Todos os anos somos presentados com o resume das temporadas nas ligas europeias. De Espanha chega-nos, invariavelmente, a noticia de que há um novo Pichichi. Anos de experiência já nos ensinou que estamos a falar do melhor marcador da prova. Mas porque Pichichi? Viajamos atrás no tempo para recuperar a carreira do mais prolifero avançado da história do futebol espanhol.
Rafael Moreno Aranzadi é um nome desconhecido no meio futebolistico. Pichichi é uma lenda.
São a mesma pessoa, carne e osso, e porque não, alma e espirito, do maior goleador espanhol da primeira metade do século XX. O homem que quebrou barreiras e instituiu recordes, alguns ainda hoje por bater. O facto de ter jogado nas primeiras épocas da história do futebol do país vizinho retira-lhe o protagonismo que teria, anos depois, Zarra. Muitos dos números que rodeiam a sua carreira estão envoltos numa aura de incerteza. Mas o seu talento, registado para a posteridade, foi inegável.
O dianteiro vasco nasceu em 1892 em Bilbao. Uma era onde o futebol ainda estava a dar os primeiros passos no continente. Bilbao foi essa porta de entrada em Espanha e por isso é acertado dizer que Aranzadi nasceu no sitio certo à hora certa. O seu tio, e mentor, foi o célebre escritor Miguel de Unamuno, um dos maiores génios intelectuais da transição de século. Foi o tio que, ao vê-lo jogar sempre contra rapazes mais velhos, nas ruas do porto de Bilbao, o baptizou como o "Pichichi", o pequenino. O nome ficou para a posteridade com a mesma certeza da prosa do autor de Niebla.
Em 1911, com 19 anos, o dianteiro estreou-se com a camisola da equipa principal do Athletic Bilbao.
Depois de anos a jogar pelas equipas de reservas, foi-lhe finalmente dada a oportunidade de brilhar. Nesse dia começou uma longa carreira de sucesso que só terminaria 10 anos depois. O clube basco venceu o jogo por 3-0 mas Pichichi não marcou. Uma raridade, como se veria.
Era habitual vê-lo jogar com um lenço branco, atado à cabeça, que o distinguia imediatamente dos demais. Dois anos depois de estrear-se, quando já se tinha celebrizado como goleador (chegou a marcar 10 golos por jogo em quatro encontros consecutivos), tornou-se também no primeiro jogador a marcar no mitico estádio de San Mamés, aquando da sua inauguração. Durante essa década o dianteiro apontou cerca de - e aqui entram as dúvidas estatisticas - 100 golos. Não existia então um campeonato nacional, só a Copa del Rey, e ao serviço do Bilbao, o dianteiro conquistou por quatro vezes o trofeu. Por cinco ocasiões ganhou o campeonato regional do Norte, disputado por equipas da zona do Pais Basco, Navarra, Asturias e Cantábria. Em 1920, Pichichi fez parta da expedição da selecção espanhola, então na sua primeira aventura Olimpica, aos Jogos de Antuérpia. Marcou o seu único golo internacional, contra a Holanda, e conquistou a Medalha de Prata, até 1992 o melhor resultado olimpico do futebol espanhol. No ano seguinte pôs um ponto final à sua carreira. Tinha 29 anos mas já começava a ser criticado pela afficion basca e decidiu dar inicio a uma carreira como árbitro. Não foi possível. Meses depois faleceu, surpreendentemente, de tifo, deixando orfão o ataque basco durante largos anos.
O último avançado a ostentar o titulo de Pichichi foi o argentino Leo Messi. O prémio com esse nome foi lançado pelo jornal Marca com a benção do ministro dos desportos de Franco, o general Móscardo, a partir de 1953. Ao longo da história houve jogadores que marcaram uma era e venceram o prémio bem mais do que uma só vez. Os golos de Zarra, Di Stefano, Hugo Sanchez, Quini ou Puskas ficaram para a posteridade. Mas a história decidiu ficar com o nome de Pichichi, o avançado que faz ecoar do passado a precisão do seu disparo.