César e Cech demoraram também o seu tempo para se afirmarem como elementos fiáveis, que dizer de um guarda-redes que relembra o jovem Peter Schmeichel ou o imberbe Vitor Baía. O seu descaro é genuino e inocente, como cada estirada impossível a que dá forma. Sir Alex Ferguson, há anos sabiamente a patrulhar a melhor liga do Mundo para encontrar guarda-redes de primeiro nível (apesar de ter falhado com Ricardo, agora no Osasuna), está desesperado por resgatá-lo para render um Edwin van der Sar no ocaso da sua longa carreira. De tal forma que preferiu ir vê-lo in loco (sob o pretexto de observar o Valencia, o próximo rival da Champions, a treinar a sua equipa - onde se estreou a sua arriscada aposta chamada Bebé - no jogo da Carling. Inédito mas natural, o guardião do Atlético não encaixa no conceito da normalidade. De Gea tem todas as condições para suceder, em grandeza, ao gigante dinamarquês. Só alguém com um perfil forte é capaz de aguentar o inferno de Old Trafford, a loucura da Premier League. O seu rosto de manchego tranquilo diz tudo. Para ele o desafio é o de menos. O desfrute prevalece a cada segundo.
David De Gea poderá ter de penar até Iker Casillas (e Victor Valdés) deixaram de convencer os seleccionadores espanhóis que contam com um filão de ouro inesgotável. Mas tem todas as condições, fisicas e psicológicas, para se tornar num dos nomes obrigatórios na história do futebol. Mas já ninguém duvida ao observar o seu olhar felino que o jovem de Madrid tem tudo para ser o superportero do novo milénio.