A ronda europeia deste inicio de época, a que só escapou o SL Benfica, voltou a demonstrar, pela enésima vez, que o futebol português é incapaz de lidar com a maturidade e tranquilidade necessárias as grandes competições. Duas vitórias bem diferentes e duas derrotas inexplicáveis que reforçam o mau papel europeu a que as equipas lusas nos têm habituado...desde sempre.
Um país com a história de Portugal que soma apenas cinco competições europeias ganhas em quase 150 provas (a dividir entre Champions League, UEFA e a extinta Taça das Taças) é, claramente, um país com um grave problema competitivo.
Mas o problema nem está até nas finais ganhas e perdidas (uma o FC Porto e Sporting, seis o Benfica), mas sim na prestação habitual das equipas fora do quadro dos grandes. Se Portugal caiu a pique nos últimos anos no celebre ranking da UEFA, essa situação deveu-se essencialmente ao imenso desiquilibrio entre as equipas que se classificavam para as provas europeias e as que realmente tinham estofo para as disputar. Clubes de pequena dimensão como Estrela da Amadora, Salgueiros, Farense, União de Leiria, Beira-Mar ou Paços de Ferreira tiveram direito a brevíssimas passagens pelo circulo europeu, sem deixar a sua marca. O seu futebol pequeno, lento, complexado e sem qualquer pingo de ambição até podia ser a excepção na regra de uma liga com estrutura hábil o suficiente para oferecer, anualmente, um conjunto de equipas com estofo para medir-se com os seus principais rivais na Europa. Leque de países que, no caso português, é composto por Holanda, Roménia, Ucrânia e Rússia. Sem obrigatoriedade de bater-se de igual para as grandes potências económicas e desportivas das cinco principais ligas (apesar do mérito do FC Porto em tê-lo feito, de forma sucessiva, nos últimos anos), é nesses duelos entre iguais que se mede o verdadeiro pulso do futebol luso. Um duelo em que saímos, claramente a perder.
O rescaldo da noite de ontem, deixa ainda outra imagem preocupante.
Já não existe apenas a dificuldade eterna em bater-se de igual com os seus rivais directos. É o de cair, sem margem para injustiças, com equipas de ligas e condições claramente inferiores. A derrota em Alvalade do Sporting não surpreende. O clube leonino vive uma verdadeira crise de identidade (mudança técnica, mudança de politica desportiva, longa ausência de titulos) e depois do sofrimento exagerado contra o onze dinamarquês do Nordjsland, chegou a confirmação de que os ares do norte não se dão bem aos de Paulo Sérgio. O Brondby, o clube mais titulado da Dinamarca, fez do que quis uma formação que, até à época passada, se tinha exibido regularmente na Champions League. Desiquilibrou uma eliminatória que só aqueles que acreditam que os nomes ainda ganham rondas estava a favor dos verde-e-brancos.
Os clubes portugueses continuam a viver mais do passado do que do presente. O Sporting, que foi a última equipa portuguesa presente numa final europeia (perdida no seu estádio, em 2005, face ao CSKA Moscow) nunca teve expressão europeia, se exceptuarmos a vitória na Taça das Taças em 1966 e a brilhante época na Taça UEFA de 1990. A sua crónica falta de capacidade de lidar com rivais mais determinados e aplicados foi o espelho do que se viveu na passada noite.
Espelho diametralmente oposto ao FC Porto, um clube habituado a fazer da atitude competitiva, um oásis no futebol português, a sua grande arma. A transformação do FC Porto como grande dominador do futebol luso a partir de 1976 é, acima de tudo, uma transformação na imagem de equipa sem ambição num conjunto com uma fortissima atitude competitiva. De tal forma que os azuis e brancos rapidamente se transformaram numa referência europeia. Duas Champions League, uma Taça UEFA, duas Intercontinentais, uma Supertaça Europeia e uma final da Taça das Taças perdida depois, o FC Porto é hoje em dia, provavelmente, o único clube português capaz de ganhar um jogo na Europa com base, apenas, no seu faro competitivo. Viu-se ontem, frente ao Genk, que nunca foi inferior como se poderia prever, mas que não teve o estofo e a calma de um clube que detinha, até este ano, o recorde de participações na prova rainha europeia, onde se doutorou anualmente como presença assidua na segunda ronda. O clube da Invicta jogou mal e ganhou bem. Como se exige neste tipo de eliminatórias.
Se Sporting e Porto são a cara e a cruz do problema de atitude das equipas portuguesas lá fora (a campanha do Benfica foi, no ano passado, a excepção a um passado recente de desastres sucessivos que deixam lá na memória as finais perdidas de 1988 e 1990 na Champions League), o mesmo se passa com Braga e Maritimo.
Os bracarenses são os herdeiros de Vitória de Setubal e Boavista, as únicas duas formações portuguesas fora do núcleo dos três grandes que conseguiram transmitir uma atitude competitiva e ganhadora no espaço europeu. Os sadinos na década de 60 e 70, graças ao trabalho cirúrgico de José Maria Pedroto e Fernando Vaz, e os axadrezados no principio dos 90 e uma década depois, foram equipas com verdadeira projecção europeia graças aos projectos bem estruturados e ambiciosos que os apoiavam. Os do Bessa, que despontaram na Europa nos dias de Manuel José, confirmaram a sua afirmação como "Quarto Grande" nas suas notáveis campanhas na Champions League e nas meias-finais da Taça UEFA de 2003 sob o comando de Jaime Pacheco. Eram formações descomplexadas, concentradas e com uma atitude bem distinta da esmagadora maioria dos onzes lusos que, ao atravessar a fronteira, começavam já a perder. A vitória categórica do Braga de Domingos frente ao Sevilla, depois da vitória sobre o Celtic, coloca os "Guerreiros do Minho" nessa tradição, sem esquecer a brilhante campanha da equipa então orientada por Jorge Jesus. No entanto, mesmo um projecto destas caracteristicas é capaz de tropeçar duas vezes na mesma pedra. As rápidas e sucessivas eliminações europeias nas últimas épocas, tal como se viveu na passada época, é o sinal claro de que há ainda muito a fazer.
Já o Maritimo representa o verdadeiro espirito do futebol luso lá fora. Uma equipa com recente tradição europeia, apesar da perda de protagonismo para o rival directo, o Nacional da Madeira, incapaz de levantar cabeça e bater com o pé. Se o BATE Borisov é uma equipa dominante no seu pais, a verdade é que lhe faltam argumentos para lutar no espaço europeu. A todos os niveis é uma formação inferior ao conjunto maritimista. No entanto, essas diferenças desaparecem, invariavelmente, no terreno de jogo. Como aconteceu com Nacional, Vitória de Guimarães, Belenenses e outras formações, as equipas de segunda linha da liga lusa caem invariavelmente nas primeiras rondas europeias. Não pelo peso dos rivais (não houve, desta vez, um Valencia, Leeds ou Roma no sorteio para ninguém), mas pela sua própria incapacidade de competir para lá do rectângulo ibérico onde o jogo pára constantemente, onde os árbitros não têm critérios, onde os treinadores são medrosos e onde o público não exige, simplesmente critica. O futebol português já não se disputa em campos pelados, mas o treino, os dispositivos tácticos, o trabalho de formação e a mentalidade pequena de técnicos e jogadores, muitos deles estrangeiros de terceira linha, falam por si. Os resultados nunca mentem.
A subida portuguesa no ranking nos anos 90 deveu-se, sabe-se, quase em exclusivo ao sucesso europeu do FC Porto.
Por cada vitória dos azuis e brancos, durante largas épocas, iam caindo as restantes equipas (que chegaram a ser até seis). Quando os azuis e brancos baixavam de forma, não havia ninguém para tomar o seu lugar. Portugal perdeu prestigio, posições e equipas na Europa (principalmente no caso da Champions League, onde chegou a haver duas com classificação directa e uma terceira no play-off). Nos últimos dois anos houve uma ligeira recuperação, fruto do regresso do FC Porto, mas também das boas épocas de Braga e Benfica nos últimos dois anos e na perda inevitável de pontos pelos países que ultrapassam a liga lusa, incapazes, também eles, de lidar com tantos onzes no futebol europeu. O resultado desta primeira ronda não é definitivo, mas quase. Portugal corre o risco de seguir o resto da época europeia com apenas três equipas. Muito pouco. Mas desnecessariamente justo. Porque enquanto não houver uma nova postura e atitude por parte das equipas portuguesas quando saem do seu pequeno Mundo, mais vale mesmo seguir apenas com quem tem argumentos reais para competir. É a lei da sobrevivência.