"Já sou seleccionador!". Uma frase dita, talvez, com o seu quê de incredulidade. Compreensível. Imaginar Paulo Bento como novo seleccionador nacional é um sério exercício à compreensão da estrutura débil que sustenta o periclitante futebol português.
Consumado o golpe de estado, a rei morto, rei posto. Paulo Bento assinou, cobrará bem menos, terá menos responsabilidades e chega quando mais ninguém queria. Melhor inicio, impossível. Certamente.
O antigo internacional regressa à selecção portuguesa, depois de ter saído deixando uma fraca figura na mitica meia-final do Euro 2000 onde acabou por entrar no lote de suspensos pela UEFA (junto com Nuno Gomes e Abel Xavier). Representante menor da "Geração de Ouro", como jogador foi um médio centro útil que vagueou pelo agora agónico Oviedo e que acabou no ressuscitado Sporting. Clube onde ficou, ligado à formação, onde se doutorou com o mérito de vencer com umas condições invejáveis para um país onde formar passou a ser palavra maldita. Promovido de surpresa à equipa principal, depois de um ano em que tudo se pôde ganhar e tudo se perdeu em Alvalade, começou um mandato de quatro anos aliado à supremacia interna do FC Porto. Incapaz de superar Co Adriaanse primeiro e Jesualdo Ferreira depois, contentou-se com quatro vice-campeonatos consecutivos, algo inédito no historial luso. Uma taça aqui, outra acolá, desastres europeus e vários problemas de balneário e com as estruturas arbitrais marcaram profundamente o final da sua passagem por Alvalade. Deixou de ser "forever" para passar a "prescindível", pagando o preço de estar num clube suícida. Saiu pela porta pequena e ficou à espera. Da lotaria. Da inesperada lotaria chamada Selecção.
Nem conciliador, nem disciplinador, nem empolgante, nem um génio da táctica.
Paulo Bento não reúne qualquer das caracteristicas fundamentais para suceder a Carlos Queiroz. Nem uma, quanto mais as (desejáveis) quatro.
A sua passagem pelo Sporting mostrou um técnico muito similar ao jogador. Conflictivo, constantemente em guerra contra o comité de arbitragem e a Liga de Futebol, foi suspenso e admoestado mais do que uma vez. Incapaz de deitar água na fervura, levantou os animos dos adeptos leoninos contra os rivais directos. Agora será o seleccionador de 10 milhões de adeptos. Nenhum deles entusiasmado com a sua chegada, conscientes de que foi uma escolha por eliminação. Sem dinheiro para um estrangeiro de renome, sem a possibilidade de usar a carta de efeito chamada Mourinho, a FPF escolheu o "desempregado" com mais reputação, passando ao lado dos veteranos (Manuel José, Jaime Pacheco, Manuel Cajuda) e optando por seguir o modelo, tão em voga nos últimos anos, de eleger como técnico um homem sem experiência. Fê-lo o Brasil com Dunga, a Holanda com van Basten, a Alemanha com Klinsmann e a Argentina com Maradona. Todos eles figuram mediáticas no seu país, ao contrário do português que chega ao cargo mais cobiçado com quatro anos como técnico principal. Nada mais.
Um técnico que traz fama de disciplinador mas que está longe de o ser. Castigar o elo mais fraco não é ser disciplinador, é ser oportunista. Foi esse o tratamento dado por Paulo Bento a Purovic, Vukcevic, Izmailov e Stoikjovic, os recém-chegados, trazidos pela direcção com o seu aval, que competiam directamente com os seus rebentos. Na hora de resolver problemas internos graves, Paulo Bento errou. Mais do que uma vez, como se viu à posteriori com o caso "Sá Pinto vs Liedson" e as acusações à volta de João Moutinho, incompreensiveis no próprio balneário leonino.
O seu perfil como técnico é, além do mais, baixo. Muito baixo. Ridicularizado vezes sem conta pelo seu vocabulário (escasso), Paulo Bento tentou passar a imagem de um técnico que trabalha com tranquilidade, mas o que deixa à mostra é um homem incapaz de lidar com a pressão dos holofotes sem perder o controlo. Não tem o gene motivador que manteve durante tanto tempo a popularidade de Scolari em alta, nem sequer é um homem que provoca a força do balneário como foi António Oliveira. Tem um perfil similar ao de Humberto Coelho, técnico contestado pelos jogadores desde o primeiro dia e que já estava despedido antes do Euro 2000, pela própria Federação que, na altura, não teve de inventar um processo para evitar problemas maiores.
Por fim, Paulo Bento é, acima de tudo, um técnico limitado. Tacticamente. Durante o seu mandato de quatro anos em Alvalade nunca se soltou do eterno 4-4-2 em forma de losango, mesmo quando o sistema táctico estava ultrapassado, por demais conhecido dos rivais e quando o plantel sugeria outras opções. Num país habituado em excesso ao 4-3-3 (extremos como Varela, agora no FC Porto, não cabiam nas contas de Bento), a sua obsessão pelo 4-4-2 será um dilema de dificil resolução. Um verdadeiro, ou vai ou racha.
Paulo Bento sabe que é a última escolha. Sabe que é impopular. E sabe que não é um grande treinador. Tem consciência de que é preciso algo similar a um milagre para Portugal evitar cair no play-off, onde tudo pode passar. E que corre o risco de ser o treinador associado ao primeiro falhanço desportivo de Portugal desde 1998. Mesmo assim aceitou capitanear um navio cheio de buracos. A ânsia superou a razão. O navio é seu. Mas poucos acreditam que chegue a terra firme.
@ Miguel Lourenço Pereira. Discordo quando dizes que Paulo Bento não é um disciplinador. É-o de facto, as outras 3 características não as terá, concordo. Mas diz-me, com aquela equipa do Sporting, com vários ex-juniores e alguns jogadores de refugo seria possível fazer melhor? Não claro que não. O trabalho de Paulo Bento no SCP foi meritório e de grande qualidade, nem é preciso dizer como está o clube neste momento... Eu falei sobre isso aqui, http :/ xavierorkall.blogspot.com /2010/09 fpf-escolhe-o-melhor-treinador.html
Levantando, um pouco, o véu daquilo que poderá ser a Selecção nos próximos anos.
PS: a palavra conflictivo não existe, muda lá isso (e apaga esta linha sff.)
Xavier,
O Paulo Bento podia ter feito algo mais com o Sporting que treinou? Depende.
Nos dois primeiros anos, chegando a um clube queimado, acredito que tenha feito o seu melhor. Mas quando já estava há três anos num clube com um plantel definido essencialmente por si, com um sistema táctico estudado e preparado, pedia-se um salto de qualidade que nunca se viu. Eu próprio, na época passada, previ que era o clube com melhor estrutura para atacar o campeonato pela longevidade de PB no banco. Enganei-me.
Quanto ao seu lado disciplinador, uma coisa é disciplinar de forma educativa e reintegrante (algo fundamental numa selecção onde não se podem dispensar jogadores importantes facilmente) e outra é colocar de parte um jogador por nao seguir a cartilha. Num clube um técnico tem mais poder disciplinador porque trabalha diariamente. Numa selecçao deve ser um gestor humano, mais do que qualquer coisa. Os casos com C. Martins, Varela, Stoijkovic, Vukcevic, Liedson e afins não serão culpa do técnico (exclusiva, pelo menos), mas não acho que a forma como resolveu esses problemas no Sporting seja a que a selecção necessita.
PS: Tens razão, "saiu-me" o termo espanhol em lugar do conflituoso. Mas não é preciso apagar a linha, tens toda a rzão ;-)
@ Miguel,
Eu tenho esperanças que o Paulo Bento vai fazer um grande trabalho na Selecção Nacional. Para isso terá de romper com alguns paradigmas. Como tu bem apontas é necessário sair do esquema 4-4-2 e apostar claramente num 4-3-3. Mas parece-me que PB tem essa presença de espírito e saberá adequar-se à nova situação. Repara que Varela não cabia nas contas de PB porque era muito novo e as suas exibições foram incipientes, na altura. Agora as coisas são diferentes, claro, tanto para Varela como para PB . Ambos mais maduros, aqui tb poderíamos incluir Carlos Martins, e mais capazes de acrescentar algo de positivo ao jogo.
Espero que PB tenha melhorado significativamente na questão de gerir "os recursos humanos" à sua disposição, e que não seja necessário de comprar uma guerra com quem for, à semelhança do que fez Scolari , para aglutinar apoios.
Vamos ver muito em breve até pela convocatória que ele vai fazer, qual das vias vai ser a escolhida...
Xavier,
Honestamente nao acredito que rompa muito com o passado recente até porque o futebol portugues tem um campo de recrutamento muito reduzido.
Suspeito que chame os jogadores que conhece bem do Sporting (incluindo o Moutinho) mais o nucleo duro actual. Poderá optar pela dupla Carvalho-Pepe, rotinada por Mourinho e recuperar Bosingwa e Nani na ala direita, com Coentrao e Ronaldo pela esquerda e Liedson no meio. Veloso, Moutinho e Meireles no miolo. Sao as minhas suspeitas.
Pode ser que funcione? Claro que sim, a situaçao nao é tao dramático como muitos pintam, só temos menos 2 pontos que a França no seu proprio grupo, p.e., e ninguem quis despedir o Blanc por isso. Vencer os dois confrontos com a Dinamarca, o rival directo, e vencer a Noruega garante um total de 10 pontos. Depois é preciso nao falhar com a Islandia e nao perder com o Chipre. Nada titanico, nem de longe nem de perto.
um abraço
@ Miguel. Estou confiante que ele vai trazer novas ideias, porque é isso que necessitamos. O campo de recrutamento pode ser pequeno mas é de qualidade, nesse aspecto nada temos a temer. O cenário traçado, no teu último parágrafo, é verosímil, mas não será suficiente para ficar em 1º lugar. Acho eu... (deixa cá pegar na máquina de calcular!)
De Ricardo a 23 de Setembro de 2010 às 21:14
Paulo Bento é um treinador de circunstância, ou seja, neste momento que atravessa o futebol português e a incerteza sobre a nova estrutura da FPF, Paulo Bento é um seleccionador para queimar.
Considero desprestigiante para o cargo de seleccionador nacional contratar-se um técnico com tão pouca experiência e currículo.
Veremos o que ele pode trazer de positivo à Selecção (e eu desejo-lhe todo o sucesso do mundo).
Ricardo,
É um técnico de circunstancia essencialmente porque nao ha dinheiro para pagar a um bom técnico nem há treinadores portugueses de nivel livres para o cargo.
A moda dos treinadores sem experiencia nas selecçoes é uma realidade e alguns dizem que se deve, precisamente, à importancia do aspecto humano para lá do treino e táctico, algo que os seleccionadores nunca têm tempo para explorar. Mas se pretendiam um golpe de efeito, acho que falharam por completo.
um abraço
Xavier,
De momento só a Noruega é que não tem porque preocupar-se com a calculadora ;-) É inevitável hoje em dia que todos percam pontos com todos, há muito que acabou a história dos vencedores de grupos imaculados. Nem Noruega nem Dinamarca são equipas para isso. Entre eles (e Chipre, e Islandia) perderão pontos suficientes para permitir uma recuperação. Portugal tem é de fazer o seu trabalho.
Quanto à qualidade do campo de recrutamento, discordo. Estamos num plano em que a média de valores baixou drasticamente ao largo da década e se há posiçoes onde temos jogadores de bom nivel, também há outras onde nao temos nem 1 só jogador de nivel médio alto (médio criativo, ponta de lança) e outras onde a diferença entre a 1 opçao e o suplente é imensa, o que pode passar factura como se viu com a ausencia de Bosingwa ou com a falta de Nani.
um abraço
De Pedro Almeida a 24 de Setembro de 2010 às 14:40
"Nem conciliador, nem disciplinador, nem empolgante, nem um génio da táctica"
Parei aqui, o Queiroz tinha alguma destas caracterisitcas?
Pedro,
Precisamente, eu que pensava que o PB ia trazer algo de novo ao mandato do Queiroz...
De
P a 24 de Setembro de 2010 às 15:04
Com todo o respeito. Acho tudo um disparate
P,
Com todo o respeito, eu também acho que o PB a seleccionador é um grande disparate.
De Joao Rodrigues a 24 de Setembro de 2010 às 22:55
Jaime Pacheco???????????
Caro João,
Ao contrário de Manuel José e Manuel Cajuda, nomes citados para suceder a Queiroz no Verão, Jaime Pacheco sim foi campeão nacional. Algum mérito terá...
De LOL a 16 de Novembro de 2011 às 00:11
texto mais aziado.
Chupa!
LOL,
E imagina tu quem não lhe mudo uma virgula. O problema é que aqueles que só conseguem ver um desporto tão complexo no resultado nunca terão a mais minima capacidade para distinguir entre o real e o imaginário.
De Pedro Soeiro a 16 de Novembro de 2011 às 01:01
Violinha no saco...
E faltou a referência de que o PB jogou no Benfica.
De Zé a 16 de Novembro de 2011 às 03:36
Faço do que disse o "LOL" minhas palavras. Tanta azia num só texto...
Zé,
Para não me repetir, comentário anterior ;-)
De Anónimo a 16 de Novembro de 2011 às 10:35
O que fica para a história é que Portugal está apurado para o Euro 2012.
Anónimo,
Correctíssimo...o golo de Carlos Manuel, fabuloso em Estugarda, também deixou para a história o apuramento para um Mundial, mas imagine o que se seguiu... por isso também pode ficar para a história, e espero sinceramente que não, que de 16 equipas, Portugal fique...em 16º...
Quando falamos de história, falemos de tudo e não só do que possa vir a interessar, porque há muitas histórias dentro da história ;-)
De Luis a 16 de Novembro de 2011 às 23:45
E agora? Despede-se o (vamos chamá-lo assim) o jornalista??
Luis,
Se me tivesse sob contrato e pagando o que de direito podia despedir-me à vontade ;-)
O PB será inevitavelmente despedido e provavelmente por pessoas como o Luis quando em Junho entendam que uma coisa é ficar segundo num grupo em que se é cabeça de série depois de perder o jogo realmente importante e apurar-se num play-off contra uma selecção ridicularizada por quase todos...e outra é ser bom no seu trabalho!
De Flavio a 18 de Novembro de 2011 às 08:40
Senhor..adorei o texto..
ahahahha
Li um ano e meio depois claro..LOL
Ja n escreveu mais sobre nada?
Gostava de ler
Flavio,
O arquivo do blog está aí ao lado, as tags podem ajudar ;-)
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