Ficou para a história como o número 1 da etapa mais bem sucedida da história do futebol luso. Aposta pessoal de um seleccionador polémico, Ricardo Pereira foi sempre um guarda-redes capaz de despertar ódios e paixões. Três anos depois do inicio da sua aventura espanhola, o homem que parava penaltys sem luvas caiu no abismo do esquecimento. Já não há lugar para ele no mundo do futebol.
A noticia surpreende poucos.
Quem seguiu a decepcionante campanha do Bétis da passada época, cedo percebeu que Ricardo estava destinado a não voltar a pisar o relvado do Benito Villamarin, ainda conhecido actualmente pelo nome do seu último e polémico presidente, Ruiz de Lopera. O guardião português foi um dos investimentos mais caros da equipa andaluza há três temporadas, mas revelou-se igualmente um dos maiores fiascos do clube bético. A porta da saída ficou aberta mas ninguém mostrou interesse em arriscar uma contratação repleta de riscos. Altos riscos. Inevitavelmente, o mercado fechou e com ele o fim da aventura no Bétis de Ricardo Pereira. Em 25 vagas livres, nenhuma sobrou para o guardião. O jogador está, actualmente, no limbo desportivo. De onde talvez nunca mais volte a sair.
A polémica à volta de Ricardo em Sevilla ganhou contornos bem similares aqueles que marcaram a carreira do guarda-redes em Portugal. A intermitência das suas exibições, oscilando entre o genial e o deprimente, rapidamente dividiu as bancadas verde e brancas de Sevilla. Até que a queda na Liga Adelante ditou a sentença final para Ricardo. Os adeptos nunca mais o perdoariam, os treinadores raramente voltariam a correr o risco de lhe entregar as redes do clube bético. Nem a última etapa com Luis Filipe Scolari ao mando salvou a sua reputação. Os seus erros frente à Alemanha nos Quartos de Final do Europeu de 2008 fecharam as poucas portas que ainda se podiam abrir para um homem habituado a desafiar o inevitável.
Ricardo conheceu os seus primeiros dias de glória no histórico Boavista de Jaime Pacheco.
Natural do Montijo (nasceu em Janeiro de 1976), o guardião começou a carreira no clube local antes de se transferir para o Boavista, onde surgiu como a terceira opção durante dois anos. O final da carreira do histórico Alfredo abriu-lhe a oportunidade de estrear-se, em Fevereiro de 1997, como titular dos axadrezados. Conservou o posto e tornou-se elemento chave da equipa boavisteira que disputou em 1998/99 o titulo ao FC Porto. Com Pedro Emanuel, Petit, Martelinho, Sanchez e Jorge Silva tornou-se o esteio da equipa que dois anos depois faria história ao sagrar-se, pela primeira vez, campeã nacional. Ricardo foi o guardião menos batido da época e a sua voz de comando na área tornou-o automaticamente num dos guarda-redes mais quotados da liga lusa. A chamada à selecção nacional surgiu em 2001, pela mão de António Oliveira. O seleccionador levou o guardião ao Mundial da Coreia do Sul e Japão como titular, mas um jogo inesquecível frente à China do até então lesionado Vitor Baía, fez o técnico mudar de ideias. Baía seria o titular durante a campanha, Ricardo teria de esperar. O final da prova significou também o final da carreira do portista na equipa das Quinas. Agostinho Oliveira, primeiro, e logo Luis Filipe Scolari, recusaram-se a convocar o portista, que nos dois anos seguintes seria duplamente coroado pela UEFA como o melhor guardião europeu, e Ricardo assumiu o posto de titular. Iria mantê-lo durante seis anos, sem nunca chegar a convencer plenamente os criticos e adeptos.
Dele fazem parte alguns dos momentos mais memoráveis da história do futebol luso, mas também algumas das noites mais desastradas. Já ao serviço do Sporting, para onde se transfere, não sem polémica, em 2003, o guarda-redes mostra a sua cara e cruz durante o Europeu de 2004. Ao máximo nivel contra Espanha e Rússia, Ricardo torna-se no herói do duelo frente à Inglaterra, travando dois penaltys britânicos - o último dos quais sem luvas, num gesto heróico - e apontando ele o penalty ganhador. Uma das suas especialidades que o tornaram numa celebridade europeia. Uma semana depois, no entanto, um erro de precipitação permitiria a Angelos Charisteas confirmar a surpresa, o titulo europeu grego, e lançaram nuvens sobre o futuro de Ricardo na selecção. Scolari manteve-se inflexível. Nem Baía, nem mais tarde Quim, conseguiram chegar ao posto de titular durante as campanhas do Mundial de 2006 (onde voltou a brilhar na marca das grandes penalidades frente aos ingleses, para depois ser o principal responsável da derrota com a Alemanha no último jogo) e no Euro 2008, onde voltou a mostrar o seu lado mais negro.
Por essa altura já Ricardo actuava na liga espanhola, onde a sua chegada tinha despertado muito interesse. O péssimo ano de estreia, aliado à despromoção do histórico Bétis e à sua má performance no Europeu de futebol foram o principio do fim. Carlos Queiroz, o novo seleccionador, riscou o guardião da lista (apostando primeiro em Quim e logo em Eduardo) apesar de o manter em várias pré-convocatórias. E em Sevilla os técnicos que se foram sucedendo deixaram de confiar no luso. Até à chegada de Pepe Mel, técnico recrutado ao Rayo Vallecano que tomou a imediata decisão de prescindir do homem que defendia penaltys sem luvas. Sem lugar em Sevilla, sem lugar em Portugal, sem lugar na Europa, aos 34 anos a carreira de Ricardo vive à beira do abismo. Poucos se recordam das suas memoráveis exibições durante as campanhas europeias do Boavista. O final da carreira daquele que foi, talvez, o mais polémico guarda-redes internacional português (chegou às 75 internacionalizações) pode estar perto do fim. Só o seu sangue-frio em momentos de alto risco nos permite duvidar. Haverá espaço para a ressurreição do anti-herói português?